10 Lições sobre Gadamer – KAHLMEYER­-MERTENS (ARF)

KAHLMEYER­-MERTENS, Roberto S. 10 Lições sobre Gadamer. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2017. Resenha de: SILVA, Claudinei Aparecido de Freitas da. Aufklärung – Revista de Filosofia, João Pessoa, v.4, n.1, p.187-­192, jan./jun. 2017.

Não é tarefa simples rastrear um percurso filosófico, sobretudo, quando suas sendas, uma vez abertas, conduzem o leitor floresta adentro no intuito contingente de enredar­-se em seus mistérios. Tal é a experiência de pensamento que uma obra do porte da de Hans­- Georg Gadamer (1900­-2002) lega a seu intérprete. É, pois, assumindo, um peculiar exercício hermenêutico que10 Lições sobre Gadamerbrinda o público de língua portuguesa na já consagrada Coleção 10 Lições da Vozes. O autor, Roberto S. Kahlmeyer-­Mertens, que assinara pela mesma série,10 Lições sobre Heidegger (2015), novamente leva a bom termo tal projeto. Afinal, quais seriam, em seu quadro geral, as Lições perseguidas por esse pioneiro e notável estudo introdutório sobre Gadamer?

Na Primeira Lição, “Quem é Gadamer?”, Mertens sumariza a gênese do pensamento gadameriano, destacando suas influências de formação, bem como sua fecundidade intelectual. Gadamer é revivido desde a juventude quando, acercado por Paul Natorp, travaria contato, já no início dos anos 1920, com Heidegger. Malgrado os encontros e desencontros com o autor de Ser e Tempo 1927), fato é que Gadamer jamais deixará de reconhecer a força inspiradora desse projeto acalentado na segunda década. Quer dizer: o magnetismo da fenomenologia e, particularmente, a estreita verve hermenêutica do programa heideggeriano exercerá, de maneira intrépida, uma atração distintiva no itinerário gadameriano. Como avalia Mertens (p. 28), “a vocação hermenêutica de Gadamer, inicialmente, cultivada por Heidegger é algo que se reaviva”. Outro aspecto, porém, não se perde de vista no curso dessa primeira lição: a posição política do jovem filósofo. É o que se pode avaliar por conta da ascensão do partido social nacionalista, nos anos 1930, na Alemanha. É certo que Gadamer buscou resguardar-­se em relação a isso, adotando uma postura mais prudencial, tanto no sentido de não colaborar com o regime quanto em não resistir como um “intelectual engajado”. Ele, antes, preferiu recolher­se, dedicando­-se, exclusivamente, ao magistério, em que pese, à época, os ossos do ofício. Vale, contudo, observar, mostra Mertens (p. 32), que, “em Leipzig, Gadamer desenvolveu até seminários sobre Husserl (desobedecendo à proibição oficial de estudar autores de origem semita), sem que fosse incomodado pelo patrulhamento ideológico do partido”. De todo modo, o que chama atenção é o fato de que, malgrado tais tempos bicudos, Gadamer se envolve em inúmeros projetos acadêmicos: em 1953, funda, com Helmuth Kuhn, a Revista Philosophische Rundschau. Ele também presidirá a Sociedade Alemã de Filosofia além de tornar­se, membro da Academia de Ciências de Heidelberg. Nos anos cinquenta e sessenta, o filósofo edita sua magnum opus:Verdade e Método (I e II)na qual advoga a tese de que “a hermenêutica nasce da práxisdialógica” (Gadamer apud Mertens, p. 39).

