O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira | José de Souza Martins

O autor José de Souza Martins é escritor e sociólogo brasileiro. Professor aposentado do Departamento de Sociologia e Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Em sua obra intitulada “Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano” revela a relação existente entre teoria e realidade conflituosa nas fronteiras da Amazônia brasileira, apresentando-a como um lugar privilegiado da observação sociológica e do conhecimento sobre os conflitos e dificuldades próprios da constituição do humano no encontro de sociedades que vivem no seu limite e no limiar da História. Utiliza-se do método materialismo histórico dialético.

No quarto capítulo de sua obra – O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira – revela as noções de frente pioneira e frente de expansão, cuja aproximação e confronto, encontros e desencontros dos diferentes grupos sociais revelam mais do que os conflitos aparentes, juntam e separam pedaços de vida entre a esperança e o destino trágico, que ocorreu em diversos momentos da história regional: escravização do índio, na exploração extrativista da busca pelas drogas do sertão, na coleta do látex, da castanha, etc. Leia Mais

Poder e palavra. Discursos, contendas e direito de padroado em Mariana (1748-1764) | Patrícia Ferreira dos Santos

Poder e palavra. Discursos, contendas e direito de padroado em Mariana, é fruto da tese de mestrado de Patrícia Ferreira dos Santos, defendida em 2009 na Universidade de São Paulo e orientada por Carlos de Almeida Prado Bacellar. Este trabalho se enquadra num amplo movimento de renovação dos estudos sobre a Igreja no mundo português da época moderna e mais especificamente sobre a Igreja no Brasil colônia. A partir de um uso renovado e muitas vezes inédito – já que as fontes, apesar de por vezes de difícil acesso, existem – da documentação, a autora contribui para uma melhor compreensão das lógicas de funcionamento das instituições episcopais e das conflitantes relações com os representantes do poder civil, e com os próprios membros da igreja mineira do período em que governou o seu primeiro bispo, d. fr. Manuel da Cruz (1748-1764).

O livro está dividido em cinco capítulos, tradicionalmente organizados de modo a partir dos temas mais amplos aos mais específicos, dando assim ao leitor informações cada vez mais precisas sobre a problemática em pauta. O capítulo 1, “Jogos de forças: atores e instituições”, sobrevoa o processo de construção das relações Estado e Igreja em Portugal, desde a formação do padroado régio a partir do contexto da reconquista e do modo como a coroa pouco a pouco fortaleceu uma doutrina jurídica enquanto fundamento de sua atuação – e das ordens militares – nas conquistas ultramarinas, até o contexto das tensões geradas pelas reformas postas à obra durante a segunda metade do século XVIII, passando pelo importante e complexo jogo criado pelas reformas tridentinas. O segundo capítulo, “Imbricando forças”, estuda a formação da rede eclesiástica na região mineradora e sua paulatina implementação em paralelo, ou melhor, de modo imbricado, com a implantação da estrutura administrativa civil no que se tornaria a capitania das Minas e o bispado de Mariana. Servem aqui de exemplo – graças à abundância das fontes, como a autora explica em sua introdução – os casos de duas freguesias da região, a de Nossa Senhora da Conceição das Catas Altas e a de Nossa Senhora da Boa Viagem de Curral del-Rei. O terceiro capítulo, “O poder da palavra”, concentra-se na atuação do primeiro bispo de Mariana, d. fr. Manuel da Cruz, no que toca a implementação do aparato administrativo da nova diocese e a atividade de controle (das almas e dos corpos) do prelado, sobretudo por meio das cartas pastorais, importante instrumento de governo. O quarto e o quinto capítulos, “Contendas” e “Batalhas de jurisdição”, se debruçam finalmente sobre os vários episódios de tensão surgidos durante o episcopado de d. fr. Manuel da Cruz, e que, como dito, serve de baliza para toda a obra. Ali são descritas as contínuas trocas de acusações feitas entre o bispo, os fieis, os membros do cabido catedralício e os membros do governo civil em torno de questões de fiscalidade, jurisdição ou honra, sempre dentro da turva paisagem do padroado.

