El pueblo. Auge y caída de la clase obrera (1910-2010) | Selina Todd

En El pueblo. Auge y caída de la clase obrera (1910-2010), Selina Todd se propone analizar cómo la clase ha sido un componente ineludible de toda discusión sobre el curso de la política y la sociedad británica del siglo XX hasta nuestros días. Todd es una destacada historiadora británica, cuyas perspectivas analíticas se inscriben en la tradición de la historia social marxista. En este trabajo, como en el conjunto de su obra, recupera los trazos fundamentales de las nociones thompsonianas de la clase a las cuales le añade el análisis de otras dimensiones de la identidad y la experiencia como el género, la raza y la generación.

En el marco temporal amplio y complejo abordado en este libro para Todd existieron dos puntos de inflexión que indican el auge y el declive de la clase. La Segunda Guerra Mundial fue el primero. En este punto, despliega una de las ideas centrales de su hipótesis: luego de la contienda bélica la clase emerge como “pueblo”, representando el momento de máxima convergencia entre los intereses de clase y los intereses nacionales. Las necesidades de la producción armamentística crearon por primera vez el pleno empleo, lo que permitió, entre otras cosas, crecer como fuerza económica y política. El pueblo, remarca Todd, se aseguró que estas fortalezas prevalecieran una vez terminada la guerra, eligiendo a un gobierno laborista en 1945 que dejó un importante legado de conquistas sociales (Seguro Nacional de Salud, educación gratuita, seguridad social integral y pleno empleo). Leia Mais

Comprender el pasado: una historia de la escritura y el pensamiento histórico – AURELL et al (S-RH)

AURELL, Jaume; BALMACEDA, Catalina; BURKE, Peter;  SOZA, Felipe. Comprender el pasado: una historia de la escritura y el pensamiento histórico. Madrid: Ediciones Akal, 2013, 494 p.  SILVA, Wilton Carlos Lima da. Outras palavras: sobre manuais e historiografias¹. SÆCULUM REVISTA DE HISTÓRIA [34]; João Pessoa, jan./jun. 2016.v

Entre minhas aventuras recentes se inclui uma tentativa de praticar exercícios e alongamentos através de aulas de Pilates, que resultaram ao mesmo tempo em uma rápida melhoria de minhas condições físicas de homem obeso e sedentário ao custo de algumas pequenas dores musculares e certas sequelas em minha autoestima – se a traição amorosa dói, no entanto pode ser relativizada pelas minhas particularidade e as do objeto do meu desejo, já a percepção de que seu próprio corpo está lhe traindo e que isso acontece porque somente você é o responsável dói o dobro.  No entanto, em meio ao desconforto pela constatação de minhas limitações físicas e certo orgulho pela persistência estoica naquela atividade que expunha de forma inquestionável uma de minhas muitas limitações, uma sobrinha, que é fisioterapeuta, me consolou: “Pilates é assim. Se está fácil é porque você não está fazendo direito!”.  Ensinar história, particularmente na universidade, é um desafio de mesma natureza e que poderia ser descrito de forma bastante semelhante – quando é feito de forma simples e fácil é porque não está sendo bem feito.  A tensão entre as exigências de uma boa formação, as limitações de tempo e de recursos para a construção de um bom curso, os diferentes níveis de envolvimento e cognição dos alunos, a intensa e extensa produção historiográfica contemporânea, a acessibilidade limitada aos textos, as dificuldades de intercâmbios intelectuais, as tendências corporativas e de endogêneses teórico-metodológicas, a crescente especialização do trabalho docente, entre outros aspectos do ensino universitário, tornam o surgimento de bons manuais algo extremamente necessário e positivo.  No caso brasileiro, o destaque confirmado pelas seguidas edições de Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia3, de 1997, e o surgimento de Novos domínios da História4, em 2012, ambos manuais organizados por Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas, entre outros exemplos possíveis, demonstra a importância desse tipo de publicação enquanto ferramenta de trabalho para professores e pesquisadores.  Publicações semelhantes em outros idiomas oferecem uma vantagem a mais, além do mapeamento e da ordenação de natureza didática e expositiva de um campo amplo e múltiplo que qualquer historiografia dinâmica apresenta, a possibilidade do reconhecimento de convergências e divergências temáticas e teórico-metodológicas são um ganho difícil de desprezar.  Nesse sentido, Comprender el pasado: una historia de la escritura y el pensamiento histórico é um livro com quatro autores, de três países distintos e diferentes especialidades, o que se traduz em um panorama historiográfico rico e diferenciado5.  A ambição de se oferecer uma história da historiografia, pelo menos em língua inglesa, tem outros respeitáveis representantes recentes em distintas tradições intelectuais, como A History of Histories: epics, chronicles, romances and inquiries from Herodotus and Thucydides to the Twentieth Century (2007), um alentado volume de 553 páginas do historiador inglês John Burrow6, A global History of History (2011), outro volumoso livro, de 605 páginas, do professor anglo-canadense Daniel Woolf7, ou The Oxford History of historical writing (2011-2012) que é uma obra coletiva, em cinco volumes, que envolve uma infinidade de autores e editores distintos por volume8. Embora todas as três tenham méritos indiscutíveis nenhuma delas está livre de algumas críticas e questionamentos.  O historiador inglês Keith Thomas fez uma elogiosa resenha do livro de Burrow, professor emérito de Oxford, na qual reconhece no autor, uma das maiores autoridades sobre a história intelectual dos séculos XVIII e XIX e, na obra, o resultado de um enorme esforço de erudição, com texto um muito agradável e repleto de observações agudas9.