A fim de melhor situar esse princípio nuclear faz-­se necessário que passemos às lições seguintes. Na Segunda Lição,“Hermenêutica como a ‘coisa de Gadamer’”, Mertens restitui o estatuto proeminentemente hermenêutico da obra gadameriana. Para tanto, lembra que existem vários modelos hermenêuticos como o da escola de Schleiermacher, passando por Dilthey até chegar Heidegger. É notável que o movimento hermenêutico iniciado no século XIX é regido sob o signo da filologia como um instrumento de exegese que atraíra, inclusive, historiadores, juristas e teólogos. Dilthey, p.ex., encontrara nesse expediente metódico, uma ocasião oportuna para pensar o projeto de fundamentação das ciências do homem então emergentes. Mais que um simples filólogo, ele se via como um “teórico do método” como bem repara Gadamer; método esse fundado na distinção entre “explicar” (específico das ciências naturais) e “compreender” (próprio das ciências do espírito”). Não obstante, essa “arte da compreensão” permanece restrita, ainda, a um tradicional ofício filológico. Por isso, o salto vigorosamente filosófico tem ­se início com a fenomenologia. A figura de Heidegger, sob esse prisma, se torna, de fato, programática, à medida que, como diz Mertens (p. 48): “O autor de Ser e Tempo está circunspectamente comprometido com a questão do sentido do ser; não seria, portanto, em outro âmbito que a hermenêutica compareceria […]Com a hermenêutica da facticidade, nosso fenomenólogo se apropria da ideia de compreensão, enraizando-­a na vida fática enquanto contraposição a uma atividade abstrata e teórica”. Apesar de a compreensão exprimir, em termos heideggerianos, um existencial revestindo­-se de um caráter ontológico radicado na pergunta pelo sentido, o que temos é uma “filosofia hermenêutica, uma hermenêutica fenomenológica, mas que ainda não preenche a qualificação de uma hermenêutica filosófica propriamente dita” (p. 50). Esse alcance só sedará, efetivamente, com Gadamer que “tem em vista o acontecimento da compreensão e o horizonte de possibilidade da interpretação que apenas é possível a partir de tal acontecer” (p. 53). Ora, é precisamente tal aspecto agora visado que diferencia a hermenêutica de Gadamer como uma “coisa” peculiarmente sua, conforme a expressão de Heidegger. Com isso, é possível, enfim, compreender o elemento dialógico da hermenêutica. Com a palavra, Mertens (p. 53­54): “Uma hermenêutica filosófica, assim é distinta das outras, pois, tendo descoberto a linguagem como o terreno da experiência ontológica fundamental, se lastreia nessa experiência linguística ­viva desde a qual o ser­ no ­mundo compreende a si mesmo”. Como observaria Heidegger, a propósito: “esse traço filosófico se tornou um bom contrapeso à filosofia analítica e à linguística” (Heidegger, apud Mertens, p. 43). A visada de Gadamer se projeta, precisamente, aí: ele reconhece no fenômeno da linguagem (e, portanto, do diálogo) uma dinâmica onde reside a dimensão ontológica mais profunda de todo compreender.

É assim que a Terceira Lição reorienta o debate. Intitulando-­se,“Método, compreensão e acontecimento”, Mertens ressalta que essa nova “hermenêutica” é bem mais que uma simples metodologia aplicável; ela,rigorosamente,seinstituicomouma“doutrina­do­compreender”,transfigurando, por meio da linguagem, sua fundação ontológica originária. É preciso ver que Gadamer não desconsidera jamais a importância do método. Tanto é que ele próprio situa sua hermenêutica como uma teoria, uma doutrina, fazendo notar que “a verdade (que sustenta o fenômeno da compreensão e aideia das ciências humanas) não é apenas questão de método” (p. 61). A ideia de método difere, substancialmente, da acepção naturalista, clássica, por definição desvelando que o “acontecer é operante em toda compreensão”. Um dos melhores exemplos disso vem à luz na Quarta Lição.

