Inclusão & educação – LOPES; FABRIS (REi)

LOPES, M. C.; FABRIS, E. H. Inclusão & educação. Belo Horizonte: Autêntica: 2013. Resenha de: FREITAS, Márcia Guimarães de; SILVA, Lázara Cristina da. Revista Entreideias, Salvador, v. 8, n. 1, p. 7-26, jan./jun. 2019.

O livro Inclusão e Educação foi escrito por Maura Corcini Lopes e Eli Henn Fabris, ambas professoras doutoras da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e participantes do Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão (GEPI/CNPq), que é formado por pesquisadores de distintas universidades do estado do Rio Grande do Sul (RS). Esses pesquisadores têm em comum a pesquisa no campo da educação e o interesse em estudar a emergência da inclusão, alicerçando-se em uma perspectiva pós-estruturalista, que busca, principalmente na concepção de Michel Foucault e autores afins, pensar, entender e tensionar os campos discursivos em que a inclusão emerge. As autoras destacam que o GEPI está na retaguarda das discussões e questionamentos encontrados neste livro, e que esse grupo tem sido o precursor dos estudos que utilizam a abordagem foulcaultiana sobre o tema da inclusão.

A obra problematiza, numa perspectiva geral, a preocupação crescente com a inclusão, e especificamente com a inclusão escolar no Brasil, ao considerar que a inclusão ocupa um status de imperativo de Estado e torna-se uma das estratégias para que o ideal da universalização dos direitos individuais, no caso, a educação para todos, seja considerado como uma possibilidade. Inclusão como imperativo de Estado implica, pelo seu caráter impositivo, ninguém poder deixar de cumpri-la e nenhuma instituição ou órgão público pode refutá-la; significando, ainda, que deve atingir a todos, independentemente dos desejos dos indivíduos.

O texto busca olhar o tema inclusão provocando nele rachaduras que possibilitem problematizá-lo, sem limitar-se à mobilização pela obediência à lei, pelo caráter salvacionista ou pela necessidade de mudanças que são exigidas do país no tempo presente. Indo além, busca pensar a inclusão na perspectiva do interesse de ter nossas condutas dirigidas de forma mais coerente com a noção de educação para todos.

As autoras consideram que tensionar a inclusão inscreve-se na problematização do governamento e da governamentalidade.
Os estudos foucaultianos se concentraram em pesquisar como governamos os outros e como governamos a nós mesmos, tendo como objetivo examinar o aparecimento de diferentes práticas de governamento que organizam instituições e regulamentam condutas. De acordo com Veiga Neto (2002), as palavras governamento e governamentalidade seriam palavras mais adequadas para se problematizar os processos de regulamentação das condutas de uns sobre os outros, bem como das ações dos sujeitos sobre si mesmos.

O livro discute a inclusão como uma estratégia do Estado brasileiro para fazer acontecer um tipo de governamentalidade neoliberal alinhada com nosso tempo. Na contemporaneidade, a arte de governar se constitui de práticas de uma racionalidade econômica que opera, tanto sobre as condutas de cada indivíduo, quanto sobre a população que se quer governar. Nesse sentido, a escola passou a ser um espaço útil para o Estado, que, por princípio de governo, necessitava disciplinar e manter sob controle os indivíduos e segmentos sociais que ameaçassem a ordem social. Assim, nos séculos XIX e XX, desenvolve-se um modo de vida que exige que a escola seja capaz de educar indivíduos para a racionalidade, para a autocondução e o autogoverno, sendo o indivíduo responsabilizado pelo que lhe acontece e por gerir sua própria independência.

As autoras afirmam que, para entender a inclusão, é interessante conhecer os conceitos de normação e de normalização, pois ambos constituem, no presente, as práticas que determinam a inclusão. O primeiro conceito é típico de uma sociedade disciplinar, enquanto o segundo é típico de uma sociedade que uns consideram de seguridade e outros de controle ou de normalização. Importante é conhecer também o conceito de normalidade, utilizado entre os especialistas da saúde e da educação, sendo que todos esses conceitos partem da noção de norma.

O texto fundamenta-se em Ewald (1993, p. 86) para explicar o conceito de norma como “[…] um princípio de comparação, de comparabilidade, de medida comum que se institui na pura referência de um grupo a si próprio, a partir do momento em que só se relaciona consigo mesmo”. Pode-se entender que, além de ser instituída no grupo e pelo grupo, a norma tem um caráter fundamentalmente prescritivo. Lopes e Fabris (2013), buscando embasamento em Ewald (2000), afirmam que a norma, ao funcionar como um princípio de comparabilidade e de medida, age com a intenção de incluir todos, de acordo com critérios construídos no interior dos grupos sociais e a partir deles. Assim, pode-se dizer que a norma é criada a partir das variações do grupo de indivíduos que ela observa, classifica e normaliza. É uma invenção construída mediante observações baseadas nas relações estabelecidas entre os sujeitos, em suas formas de se comportar e de se desenvolver.

Como já dito anteriormente, nos dispositivos disciplinares, a norma atua na população por normação, o que significa que primeiro se define a norma e depois os sujeitos são identificados, sempre de forma dicotômica, como normais ou anormais, deficientes ou não deficientes, etc. Já nos dispositivos de seguridade, a norma atua por normalização, ou seja, parte-se do normal e do anormal, dados a partir das diferentes curvas de normalidade, para determinar a norma. Na contemporaneidade, a normalização é constituída a partir do normal nas comunidades e ou grupos sociais; ou seja, primeiro está dada a normalidade aos grupos, depois se estabelece o normal para esse grupo; e a partir desse normal instituído nesses grupos sociais, pode-se apontar o anormal. As técnicas de normalização objetivam fazer com que o indivíduo seja normalizado através da naturalização da sua presença, e se enquadre em uma das distribuições permitidas pela curva da normalidade, para que seja permitido seu reconhecimento frente à sociedade. De um modo geral, é o que Foucault chama de processo de normalização através da inclusão.

Na atualidade, a inclusão se materializa como uma alternativa econômica para que os processos de normação e normalização se efetivem, e outras formas de vida não previstas –empreendedorismo, autossustento e autonomia– se expandam, visando a minimizar os prejuízos causados por práticas discriminatórias a determinados segmentos da população ao longo da história.

As autoras consideram que os termos exclusão, inclusão e in/exclusão são leituras possíveis no presente, e que Foucault (2003), ao diferenciar os movimentos de exclusão, reclusão e inclusão, enfatiza as práticas sociais que caracterizam os chamados indivíduos a corrigir – os loucos, os deficientes, os perigosos, entre outros. Esses indivíduos, antes chamados de anormais e incorrigíveis, passam a ser tratados como alguém a recuperar.

Assim, tais sujeitos deixam de ser excluídos. No entanto, sem que haja rompimento das práticas de exclusão e reclusão, a inclusão se apresenta como uma forma econômica de cuidado e educação da população. Salienta-se, no entanto, que, na inclusão delineada nos séculos XX e XXI, formas sutis e muitas vezes perversas de exclusão e reclusão estão implicadas. Ou seja, na modernidade, há uma “[…] reinscrição e uma ressignificação das práticas de exclusão e reclusão na lógica dominante da inclusão” (p. 62).

O texto analisa também a educação especial e seu lugar nas práticas de inclusão, optando, não pelo desenvolvimento de um histórico da educação especial, e sim pela análise da educação especial a partir das políticas públicas. As autoras propõem uma discussão, mostrando que existem múltiplos significados para a expressão políticas públicas. Assim, ao se referir à educação especial, as autoras intencionam mostrar que, desde os seus primórdios, quando a educação especial está dentro de uma concepção terapêutica clínica, está inscrita numa reação de inclusão, pois, em sua origem, significa uma nova forma de governar, mobilizada pelo capitalismo de inspiração keinesiana; que é o estado de bem-estar social, tendo como uma das características mais significativas a implantação e o fortalecimento de políticas sociais por meio de serviços de atendimento à população.

As autoras salientam que as características das legislações, como o espírito de solidariedade, que marcou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 4.024 de 1961; o espírito de profissionalização, que marcou a LDB nº 5692 de 1971; e o parecer do Conselho Federal de Educação nº 848/72, marcado pelo espírito de desenvolvimento de potencialidades dos indivíduos, denotam que, na base do atendimento especializado e da própria educação especial, podese perceber condições de possibilidades para que, no século XXI, a inclusão se insira como preocupação central e como uma das finalidades da educação nacional para as pessoas com deficiência (educação especial). O texto baseia-se em Varela (2002) para dizer que o surgimento da educação especial origina-se das pedagogias disciplinares e corretivas, caracterizadas pelo processo contínuo de normalização sobre o corpo, buscando sua correção e adestramento.

Por fim, as autoras fazem algumas conexões entre os diversos usos e significados de inclusão que circulam no campo da educação brasileira, salientando que a dispersão analítica dificultou uma abordagem e a definição no campo analítico e, por isso, optaram por apresentar interpretações mais abertas, de cunho sociológico, político e filosófico, que determinam as possibilidades de surgimento dos usos da inclusão no campo da educação do presente.

Referências

EWALD. François. Foucault, a norma e o direito. 2. ed. Lisboa: Vega, 2000.

VEIGA-NETO, Alfredo. Coisas do governo… In: RAGO, M.; ORLANDI, L. B. L.; VEIGA-NETO, A. (org.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

Márcia Guimarães de Freitas – Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected]

Lázara Cristina da Silva – Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected]

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O aracniano e outros textos – DELIGNY (REi)

DELIGNY, Fernand. O aracniano e outros textos. Tradução Lara de Malimpesa. São Paulo: 1 edições, 2015. Resenha de: MATOS, Sônia Regina de Luz. Revista Entreideias, Salvador, v. 5, n. 2, p. 97-102, jul./dez. 2016.

