Carnaval-ritual: Carlos Vergara e Cacique de Ramos | Maurício Barros de Castro

Com Carnaval-ritual: Carlos Vergara e Cacique de Ramos, Maurício Barros de Castro dá sequência à sua já extensa produção bibliográfica. Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), ele destaca-se por sua formação interdisciplinar: graduado em Comunicação Social, realizou mestrado em Memória Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e doutorado em História na Universidade de São Paulo (USP), tendo trajetória na pós-graduação vinculada a orientação de José Carlos Sebe Bom Meihy, um dos autores clássicos da História Oral no Brasil e de suas relações com a memória social.

 Carnaval-ritual, em particular dialoga com vários livros escritos e organizados pelo autor na década de 2010, como Mestre João Grande: na roda do mundo1 , Estácio: vidas e obras2 , Zicartola: política e samba na casa de Cartola e Dona Zica3 , Relações raciais e políticas de patrimônio4, Gilberto Gil: Refavela5 e Arte e cultura: ensaios6, sem falar de sua participação no grupo responsável por Nos quintais do samba da Grande Madureira: memória, história e imagens de ontem e hoje.7 Em comum, esses trabalhos mapeiam as sociabilidades urbanas do Rio de Janeiro e do Brasil, os cruzamentos entre cultura popular e erudita, e as expressões artísticas, religiosas e musicais afro-brasileiras. A maior parte deles vincula-se, direta e indiretamente, ao projeto Museu Afro-digital8, que valoriza e divulga o patrimônio cultural da diáspora negra no Brasil e nas Américas. Leia Mais

Carnaval e Política: o Ilê Aiyê e a reinvenção da África | Niyi Afolabi

Vinte e dois anos atrás, escrevi para o n. 24 da Afro-Ásia uma resenha sobre o livro de Michel Agier, Anthropologie du Carnaval, uma contribuição substancial sobre o Ilê Aiyê, o bloco afro de Salvador que, ao longo dessas quatro décadas e meia, vem recebendo mais atenção de pesquisadores, jornalistas e cronistas.1 Provavelmente, trata-se do grupo de exaltação à Negritude que mais atrai os acadêmicos, bem como o Afoxé Filhos de Gandhy e as casas de Candomblé mais famosas, como o Gantois, a Casa Branca e o Axé Opô Afonjá. Leia Mais

Festa de negro em devoção de branco: do carnaval na procissão ao teatro no círio | José Ramos Tinhorão

A festa como temática em pesquisas é um assunto recente entre os historiadores, pois estes se interessaram pelo assunto apenas nas últimas décadas. No entanto, já é abordada há algum tempo por outros estudiosos, como os folcloristas, jornalistas e sociólogos brasileiros. O jornalista José Ramos Tinhorão, nascido em 1928 em Santos-SP, é crítico e pesquisador na área da história da música e história literária brasileira, autor de uma extensa e diversificada obra sobre temas relacionados à música e festas populares no Brasil e Portugal, com base na pesquisa histórica1.

Os textos publicados por Tinhorão tendem ao materialismo histórico. Em sua obra, é possível notar frequente denúncia sobre a alienação das classes dominantes e uma valorização das classes populares como detentoras da verdadeira cultura nacional. O autor, atravessado pelos novos paradigmas da historiografia, propõe um diálogo com outras disciplinas e utiliza uma diversidade de fontes em sua investigação que abrange desde fontes oficiais, como leis, regimentos e posturas até fontes que outrora não eram consideradas seguras pelos historiadores, como os testemunhos de contemporâneos, o teatro, a literatura de cordel e impressos (folhetos, farsas, entradas e loas). Leia Mais

O dia em que adiaram o Carnaval: política externa e a construção do Brasil – SANTOS (RBH)

SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. O dia em que adiaram o Carnaval: política externa e a construção do Brasil. São Paulo: Ed. Unesp, 2010. 278p. Resenha de: DULCI, Tereza Maria Spyer. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.31, n.62, São Paulo, dez. 2011.