Nessa, intitulada “Jogo da arte, jogo da compreensão”, Mertens discute um ponto de pauta na nova agenda hermenêutica: o fenômeno da arte e do jogo (Spiel). Com qual intenção Gadamer recorre à arte? “Para evidenciar o caráter de acontecimento da verdade do compreender” (p. 67). É que a arte não se dobra à racionalidade científicatout courttal como Merleau-­Ponty precisara em O Olho e o Espírito. Diferentemente do cientista que “manipula”, nota o fenomenólogo francês, o artista “habita” o mundo, se lançando num “lençol desentido bruto”, num “há prévio”, sem nenhum dever de apreciação. Ele vive, habita o acontecimento! Gadamer parece não só estar cônscio disso, mas, sem qualquer pretensão de elaborar uma teoria estética, quer pensar, em sua estrutura íntima, a experiência da obra de arte como uma dimensão sui generis. É nesse sentido que o jogo passa a exercer um papel especial. O hermeneuta alemão compreende que entre arte e jogo há uma relação recíproca. Há todo um movimento de vaivém, ou se, quiser, dialético no fenômeno lúdico, desconstruindo, pois, toda relação de conhecimento do tipo clássico: sujeito/objeto. A compreensão da verdade nesse acontecimento único “só se cumpre quando o jogador se abandona completamente ao jogar” já que “todo jogar é um jogado” (p. 72). É essa dinâmica, aquém e além de todo subjetivismo ou objetivismo que torna o jogo uma forma especial de arte, imprimindo o ritmo de uma significação sempre aberta, dado o seu caráter imprevisível. Sob esse espectro, impossível não ver, em tais formulações, presenças impactantes não só de Huizinga em seu Homo Ludens, mas tambémde F. J. J. Buytendijk, em Essência e sentido do Jogo, Wittgenstein em Investigações Filosófica se Eugen Fink, em O Jogo como Símbolo do Mundo. Este último considera, portanto, que o “homem que joga não pensa e o homem que pensa não joga” (p. 73).

A Quinta Lição, “Preconceitos, autoridade, tradição”, situa outra temática cara ao pensador alemão. Ele pretende melhor delinear o movimento hermenêutico resguardando a autoridade da tradição e o recurso prévio dos pressupostos ou preconceitos que a funda. Eliminando qualquer depreciação de cunho moral, tais preconceitos são inerentes a um contexto específico no qual toda compreensão se anuncia. O que significa que dependemos sempre de uma “pré­compreensão” quando se trata de se situar “num terreno aberto pelo projeto do ser que somos ao ‘aí’ do mundo” (p. 78). É nesse “espaço de jogo” que se transfigura o horizonte hermenêutico propriamente dito. Observa Gadamer (ApudMertens, p. 85): “sempre intervém, em nossa compreensão, pressupostos que não podem ser eliminados […]. A compreensão é algo mais que a aplicação artificial de uma capacidade. É sempre também o atingimento de uma autocompreensão mais ampla e profunda. Isso, porém, significa que a hermenêutica é filosófica e, enquanto filosofia, filosofia prática”. Ademais, Gadamer se reporta à noção de autoridade removendo nela toda conotação, à primeira vista, moralmente impositiva ou conservadora. Trata­-se de reconhecera autoridade de saberes e de tradições (como a retórica, filosofia prática, hermenêuticas jurídica e teológica) que se engendram a partir desses preconceitos na contramão, p. ex., do racionalismo esclarecido do séc. XVIII.

Uma vez postos esses elementos estruturantes, Mertens revisita outra categoria- chave para pensar, em termos gadamerianos, o projeto hermenêutico. É o que aborda aSexta Lição,“A história das repercussões e sua consciência”. Trata­-se da assim denominada Wirkungsgeschichte, isto é, a história das repercussões. Do uso desse conceito, Gadamer entende que, em regra, “as compreensões, ao serem transmitidas, contam com preconceitos fáticos que (por serem também históricos) exercem seus influxos sobre novas compreensões e interpretações” (p. 94). Afinal, que “história” seria essa? “Uma história das posições e dos caminhos que as compreensões assumem no horizonte da tradição e da maneira como elas, uma vez interpretadas, logram sua posteridade” (p. 94). Não há, fundamentalmente, como ignorar a história e seu trabalho tácito no seio da tradição: a história é, a um só tempo, um horizonte aberto. Por isso, a verdadeira consciência histórica como exigência hermenêutica, inscreve Gadamer (Apud Mertens, p. 98), “é algo distinto da investigação da história”. O que mostra que inexiste imparcialidade nesse processo uma vez que “toda e qualquer compreensão sempre acontece embebida na história” (p. 100). O fato último é o de que nossa consciência histórica é, desde sempre, circunstanciada, lançada na finitude como acontecimento.