Inicialmente antes de escrever a resenha do livro O aracniano e outros textos (2015) é preciso descrever algumas linhas biográficas do autor, o educador francês Fernand Deligny (1913-1996). Desde já, cabe destacar que este livro é o primeiro e único livro do autor traduzido em língua portuguesa, pois ele ainda é pouco estudado no Brasil no campo da educação. O pensamento deste pedagogo é inclassificável, ele cruza os campos da filosofia, da educação, da arte e da literatura. Sua prática pedagógica contorna um processo de escritura que acontece continuamente durante as investigações e as experiências na área da educação junto aos autistas. Logo, a leitura deste livro nos convoca ao deslocamento de leitura, não tão somente em relação aos procedimentos de escrita que o pedagogo apresenta junto a arte literária, mas também, ao acesso a outra potência de agir em educação, ainda marginalizada dos espaços da pedagogia.

Então, conforme anunciado, aponto algumas linhas da biografia do professor Deligny, que desde 1927, trabalhou junto às crianças e aos adolescentes que eram classificados como inadaptados socialmente ou considerados “à parte da sociedade” (DELIGNY, 2015). Encontramos registros inéditos sobre sua experiência como educador no hôpital psychiatrique à Armentières. Esse trabalho aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial e desdobrou-se em outras experiências pedagógicas. Uma delas foi junto a clínica La Borde com o grupo de estudos do psiquiatra Félix Guattari. A partir de 1967, ele se instala na região de Cèvennes, construindo coletivamente uma rede de espaços de acolhimento e de investigação, que ele denominou de “rede aracniano” (DELIGNY, 2015).

As atividades educativas desta rede são influenciadas pela experiência de ensaísta, de poeta, de escritor e de cineasta. Deligny escreve e publica, constantemente, seus pensamentos pedagógico e investe nos conceitos das áreas de etologia e de antropologia.

Sendo assim, elabora um procedimento cartográfico a partir de traços, de linhas e de mapas que constituem os percursos dos movimentos do cotidiano dos autistas. A investigação cartográfica sobre a “experiência autística” (DELIGNY, 2015) deste educador é reconhecida como uma prática pedagógica inédita. Prática citada nos livros e entrevistas do filósofo Gilles Deleuze (1925-1995) e do psicanalista Félix Guattari (1930-1992). Nesse sentido, cabe destacar que estes dois pensadores franceses, expressam a ideia de que Deligny assumiu profissionalmente uma vertente de atuação educativa próxima da psicanálise institucional, que percebem o autismo como uma produção singular de existência.

Na França, após dez anos de sua morte se retomam as investigações e os estudos sobre sua obra. A partir de 2007, a editora L’Arachnéen, publica um volume com algumas obras de Fernand Deligny e reedita outras. No Brasil, o trabalho deste pedagogo é pouco conhecido, somente em 2015 contamos com uma primeira tradução brasileira do livro que disponibilizo nesta resenha: O aracniano e outros textos (2015). O objetivo da resenha é mostrar alguns conceitos deste autor, do movimento aracniano e de suas experimentações pedagógicas com os autistas. Ainda é importante destacar que o livro não versa sobre uma transposição didática que apresenta modelos de práticas escolares junto ao trabalho com os autistas.

Diante destas palavras introdutórias, digo que o presente livro é composto por dois eixos de leitura, um primeiro é o texto O aracniano, redigido entre 1981 e 1982, contendo 59 fragmentos que nos remetem a mesma denominação do título do livro. Um segundo eixo de leitura é aglutinado ao subtítulo: Quando o homenzinho não está (aí) que é composto por 14 breves textos redigidos entre 1976 a 1982, em gêneros de ensaios e artigos. Ainda nesta publicação constam mapas do percurso dos autistas, produzidos entre 1976 e 1977. Além disso, há um conjunto de fotografias das instalações das crianças autistas que moravam no espaço aracniano, na região de Cévennes, em 1969.

Então, o primeiro eixo de leitura, o texto O aracniano é escrito em fragmentos e sua inspiração conceitual retirada do campo da etologia que estuda as espécies de animais, como as aranhas. O seu projeto pedagógico denominado de aracniano é coletivo e envolve as crianças autistas, as suas famílias e os educadores. Assim, todos vivem no mesmo espaço rural. Sendo que, este espaço rural é dividido em pequenos territórios, assim, cada território tece uma parte da linha da teia de aranha, que se transforma em uma rede que investiga o agir autista. Com isto, o movimento aracniano acompanha, descreve e escreve o espaço da “experiência autista”. (DELIGNY, 2015) Para registrar essa experiência, o grupo elabora a montagem de mapas que constituem os trajetos que as crianças autistas fazem em seu cotidiano. Os mapas acompanham a experiência das “linhas de errância de crianças ‘autistas’”. (DELIGNY, 2015, p. 41) Elas são errantes porque as crianças não funcionam pela consciência dos atos. Por meio desta prática investigativa, o pedagogo diz: “o meu projeto: dar à palavra aracniano – ao meu ver estonteante – um sentido digno de sua harmonia e de sua amplitude”. (DELIGNY, 2005, p. 22) Afirma-se assim, que o pensamento aracniano descentraliza as práticas pedagógicas do autismo das representações psicopatológicas e investe em rastrear e em apreender com as singularidades produzidas pelo projeto.

O segundo eixo de leitura do livro que é composto por 14 breves textos, se inicia com um texto de 1976. Ele foi redigido para um congresso de psicanálise e publicado em uma revista francesa e uma italiana, intitulado: Esse ver e o olhar-se ou o elefante no seminário. A escritura do artigo tem um tom de ensaio descritivo, pois apresenta um dos mapas que constituí o percurso dos autistas.

O texto descreve a invenção de vários símbolos que possibilitam a leitura e a interpretação cartográfica dos percursos das pessoas que viviam no espaço aracniano. Cabe destacar que ao mostrar o funcionamento cartográfico nos deparamos com um outro plano de vocabulário, tais como: linhas, anel, traçar, ângulo, entrelinhas, desvio, deriva, ideologia, microideologia, linguagem vacante, linguagem em falta e na falta de linguagem.

No outro texto O agir e o agido, escrito em 1978 para uma edição italiana, segue outra descrição de mapa, neste ele amplia as questões conceituais já demarcadas no texto anterior, porém remarca algumas críticas ao tipo de psicanálise que classifica o autismo e o determina como patologia. Posição essa que vai acompanhar outros textos em sua vida profissional.

Logo, outro ensaio: A arte, as bordas… e o fora. O ensaio, também é publicado em italiano, em 1978. Conceitualmente, Deligny mostra que “a linha e a linguagem eram de idêntica natureza” (DELIGNY, 2015, p. 148) e a linha expressa-se nos mapas dos trajetos do cotidiano dos autistas. Os mapas apontam alguns elementos da linguagem que a “experiência autista” (DELIGNY, 2015) produz e que essa experiência vive uma linguagem fora da relação direta e hierárquica entre sujeito e objeto.
Na redação do texto Carteira adotada e carta1 traçada, publicado por uma editora italiana, em 1979, ele diferencia sua relação com o Partido Comunista Francês e sua experiência na elaboração da cartografia junto ao movimento aracniano. Passa a valorizar essa última experiência porque ela não exige filiação ideológica.

A experiência no Partido Comunista Francês o víncula por meio de uma carta que representa a adoção de uma ideologia. Já com a experiência do movimento aracniano ele se vincula aos mapas do traço das “crianças cujos trajetos são traçados […] não tende de forma alguma para uma globalidade em que o absoluto ideológico se reencontraria, endêmico”. (DELIGNY,2015, p. 157).

A criança preenchida, divulgado em 1979, trata da relação topológica, que são as “áreas de estar” que expressam os movimentos topográficos dos autistas. Esses movimentos constituem os mapas e os trajetos registrados e interpretados como linhas errantes do agir autista. O pedagogo define dois tipos de “topos” ou registros dos espaços autistas, a topologia e a topografia. Os dois tipos de registros permitem traçar o agir autista que conjuga “ ‘o tempo’ fora do tempo” (DELIGNY, 2015, p. 163), pois esse agir funciona pela lógica do “topo” ou espaços que não se sujeitam a linguagem oral, espaços refratários a falação. Por meio da topologia e da topografia, ela aponta uma outra plasticidade pedagógica, que pode ser analisada a partir dos espaços ocupados pelo agir autista.

Ainda neste mesmo ano, o pedagogo publica em italiano um breve ensaio denominado Esses excessivos. Ele elabora uma resposta direta a academia que somente valida como produção intelectual a classificação e ou a posição de conhecimento mais universal sobre os estudos com os autistas. Ele se posiciona afirmando que não comunga com o que ele chama de falação intelectual em busca do universal e do verdadeiro. Ele defende que sua produção se faz a partir dos “topos”, ou seja, traça o espaço do agir autista, sem assumir um manual ou modelo que caracterize o autismo.

O humano e o sobrenatural é um texto envolto na ideia da vacância da linguagem das crianças autistas. Ele inicia o texto argumentando que elas desproveem da intenção de vagar e de balançar o seu corpo. Elas não acompanham o ato da consciência, o que elas fazem é o uso do seu corpo humano não como segregação, como faz o homem em muitos momentos da história da humanidade. A vacância da linguagem produz um espaço único de relação refrataria com a língua e com os gestos. Neste momento ele crítica o conceito de humanidade e linguagem humana.

A exibição é um título publicado em italiano, em 1980. O educador elabora sua posição desconfortável em relação a posição da psicanálise quando ela refere-se ao inconsciente e a linguagem dos autistas. Afirma que não compreende a língua psicanalítica.

Fala que essa língua não faz parte da língua do repertório aracniano, a língua que o interessa é de “quem vê um autista viver”. (DELIGNY, 2015, p. 180) Em 1978, escreve para um colóquio, em Paris, sobre o tema A liberdade sem nome e destaca que o autista tem a potência de ser refratário ao poder da língua do homem e que a potência da “experiência autista” (DELIGNY, 2015) se encontra no agir sem direcionamento ideológico e nada identitário. Trata-se, portanto, de um tipo de liberdade à deriva, de vivacidade desconhecida por nós, os homens.