Embora também assinale a existência de alguns pequenos equívocos só perceptíveis por especialistas, como por exemplo, a inclusão de somente duas mulheres entre os historiadores dignos de nota (Anna Commena, um princesa bizantina do século XII, e Natalie Zemon Davis, a autora norte-americana de O retorno de Martin Guerre10) ou seu escopo de análise limitado a historiadores da Europa e da América do Norte (particularmente os que escreveram em inglês ou estão disponíveis em tradução).  Por sua vez o livro de Woolf, que já havia organizado A global Encyclopedia of historical writing11, de 1998, impressiona pela combinação de uma significativa erudição com um estilo agradável e didático, utilizando-se de mútuas referências entre textos e imagens, em um esforço de apresentação de uma abordagem claramente desvinculada da perspectiva eurocêntrica, e que em busca de uma perspectiva verdadeiramente global, ao longo de seus nove capítulos, valoriza escritos históricos da América do Sul, Coréia, Tailândia, Islândia, Tibete e Pérsia ao lado de outros da Antiguidade Greco-Romana, do Renascimento e do Iluminismo no Ocidente.  Os dois últimos capítulos, inclusive, intitulados respectivamente “Clio’s empire: European historiography in Asia, the Americas and Africa” e “Babel’s tower: history in the Twentieth Century”, trazem duas questões extremamente interessantes: a questão da força e influência dos modelos intelectuais europeus na historiografia não europeia e a poliglosia do discurso historiográfico contemporâneo.  Curiosamente, talvez como sintoma de nosso isolamento intelectual, quer pela questão idiomática quer por limitações da produção local, nas dezesseis páginas do índice onomástico da edição em inglês não existe nenhuma referência sobre a historiografia brasileira.  Finalmente, a extensa obra financiada por Oxford tem uma clara preocupação em afirmar tanto a excelência acadêmica de sua equipe internacional de estudiosos quanto a ênfase na diversidade cultural.  O volume 1, com 672 páginas, é organizado por Andrew Feldherr12 e Grant Hardy13, oferecendo ensaios de diversos autores sobre o desenvolvimento da escrita histórica a partir do antigo Oriente Próximo, da Grécia clássica, Roma, e do Leste e Sul da Ásia desde as suas origens até 600 d.C.  O volume 2, também com 672 páginas, sob coordenação de Sarah Foot14 e Chase F. Robinson15 reúne vinte e oito especialistas que buscam apresentar a diversidade da escrita da história na Europa e na Ásia entre 400-1400, realçando tanto características regionais e culturais quanto abordagens temáticas e comparativas sobre gênero, guerra e religião, entre outros aspectos, que se fazem nos trabalhos de historiadores do período delimitado.  O volume 3, com 752 páginas, é organizado por quatro especialistas, o argentino Jose Rabasa16, o japonês Masayuki Sato17, o italiano Edoardo Tortarolo18, e o canadense, já citado, Daniel Woolf19, abordando o período entre 1400 e 1800, em ordem geográfica de leste a oeste, da Ásia as Américas, com as principais contribuições da escrita da história no período.  O volume 4, com 688 páginas e organizado pelo australiano Stuart MacIntyre20, Juan Maiguashca21 e Attila Pok22, apresenta ensaios sobre a historiografia no mundo entre 1800 e 1945, abordando um leque de culturas e países que se estende do pensamento histórico e da erudição europeia passando por Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, México, Brasil e América do Sul espanhola, além de China, Japão, Índia, Sudeste da Ásia, Turquia, o mundo árabe e da África Subsaariana.  Finalmente, o último volume, de número 5, com 744 páginas e organizado pelo sinólogo Axel Schneider23 e pelo canadense Daniel Woolf, que também participou da organização de um dos volumes anteriores, apresenta um arco temporal que se estende de 1945 até os dias atuais, discutindo distintas abordagens teóricas e interdisciplinares para a história assim como buscando demarcar particularidades e similitudes entre historiografias nacionais e regionais.  O diferencial de Comprender el pasado: una historia de la escritura y el pensamiento histórico, em contraste com as obras anteriormente citadas, segundo seus próprios autores, é que o time de quatro pesquisadores permite superar as limitações de formação de um único especialista (o caso dos trabalhos de Burrow e Woolf) ao mesmo tempo em que o número relativamente reduzido de colaboradores permite a articulação do texto enquanto um panorama mais articulado e menos semelhante a um jogral com temas estanques – o caso do manual de Oxford –, resultando em uma combinação específica de volume informacional e inteligibilidade do quadro panorâmico.  A famosa frase de Gaston Bachelard, que compara o conhecimento a uma fraca lanterna que é utilizada para iluminar um grande sótão, de modo que iluminar um dos cantos do aposento é deixar boa parte dele na escuridão, é uma imagem recorrente para descrever toda obra de síntese.  Assim como os três textos referenciados anteriormente apresentam problemas e soluções para o pesquisador ou docente interessado em ampliar ou compartilhar seus conhecimentos em uma perspectiva global da produção historiográfica, o mesmo se percebe no volume de Aurell, Balmaceda, Burke e Soza.