A Sétima Lição, “Circularidade, fusionalidade e dialogicidade” reúne três outros aspectos fundantes desse projeto filosófico. O primeiro é a noção de “círculo hermenêutico” que, como esboça Gadamer, consiste num “movimento de compreensão que se dá no conjunto para a parte e, novamente, para o conjunto” (Gadamer Apud Mertens, p. 106). O que se revela aí é um processo global de sentido; processo esse que leva em conta a experiência existencial do tempo. Tal como em Heidegger, o tempo é o que funda todo acontecimento descortinando uma “fusão de horizontes”. Este é o segundo aspecto. Como explicita Mertens (p. 111): “horizonte é a estrutura de base que, consolidada na chave de posições, visadas e conceptualidades prévias, se alarga e se refina significativamente em cada novo projeto compreensivo”. Em razão disso, “todo compreender se dá como fusão de horizontes” (p. 112). O terceiro aspecto é o diálogo. Gadamer reconhece na dialética do perguntar e do responder o caráter essencial da linguagem compreendida via a dinâmica peculiar do jogo como arte. É essa espécie de um “logos compartilhado” que se anuncia como componente ontológico e, portanto, originário do experimento hermenêutico.

A Oitava Lição, “Hermenêutica e ontologia da linguagem” se destina a aprofundar o sentido e alcance desse logos. Para tanto, Mertens reconstitui, a partir de Verdade e Método, duas teses capilares: a primeira, de que “não há compreensão fora da linguagem” (p. 126). Para além, pois, de todo nominalismo, essencialismo ou positivismo lógico, a obra de Gadamer acentua o caráter originário da linguagem como inseparável de uma experiência hermenêutica. A alusão à metáfora de que vivemos na linguagem assim como o peixe na água em muito lembra a experiência sentida pelo escritor, seja ele romancista ou poeta. É por meio desse gesto que Clarice Lispector pressentira o caráter contingencial ou indigente da linguagem visto por certa tradição canônica como algo desprovido de qualquer brio ontológico. A segunda tese, complementar à anterior, é a de que “o próprio objeto da compreensão é linguístico” (p. 129). Compreensão e linguagem se mesclam numa só experiência. Ao postular esse princípio parece claro que Gadamer se afasta, consideravelmente, de uma crítica que se tornou lugar comum, qual seja, a de advogar um idealismo linguístico, já que “não é o ser da totalidade que interessa a Gadamer, mas o ser do que pode ser compreendido na linguagem”(p. 132).

Em “Filosofia prática e hermenêutica”, o leitor é conduzido à Nona Lição. Neste instrutivo estudo, percebemos o interesse gadameriano com a filosofia prática tendo, em Aristóteles, uma fonte digna de interpretação. A prioridade da práxis, tão bem acentuada por Gadamer, sugere um passo a mais que o estágio de uma consciência ético ­política, situando-­se, na verdade, num nível decididamente hermenêutico. Como corrobora o pensador alemão, trata-­se “de uma atitude teórica frente a práxis da interpretação, da interpretação de textos; porém, também das experiências interpretadas neles e nas orientações domundo” (Gadamer, Apud Mertens, p. 147).

Na Décima Lição, “Em campo contra Gadamer”, Mertens contextualiza algumas críticas de que fora alvo nosso pensador alemão. Uma das mais conhecidas é a provinda de Habermas que teria diagnosticado em Verdade e Método certo “conservadorismo” ou, ainda, uma boa dose de “relativismo”. O ponto nevrálgico da hermenêutica gadameriana residiria no reconhecimento da tradição e no argumento da autoridade como sinais incontestes de uma forma de filosofia que permanece arraigada ao racionalismo oitocentista. Trata-­se de um dogmatismo canônico em que Gadamer não teria inteiramente se libertado. Ao mesmo tempo, em sua réplica, Gadamer jamai sabre mão da atividade crítica, tão fortemente cobrada por Habermas. A hermenêutica não faz apologia à tradição em favor de preconceitos ilegítimos. Ela apenas parte do pressuposto de que não há subjetivismo e que toda compreensão não existe sem preconceitos, desde que estes sejam, é claro, legitimáveis.