O artigo Semblant de rien, refere-se a 1981, escrito em italiano.
A tradução dele não acontece para língua portuguesa porque é uma expressão francesa que dispara vários significados e o autor mescla o uso dos significados do título durante a sua escrita. A ideia da frase “semblante de rien” nos remete a ideia de um semblante significa o que? Para quem? Para quem o semblante não significa nada? Para os autistas. O semblante emite signos. Essa emissão sígnica não representa nada para eles. A língua que conhecem é a língua do agir em gesto, por isso, a expressão autística é uma língua estrangeira para os homens que vivem das palavras e sua verossimilhança com os signos.

No mesmo ano, publica numa revista francesa o ensaio com o título O obrigatório e o fortuito. O texto trata do tema da guerra, no período em que viveu em Armentières e “era professor primário encarregado de instruir crianças retardadas”. (DELIGNY, 2015, p. 198) O pedagogo se refere a ideia de que a obrigação é uma ação presente quando os homens estão diante da guerra e diante de instruções instituídas por culturas e instituições. E mesmo diante da guerra e das instituições a experiência do obrigatório chegava as crianças retardadas2 como um elemento desconhecido e sem referente.

Na data, em 1981, o texto Convivência é editado num congresso americano sobre o tema sexualidade e linguagem. O professor mostra que há um Ser subjetivado a linguagem da sexualidade, este Ser está escrito em letra maiúscula porque é determinado pela convivência do homem. Ele constata que com a “experiência autista” (DELIGNY, 2015), por ser refratária a subjetivação da linguagem, ela não é atingida por essa linguagem. Assim, a convivência autista se distingue da convivência do homem. Convivência, retirada dessa experiência autista que se encontra vinculada ao agir sem Ser subjetivado aos signos da sexualidade do homem.

A voz faltante, publicado em italiano, em 1982, faz parte do penúltimo dos textos escolhidos para compor este livro. O pedagogo escolhe apresentar o paralelo entre as palavras homofônicas na língua francesa: a voz (voix) e a via (voie). Em sua experiência no asilo, ele reconhece que o ato da ausência da fala por parte da maioria dos autistas produz outro efeito na relação com a linguagem. O efeito dessa relação passa pela via do traço e dos trajetos produzidos pelo “agir autista” (DELIGNY, 2015) que se faz pela linguagem não-verbal. Talvez, por isso à “experiência autista” (DELIGNY, 2015) acione algo estrangeiro e desconhecido ao humano. Se a voz é ausente, é um indicativo de que a investigação com os autistas exige uma via novo para se pensar a supremacia dada a linguagem oral na relação humana.

O último ensaio, compõem o segundo eixo de leitura do livro e ganha espaço como título: Quando o homenzinho não está (aí). A redação do texto refere-se aos fragmentos e as anotações de quem escreve um diário de pensamentos do tipo aracniano. As anotações versam sobre muitos conceitos já demarcados nos textos anteriores e sobre as vivências nos asilos e no movimento aracniano junto as crianças, principalmente junto ao Janmari, adolescente autista que o professor Deligny adotou.

Para finalizar, reintero que o livro é composto por várias singularidades conceituais de experimentações em pedagogia.

Uma das singularidades é que o livro se faz junto ao território de artes, tais como: escrita literária, fotos, imagens dos mapas, ou seja, ele flerta e se produz por meio de uma ínfima parte do pensamento do educador Deligny como um aracniano. O desafio da leitura deste livro é que ele escreve sobre práticas pedagógicas que trabalham com o radicalidade de investir no autismo como existência e com o rigor de retirar dela uma potência singular de vida, experimentando outro tipo de educação para o homem.

Poderemos desfrutar desta leitura como uma prática única que nos ensina a pensar como é uma pedagogia que se faz junto com o agir autista e não sobre o agir autista.

Notas

1 Ele utiliza como sinônimo de mapa.

2 Lembrando que este é o conceito usado pela literatura científica e especialidade nos anos de 1940. Deligny o usa de maneira a demarcar uma certa ironia e oposição a classificação institucional.

Sônia Regina da Luz Matos – Professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS).

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Práticas pedagógicas para a inclusão e a diversidade – CUNHA (REE)

CUNHA Eugenio Professor e jornalista e colunista do DIA Foto Divulgacao Inclusão
Eugênio Cunha. Professor e jornalista e colunista do DIA. Foto: Divulgação.

CUNHA E Praticas pedagogicas para inclusao e diversidade InclusãoCUNHA, E. (Org.). Práticas pedagógicas para a inclusão e a diversidade. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2011. Resenha de: Resenha de: BRITO, Jessica de; ORLANDO, Rosimeire Maria. Revista Educação Especial, Santa Maria, v.28, n.51, p.241-244, jan./abr., 2015.

A participação das pessoas com necessidades educacionais especiais (NEE), na sociedade, é recente, principalmente por ter sido levado em conta pressupostos arraigados sobre anormalidade e deficiência ao longo da história da humanidade. Desde longe, do período da era clássica aos tempos atuais, muitas foram as concepções cultivadas sobre as pessoas com deficiência, bem como de seu papel na sociedade. (JANNUZZI, 2006)

Em consequência dessas concepções, o processo de direcionamento das pessoas com NEE à educação lentamente vem sendo conquistado, juntamente com o da população em geral, e, partindo deste fato, o livro Práticas pedagógicas para inclusão e a diversidade, organizado pelo autor Eugênio Cunha – professor, pesquisador e integrante do grupo de pesquisa em Políticas Públicas de Educação da Universidade Federal Fluminense – GRUPPE/UFF/CNPq – reúne experiências e práticas ocorridas em seu cotidiano docente sobre alunos com NEE. A obra é constituída, de modo geral, pela importância da educação inclusiva, sendo esta temática hoje em dia bastante discutida na academia.

Organizado em onze capítulos, o livro tece reflexões sobre a diversidade na escola e na sociedade, currículo inclusivo e a estimulação dos alunos com NEE, sobre as etapas da atuação docente, bem como sobre a importância da família no processo de inclusão escolar e social.
No âmbito da historicidade, no primeiro capítulo, intitulado “Um pouco sobre diversidade, escola e inclusão”, Eugênio Cunha utiliza-se de uma linha do tempo para explicar como a educação inclusiva esteve/está presente em todas as épocas e lugares, enfocando que, mesmo para as pessoas com NEE, a escola é lugar de suma importância para o desenvolvimento social e cognitivo delas, capaz, por sua essência, de cumprir a mais elevada destinação social do saber: o aprendizado do saber sistematizado.

Quando o assunto é currículo escolar inclusivo, o autor, em seu segundo capítulo, intitulado “Um currículo inclusivo”, ressalta que este deve estar articulado com as dinâmicas sociais provenientes dos educandos, ter como ponto de partida o cotidiano do aluno. Além disso, ressalta a importância da construção de um currículo com a participação da equipe escolar, abrangendo desde professores até gestores e familiares, ou seja, uma equipe que efetive a funcionalidade do currículo para a vida escolar e social do aluno.

No terceiro capítulo, intitulado “O que estimular no aluno?”, o autor destaca as habilidades que todos os alunos, incluindo aqueles com necessidades especiais, devem aprender dentro da escola, sendo elas: Afetividade; Socialização e ludicidade; Linguagem e comunicação; Educação Psicomotora; Música e Arte; e contar com uma boa alimentação. A par de tais habilidades, o autor acredita que o professor poderá atuar, de forma eficaz, para superar tanto as dificuldades de si mesmo como a de seus alunos com NEE.

Em seu quarto capítulo, “Teoria e prática: utilizando ideias pedagógicas para educar”, discute a questão de que a escola contemporânea não pode ser inflexível e estanque, já que a inteligência dinamicamente está em constante adaptação e, por meio de estímulos, mune-se de habilidades emocionais, cognitivas e criativas. Por isso, os professores necessitam tanto do conhecimento que adquirem em razão do exercício da prática docente quanto das diversas teorias pedagógicas que dão suporte ao trabalho. Nesse contexto, Eugênio Cunha põe em destaque as teorias de Piaget, Vygotsky, Ausubel e Paulo Freire.

Nos capítulos quinto e sexto, intitulados, respectivamente, “Estágios da aprendizagem discente” e “Etapas da atuação docente”, o autor revela-nos que há quatro estágios da aprendizagem, sendo o primeiro o estágio diretivo – que depende invariavelmente da presença do professor; o autônomo – em que o aluno adquire a capacidade de aprender novas habilidades por iniciativa própria; o criativo – que abarca modificações operadas pelo aprendiz, que vão desde executar novas tarefas até manusear materiais e, por último, o estágio colaborativo – com produções individuais ou em grupo, socializando o saber produzido, tanto pelo educando quanto pelo educador. Já em relação às etapas da atuação docente, o autor enfoca três etapas do trabalho pedagógico, sendo a primeira a observação, que é uma das etapas do método científico, em que os elementos observados são catalogados e organizados para, posteriormente, serem analisados. A segunda etapa é a avaliação, sendo esta objetiva, ou seja, que compreende o comportamento do aluno diante dos instrumentos de ensino e aprendizagem. Esta etapa torna-se, desse modo, um mecanismo de melhoria nas decisões que virão a seguir, pois está direcionada à aprendizagem discente. A última etapa é a mediação, que é aquela na qual o professor utiliza-se de atividades que permitirão o melhor desenvolvimento do aprendente, ou seja, o que mais interessa a este.

Sobre “O que é preciso saber? Um olhar sobre algumas necessidades especiais mais comuns na escola”, o sétimo capítulo ressalta algumas observações que podem auxiliar os professores na sua prática. Discute temas importantes como o Autismo, a Síndrome de Down, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDHA), Transtornos Emocionais, dentre outras. Colabora sobremaneira ao trazer à tona algumas atividades interessantes a fim de aguçar, além da motricidade e do cognitivo, a criatividade e a afetividade de seus alunos com e sem NEE.
Com tais considerações, leva o leitor a concluir que a família sempre deve estar presente na escola para que a inclusão seja efetiva, já que a tríade escola, família e sociedade favorece a formação de todos os alunos. Os capítulos oitavo e nono, intitulados “Família e escola” e “O afeto e suas três dimensões: pessoal, social e pedagógica”, dá enfoque à emoção como uma das forças motrizes do processo de inclusão do aluno com NEE na escola.