O objetivo do trabalho é contribuir para a compreensão da construção e da efetivação da autoridade episcopal no contexto específico das Minas. Movimento que na verdade resultou, como sempre aponta a autora, em amplos conflitos, não só com instituições e grupos já presentes naquela sociedade, mas inclusive com personagens surgidas apenas com a chegada do prelado, como é o caso do clero capitular. A problemática escolhida é claramente posta na página 101, ao fim da larga parte introdutória do livro, onde Patrícia Ferreira dos Santos se pergunta se a “imbricação de forças, da Igreja, do Estado, da justiça e da religião”, logrou a desejada coesão em prol da administração da capitania.

Para começar a responder a essa pergunta, o capítulo três se debruça de modo bastante original sobre a importância da palavra, ou seja, dos sermões e cartas pastorais, para a implementação do governo episcopal e assim também, de um maior controle do que fazia e pensava a população local. São destaques, a preocupação com o comportamento do clero e com a catequese dos escravos do bispado, questões que revelam a especificidade colonial daquela região, mas também algo da personalidade do prelado. Assim, é também neste capítulo que a autora apresenta a personagem principal e fio condutor do livro, o bispo d. fr. Manuel da Cruz.

É, contudo, nos capítulos seguintes, que se aborda a questão do problema dos inúmeros atritos criados ou sofridos pelo bispo: com seus párocos, sobre a questão da cobrança indevida de emolumentos; com os membros do cabido, pelo controle da nomeação a cargos e por questões de prestígio, contenda que se transformou em grave afrontamento; e, finalmente, com o governo civil, em questões de jurisdição sobre irmandades e sobre os próprios clérigos do bispado, em tempos em que o regalismo se firmava sem nenhuma ambiguidade no mundo português por meio da política pombalina em relação à Igreja.

Enfim, quais seriam as razões profundas de tanta discórdia? A autora, nas suas “considerações finais”, aponta o modo como o bem-estar dos povos e a defesa dos vassalos eram frequentemente mencionados pelos litigantes como fundamentos para as acusações portadas contra o oponente do momento, mas que esses párocos gananciosos, cabido escandaloso, bispo zeloso da sua posição e agentes civis em busca de alargamento de jurisdições, na verdade, não faziam mais do que reafirmar, nessas contendas, as vexações que eles próprios faziam sofrer à população. Ferreira dos Santos aponta assim para uma análise bastante restrita do contexto estudado, mas que ela própria mostra, em outras partes do seu texto, ser mais ampla. Ao descrever os vários litígios que d. fr. Manuel da Cruz esteve implicado, ela chama a atenção para as indeterminações das leis do Reino, causa de muitos conflitos de jurisdição (p. 227). Mais adiante, relembra o quanto a questão do padroado, devido a uma “certa indefinição de limites, papéis e campos de jurisdição” acabou pautando as relações entre a Coroa e a Igreja pela desconfiança (p. 255). Mas é ainda um pouco mais atrás que ela parece chegar mais perto de uma explicação, ao afirmar que “As batalhas de jurisdição […] criaram impasses que forçaram iniciativas de reformulação dos procedimentos e da atuação dos cargos e sua normatização, pela coroa” (p. 221). Tratava-se, assim, de um sistema político e também legal (ou seja: o sistema político e legal específico do Antigo Regime) que se pautava por uma multiplicidade de fontes normativas, e que estava habituado a tratar da administração do seu próprio corpo de modo bastante casuísta. Pode-se avançar a análise para uma tradicional interpretação do ‘dividir para melhor reinar’, mas não me parece que esta seja a melhor solução.

Poderiam ter sido úteis à autora algumas análises sociológicas da história política e religiosa da Europa da época moderna, como, por exemplo, aquelas vinculadas aos conceitos de disciplinamento social e de confessionalização, cunhados por autores alemães dos anos 1980 (ver a síntese que deles fez Federico Palomo, A Contra- reforma em Portugal. 1540-1700, 2006), mas na verdade já existentes, de certo modo, nas leituras da História das religiões de autores como Jean Delumeau (O pecado e o medo, 2003). Do mesmo modo, a “imbricação” entre governo civil e religioso, entre Estado e Igreja, numa sociedade de Antigo Regime que a autora aqui estuda, poderia ter sido melhor compreendida com uma leitura mais ampla dos trabalhos de José Pedro Paiva (alguns deles mencionados por Ferreira dos Santos), como a sua contribuição ao livro História Religiosa de Portugal, de 2000, ou o livro Os bispos de Portugal e do Império (1495-1777), de 2006. Nestes trabalhos o autor mostra o quanto os poderes civil e eclesiástico estavam interconectados em Portugal. Por um lado, este maior diálogo com a bibliografia poderia ampliar as perspectivas de análise de um governo episcopal tão bem documentado e, por outro, os conflitos estudados seriam ótimas ocasiões para se por à prova, ao nível regional das Minas – ou “micro” das paróquias de Catas Altas e de Boa Viagem –, os conceitos e as análises desenvolvidas pelos autores acima citados.