Enfim, o livro encerra com um oportuno balanço não só sobre as lições precedentes, mas acerca de um espectro mais amplo em torno desse insigne mestre que é Gadamer, cuja obra impacta, indelevelmente, o cenário contemporâneo das ideias. Aqui, o leitor menos familiarizado terá, especialmente, em primeira mão, um retrato vivo e pujante de um dos projetos filosóficos mais densos e fecundos que tem justo na figura de Hermes uma fonte da mais alta inspiração helênica.

Claudinei Aparecido de Freitas da Silva – Professor dos Cursos de Graduação e de Pós­Graduação (Stricto Sensu) em Filosofia da UNIOESTE – Campus Toledo com Estágio Pós­Doutoral pela Université Paris 1 – Panthéon­Sorbonne (2011/2012). Escreveu “A carnalidade da reflexão: ipseidade e alteridade em Merleau­Ponty” (São Leopoldo, RS, Nova Harmonia, 2009) e “A natureza primordial: Merleau­Ponty e o ‘logos do mundo estético’” (Cascavel, PR, Edunioeste, 2010). Organizou “Encarnação e transcendência: Gabriel Marcel, 40 anos depois” (Cascavel, PR, Edunioeste, 2013), “Merleau­Ponty em Florianópolis” (Porto Alegre, FI, 2015), “Kurt Goldstein: psiquiatria e fenomenologia” (Cascavel, PR, Edunioeste, 2015) e Festschrift aos 20 anos do Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da UNIOESTE (Cascavel, PR, Edunioeste, 2016). E-mail: [email protected]

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Testimony: a philosophical study – COADY (SY)

COADY, C. A. J. Testimony: a philosophical study. Oxford: Clarendon Press, 1992. Resenha de: SILVA, Robson de Oliveira. Synesis, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 245-247, jan./jun., 2014.

Um dos méritos da filosofia praticada na segunda metade do século XX é a retomada de questões importantes na história do pensamento, sob luz nova. Alguns autores proporcionaram uma renovação da abordagem acerca da filosofia prática, por meio da colaboração significativa de Manfred Riedel. Igualmente foi reabilitada a perspectiva acerca do papel dos preconceitos no edifício do saber, graças à reflexão de Hans-Georg Gadamer. Com esse mesmo espírito, o conceito de testemunho, que tem sido objeto de reflexões desde a crítica de David Hume, tornou-se tema de disputa de parte da comunidade científica especializada. Por este motivo, é pertinente esclarecer a amplitude da crítica que o pensamento moderno levantou contra esse conceito, além de averiguar se ainda é possível sustentá-la.

O livro de C. A. J. Coady, Testimony: a philosophical study, ainda inédito no Brasil, é importante para o movimento de reabilitação do valor epistêmico do testemunho. O problema destacado pelo autor, que percorre os últimos decênios de disputas epistêmicas, poderia ser bem resumido na seguinte questão: o conhecimento humano possui outras fontes para sua constituição, além de sensibilidade, memória e razão? A tradição moderna, capitaneada por Hume, tende a diminuir a importância do testemunho na produção do conhecimento, privilegiando as fontes epistêmicas internas ao sujeito. Nesta obra, o autor quer ocupar-se do papel fundamental que o testemunho possui enquanto fonte confiável de conteúdos epistêmicos.