Para finalizar, os dois últimos capítulos, décimo e décimo primeiro, respectivamente com os títulos “Breve histórico de políticas inclusivas” e “Propostas de atividades”, Eugênio Cunha apresenta um trajeto das políticas destinadas à educação especial no Brasil, propondo algumas atividades práticas que poderiam ser apropriadas pelos professores, bastando, para tanto, utilizar-se de criatividade para que tomem corpo e, assim, contribuam para a prática inclusiva.

As discussões encontradas nesses textos revelam ao leitor uma visão mais clara sobre a Educação Inclusiva, enfatizando-lhe a importância para o processo de inclusão de alunos com NEE dentro da escola.

Enfim, ao recebermos alunos com NEE em nossa sala de aula, perguntamos: Como educá-los? Como incluí-los? Em seu livro, Eugênio Cunha aponta os elementos que podem colaborar na busca de respostas para tais perguntas nitidamente importantes na área educacional. As discussões levantadas no livro proporcionam ao leitor inúmeras reflexões, sobretudo em relação às práticas pedagógicas que devem ser consideradas para esse alunado e, também, sobre os conteúdos curriculares a serem utilizados para ele, ressaltando os anseios e desejos desses sujeitos que, assim como todos, têm o direito à educação e à cidadania.

Jessica de Brito – Universidade Federal de São Carlos, Centro de Educação e Ciências Humanas, Departamento de Educação. E-mail: [email protected][email protected]

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Educação básica, educação superior e inclusão escolar: pesquisas, experiências e reflexões – CARVALHO et al. (REi)

CARVALHO, M.B.W.B. de; COSTA, V.A. da; MIRANDA, T.G. (Org.). Educação básica, educação superior e inclusão escolar: pesquisas, experiências e reflexões. Niterói: Intertexto, 2012. (Educação e vida nacional n. 6). Revista Entreideias, Salvador, v. 4, n. 1, p. 225-229, jan./jun. 2015.

O livro “Educação básica, educação superior e inclusão escolar: pesquisas e reflexões” é resultante da 2ª Reunião Anual Projetos CAPES-PROESP/PROCAD –NF ocorrida em dezembro de 2011 cujos objetivos foram: divulgar os Projetos CAPES-PROESP/PROCAD-NF, uma parceria entre a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Federal Fluminense (UFF) quanto aos estudos de políticas educacionais e a formação de professores. O tema foi “formação de professores e autonomia docente: desafios à escola pública” e, além das instituições envolvidas nos Projetos citados, contou com a participação da secretaria de estado da educação do Maranhão, das secretarias de educação dos municípios de São Luís/Maranhão, Imperatriz/ Maranhão e Niterói/Rio de Janeiro, da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e a comunidade em geral.
A obra trata de abordagens diversas da inclusão. Os autores são professores das instituições participantes da reunião, do Departamento de Posgrado e Investigación, Dirección de Educación Superior, Serviços Educativos Integrados al Estado de México (SEIEM) e alunos da pós-graduação em educação da UFMA e da UFF. A maior parte dos estudos nela apresentados está concentrada na escola de educação básica e na universidade. Movimentos sociais também são discutidos no que diz respeito à luta das pessoas com deficiência pela educação. Ainda compõe a obra anexo contendo resumos de projetos de dissertação e de iniciação científica articulados ao PROESP e PROCAD que, abordando a inclusão, enfocam: as salas de recursos multifuncionais; o projeto político pedagógico de um escola de ensino médio; a formação de professores da educação infantil e a implementação da política de inclusão em um escola pública.

Como subtemas, são discutidos: formação e trabalho de professores; legislação e/ou diretrizes políticas; relação entre políticas e cultura institucional e prática escolar; projeto político pedagógico; educação de pessoas com deficiência intelectual e múltipla; acesso e permanência de pessoas com deficiência na educação superior e o percurso da educação especial até o direcionamento para a inclusão.

A perspectiva da educação inclusiva trouxe para o debate as condições da educação pública para acolhimento de TODOS, inclusive os que apresentam deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Acolhimento esse que deve significar acesso, permanência e sucesso na aprendizagem.
Assim, a socialização de estudos que problematizam a inclusão pode trazer contribuições importantes para a sua efetivação.

Segura, no capítulo “Acompañamiento Formativo: ¿qué connotaciones tiene en procesos de formación de profesionales de la educación?”; Costa, com “formação de professores e educação inclusiva” Silva-Perdigão, no texto “Rita, a professora que foi escutada”; Oliveira, no capítulo “A política de educação inclusiva e suas implicações na formação inicial de pedagogos(as)” e Sousa, no trabalho “Inquietações do pedagogo no cotidiano das práticas pedagógicas na educação inclusiva” discutem formação e trabalho docente com diferentes abordagens e em contextos diversos.

Segura com uma investigação sobre o assessor técnico pedagógico discute dimensões na formação dos profissionais da educação e o acompanhamento formativo como uma atitude no sentido de colaboração com o outro promovendo situações dialógicas e reflexivas referentes a questões dos processos educacionais contemporâneos.

Costa problematiza a inclusão com seus fundamentos, demandas e desafios. A autora reflete sobre dimensões centrais na formação de educadores, quais sejam: autonomia, originalidade, espontaneidade e sensibilidade, dentre outras.

Silva-Perdigão discorre sobre a escuta de uma das professoras participantes da pesquisa “Escuta e orientações a pais e professoras de crianças com sintomas de hiperatividade, impulsividade e atencionais” realizada no período de 2010 a 2011 sob a sua coordenação.

Demonstra a importância de ouvir professores sobre o trabalho com a perspectiva da educação inclusiva.

Oliveira aborda a disciplina educação especial no curso de Pedagogia discutindo a inserção dessa disciplina no currículo e suas contribuições para os alunos do curso, segundo os seus depoimentos.

Sousa, em capítulo baseado na sua dissertação de mestrado, apresentada na UFMA, relata a organização do curso de Pedagogia para a formação de professores para a inclusão, a partir dos professores e alunos.

O conjunto de estudos sobre formação e trabalho docente reflete a importância do tema para o processo de implementação da inclusão nas escolas públicas em que o professor tem sido um dos principais responsáveis.

Carvalho, em “Legislação específica da educação especial: suas possibilidades na inclusão escolar” e Silva, no capítulo “Tensões e desafios a partir da política de educação especial na perspectiva inclusiva” refletem sobre a legislação e diretrizes políticas tomando como marco as orientações para a educação inclusiva.

Carvalho analisando Resoluções do Conselho Nacional de Educação e o Decreto 7.611/11 indica o potencial dos dispositivos legais para uma educação para TODOS discutindo as ambiguidades e lacunas ainda existentes neles.

Silva, em trabalho baseado na sua dissertação de mestrado intitulada “Política de Formação de Professores e Inclusão Escolar” apresentada n UFMA, parte das diretrizes estabelecidas na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, incluindo a Resolução n°04/2009 CNE/CEB e o Decreto 6.571/2008 para compreender suas repercussões no debate sobre inclusão e relacionar às matrículas de alunos público-alvo da educação especial nas classes comuns.

Leme, no seu artigo “O que a escola inclusiva deve ter? Tecendo articulações entre as políticas e as percepções dos professores do ensino médio” baseado na dissertação de mestrado intitulada “Inclusão em educação: das políticas às práticas do cotidiano escolar” apresentada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) verifica relações entre diretrizes internacionais, planos de educação no Brasil e a cultura institucional e a prática de uma escola de ensino médio da rede estadual.

Damasceno e Pereira no capítulo “Democratização da educação – o projeto pedagógico e a organização da escola inclusiva; experiências de escolas públicas/RJ” examinam a experiência de duas escolas do município de Nova Iguaçu/RJ quanto à inclusão.

Pintor no capítulo “Projeto espaço integrado de desenvolvimento e estimulação (EIDE) na rede municipal de ensino de Niterói/ RJ-Período 2008-2009” baseado em sua tese de doutorado, narra a pesquisa realizada sobre avaliação do Projeto EIDE.

A autora discute ações referentes a alunos com deficiência intelectual e múltipla, tema pouco contemplado em pesquisas. A investigação apresenta contribuições importantes na medida em que aborda atuação intersetorial voltada para o desenvolvimento dos alunos citados e depoimentos das famílias e dos profissionais envolvidos no processo.

Chahini e Rosa nos capítulos “Políticas afirmativas para o acesso de alunos com deficiência à educação superior” e “Caminhos e desafios da educação inclusiva na UEMA”, respectivamente, discutem a inclusão na educação superior no que se refere ao acesso e permanência de alunos com deficiência.

Chahini discute a lacuna relativa às pessoas com deficiência existente nas políticas afirmativas e Rosa descreve a experiência da UEMA em inclusão com a implantação do Núcleo Interdisciplinar de Educação Especial (NIESP).

A inclusão de pessoas com deficiência na educação superior alcançou maior visibilidade nos últimos anos, no que diz respeito ao acesso e permanência dessas pessoas nesse nível de ensino e como objeto de estudo. A concentração de matrículas da educação especial no ensino fundamental com um número inexpressivo no ensino médio e na educação superior demonstra um dos problemas da área: a não continuidade da escolarização do público-alvo da educação especial. Tal fato indica a importância da realização e divulgação de estudos com essa temática.

Silva no capítulo “Luta pela inclusão educacional de pessoas com deficiência no Brasil: movimentos sociais, paradigmas e políticas públicas” focaliza a trajetória da educação especial, destacando a participação de movimentos sociais no processo.

A importância dos movimentos sociais para as conquistas obtidas na educação é reconhecida pela sociedade brasileira e se faz presente até a atualidade. Podemos encontrar uma crescente organização das próprias pessoas com deficiências com uma evolução de, como diz a autora, do campo filantrópico para o campo dos direitos humanos.