O livro de Luís Cláudio Villafañe G. Santos impressiona desde o começo, pelo título, que relaciona a festa popular do carnaval à política externa, e também pela capa, uma imagem do vitral da Catedral Nacional de Washington retratando o barão do Rio Branco. Imediatamente somos levados a perceber que o livro tem como ponto de partida José Maria Paranhos da Silva Júnior, o barão do Rio Branco, responsável pela consolidação do território brasileiro, que figura naquele conjunto de vitrais, com Bolívar e San Martín, entre os heróis da América do Sul.

O autor, diplomata de carreira, mestre e doutor em História pela Universidade de Brasília, desenvolveu neste livro, O dia em que adiaram o Carnaval: política externa e a construção do Brasil, publicado pela Editora Unesp, um excelente estudo sobre as relações entre nacionalismo, identidade e política externa. Partindo de Rio Branco, Villafañe percorre o panorama histórico do país, do século XIX até os dias atuais, para investigar como foi construída a ‘consciência nacional’, a ‘ideia de raça brasileira’, a ‘consciência do atraso nacional’ e a ‘liderança natural’ do Brasil na América Latina.

O adiamento das festividades populares de 1912 em razão da morte do barão do Rio Branco, ocorrida na véspera do carnaval, demonstra o prestígio e o poder do diplomata não só diante das autoridades, mas também perante a população. Este seria, para Villafañe, um caso único na história, no qual a figura de um diplomata torna-se referência para a construção da nação ao obter importantes vitórias nas disputas de fronteiras.

Embora não sejam contemporâneos, Bolívar, San Martín e Rio Branco teriam sido, cada um a seu modo, responsáveis pela consolidação das nacionalidades na América do Sul. O que salta aos olhos é que, no caso do Brasil, uma figura da República, e não do Império, foi protagonista desse processo de construção da nação brasileira. Mas como explicar o lugar ocupado por Rio Branco na memória e no imaginário da nação brasileira, quase um século depois do processo de independência?

Villafañe afirma que a independência brasileira se fez sem a presença dos famosos ‘libertadores’ dos demais países americanos, e que o Império teria criado um sentimento de pátria comum ainda atrelado à legitimidade dinástica, nos moldes dos Estados europeus do Antigo Regime, o que explica a pequena adesão da sociedade ao sentimento de identidade nacional. Isso teria mudado com a República, momento em que se buscou desenvolver um sentimento nacional brasileiro vinculado à ‘comunidade imaginada’, conceito de Benedict Anderson, do qual o autor se vale muitas vezes ao longo do livro.

Ao argumentar que a política externa é um dos aspectos mais característicos da ação do Estado na construção do nacionalismo, Villafañe destaca que a questão do território conformou o ‘interesse nacional’ brasileiro, já que é um dos elementos essenciais daquilo que o autor denomina “santíssima trindade do nacionalismo”, composta por “Estado, Povo e Território”.

Por sua vez, a identidade de um Estado, auxiliada pela política externa, se constrói muitas vezes a partir de sua relação com os demais Estados, daí a importância do conceito de ‘alteridade’, que leva o pesquisador a investigar, não apenas quais foram os ‘outros’ externos, mas também os ‘outros’ internos. Segundo Villafañe, na tentativa de criar uma ‘comunidade imaginada’ brasileira, o “outro pode assumir várias formas: brasileiros versus portugueses, brasileiros versus africanos, América versus Europa, império versus república, civilização versus barbárie, americanismo continental versus nacionalismos particulares”.

Sendo assim, o objetivo central das primeiras gerações de intelectuais da República foi reinserir o Brasil na América e superar o ‘atraso’ gerado pela colonização e pela monarquia portuguesa. O autor identifica, nesse contexto, duas vertentes de debate sobre a identidade brasileira, as quais engendraram as ideias do ‘atraso nacional’: uma baseada nas relações entre o meio e a raça (que valorizava a mestiçagem) e outra assentada numa visão antilusitana e antiafricana (que valorizava o americanismo).

O historiador afirma que, com o advento da República, transformou-se o lugar do Brasil no continente, especialmente a partir da incorporação das premissas do pan-americanismo, caras à política externa brasileira, principalmente durante a gestão de Rio Branco como chanceler, entre 1902 e 1912.