Esse trabalho, inclusive, apresenta mais duas particularidades, uma de dimensão geracional, pois Burke pode facilmente ser reconhecido como um autor consolidado em termos de tempo, extensão da obra e diversidade de temas, Aurell e Balmacera seriam autores de produção mais recente, com obras bem referenciadas, mas que ainda estão se constituindo, e Soza é um jovem pesquisador, e o foco linguístico cultural, pois o historiador inglês, casado com uma brasileira, tem tanto familiaridade com a tradição intelectual de língua inglesa e francesa, como também em português, e os demais autores, enquanto conhecem a historiografia europeia, também transitam pela produção de língua espanhola – entre outros aspectos isso permitiu, em contraste com algumas das obras citadas, que a produção espanhola e portuguesa aparecesse desde de a Idade Média e houvesse um capítulo específico sobre a América Latina (assim como outros dois sobre a historiografia chinesa e a árabe).  O esforço em resgatar a prática da cultura historiográfica enquanto rede de relações que envolve produtores do conhecimento, seus receptores e os mecanismos de conservação e divulgação aproxima a estrutura do trabalho da obra clássica da história da literaturas Mimésis24 (1946), de Erich Auerbach, na qual a apresentação do cânone divide espaço com o incentivo a descoberta e a busca dos originais. Para isso, ao final de cada capítulo há um conjunto de indicações bibliográficas e comentários sobre as principais tendências teórico-metodológicas, os autores e as obras mais representativas de cada período.  Em termos estruturais, os dois primeiros capítulos, sobre a antiguidade greco-romana (p. 09-94) ficam a cargo de Catalina Balmaceda; o terceiro capítulo, do período medieval (p. 95-142), é abordado por Jaume Aurell; os capítulos 4º, do Renascimento e a Ilustração (p. 143-182), e 5º, sobre historiografia islâmica e chinesa (p. 183-198), são escritos por Peter Burke; o 6º, sobre historicismo, romanticismo e positivismo (p. 199-236), o 7º, sobre a transição do século XIX ao XX (p. 237-286) e o 8º, sobre o giro linguístico e as histórias alternativas (p. 287- 340), são tratados por Jaume Aurell e Peter Burke; enquanto que o 9º e último capítulo (p. 341-437), sobre historiografia latino-americana, é assinado por Felipe Soza25.  Além da oportunidade de entrar em contato com características das obras de autores pouco conhecidos na tradição intelectual brasileira, como os árabes Ibn Khaldun e Mustafa Naima, os chineses Sima Qian e Ouyang Xiu ou o indiano Ranajit Guha, o livro destaca-se pela síntese rica e ampla sobre a historiografia latino americana.  Em geral os manuais enfrentam o desafio de equilibrarem-se entre a representação da extensão de um conhecimento sobre o qual se projetam e a síntese didática e acessível de um vasto campo de conhecimento, buscando oferecer um que o detalhismo do especialista.  Com certeza todos os trabalhos aqui citados, e em especial, pelas particularidades anteriormente expressas, o livro Comprender el pasado: una historia de la escritura y el pensamiento histórico cumpre de forma exemplar tais ambições, merecendo inclusive uma tradução para o português.  Quem ler, comprovará.