A educação de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, anteriormente mais restrita a ambientes segregados, vai paulatinamente sendo incorporada aos mesmos ambientes que as demais pessoas. Assim, as diretrizes políticas para a educação especial brasileira adotam o caráter complementar ou suplementar, e não mais substitutivo.

Essas diretrizes tomam maior impulso em meados dos anos 2000, medidas são adotadas com aprovação de legislação, programas de formação de professores, disponibilização de recursos para implantação de salas de recursos, dentre outras. Diminuem consideravelmente as matrículas em escolas ou classes especiais, e a experiência de todos estudarem juntos na mesma sala de aula vai se consolidando ao longo da década.

Os temas abordados compõem o quadro atual da educação brasileira com as demandas provocadas pela perspectiva de uma educação para TODOS, inclusive os que apresentam deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação. O momento é de avançarmos na perspectiva da educação inclusiva, desenvolvendo experiências e pesquisas que problematizem a inclusão nas suas diversas formas. Nesse contexto, a pós-graduação em educação, em particular, pode dar valiosas contribuições nas suas funções de formação e pesquisa. É esse o objetivo da obra analisada, socializar resultados de investigações, reflexões e experiências que têm como foco principal a inclusão.

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O professor e a educação inclusiva: formação, práticas e lugares – MIRANDA; GALVÃO FILHO (REi)

MIRANDA, Theresinha Guimarães; GALVÃO FILHO, Teófilo Alves (Orgs.). O professor e a educação inclusiva: formação, práticas e lugares. Salvador: EDUFBA, Salvador, 2012. Resenha de: BORDAS, Miguel Asngel Garcia: Revista Entreideias, Salvador, v. 4, n. 1, p. 221-223, jan./jun. 2015.

A presente coletânea tem como questão central problematizar os sentidos, significados e intencionalidades que vêm se materializando na relação entre o professor e a relação inclusiva, enfocando três aspectos dessa complexa realidade: a formação do professor, que hoje supõe transcender antigas e superadas seguranças e paradigmas; a sua prática, que deve possibilitar a interação crítica e criativa entre pessoas singulares, cada vez mais presentes nas salas de aula, e os lugares que, com frequência nos dias de hoje, rompem os muros e paredes da escola tradicional, para abarcarem novos e mais profícuos espaços e tecnologias para aprendizagem, visando a construção de uma sociedade e escola inclusivas.

O conjunto dos artigos desta obra contempla múltiplas questões que entrecruzam o campo da educação inclusiva, tendo como referência o professor, em diálogo polifônico de saberes. O trabalhos apresentados reúnem ideias, resultados de pesquisas e relatos de experiências, que suscitam questionamentos e posicionamentos distintos em relação aos temas abordados, possibilitando o aprofundamento do debate sobre ações educacionais, voltadas para uma educação escolar de qualidade, que possa promover formas de inclusão.

A questão proposta é analisada sob a ótica de diversas experiências construídas durante o desempenho da trajetória profissional de seus autores. Contudo, o leitor poderá observar que os autores mantiveram uma importante relação pedagógica e política entre o social e o educacional, na busca de aprofundar as reflexões referentes a educação inclusiva, principalmente em relação a formação docente, suas práticas e lugares de atuação, para uma educação especial na perspectiva do novo paradigma inclusivo.

Os artigos apresentados nesta coletânea estão agrupados em três blocos, de acordo com os tópicos discutidos no evento. No primeiro bloco estão os que tratam da Formação Docente e dele constam, os trabalhos relativos a : resultados de pesquisas sobre formação docente ( Jesus e Effgen, Martins e Pimentel); princípios teóricos e fundamentos para a formação docente (Crochík, Díaz e Costa) e caminhos percorridos por grupos de pesquisa na formação profissional e produção do conhecimento ( Silva e Miranda ).

O segundo bloco aborda questões relativas às práticas pedagógicas para a educação inclusiva, suas possibilidades e tensões.

Ele é composto de nove artigos, dentre eles cinco analisam o uso da Tecnologia Assistiva (TA) como recurso para favorecer a o desenvolvimento da pessoa com deficiência. Oliveira e colaboradores, Passerino discutem o uso da comunicação alternativa. Silva descreve a áudio descrição (AD), criada com objetivo de tradução intersemiótica criada com objetivo de tornar materiais como filmes, peças de teatro, espetáculos de dança, programas de TV em diferentes realidades é analisada por Galvão Filho, Miranda e por Castro e colaboradores. Os demais textos deste bloco referem-se a pesquisas sobre a prática de inclusão: o uso de jogos com crianças hospitalizadas (Barros e colaboradores); o ensino da ortografia para crianças cegas ( Martinez); a comunicação e o aluno com surdo cegueira ( Galvão ) e práticas municipais de inclusão ( Oliveira).

O Terceiro bloco denominado Lugares, refere-se aos espaços em que ocorrem as práticas pedagógicas, destinadas às crianças e aos jovens com deficiência. Tradicionalmente, essas pessoas eram segregadas em instituições especializadas e escolas especiais ou ficavam isoladas no seio familiar e sua escolaridade limitava-se as séries iniciais do ensino fundamental, pois a sociedade não lhes garantia condições para progressão escolar e inclusão social. Com o avanço das ciências e a promulgação de dispositivos legais, é assegurada a educação da pessoa com deficiência, que vem alcançando níveis elevados de escolaridade, atingindo a universidade, alcançando o mercado de trabalho. Nessa importante perspectiva estão os artigos de Anjos, Barbosa Santos, Carneiro Santos; e Souza e Santos que pesquisam a inclusão no ensino superior, a partir da realidade das Universidades que foram estudadas. Pereira, Passerino e Del Masso discutem a relação da pessoa com deficiência e o trabalho.

Ainda nessa reflexão sobre os lugares da educação inclusiva, Mendes e Malheiro questionam o atendimento educacional especializado, proposto na atual política educacional para ser realizada em salas de recursos multifuncionais, como modelo único de apoio a inclusão escolar do aluno com deficiência, em contraponto destaca- -se o texto intitulado O letramento de surdos em escolas especiais em Salvador, de autoria de Teixeira e Marinho. Esse ponto escola regular X escola especial é polêmico e não há consenso e, desta forma temos o entendimento de que estes textos, assim como o conjunto de todos os trabalhos aqui apresentados poderão servir, sem sombra de dúvida, para ampliar as reflexões de forma crítica com fecundidade e profícua fertilidade.

Miguel Asngel Garcia Bordas – Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Educação. E-mail: [email protected]

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Secretaria de Educação Básica. Caderno de Educação Especial – A alfabetização de crianças com deficiência: uma proposta inclusiva – BRASIL (REE)

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Caderno de Educação Especial – A alfabetização de crianças com deficiência: uma proposta inclusiva. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Brasília, 2012. Resenha de: OLIVEIRA, Marli dos Santos de; BEZERRA, Giovani Ferreira. (Pro)posições do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa para a Educação Especial: uma proposta inclusiva? Revista Educação Especial, v.27, n.50, Santa Maria, p. 777-780, set./dez., 2014.

O caderno de educação especial A alfabetização de crianças com deficiência: uma proposta inclusiva constitui-se como um dos vários materiais criados pelo Ministério da Educação para auxiliar os docentes em relação às novas exigências do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Tal pacto se apresenta como um compromisso formal assumido pelo governo federal, estados e municípios, a fim de assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental.

Organizado em seis capítulos, o caderno busca discutir sobre a Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, sob a ótica de diversos autores/as: Tícia Cassiany Ferro Cavalcante, Ana Gabriela de Souza Leal, Wilma Pastor de Andrade Sousa, Carlos Antonio Fontenele Mourão e Rafaella Asfora. As orientações propostas neste caderno buscam ampliar e potencializar as possibilidades de ensino e orientar a utilização de jogos e brincadeiras em contextos inclusivos de alfabetização. Entretanto, o material se restringe somente à alfabetização de crianças com deficiência de ordem motora, cognitiva e sensorial (visual ou auditiva), não abordando casos de altas habilidades, nem os transtornos globais do desenvolvimento.

O capítulo I, intitulado A pessoa com deficiência motora frente ao processo de alfabetização, apresenta uma breve caracterização do que é a deficiência motora, focalizando as discussões nos alunos com paralisia cerebral. Argumenta-se que esta se coloca como uma das principais causas de deficiência motora presente nas escolas.

Em seguida, descreve que a falta de recursos de acessibilidade e de comunicação das pessoas com deficiência nem sempre está relacionada estritamente à questão financeira, uma vez que o professor pode utilizar sua criatividade para construí-los e/ou realizá-los. Enfatiza, ainda, que a Comunicação Alternativa e Suplementar (CAS) possibilita a erradicação das barreiras de comunicação presentes na escola, ocorrendo de forma eficaz à medida que o professor cria laços com o aluno, conhecendo-o em suas especificidades.

O capítulo II, Pensando a alfabetização da pessoa com deficiência intelectual, discute alguns aspectos históricos da deficiência intelectual, demonstrando que a escola não está adequada para atender as diferenças de crianças sem qualquer deficiência e, sobretudo, para atender (sem segregar) as necessidades das crianças com deficiência.

Em seguida, destaca que a deficiência intelectual não pode ser encarada como uma condição estática, e nem apenas sob a ótica dos impedimentos que a pessoa nessa condição pode ter. Descreve que o trabalho docente, juntamente com o apoio da família, deve estar direcionado para a perspectiva de que a criança aprende em sua interação com o mundo, mediante as oportunidades a ela destinadas, no decorrer de sua trajetória de vida, sendo capaz de se comunicar, se alfabetizar, enfim, de aprender.

Seguindo com as discussões, o capítulo III, Estratégias de ensino na alfabetização da pessoa cega e com baixa visão, inicia discutindo que, durante a história das pessoas com deficiência, no Brasil, a cegueira foi sempre caracterizada pelo impedimento e incapacidade do sujeito. Em seguida, apresenta uma caracterização da deficiência visual, demonstrando que a visão não é a única forma para a locomoção e interação com o mundo, e que as pessoas com deficiência são iguais às demais em relação a suas capacidades produtivas e relacionais, podendo desenvolver ações em várias esferas da sociedade, desde que lhe sejam ofertadas as condições necessárias. Desse ângulo, não basta somente a escola apresentar a escrita braille à criança com deficiência visual, pois esta, sozinha, não garantirá a sua alfabetização, sendo necessário que o professor utilize vários instrumentos que desenvolvam e explorem os demais sentidos.