A obra está dividida, materialmente, em cinco seções, cada qual com suas subseções. No entanto, o conjunto revela, formalmente, duas grandes partes. Na primeira, que reúne as quatro primeiras seções, o autor apresenta a problemática do testemunho, definindo-a e introduzindo o leitor na história do conceito, com suas armadilhas e possíveis soluções. Coady não deixa de lado nem pequenos, nem grandes autores que trataram do assunto. Vai desde os clássicos, passando pelos medievais e dedica-se especialmente ao que chamou “fundamentalismo escocês” (Scottish Fundamentalism), indicação evidente a David Hume. Ele introduz também a referência a um autor menos conhecido, mas de importância na discussão: Thomas Reid. A segunda parte do livro possui uma abordagem mais prática e trata de demonstrar como a noção de testemunho é utilizada em quatro disciplinas, desmitificando o discurso sobre a incapacidade de o conceito de testemunho fundamentar qualquer tipo de conhecimento científico: história, matemática, psicologia e ciências jurídicas são, ainda hoje, lugares próprios para o testemunho e seus conceitos derivados, como a autoridade.

No que concerne às questões teóricas, a obra de Coady pode ser apresentada como uma recente grande tentativa de defesa da comunidade científica, por meio da crítica ao individualismo epistêmico. Segundo o autor, a rejeição do conhecimento que se alcança a partir do trabalho de outros favorece a postura individualista em relação à epistemologia, o que seria uma posição equivocada, maximamente em se tratando das ciências da natureza. A importância dada à liberdade de pesquisa e ao ensino de conteúdos científicos (noção de autonomous knower), citada por Coady, superestima o aspecto autônomo da prática científica, além de minimizar os condicionamentos que a experiência revela. As ciências da natureza apontam reiteradamente para a necessidade da busca em comunidade, o que vai de encontro ao espírito moderno, que privilegia o sujeito. A expressão conceitual autonomous knower aponta para a atitude de absoluta independência epistêmica do pesquisador em relação a qualquer ponto referencial, seja ele uma instituição ou outro pesquisador. Independência que, segundo Coady, jamais acontece concretamente na ciência.

Sob esta perspectiva míope quanto à ciência in fieri, Coady sugere a reabilitação da noção de testemunho como fonte de conhecimento, destacando que esse conceito em nada diminui a importância da autonomia na busca científica. Com efeito, a autonomia cognitiva nada perde com a aceitação de que o processo epistêmico apoia-se, em muito, na labuta de outros que vieram antes. Além disso, o autor lembra que o aspecto mais importante da autonomia não é seu viés epistêmico, praticamente impossível de ser erradicado. No que concerne à autonomia, o que não se pode perder de vista, segundo o autor, é sua abordagem ética. A falta de autonomia e isenção ética do cientista é o que coloca a prática científica sob olhar de suspeição e não a consciência de que seus trabalhos e estudos dependem de conhecimentos anteriores aos que ele pretende defender.

O livro de C. A. J. Coady evidencia os limites do pensamento de inspiração moderna. A aplicação dos princípios da filosofia moderna nas ciências naturais – especialmente a ideia de autonomia – promove um paulatino enclausuramento do pesquisador, em detrimento da comunidade científica. Por outro lado, é evidente, a reflexão acerca do papel do testemunho expande suas influências para além das ciências naturais. Outras disciplinas se beneficiam com a valorização do testemunho como fonte de conhecimento epistêmico. Um ponto controverso do livro talvez seja a fundamentação do testemunho. O que dá justificação e garante a capacidade epistêmica do testemunho é a autoridade, que empresta sua confiabilidade aos conhecimentos transmitidos por ele. No entanto, a justificação epistêmica não pode ter outro fundamento que a metafísica, com o risco de cometer petição de princípio. É o ser quem garante os conteúdos testemunhados pela autoridade e não ela mesma. Embora se possa discutir esse ponto ou outro, o livro é interessante para quem pretende compreender como acontece a prática científica.

Referência

COADY, C. A. J. Testimony: a philosophical study. Oxford: Clarendon Press, 1992.

Robson de Oliveira Silva – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil. Pós-doutorando na Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Doutor em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Curriculum Vitae: http://lattes.cnpq.br/7150038239237488. E-mail: [email protected]

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História, teoria e variações – NEVES (EH)

NEVES, Guilherme Pereira das. História, teoria e variações. Rio de Janeiro: Contracapa, 2011. 328 p. Resenha de: SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Sobre hermenêutica e perspectivas historiográficas. Estudos Históricos, v.25 n.50 Rio de Janeiro July/Dec. 2012.