Notas

1 Este texto é resultado de um estágio de pesquisa realizado na Universidade de Sevilha, Espanha, entre janeiro e fevereiro de 2016, com bolsa do Programa de Movilidad de Profesores e Investigadores Brasil-España, da Fundación Carolina.

3 CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

4 CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Novos domínios da História. Rio de  Janeiro: Campus; Elsevier, 2012.

5 Jaume Aurell é Professor Titular de Historia Medieval e Teoria da História na Universidade de Navarra, Espanha; Catalina Balmaceda, professora de Historia Clássica do Instituto de Historia da Pontifícia Universidade Católica, Chile; Peter Burke, professor emérito da Universidade de Cambridge, Inglaterra; e Felipe Soza, professor adjunto do Instituto de Historia da Pontifícia Universidade Católica, Chile.

6 A obra foi traduzida para o português. Ver: BURROW, John. Uma História das Histórias: de Heródoto e Tucídides ao século XX. Tradução de Nana Vaz de Castro. Rio de Janeiro: Record, 2013.

7 A obra foi traduzida para o português. Ver: WOOLF, Daniel. Uma História global da História. Tradução de Caesar Souza. Petrópolis: Vozes, 2014.

8 FELDHERR, Andrew & HARDY, Grant (orgs.). The Oxford History of historical writing – Volume 1: beginnings to AD 600. Oxford: Oxford University Press, 2011. FOOT, Sarah & ROBINSON, Chase F. (orgs.). The Oxford History of historical writing – Volume 2: 400-1400. Oxford: Oxford University Press, 2011. RABASA, José; SATO, Masayuki; TORTAROLO, Edoardo & WOOLF, Daniel (orgs.). The Oxford History of historical writing – Volume 3: 1400-1800. Oxford: Oxford University Press, 2011. MacINTYRE, Stuart; MAIGUASHCA, Juan & POK, Attila (orgs.). The Oxford History of historical writing – Volume 4: 1800-1945. Oxford: Oxford University Press, 2011. SCHNEIDER, Axel & WOOLF, Daniel (orgs.). The Oxford History of historical writing – Volume 5: historical writing since 1945. Oxford: Oxford University Press, 2012.