No capítulo IV, A alfabetização da pessoa surda: desafios e possibilidades, discute- se que a alfabetização da pessoa surda em Língua Portuguesa é encarada como um dos grandes desafios de escolarização desses sujeitos. Ressalta-se que a perda total ou parcial da audição não significa incapacidade cognitiva, sendo que as condições e situações ofertadas à pessoa com surdez influenciam em seu desenvolvimento, bem como em suas relações escolares e sociais. Nesse sentido, para que ocorra a alfabetização da pessoa com deficiência auditiva, é necessário que ela visualize seu professor, intérprete e/ou professor intérprete, estabelecendo uma relação de confiança, sendo-lhe um direito a comunicação e o esclarecimento de todas suas dúvidas. Logo, é necessário que os professores dominem a Língua Portuguesa, bem como a Língua Brasileira de Sinais, para que, primeiramente, a partir desta última, se consiga alfabetizar a pessoa com deficiência auditiva, proporcionando-lhe a comunicação e o aprendizado.

O capítulo V, O Atendimento Educacional Especializado nas Salas de Recursos Multifuncionais, inicia situando o leitor historicamente acerca das muitas conquistas em relação aos direitos das pessoas com deficiência, sendo que o direito à educação e a aprendizagem devem ocorrer em um sistema educacional inclusivo, que disponha de recursos e serviços especializados para que a pessoa com deficiência se desenvolva com igualdade de acesso e permanência às escolas comuns.

Nessa direção, o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que acontece em salas de recursos multifuncionais, no contraturno, coloca-se também como um importante direito conquistado a partir da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva de uma Educação Inclusiva, oficializada em 2008. Na sequência, o capítulo apresenta algumas definições sobre o público-alvo do AEE, sobre os materiais disponibilizados nas salas de recursos multifuncionais de tipo I e II, salientando que cabe ao profissional do AEE trabalhar de modo articulado com o professor da escola regular.

Finaliza-se o capítulo com diversas sugestões acerca do trabalho que o profissional especialista deve realizar com os alunos com cegueira, baixa visão, surdez, deficiência física e deficiência intelectual.

Encerrando as discussões do Caderno de Educação Especial, o capítulo VI, Compartilhando, é subdividido em três tópicos e não trata especificamente sobre uma deficiência em particular. Nesta ordem, aborda-se uma sequência didática acerca de um projeto desenvolvido por uma professora com alunos surdos do 1º e 2º anos do ensino fundamental; apresentam-se relatos de experiências de uma professora sobre a inclusão de um aluno com paralisia cerebral, bem como relatos de outra professora sobre a inclusão de uma aluna com Síndrome de Down em uma turma de 1º ano do ensino fundamental; e, por fim, aborda-se o uso de jogos para a alfabetização numa perspectiva inclusiva. Ao término do livro, aparecem, ainda, algumas sugestões de leituras para que o leitor/professor possa refletir mais sobre a Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva.

Percebe-se, todavia, com a leitura do Caderno de Educação Especial, que esse material disponibilizado aos professores alfabetizadores apresenta algumas lacunas.

Primeiramente, no que diz respeito à brevidade das abordagens que compõem o material, visto que as orientações feitas aos professores ocorrem minimamente sobre algumas especificidades dos alunos com deficiência, não havendo nenhum outro material no contexto do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa que contemple a Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. Além disso, não se discorre sobre as possibilidades de alfabetização dos alunos com altas habilidades e com transtornos globais do desenvolvimento.
Nesse sentido, ao se considerar o objetivo de se alfabetizar todas as crianças, é necessário subsidiar os docentes tanto no que se refere aos materiais diversificados, quanto, sobretudo, em sua formação. De forma análoga, outra questão que merece atenção diz respeito à responsabilidade demasiadamente atribuída ao professor. O Caderno de Educação Especial, em sua totalidade, dirige-se aos professores como sendo os únicos responsáveis por criar materiais e recursos diversos para contribuir no processo de alfabetização das crianças com necessidades educacionais especiais, desconsiderando-se que este trabalho deve ser realizado de modo conjunto, pela instituição escolar e por demais profissionais que apoiem o trabalho pedagógico especializado.

Como apreciação final, pode-se dizer que pensar a alfabetização de todas as crianças da rede regular de ensino exige, de início, uma compreensão de totalidade por parte dos elaboradores desses materiais de formação docente, bem como das políticas educacionais, sobretudo no que tange à Educação Especial na perspectiva de Educação Inclusiva. Afinal, este “Pacto de Alfabetização” deve ser firmado com todas as crianças brasileiras, respeitando-as em suas diferenças e necessidades.

Marli dos Santos de Oliveira – Acadêmica do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS/CPNV), Naviraí, Mato Grosso do Sul, Brasil. E-mail: [email protected][email protected]

Giovani Ferreira Bezerra – Professor na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS/CPNV), Naviraí, Mato Grosso do Sul, Brasil.

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A Etnomatemática no Contexto do Ensino Inclusivo – RODRIGUES (Bo)

RODRIGUES, T. D. A Etnomatemática no Contexto do Ensino Inclusivo. Curitiba: Editora CRV, 2010. Resenha de: SANTOS, Evelaine Cruz dos. BOLEMA, Rio Claro, v. 26, n. 42B, p. 747-753, abr. 2012

Temos direito de ser iguais quando a diferença não inferioriza e direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.

Boaventura Souza Santos (201[2])

O livro de Thiago Donda Rodrigues é fruto de sua dissertação de mestrado em Educação Matemática, defendida em 2008, e intitulada A Etnomatemática no Contexto do Ensino Inclusivo: Possibilidades e Desafios. O texto é constituído por uma introdução e três capítulos; havendo, ainda, um apêndice com a textualização de uma entrevista concedida por uma professora.

Na introdução, o pesquisador expõe sua trajetória como professor e também comenta sobre as leis cujas brechas dão espaço para que os alunos que necessitam de inclusão não sejam inseridos nas salas de aulas comuns. Trata, ainda, do movimento de inserção de alunos com deficiências em salas/escolas comuns em nível mundial e, então, explicita o objetivo de sua pesquisa, que foi observar, descrever e analisar como professores de uma escola inclusiva lidam com os alunos, na disciplina Matemática, de modo a corroborar o processo de inclusão. A pergunta principal do trabalho foi Como os professores relacionam as ticas de matema e a disciplina Matemática no processo de inclusão numa escola inclusiva?1 O primeiro capítulo, intitulado Experiência, inicia-se com um breve histórico da criação do projeto CIEJA e seus objetivos. O Projeto CIEJA (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos – São Paulo) foi escolhido como campo de trabalho, dada a opção do autor de buscar uma escola que apresentasse alunos com as mais variadas deficiências2.

O CIEJA foi criado em 2003, como resultado das discussões e avaliações do CEMES (Centro Municipal de Ensino Supletivo) iniciadas em 2001.

[…] A criação desse projeto teve como objetivo promover uma ação educativa considerando as características dos jovens e adultos, contemplando novas formas de Educação e implantando um modelo de educação básica em paralelo com a educação profissional.

O CIEJA foi criado para ser um espaço de convívio, lazer e cultura, e um local onde se discute sobre o mundo do trabalho e cidadania, e também como alternativa de inclusão de jovens e adultos no mundo sócio-escolar. (RODRIGUES, 2010, p. 20) O CIEJA oferece o ensino fundamental por meio da modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos), permitindo o acesso a pessoas com mais de 14 anos. Posteriormente, houve uma ampliação para todos os alunos, com o objetivo de uma escola para todos. Em 2007, estavam matriculados 1308 alunos, sendo 66 com algum tipo de deficiência ou distúrbios genéticos. A escola oferece os dois ciclos do ensino fundamental, compostos por módulos de um ano cada, e cada módulo corresponde a duas séries do ensino fundamental regular. Nos módulos 1 e 2 os professores dão aulas de todas as disciplinas, já nos módulos 3 e 4 há divisão de professores. Da flexibilização dos horários resultou uma configuração das atividades em seis períodos, cada um com duração de duas horas e quinze minutos. Durante o período de aulas não existem intervalos, os alunos comem o lanche oferecido pela escola na própria sala de aula, enquanto fazem as atividades. O espaço físico escolar é adaptado para alunos com deficiências, tendo, por exemplo, rampas, corrimões, portas com larguras adequadas, móveis e telefones públicos adaptados e computadores com softwares próprios para estudantes com deficiência visual, entre outros3.

O foco da pesquisa é o professor, mas também se discute o funcionamento de uma escola que tem como objetivo a inclusão. Foram observados quatro professores: uma professora do primeiro ciclo formada em Pedagogia e três do segundo ciclo, que lecionam Matemática.

Após a apresentação da pesquisa e de seus participantes, todo o conteúdo do caderno de campo é exposto. São descritos sete dias escolares. Em 2006, o autor esteve durante três dias na escola, em 2007, quatro dias4.

Trazer o caderno de campo na íntegra é um diferencial deste trabalho, já que abre a possibilidade de futuras análises por outros pesquisadores, fortalecendo a fecundidade teórica dentro desta área de estudos.

Na descrição do primeiro dia escolar o autor observou cartazes nos murais da escola, e conversou com uma professora de matemática chamada Ana. A partir do relato de sua conversa com esta professora observa-se que, apesar da escola ter investido na estrutura física, não investiu na formação do professor que irá lidar com os alunos portadores de deficiências e de necessidades educacionais especiais. Esses professores têm dificuldades para o trabalho, buscando uma formação com outros professores da escola, mais experientes (p. 23).