Bruno Feitler – Professor no Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH/UNIFESP – Guarulhos/Brasil). E-mail: [email protected]


SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Poder e palavra. Discursos, contendas e direito de padroado em Mariana (1748-1764). São Paulo: Editora HUCITEC/ FAPESP, 2010. Resenha de: FEITLER, Bruno. Poder e jurisdição sob o episcopado de D. fr. Manuel da Cruz (1748-1764). Almanack, Guarulhos, n.5, p. 212-214, jan./jun., 2013.

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As transformações dos espaços públicos, imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820-1840) | Marco Moreil

A partir de meados da década de 1990, a historiografia luso-brasileira tem visitado o tema “da emergência e ordenação do império luso-brasileiro à definição do império do Brasil” – assunto correlato surge nos estudos históricos hispano-americanos, sobretudo à luz da obra de François-Xavier Guerra. Neste prisma, o livro se insere como poucos e areja suas abordagens. Primeiro, por centrar-se nas agitadas décadas de 1820-1840 no Rio de Janeiro. De antemão, busca não projetar a corte para todo o Brasil, como se um fosse gêmeo do outro ou mera decorrência. Antes, considera o Rio de Janeiro uma cidade imperial. Esta acepção, nada ingênua, remete a uma geografia do poder, que se almeja centralizado-e-centralizador em um vasto território, conforme as inspirações literárias e históricas de então do Império Romano. As palavras, as ações e as propostas empreendidas na cidade imperial – simultaneamente, corte da monarquia constitucional – reverberavam com maior contundência na Europa, em especial em Portugal, e no próprio Brasil. Por outro lado, o debate internacional acerca do liberalismo constitucional, do ideário contra-revolucionário, das memórias e das narrativas sobre as experiências políticas nas Américas e na Europa encontrava aí alargada recepção, divulgação, (re)tradução e (re)apropriação. Neste sentido, o Rio de Janeiro gozava de um forte apelo junto às elites locais e regionais do Brasil, sem que isto, obrigatoriamente, implicasse uma posição unânime e coerente dos atores políticos. Morel logo esclarece: nesse período e nessa cidade, chegou-se, às vezes, a duvidar da pertinência e da necessidade de se lutar e manter a integridade e a unidade do território brasileiro. Em miúdos, não reafirma a idéia de que uma outra parte do Brasil – por suposto, as regiões Norte, Nordeste e Sul – postularia uma quebra ou uma reorganização do território político e uma redefinição da autonomia política de cada uma. Longe disto, tal possibilidade efetiva atravessava a pauta política no Rio de Janeiro. Em circunstâncias tão delicadas e específicas das décadas de 1820-1840, Morel estuda a emergência da modernidade política no Rio de Janeiro. Nessa medida, data o surgimento de tal modernidade e marca as balizas internas dessa periodização. Leia Mais

Migração Portuguesa no Brasil – LOBO (RBH)

LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Migração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec, 2001, 367 pp. Resenha de: SZMRECSÁNYI, Tamás. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.23, n.45, july 2003.

As migrações internacionais permanentes constituem processos históricos cuja duração via de regra ultrapassa o prazo de uma geração para se completar. Este axioma foi devidamente assimilado por Eulália Lobo em seu belo livro sobre a imigração de portugueses no Brasil durante o período republicano. Apesar da singeleza do seu título, esta obra traz uma valiosa contribuição não apenas ao estudo desse tema específico, mas também à compreensão das numerosas relações econômicas, culturais e políticas existentes entre os dois países.