9 THOMAS, Keith. “Mapping the world – a History of Histories: epics, chronicles, romances and  inquiries, from Herodotus and Thucydides to the Twentieth Century”. The Guardian, Londres, 15 dez. 2007. Disponível em: <http://www.theguardian.com/>. Acesso em: 20 out. 2015.

10 DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. Tradução de Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

11 WOOLF, Daniel (org.). A global ecyclopedia of historical writing. Londres: Taylor & Francis; Nova York: Routledge, 1998.

12 Professor de Antiguidade Clássica na Universidade de Princenton, EUA.

13 Professor da História de Religiões na Universidade da Carolina do Norte, EUA.

14 Professora de História das Religiões na Universidade de Oxford, Reino Unido.

15 Professor da Universidade de Nova York, especializado em História islâmica.

16 Professor da Universidade de Harvard, EUA, especialista em literatura e estudos pós-coloniais.  17 Professor da área de Teoria da História e Historiografia da Universidade Yamanashi, Kyoto, Japão.  18 Professor de História Moderna e de Historiografia da Universidade de Turim, Itália.  19 Professor da Queen’s University, Kingston, Canadá.  20 Professor da Universidade de Melbourne, Austrália.  21 Professor especialista em História da América Latina da Universidade de York, Toronto, Canadá.  22 Professor da Academia Húngara de Ciências, Budapeste, Hungria.  23 Professor da Universidade de Gottingen, Alemanha.

24 AUERBACH, Erich. Mimésis: a representação da realidade na Literatura Ocidental. Tradução de G. B. Sperber. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2015.  25 Sobre História e historiografia da/na América Latina, ver também: MAIGUASHCA, Juan. “História marxista latino-americana: nascimento, queda e ressurreição”. Almanack, São Paulo, UNIFESP, n. 7, mai. 2014, p. 95-116. Disponível em: <http://www.almanack.unifesp.br/>. Acesso em: 21 out. 2015.

Wilton Carlos Lima da Silva Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Assis. Professor Livre-Docente do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP Assis. Coordenador do MEMENTO – Grupo de Pesquisa de Memórias, Trajetórias e Biografias (UNESP Assis/ Diretório CNPq). E-Mail: <wilton@ assis.unesp.br>.

https://periodicos.ufpb.br/index.php/srh/article/download/29242/15841

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Pensamiento político e historia: ensayos sobre teoría y método | John G. a. Pocock

A história das ideias políticas precisa ser analisada na condição de ser uma história da linguagem ou linguagens políticas, sendo o papel do historiador apreender, ou melhor, reconstruir o contexto retórico e sociolinguístico do passado. Eis uma das premissas básicas da qual parte o historiador neozelandês John Greville Agard Pocock para as suas análises. Paralelamente ao britânico Quentin Skinner, que possivelmente atraiu mais os olhares de admiradores e críticos no campo intelectual com o passar dos anos, ele é um dos grandes expoentes do já há décadas conhecido Linguistic Contextualism, oriundo da Escola Histórica da Universidade de Cambridge. Os caminhos de Skinner e Pocock sempre se cruzaram, haja vista a formação que tiveram desde a época da graduação. E não é despropositado afirmar que nessa confluência de experiências vividas há mais de cinquenta anos, há muito mais convergências do que divergências. Mas é claro que as especificidades são inerentes a cada um e, por isso, os estudiosos ganham muito ao disporem de mais uma obra de Pocock, e que é muito relevadora acerca das suas pesquisas nas últimas cinco décadas. Trata-se de Pensamiento político e historia. Ensayos sobre teoría y método. Leia Mais

La historia cultural – SERNA (AN)

SERNA, Justo; PONS, Anaclet. La historia cultural. Madrid: Ediciones Akal, 2005. 249p. Resenha de: MALATIAN, Teresa. Anos 90, Porto Alegre, v.14, n.25, p.223-227, 2007.