Ao olhar a capa de História, teoria e variações, pensei: é bem a cara do autor do livro. Alguns dias depois, lendo um dos textos da coletânea, minha “abdução peirceana” mostrou-se correta. Minha hipotética afirmação foi confirmada com a leitura do capítulo intitulado “História e método”. Nele, o autor, Guilherme Pereira das Neves, explica sua predileção pela pintura Gilles, de Jean-Antoine Watteau – a imagem da capa do livro -, contrapondo-a ao desenho de Paul Klee, Angelus Novus, que Walter Benjamin escolheu para ilustrar sua conhecida tese de número nove “sobre o conceito da História”. Após referir-se ao “respeito que a trajetória e a obra de Benjamin merecem” – com o que concordamos -, Guilherme Pereira das Neves confessa a sua “dificuldade para enxergar” o que Benjamin vê no desenho de Klee para, em seguida, afirmar que, “num certo sentido, a perspectiva que [Benjamin] expõe sobre a história encontra-se na contramão daquela a favor da qual gostaria de aqui argumentar” (p. 104).

Ainda que viéssemos acompanhando a perspectiva “sobre a história” adotada pelo autor de História, teoria e variações, ele declara estar em busca da compreensão de “nossa consciência histórica” (grifos no original), por intermédio da qual nós nos esforçamos para “encontrar um significado para as vidas que levamos no mundo desencantado que é o nosso” (p. 123). Guilherme Pereira das Neves deixa, assim, explícito seu interesse pela proposta hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, com a qual concilia a história das linguagens políticas e a história dos conceitos.

Contudo, é conveniente olharmos para a estrutura do livro, dividido em duas partes e com 12 capítulos que nos permitem acompanhar sua trajetória intelectual e nos convidam ao exercício de uma necessária reflexão sobre a prática da história e o papel do historiador. A primeira parte do livro tem um viés mais teórico e recebeu o nome de “O caminho da reflexão”. A divisão, contudo, não é rigorosa, e a segunda parte – “O caminho da aplicação” – traz um conjunto de textos que “procuram girar não só em torno de um certo tipo de história que o autor tem aprendido a praticar, como das dificuldades que encontrou para fazê-lo” (p. 12); quer dizer, a todo o momento, a prática e a reflexão sobre a prática se entrelaçam: o livro é um exercício de teoria e de historiografia.

A trajetória intelectual do autor – expressa na sequência dos capítulos, que seguem uma relativa ordem cronológica – permite perceber como ele fez suas escolhas historiográficas. Nesse percurso, ele mostra – e nós podemos acompanhar – os momentos de crise e de perplexidade que viveu com a disciplina, suas insatisfações e, principalmente, os esforços do pesquisador comprometido em “dominar a teoria e a metodologia da história”, que ensina em sua atividade de professor do Departamento de História da UFF desde 1977 (p. 13).

Como mencionado, História, teoria e variações é um convite para refletirmos sobre a prática historiográfica; ao mesmo tempo, apresenta bons textos sobre o Antigo Regime português, sobre a Ilustração luso-brasileira, sobre a constituição do Império e a formação da nação brasileira. São textos que abordam a “cultura e a política no mundo luso-brasileiro”, a trajetória de “letrados”, o funcionamento de instituições políticas e também discussões sobre “processos educacionais” inseridos entre a segunda metade do século XVIII e as décadas iniciais do século XIX. Todos esses temas são discutidos, como indicamos, a partir de algumas abordagens recentes que, infelizmente, são pouco (e/ou mal) exercitadas entre nós: a história das linguagens políticas e a história dos conceitos. Ressalte-se não ser este o caso aqui, pelo contrário.