Segundo o autor, a diplomacia de Rio Branco é paradigmática para compreender a relação entre nacionalismo e territorialidade, pois buscava definir as fronteiras, aumentar o prestígio internacional do Brasil e afirmar a liderança ‘natural’ de nosso país na América do Sul, deixando como herança um ‘evangelho’ que descrevia o Brasil como “um país pacífico, com fronteiras definidas, satisfeito territorialmente”. Um exemplo interessante, analisado pelo historiador, foi a presença do Brasil nos trabalhos da Liga das Nações, participação que tinha como meta aumentar o prestígio internacional do país, mas que contribuiu, ao mesmo tempo, para a sustentação política do governo e para fortalecer as rivalidades entre Brasil e Argentina na disputa pela preponderância política e militar no Cone Sul.

Villafañe destaca ainda o Estado Novo como forte instrumentalizador da identidade nacional, já que nesse período ocorreu o processo de consolidação dos dois símbolos culturais da identidade brasileira atual: o carnaval e o futebol. Através do Departamento de Imprensa e Propaganda – órgão responsável por auxiliar as “festas populares com intuito patriótico, educativo ou de propaganda turística” – Getúlio Vargas institucionalizou o carnaval, tornando-o oficialmente símbolo da nacionalidade brasileira, e profissionalizou o futebol, com o intuito de difundir um conjunto de valores supostamente pertencentes a um caráter nacional, “produto de uma alma brasileira”.

Também a partir da Era Vargas, o nacionalismo teria se vinculado à ideia de desenvolvimento econômico e social, o que, segundo o autor, teria “acrescentado um novo elemento ao evangelho do Barão”. O desenvolvimento patrocinado pelo Estado levaria à superação do atraso e projetaria o Brasil para o futuro, ao desenvolver uma ‘autonomia da dependência’, componente ausente da política externa, tanto do Império, quanto da República Velha.

É nesse momento que, segundo Villafañe, a retórica diplomática brasileira incorpora de fato o pertencimento à América Latina, ao se perceber membro do grupo de países menos desenvolvidos e buscar a superação do ‘atraso nacional’. Dessa fase, o historiador destaca o nacional-desenvolvimentismo, característico dos governos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart; analisa a teoria da modernização, criada pela academia norte-americana no pós-Segunda Guerra Mundial (que contrapõe as sociedades ‘modernas’ às ‘tradicionais’) e explica por que os Estados Unidos se tornaram o ‘outro’, em contraste com a identidade latino-americana.

A partir da Política Externa Independente, do início da década de 1960, o Brasil abandonou a ‘aliança não escrita’ com os Estados Unidos, reforçou a identidade latino-americana e desenvolveu as afinidades com a África e com a Ásia, que viviam o processo da descolonização. O autor ressalta esse período, sem deixar de considerar o fato de a identidade continental americana ter sido utilizada pelos Estados Unidos como forma de controle, ao excluir Cuba do sistema interamericano em função de seu sistema político, ‘incompatível’ com os demais países da América.

Por fim, ao analisar a Ditadura Militar, o historiador realça a posição de alinhamento do Brasil com os Estados Unidos (uma volta aos velhos padrões da política externa) e enfatiza o discurso anticomunista e nacionalista dos militares (que percebem o Brasil como ‘potência regional’). Além disso, Villafañe destaca o retorno e o fortalecimento da identidade latino-americana entre o final do século XX e o princípio do século XXI, discutindo como as nações são inventadas e reatualizadas de acordo com os diferentes contextos históricos.

O autor termina o livro em tom levemente provocativo, questionando se houve ou não um rompimento com o ‘evangelho’ de Rio Branco. O grande panorama apresentado cuidadosamente por Villafañe nos permite comparar os variados períodos da nossa história, levando-nos a entender as complexas relações de poder dos diferentes projetos identitários e da ‘comunidade imaginada’ que é o Brasil. Mesmo para aqueles que discordem das premissas e das teses do autor, esta obra lúcida e instigante aponta novos caminhos de reflexão sobre a imbricada relação entre a política externa e a longa e incessante ‘construção’ do Brasil.

DULCI, Tereza Maria Spyer.- Doutoranda, Departamento de História, FFLCH/USP; bolsista Fapesp, Av. Prof. Dr. Lineu Prestes, 338 – Cidade Universitária. 05508-000 São Paulo – SP – Brasil, E-mail: [email protected].