Brasil nas últimas décadas e alcançou o estatuto de área das mais promissoras da pesquisa histórica, a ponto de se tornar área de concentração de diversos programas de estudos de pós-graduação.

Nada mais oportuno, pois, que a leitura de um livro como o de Justo Serna e Anaclet Pons, professores especialistas em História Social e Cultural da Universidade de Valencia, Espanha. Entre suas obras, destacam-se o estudo La ciudad extensa (1992) sobre os burgueses no século XIX, e diversos ensaios de historiografia, a exemplo de Cómo se escribe la microhistoria (2000).

La historia cultural: autores, obras, lugares, publicado em 2005, aborda as diferentes possibilidades desse campo historiográfico e contribui para a compreensão da metodologia que vem sendo utilizada pelos pesquisadores que percorrem essa vertente potencialmente inovadora da Historiografia. Para isso, os autores partem em busca da interdisciplinar entre História e Antropologia, e voltado para a distinção entre a natureza e a criação humana que lhes permite afirmar ser a cultura “dispositivo que nos aleja de la naturaleza” (p. 6).

Conceptualização feita, abre-se um amplo leque de possibilidades de construção de objetos da história cultural, a se ocupar de códigos e convenções, instrumentos e regras, significados e prescrições, que permitem ao historiador um manancial riquíssimo de temas a serem trabalhados com as ferramentas de um método que se constrói na interface da disciplina com as ciências humanas.

Idêntico percurso, também em perspectiva historiográfica, permite aos autores desvendar, na pletora de obras que abordam a história cultural, temas e métodos mais significativos que caracterizam o campo na segunda metade do século XX. Melhor dizendo, o fio condutor desse livro é dado pela “genealogia do campo”, a qual permite a percepção da vitalidade do recorte analítico e as inumeráveis dimensões de possibilidades de construção do objeto. Para alcançá-la, é rastreado o “colégio invisível” dos autores que se sobressaem nos estudos de história cultural, num percurso de filiações e interdependências convergentes para a construção de um campo metodológico tramado em dimensões intercontinentais e muito distante de um paradigma unitário.

Os anos 1970 constituem, nessa perspectiva, um marco na formação de uma rede textual que agrega Roger Chartier, Carlo Guinzburg, Peter Burke e Robert Darnton, e tem como figura central Natalie Zemon Davis. As práticas acadêmicas de interlocução entre pares são esmiuçadas pelos autores desse livro em busca dos fios da trama da rede nem sempre totalmente invisível, porém agregadora de perspectivas analíticas e temáticas inovadoras desse “modo de fazer” que compartilha a fragmentação da História com os herdeiros divididos de Braudel.

Constitui excelente contribuição o tratamento historiográfico desse colégio e seus desdobramentos na busca de modos de construção extensas obras, centradas num único tema, no formato de tese acadêmica, e sim ensaios e fragmentos reunidos em volume, autônomos porém entrelaçados e que, em relação dialógica, constituem a característica textual de disseminação do objeto, fraturado em operação historiográfica devedora de Walter Benjamin e Wittgenstein. A complexidade sucessiva da abordagem, a multiplicação de referências a interlocutores internos, a reescrita contínua em resposta a múltiplos auditórios permitem a conexão entre os textos através de uma idéia mais geral que lhes serve de vínculo secreto e iluminação. Estratégia que reforça o conceito de cultura como código, marco, repertório de possibilidades.

Ao desvendar o colégio invisível dos autores e obras relevantes para a História cultural, o livro detém-se na identidade acadêmica e experiência de vida que constituiria o elemento forte de ligação entre os historiadores. Para isso, importância decisiva é atribuída aos anos de formação desses pesquisadores no pós-Segunda Guerra Mundial e à maturidade por eles alcançada na década de 1960, período marcado pela “americanização” da cultura e pela difusão do materialismo histórico no mundo acadêmico europeu. Com esse pressuposto, foi possível aos autores da obra em análise construir uma rede, tendo como epicentro a figura aglutinadora de Natalie Zemon Davis, situada na intersecção entre os expoentes da historiografia marxista britânica em sua vertente cultural e a historiografia francesa.