Trata-se da versão revista e ampliada de um estudo de História Social, originalmente publicado na Espanha em 1994, e cujo conteúdo faz jus ao merecido renome da autora. Seus três capítulos, de tamanhos desiguais, seguem esquemas parecidos e se referem a três fases distintas do mesmo processo. Todos se iniciam por um retrospecto histórico, econômico e demográfico, seguido por análises de interação política e cultural dos dois países, abrangendo a literatura, as artes e as ciências tanto do Brasil como de Portugal. Seus textos são complementados por numerosas tabelas estatísticas e por uma sugestiva iconografia.

O maior, e talvez o melhor de todos os capítulos é o primeiro, relativo à fase de ascensão das migrações portuguesas para o Brasil no período republicano, a qual se estende do final dos anos 1880 ao início da quarta década do século XX. Nele figura um pormenorizado exame dos fatores de expulsão e de atração que condicionaram os referidos movimentos migratórios: de um lado, a crise social ocasionada por más colheitas e pela concentração fundiária em Portugal, acrescida pelo desejo de fugir do serviço militar daquele país; e de outro, o deslanche do desenvolvimento essencialmente capitalista da economia brasileira depois da Abolição.

Até a época da Primeira Guerra Mundial, esse desenvolvimento manteve-se centrado na cidade do Rio de Janeiro, destino final da maioria dos imigrantes portugueses então aportados no País. Os principais atrativos do Brasil situavam-se na identidade de língua e de religião, enquanto os do Rio de Janeiro diziam respeito a uma ampla oferta de empregos, freqüentemente junto a empresas pertencentes a compatriotas ou seus descendentes, assim como aos salários que aí eram pagos, na época superiores aos de Portugal e de outras regiões brasileiras.

Seguem-se a estas considerações algumas interessantes análises da participação lusa no capital comercial, industrial, financeiro e imobiliário das principais cidades do País, entre o final de século XIX e o início da década de 1930, bem como do peso da mão-de-obra de origem portuguesa na força de trabalho dos setores secundário e terciário da economia brasileira durante o mesmo período. Em ambos os casos, as melhores informações referem-se ao Rio de Janeiro, e são como um todo bastante representativas. Por meio delas, fica-se sabendo da ampla inserção de empresários portugueses não apenas no comércio, mas também na indústria —notadamente de tecidos, nos serviços de transporte urbano, na construção civil e nos bancos, bem como das grandes exportações de gêneros alimentícios de Portugal para o Brasil antes de 1914. Por outro lado, imigrantes portugueses e seus descendentes constituem uma parte ponderável da mão-de-obra dos mesmos setores e ramos, e ainda da estiva portuária do Rio de Janeiro e de Santos. Por isso mesmo tiveram uma ampla participação nas lutas sociais da época.

Mas a maior parte deste capítulo, como dos seguintes, é dedicada ao exame da interação cultural luso-brasileira em áreas como a literatura, o teatro, a cultura popular e operária, a música (erudita e popular), a arquitetura, as artes plásticas e a historiografia, sem esquecer os vários movimentos associativos dedicados à congregação e integração dos migrantes de determinadas regiões portuguesas, bem como à assistência social e educacional dos mais carentes. Em todas essas análises, por vezes muito longas e talvez demasiadamente circunstanciadas, a autora dá provas de um amplo domínio das fontes que utiliza, e também de uma diversificada erudição e de uma sensibilidade estética bastante desenvolvida. Nelas aparecem com destaque as convergências e divergências das literaturas dos dois países, a influência portuguesa nos diversos gêneros e autores do teatro brasileiro, as cantigas e danças populares de origem ibérica, a atuação dos arquitetos Luis de Morais Júnior, no Rio de Janeiro, e Ricardo Severo de Fonseca, em São Paulo, assim como as contribuições do caricaturista Rafael Bordalo Pinheiro e do historiador João Lúcio de Azevedo.

No segundo capítulo, mais curto que os outros dois, a autora examina a fase de declínio da imigração portuguesa para o Brasil, que ocorreu entre 1930 e 1950. Um declínio devido em boa parte à crise econômica internacional dos anos trinta e ao transcurso da Segunda Guerra Mundial, e que foi acompanhado de acentuada diminuição do comércio entre os dois países. Mas que não impediu que as relações culturais entre eles acabassem sendo reforçadas, tanto por força de certas iniciativas governamentais de parte a parte, como devido à presença no Brasil de importantes intelectuais portugueses fugitivos do salazarismo.