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O crime do restaurante chinês: Carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30 – FAUSTO (PL)

FAUSTO, Boris. O crime do restaurante chinês: Carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Resenha de: OLIVEIRA, Pedro Carvalho. Quarta-feira de cinzas e sangue: “O Crime do Restaurante Chinês” de Boris Fausto e o Brasil dos anos 1930. Ponta de Lança, São Cristóvão, v. 5, n.9, p. 71-73, out., 2011.

São Paulo, capital, 2 de março de 1938. Enquanto a cidade começava a se recuperar dos muitos dias de festas e bailes de carnaval e o país se preparava para torcer pela seleção brasileira na Copa do Mundo da França, um crime ocorrido na Rua Wencelsau Braz chamou a atenção da polícia, da opinião pública e da população. As vítimas foram dois imigrantes chineses, que possuíam um restaurante no mesmo local onde moravam – cenário que viria a ser o de suas mortes. Seus dois empregados, um brasileiro e um lituano, também foram mortos. Leia Mais

O Crime do Restaurante Chinês – Carnaval, Futebol e Justiça na São Paulo dos anos 30 | Bóris Fausto

Considerações iniciais

Há no panorama teórico da historiografia uma intensa discussão conceitual, que tem sido descrita como uma disputa entre paradigmas rivais (CARDOSO, 1997: 3). De um lado, aqueles que embasam seus esforços numa ótica iluminista, o que significa acreditar na capacidade da razão humana em descobrir e ordenar as forças em atuação no universo. Entre estes, ainda de acordo com Cardoso, podem ser enquadrados os marxistas, positivistas e mesmo aqueles ligados à “Nova História”. Trabalhos realizados a partir dessas diretrizes tendem a buscar uma visão holística do processo histórico, agregando os fenômenos sob explicações totalizantes.

Na outra ponta estão aqueles que abandonam tentativas generalizantes de explicação, enfatizando a singularidade dos objetos e a impossibilidade de reuni-los sob uma mesma rubrica sem que se percam suas qualidades fundamentais. A esses se atribui a filiação a certo “paradigma pós-moderno”. O movimento tendencial parece apontar para a ascensão da ótica pós-moderna em detrimento do paradigma iluminista. Leia Mais

Memorias de la bacanal – vida y milagros del carnaval montevideano 1850-1950 | Milita Alfaro

O Brasil é o país do Carnaval? Com toda a certeza, mas a pergunta não está bem formulada, pois evoca a idéia de que apenas o Brasil seja um espaço privilegiado para a festa. Quem já teve a oportunidade de visitar o Uruguai durante o período carnavalesco sabe que o nosso pequeno vizinho – cuja população é de aproximadamente três milhões de pessoas e a extensão territorial menor do que a do Rio Grande do Sul – comemora entusiasticamente a folia momesca, durante um período bem mais longo do que os nossos quatro dias. Escolas de samba, comparsas, murgas e candombes, entre tantas outras manifestações, enchem as ruas e os teatros da capital Montevidéu e das cidades do interior; as emissoras de televisão transmitem as festividades e muitos municípios anunciam a sua comemoração como “o mais destacado folguedo”, em um apelo cultural e turístico a revelar uma significativa concorrência pelo mercado da folia.

O mais impressionante é que, no Uruguai, o Carnaval não é festejado apenas nas ruas e teatros, ele também é lembrado, estudado e consumido em livros e publicações, em uma série de lançamentos disponibilizados todos os anos nas livrarias, com os mais variados objetivos e abordagens, entre eles, obviamente, os estudos históricos e sociológicos. A produção intelectual sobre o tríduo momesco é comparativamente muito maior do que a do Brasil, ainda mais se forem consideradas as diferenças de tamanho entre os dois países. A academia brasileira apenas recentemente começou a encarar com mais profundidade a festa – como se pode conferir pelas contribuições de Maria Clementina Pereira Cunha (2001, 2002), Lazzari (2001) e Simson (2007) –, enquanto os vizinhos se preocupam em analisar o fenômeno há muito mais tempo e a tomá-lo como mais um espaço onde se desenvolvem a história, as identidades e as clivagens de sua sociedade. Leia Mais