Serna e Pons apresentam um recorte da vertente do marxismo britânico de R. Hoggart, R. Williams, E. P. Thompson e E. Hobsbawm, ressaltando sua contribuição para o “novo materialismo cultural”, centrado na história from below e na cultura popular, nas experiências e tradições do povo comum que ocuparam os pesquisadores da universidade de Oxford.

Em Natalie Z. Davis essa proposta encontra ressonância no estudo do menu peuple e das mulheres, que alcança, em suas pesquisas, dimensão inovadora também pela leitura de M. Bakhtin e seus aportes cultura na França moderna (1975). Entusiastas admiradores de Davis, os autores reservam a esta autora um lugar destacado no colégio invisível dos historiadores da cultura, vistos em perspectiva européia.

Da historiografia vinculada aos Analles, sobressai no percurso a valorização de Os reis taumaturgos (1924), de Marc Bloch, na medida em que lhe é atribuído o papel de antecessor dos estudos de cultura, conceito que seria progressivamente dilatado em decorrência das relações estabelecidas pelos historiadores entre História e Antropologia, especialmente na École des Hautes Études em Sciences Sociales (EHESS). Ao percorrer a historiografia francesa, Serna e Pons não escondem seu entusiasmo pelo impacto causado pela vida e obra de Marc Bloch, que vem sendo, nos dias atuais, cada vez mais valorizado, e pelo “atelier parisiense”, no qual rastreiam a construção dos alicerces da antropologia histórica que permitiu o florescer da História cultural, desde os “pais fundadores” da Nova História até Roger Chartier, passando das mentalidades à história sociocultural.

O largo alcance territorial do colégio invisível da História cultural, pulverizado entre o Velho e o Novo Mundo, inclui também a universidade de Princeton, nos Estados Unidos, considerado o “laboratório” que acolheu Roger Chartier, Peter Burke, Natalie Z. Davis e Carlo Guinzburg, em torno da liderança de Lawrence Stone.

A este coube papel destacado pela reflexão de balanço do estatuto epistemológico da História que clareou os avanços da disciplina em direção aos estudos de cultura, na qual o estilo narrativo e o viés etnográfico permitem evocar no leitor um “efeito presencial”.

Melhor dizendo, por tratar-se de uma História vivamente construída, sugere ter sido o historiador testemunho presencial dos fatos e interlocutor direto de seus personagens. Muito contribuiu para tal efeito o retorno da narrativa no discurso histórico, inovador porque tornado complexo com a alternância de descrição e análise que permitem configurar a cultura em perspectiva histórica, e alcançar substituição da Sociologia e da Economia pela Etnologia, como referente dominante nas ciências sociais.

Não deixam de assinalar a figura destacada que Clifford Geertz ocupou na virada antropológica da História ao propor, em A interpretação das culturas (1987) e em O antropólogo como autor (1989), a construção de miniaturas etnográficas ricas em significado e iluminadoras de comportamentos e códigos reguladores das grandes paisagens culturais. Seu modelo interpretativo apropriado pelos historiadores permite a leitura da cultura como texto no qual o evento constituiria um signo, em micro-dimensão, cujo sentido está à espera de interpretação pelo observador externo, a exemplo do enfoque micro-analítico realizado por R. Darnton em O grande massacre dos gatos (1984).

Com tais marcos de referência, Serna e Pons percorrem ainda as mais recentes tendências historiográficas como o linguistic turn e a virada auto-reflexiva que resulta na análise da obra histórica como objeto cultural que finaliza o longo percurso historiográfico iniciado na fundação dos Annales, e construído em conexões transnacionais.

Vale a pena salientar o aspecto didático da obra que faz dela um sólido instrumento para os praticantes do gênero. A lamentar-se, apenas, a ausência de referências ao desenvolvimento dos estudos do campo no país de origem dos autores.

Teresa Malatian – Prof. Adjunto do Departamento de História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP, Campos de Franca. E-mail: [email protected].  Acessar publicação original

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