Entre as iniciativas governamentais, destacou-se a inauguração em 1935 do Instituto Luso-Brasileiro de Alta Cultura em Lisboa, seguida pela realização no Itamaraty em 1937 de um ciclo de conferências sobre as relações entre os dois países. E no final desse último ano foi inaugurada a Sala Brasil, que mais tarde se transformaria no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Coimbra. Também tiveram destaque as negociações intergovernamentais que acabaram levando à Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. Já no âmbito puramente intelectual, não podem deixar de ser mencionadas as atividades e obras da famosa pintora Maria Helena Vieira da Silva e do historiador Jaime Cortesão. No campo da literatura marcaram época os romances sobre emigrantes portugueses no Brasil do escritor Ferreira de Castro, e nas ciências sociais deu-se o surgimento do luso- tropicalismo de Gilberto Freyre.

Finalmente, no terceiro capítulo, também bastante longo devido às suas numerosas tabelas e à presença de três anexos, Eulalia Lobo analisa a fase mais recente das migrações de portugueses ao Brasil, bem como a evolução das relações econômicas e culturais ente os dois países a partir do término da Segunda Guerra Mundial. Tanto estas relações como a retomada da emigração portuguesa para o nosso país foram intensamente condicionadas pela evolução dos regimes políticos respectivos, que só voltariam a ser convergentes na segunda metade da década de 1980. Até então, predominaram em Portugal as lutas contra a ditadura salazarista e as guerras de independência das colônias africanas, enquanto no Brasil os dezoito anos de democracia liberal do pós-guerra foram seguidos por duas décadas de regime militar.

Dentro desse contexto, as relações econômicas mantiveram-se em nível baixo, ao contrário das relações culturais, que continuaram intensas, e da emigração portuguesa (e depois também afro-portuguesa) para o Brasil, a qual voltou a ser crescente nos anos sessenta e setenta. Mais tarde, com o ingresso de Portugal na Comunidade Européia, e com a prolongada crise econômica brasileira, iniciou-se um fluxo até então inédito, e cada vez mais intenso, em sentido contrário.

No plano cultural, merece ser destacada a presença e participação literárias de expoentes como Jorge de Sena e Adolfo Casis Monteiro, assim como o surgimento da obra e as importantes visitas de José Saramago. Enquanto o intercâmbio no campo teatral e nos meios de comunicação social sofria os efeitos da censura e das pressões políticas dos regimes autoritários de ambos os países, foram se consolidando e intensificando os contatos científicos e tecnológicos, particularmente com o LENNEC, o famoso Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa.

Nas suas conclusões, muito sucintas e lamentavelmente ocultas entre os anexos do terceiro capítulo e a bibliografia geral, a autora expõe modestamente os principais resultados alcançados pelo seu trabalho. Esses resultados são bastante significativos, não apenas por terem ampliado nossos conhecimentos a respeito da imigração portuguesa no Brasil durante o período republicano, sobre a inserção destes migrantes na sociedade brasileira, bem como as contribuições econômicas e culturais por eles trazidas e/ou disseminadas, mas também por terem aberto o caminho para novas linhas de investigação e para o uso de fontes até agora pouco utilizadas.

De um modo geral, o trabalho editorial do livro poderia ter sido melhor cuidado. A cronologia e as abreviaturas deveriam figurar no início e não no final da obra. As tabelas menores poderiam ter sido inseridas no texto como ilustrações da argumentação desenvolvida. A fonte do primeiro anexo não está datada; no segundo não consta qualquer fonte; o terceiro, muito pequeno, poderia também ter sido inserido no texto respectivo; e o quarto parece estar completamente deslocado, dizendo respeito ao primeiro capítulo, e não ao terceiro. Trata-se de deficiências que não chegam a diminuir o valor do livro, apenas contribuindo para dificultar sua leitura. Vamos torcer para que possam ser sanadas numa terceira e definitiva edição da obra.

Tamás Szmrecsányi – Instituto de Geociências da UNICAMP.

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