A professora Ana disse ao pesquisador que sua maior dificuldade é fazer a ligação entre matemática e vida, e que, para isso, tenta fazer relação com outras disciplinas (p. 24). Interessante observar que, apesar da professora não ter preparação para trabalhar com alunos com deficiências, ela relata que sua maior dificuldade é relativa ao ensino de conteúdos.

O trecho a seguir indica que, apesar de a professora perceber que muitos conteúdos não têm sentido para os alunos, ela acaba se rendendo à questão de cumprimento do currículo: […] Ana já cogitou a possibilidade de não trabalhar toda a matemática prevista no currículo escolar, optando por trabalhar só o que fosse significativo para o aluno e que ele pudesse relacionar com sua vida, mas acabou por continuar seguindo o planejamento e o currículo, pois os alunos iriam para o colegial e precisariam desses conteúdos no futuro. (RODRIGUES, 2010, p. 24).

Segundo o autor, […] Os professores, com o objetivo de trabalhar o que foi programado, não conseguem oferecer aos alunos o tempo de que eles necessitam para aprender, fazendo, então, com que os alunos que têm maiores dificuldades sejam postos de lado, fazendo atividades diferentes das trabalhadas pela turma. (RODRIGUES, 2010, p. 96).

Ao narrar o caso da aluna Tatiane, que nasceu com microcefalia5, o autor apresenta diversas situações de uma pessoa com deficiência e como a escola fez para trabalhar com ela. Essa descrição é um dos pontos ricos do livro. Outro ponto a ser destacado por sua relevância é a apresentação e discussão do caso do aluno Pedro, que perdeu a visão (p. 27), a partir do qual percebemos como o próprio indivíduo, por vezes, não sabe lidar com a situação em que se encontra.

Também, em sala de aula, os professores ainda precisam aprender como lidar com esses alunos e com toda a classe. Observemos parte do relato da aula da professora Antonia: […] enquanto os alunos copiavam da lousa, Antonia ditou o conteúdo que uma das alunas deficientes visuais está aprendendo. A professora ensinou para ela como se escrevem os símbolos da Matemática e os números em Braille. Geralmente, os alunos deficientes visuais fazem atividades paralelas aos outros; porém, quando possível, também participam das aulas com os outros; basicamente quando não é necessário copiar da lousa e resolver as atividades no caderno. (RODRIGUES, 2010, p. 34).

Segundo o autor, a decisão de deixar alunos de lado nas atividades, ou julgar que apenas a convivência com os outros já é o bastante, muitas vezes são equívocos causados pela desinformação de alguns professores que, devido ao preconceito, julgam que esses alunos não são capazes de entender o que está sendo falado, ou que não é necessário que eles efetivamente aprendam algo, bastando-lhes conviver com outras pessoas do ambiente escolar. Em muitos casos os professores buscam formas de trabalhar paralelamente por não saberem como lidar com as diferenças.

No entanto, de acordo com Rodrigues, somente a socialização não implica inclusão: é necessário que os alunos com deficiência tenham educação de qualidade e que os professores consigam trabalhar com todos os alunos.

Outra questão que evidencio relaciona-se ao tempo para cada módulo. Vejamos: Segundo Antonia, há alguns alunos que irão para o próximo módulo; existem outros que pediram para ficar mais um ano e outros reprovarão por não terem condições de acompanhar o módulo III. Uma das alunas disse que fez a vida inteira contas na calculadora, mas que agora não consegue passar para o papel, ‘no lápis é difícil’ (RODRIGUES, 2010, p. 36).

A pergunta é: poucos são os alunos que conseguem aprovação nos módulos (p. 36), então, por que fazer cada série em seis meses? Há que se pensar um pouco mais sobre o tempo para a aprendizagem.

Finalizando minhas considerações sobre esse capítulo, observo que algumas descrições do caderno de campo são vagas ou deixam dúvidas quanto às situações registradas. É, por exemplo, o caso da aluna Arlete, que já havia cursado o ensino médio, portanto não se justifica o fato de Arlete estar, novamente, cursando o Ensino Fundamental (p. 43).

O segundo capítulo, intitulado Analisando a experiência, é redigido em duas colunas, trazendo excertos do caderno de campo (na primeira coluna) e o que a Etnomatemática e a Educação Inclusiva dizem sobre a situação relatada (segunda coluna). Penso que esse tipo de registro em duas colunas pode reforçar a falsa dicotomia entre teoria e prática e, neste caso, a elaboração textual pareceu-me um tanto fragmentada, isto é, em alguns casos não foi possível detectar a relação entre a primeira e a segunda colunas6. Apesar de na segunda coluna o pesquisador trazer alguns comentários sobre a situação relatada na primeira coluna, faltou um diálogo maior entre essas duas partes, além de carecer de uma análise mais ampla das situações apontadas, já que o título do capítulo implica a análise das experiências. No entanto, essa análise mais ampla e o diálogo entre teoria e prática são deixados para o último capítulo.

Intitulado Conclusões e Considerações finais, o último capítulo vem apresentado no formato de duas colunas, com uma análise/confronto dos dados em relação às ideias da Etnomatemática, das teorias sobre inclusão e das legislações vigentes; além de tecer alguns caminhos possíveis para a Educação Inclusiva a partir dessa pesquisa.

O autor relata que, no trabalho de campo, deparou-se com práticas inclusivas e não-inclusivas e, segundo ele: A construção de uma escola inclusiva requer tempo para que as mudanças ocorram, as transformações são gradativas e algumas podem demorar mais que outras para serem feitas.

Por isso, mesmo em escolas que têm como objetivo principal a inclusão, pode-se constatar práticas que não são inclusivas ou que não estão em conformidade com os conceitos da Educação Inclusiva. Essas práticas destoadas devem-se ao fato de que a Educação Inclusiva não é um modelo acabado que só nos cabe implantar no sistema de ensino, mas sim um novo olhar à Educação (RODRIGUES, 2010, p. 85).

As práticas inclusivas detectadas no CIEJA foram: […] o respeito pelas diferentes formas de cultura, a percepção dos saberes dos educandos, o esclarecimento e discussão dos direitos e deveres dos alunos, o desenvolvimento de formas de trabalhar com todos simultaneamente, a percepção das diferenças e sua devida valorização (RODRIGUES, 2010, p. 86).

Mas, também foram encontradas algumas práticas remanescentes da integração, apesar de atribuírem a elas o nome de práticas inclusivas (por exemplo, quando a professora trabalhou com a aluna Tatiane individualmente enquanto os outros alunos realizavam outra atividade). As práticas de integração visam preparar o aluno com deficiência para se enquadrar em um padrão de normalidade imposto. Já a Educação Inclusiva […] não tem como pretensão tornar os diferentes iguais, normalizando-os, assim como não pretende estigmatizar os diferentes fazendo-os inferiores ou superiores por suas diferenças ou poupando-os das atividades escolares também em função de suas diferenças (RODRIGUES, 2010, p. 88).

Ressalta o autor que a imposição de um padrão de normalidade, de cultura, de sociedade ou de saber, nega as diferenças (p. 90). Ao apresentar as práticas de integração ocorridas na escola, salienta o que é proposto pela Educação Inclusiva, fazendo um confronto entre práticas de integração e práticas de inclusão. Por exemplo, quando a professora Antonia diz que para os alunos irem para a próxima série precisam ser preparados e devem adquirir algum tipo de conhecimento, ela, na verdade, está querendo moldá-los segundo um padrão/ nível de saberes (p. 89). No entanto “A Educação Inclusiva não determina níveis de aprendizado para serem alcançados pelos alunos […]; [ela] explora as potencialidades objetivando transgredir os limites de cada um […] (RODRIGUES, 2010, p. 89).

Rodrigues aponta que a inclusão não deve ser pensada apenas pela escola, sendo necessário “[…] a conscientização da sociedade em geral, no sentido de esclarecer os direitos de todos e acabar com a exclusão” (p. 94).

Entendo que o último capítulo seja de extrema valia para professores e educadores, por apresentar as diferenças entre práticas de integração e/ou nãoinclusivas e as práticas de inclusão, além de discutir equívocos usualmente cometidos em salas de aula e apresentar diversos caminhos para a Educação Inclusiva, o que pode contribuir para a reflexão de professores e educadores e suscitar desejos, esperanças e motivação para o exercício de novas práticas educacionais.

Notas

1 O pesquisador Pedro Paulo Scandiuzzi entende que, segundo D’Ambrosio, etnomatemática é o aprendizado e o acúmulo [ticas] de habilidades e criatividade para entender e explicar [matema] os fatos e os fenômenos mediante experiências resultantes do contato com seu ambiente [etno]. As ticas de matema são geradas em diferentes etnos com seus éthos, são organizadas intelectual e socialmente acumuladas, memorizadas e difundidas no próprio espaço e tempo, mas, também, entre ambientes remotos em espaço-tempo.

2 O autor relata as seguintes deficiências: física, visual, auditiva, mental, e, também, microcefalia e distúrbios genéticos.

3 Para uma melhor apresentação da estrutura física e material da escola o livro poderia conter fotografias, como ocorre na dissertação da qual o livro resultou.

4 Não foi justificado o porquê desses dias na escola. Observa-se, quando da explicitação dos dias específicos das visitas, que o pesquisador não ficou em quintas ou sextas-feiras. O autor também não relata mudanças ocorridas na escola, entre o ano de 2006 e 2007, o que poderia enriquecer a descrição do ambiente escolar e das aulas de que participou em 2007.

5 A microcefalia é provocada por uma insuficiência no desenvolvimento do crânio e do encéfalo, que causa redução no tamanho do crânio e do cérebro.

6 Por exemplo, à pág. 61, na primeira coluna, o autor traz um histórico da vida da aluna Tatiane, que nasceu com microcefalia e tem deficiência mental, o que implica limitações físicas e mentais. Tal registro induz a pensar sobre os traumas que o aluno traz para a escola em função de sua história de vida, sobre como as famílias às vezes não sabem lidar com crianças que nascem com problemas de saúde, sobre o fato de a aluna saber falar, mas não falar por vergonha de sua voz e das dificuldades que tem para fazê-lo. No entanto, na segunda coluna, o autor comenta sobre os objetivos da educação, de métodos pedagógicos e da postura educacional da Etnomatemática, descuidando de aspectos significativos, como os que relatei anteriormente.

Referências

LOPEZ, I. Em busca da cidadania global. Entrevista com Boaventura de Souza Santos. 201[2]. Disponível em:<http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/boaventura/ boaventura_e.html>. Acesso em: 5 jan. 2012.

Evelaine Cruz dos Santos – Doutoranda em Educação Matemática pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista/UNESP, Rio Claro, SP, Brasil. Professora de Matemática da Escola Waldorf São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected]  

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Pesquisa e prática profissional: educação especial – BANZZATT (REE)

BANZZATT, R. B. Pesquisa e prática profissional: educação especial. Curitiba: IBEPX, 2009, 101p. Resenha de: Resenha de: ROIZ, Simone Tonolo Oliveira. Para que lado caminha a inclusão? Revista Educação Especial, Santa Maria, v.23, n.36, p.145-148, jan./abr., 2010.

A educação especial é um tema que vem sendo discutido tanto por profissionais da educação, quanto por aqueles que, de uma forma ou de outra, se preocupam ou se identificam com o assunto. A educação inclusiva no Brasil foi e ainda está sendo muito polêmica, talvez pelas insuperáveis formas de exclusão, que se arrastam ano após ano. Incluir não consiste em apenas inserir uma criança, ou jovem portadora de alguma necessidade especial, dentro de uma sala do ensino regular, sem ao menos ter um ambiente adequado para recebê-la, e profissionais minimamente qualificados e aptos a exercer tal função.

Nesse sentido, se faz necessário um melhor esclarecimento do que vem a ser inclusão, pois, o que está havendo mais se parece uma integração do que propriamente um ato de incluir. Obviamente, não se pode generalizar. Muitas instituições têm feito um enorme esforço para incluir de forma adequada crianças e jovens, com histórico de necessidades especiais, por meio de adaptações em suas salas e qualificando professores e funcionários que ali se encontram.

A autora deste livro mostra a importância deste tipo de pesquisa para a prática de ensino. Entretanto, o livro se apresenta mais como um manual didático, do que propriamente uma pesquisa empírica. Mas traz consigo um trabalho de grande valia para os dias atuais, em função do recenseamento que faz da discussão.

Em síntese, o principal objetivo da autora é de apresentar a importância da pesquisa para profissionais da educação e, principalmente, para aqueles que atuam com a inclusão dentro do âmbito escolar.

No primeiro capítulo autora discute a relação e a “importância da pesquisa para a prática profissional em educação especial”. Segundo ela:
A realização de pesquisas na educação especial fornecerá subsídios para uma melhor atuação na complexa e dinâmica realidade educacional, tendo em vista a diversidade de alunos que ali transitam, a fim de promover o seu acesso aos saberes que compõe o currículo (p. 19).

Já Paulo Freire dizia que: “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses fazeres se encontram um no corpo do outro […] pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade” (1996, p. 29). No capítulo seguinte, a autora fala da complexidade que há entre professor e aluno dentro do âmbito escolar, por que “a sala de aula não é apenas um espaço geográfico, mas um ambiente constituído por uma diversidade valiosa, em que o processo de ensino e aprendizagem deve ser privilegiado” (p. 29). E, no entanto, o que lemos e presenciamos estão bem distantes de nossa realidade.

No terceiro capítulo, ela faz uma breve trajetória sobre a inclusão, desde seus primórdios até os dias atuais. Voltando ao passado ela apresenta como as pessoas com alguma necessidade especial eram vistas perante a sociedade e a escola. Enfatizando tal questão, a autora diz que: Os primeiros registros de que se tem notícia sobre o atendimento prestado as pessoas com deficiência datam do final do século XVIII. Antes desse período, era considerado normal praticar infanticídio quando se observava alguma anormalidade nas crianças. A partir do século XVII, os deficientes passaram a ser internados em orfanatos, manicômios, prisões e outros tipos de instituições, juntamente com delinqüentes, idosos pedintes, ou seja, eram excluídos do convívio social, por causa da discriminação que então vigorava contra pessoas diferentes (p. 40).

Para ela, a sociedade só tomou consciência da necessidade de apoio às pessoas com deficiência no final do “século XVIII e inicio do século XIX. Era um apoio assistencialista aonde era oferecido, abrigo, alimento, medicamento e alguma atividade para ocupar o tempo. Entretanto, sabe-se que na verdade, elas eram consideradas um perigo para sociedade” (p. 41). Segundo ela, nesse mesmo período multiplicam-se as classes e escolas especiais, que representavam uma discriminação e rotulação em função das suas deficiências. Além disso, tinha um currículo específico e separado do ensino regular. Mas se levarmos em consideração como acontecia o processo de inclusão em algumas instituições, pode-se dizer que houve um retrocesso em relação ao século passado. A diferença é a sutileza de como ela vem sendo manifestada, ou seja, a exclusão e a discriminação ainda continuam sendo praticadas. O que mudou foi à forma com a qual cada um a ‘encara’. Mesmo considerando que perante a lei os direitos são iguais para todos indiferentemente da sua etnia, classe socioeconômica ou cultura, o que vivenciamos em determinadas situações está bem longe de ser inclusão, como muitos dizem e insistem em dizer.

Por fim, no último capítulo, ela apresenta como deve ser uma escola inclusiva e as principais adaptações necessárias para receber crianças com necessidades especiais. Segundo ela: “o desenvolvimento profissional do professor e o currículo são um dos principais fatores de mudança para atender a diversidade de alunos” (p. 80). Mais, a escola que pretende ser inclusiva também deve proporcionar formação continuada a todos profissionais envolvidos.

Mas para que isso venha a se tornar algo concreto, torna-se inadiável não só a preparação dos profissionais envolvidos, mas também o comprometimento dos órgãos públicos, em rever a atual situação onde se encontra a educação inclusiva no Brasil. Por outro lado, enquanto cidadãos ativos devemos cobrar por melhores investimentos, ao invés de cruzar os braços e exigir dos educadores o que deveria ser tarefa do próprio governo. De nada adianta jogar toda culpa e responsabilidade nas escolas, ou nos educadores, se não reivindicamos pelos nossos direitos perante o governo.

Se for direito e se está na lei que crianças e jovens com necessidades especiais têm o direito de estarem em escolas de ensino regular, também é direito e dever de todos (principalmente das famílias) que pretendem matricular os filhos no ensino regular passarem a conhecer melhor a lei, que assegura esses direitos. Muitas dessas famílias desconhecem os seus verdadeiros direitos e, principalmente, o seu dever, e acabam confundindo direito com ação ‘paternal’, ou seja, julgam a escola e os educadores como sendo obrigados a atender situações que propriamente dizem respeito à família e não a escola ou aos educadores, como vem acontecendo. Por isso, se faz necessário a conscientização, e um melhor esclarecimento para estas famílias, ao incluírem seus filhos, para que assim escola e família possam estar trabalhando juntas, sobre um dos mecanismos de exclusão na sociedade.

O presente texto buscou contribuir para um melhor entendimento da educação inclusiva e suas principais implicações para uma escola ser inclusiva mediante as necessidades educacionais de cada criança, ou jovem, que ali se encontra. De modo sintético e direto a autora demonstra os principais percalços enfrentados por escolas, educadores e famílias ao enfrentarem os dilemas lançados pela questão da inclusão escolar. Pode-se, evidentemente, discordar de um ou outro argumento da autora, mas não há como negar a importância de seu texto, para um melhor delineamento deste tema.

Simone Tonoli Oliveira Roiz – Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), bosista CAPES. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected]

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Adultos com síndrome de Down: A deficiência mental como produção social – CARNEIRO (REE)

CARNEIRO, Maria Sylvia Cardoso. Adultos com síndrome de Down: A deficiência mental como produção social. Campinas, SP: Papirus, 2008. Resenha de: CRESPO, Fernanda de Azevedo. Revista Educação Especial, Santa Maria, v.22, n.35, p.409-410, set./dez., 2009.

Refletindo sobre a deficiência mental de adultos com síndrome de Down, que imagens visualizamos? Quem são esses sujeitos? O que podemos pensar e falar sobre eles? Quando enfatizamos a abordagem histórico-cultural, especialmente as contribuições de Vygotsky, a marca das relações sociais influencia os fatores maturacionais uma vez que o meio está relacionado com as conquistas de cada sujeito.
O citado livro apresenta três histórias de adultos com síndrome de Down oriundas da interação da autora com cada narrador que, utilizando o método narrativo, valoriza a experiência subjetiva, singular incorporando elementos como as emoções de cada sujeito da pesquisa.
A contribuição da autora na área da educação especial é importante por salientar que ter síndrome de Down e constituir-se como sujeito adulto sem o diagnóstico de deficiência mental é possível e remetem aos sujeitos de sua pesquisa.

Esta questão é o que mais chama atenção em sua obra uma vez que os adultos que foram pesquisados, apesar de todas as dificuldades, se mantiveram em escola comum e deram continuidade aos estudos em nível técnico ou graduação o que é incomum em nossa sociedade.
Aos poucos vamos conhecendo histórias como estas, de luta diária e confronto com uma sociedade que vem abrindo espaço para diferença.
Por mais que a inclusão venha sendo gradativamente discutida, histórias como estas são únicas e difíceis de encontrarmos em nossas escolas e universidades.

A importância da obra decorre do fato da autora conseguir apresentar as trajetórias destes três adultos com síndrome de Down como sujeitos únicos que em comum têm o diagnóstico, mas experiências e aprendizagens que foram sendo construídas com suas relações sociais.
É um livro interessante para todos que atuam na educação especial, pois valorizam a construção do conhecimento oportunizando novas produções específicas sobre adultos com necessidades educativas especiais em nosso mundo que está constantemente em movimento .

Fernanda de Azevedo Crespo – Professora da rede municipal de ensino. Prefeitura Municipal de Cachoeirinha (RS). E-mail: [email protected]

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