Também é preciso dizer que os textos desta coletânea, que cobrem um período que vai da década de 1980 aos dias de hoje, não são todos inéditos. Apenas dois deles ainda não haviam sido dados a público. A providência de agrupar essa produção antes dispersa permite dirigir uma visada sobre parcela importante de um trabalho historiográfico que merece ser melhor conhecido e debatido. Além de uma bem cuidada revisão dos textos, o autor buscou dar ao conjunto a necessária unidade, que está evidenciada, por exemplo, na complementaridade entre o primeiro e o quinto trabalhos: “História: a polissemia de uma palavra”, dos anos iniciais da década de 1980, traz uma discussão sobre o confronto entre uma “história-narrativa” pré-Annales e a “história-problema”; “Aquém da história: os Annales aos 80 anos”, de produção recente, desenvolve o contexto historiográfico surgido com a “história-problema”, avançando sua análise até as novas gerações, quando se buscou introduzir “novamente o estudo da singularidade dos eventos e das personagens, em oposição à presença exclusiva das vastas forças anônimas e impessoais” (p. 100).

Ultrapassada a primeira parte do livro, tem-se contato, de modo mais sistemático, com a prática historiográfica do autor. Especificamente no que diz respeito à aplicação de sua perspectiva sobre a história, exposta em maior detalhe no capítulo sexto – “História e método” -, deve-se destacar que, se entendermos que os argumentos teóricos apresentados poderiam mostrar-se áridos, os textos da segunda parte do livro demonstram, com rara felicidade, as possibilidades de uma abordagem que concilia a hermenêutica de Gadamer com as linguagens políticas e a história dos conceitos.

Para avaliarmos em que medida a hermenêutica constituiu-se nessa atitude metodológica tão valorizada por Guilherme Pereira Neves, precisamos considerar que ela, ao mesmo tempo em que nos concede acesso ao outro, oferece a possibilidade de construirmos nossa própria consciência histórica, ou seja, dá-nos a capacidade de perceber a historicidade dos outros e de nós mesmos. Nesse aspecto, todos os seis últimos textos, fruto dessa atitude, merecem leitura atenta, como a “reflexão” que os precede. Podemos, contudo, destacar os capítulos 11 e 12. Em “O Rio de Janeiro de 1794 no Tribunal das Luzes de Reinhart Koselleck”, o autor deixa mais explícito o recurso “à concepção de linguagens políticas, […] como também ao que se conhece como história dos conceitos” (p. 256). A hermenêutica de Gadamer também está presente nesse estudo que discute a “irradiação das Luzes” e busca uma “compreensão dos universos mentais em que estavam inseridos naturais do Brasil e de Portugal” (idem). Em “Independência e liberdade sem liberalismo: Brasil, c.1777-1870” (texto inédito, escrito em parceria com Lúcia Bastos Pereira das Neves), encontramos outro bem acabado exercício de aplicação da Begriffsgeschichte de R. Koselleck, ou melhor, da construção e do uso de uma dada terminologia nos debates em torno da formação ideológica do Império brasileiro. Aliás, não obstante os intensos debates sobre os sentidos de liberdade e de independência, conclui-se que “a experiência dos brasileiros continuava ainda a carecer, quase ao final do século XIX, daqueles processos de politizaçãoideologizaçãodemocratização e temporalização que viabilizaram para outras regiões o ingresso no mundo moderno” (p. 311, grifos no original).

Voltemos a Gilles, a imagem que está na capa do livro e que serve para ilustrar a perspectiva histórica com que Guilherme Pereira das Neves se identifica. Para ele, “o uso do passado já não serve para projetar um futuro para todos”; ao contrário, importa a possibilidade de construirmos a “consciência histórica” de um mundo (revelado pela pintura) que, produto de nossas vidas, é representado por “meio dos eventos e desencontros à nossa volta”. Assim, com o exercício consciente da “reflexão histórica”, poderemos compreender que, “mesmo no mundo fragmentado que é o nosso, é mais comum a compreensão do que a incompreensão” (p. 122-123).

Antonio Cesar de Almeida Santos – Antonio Cesar de Almeida Santos é professor do Departamento de História da UFPR ([email protected])

A atualidade do acontecer: o projeto dialógico de mediação na hermenêutica de Hans-Georg Gadamer – ARAÚJO (HH)

ARAÚJO, André de Melo. A atualidade do acontecer: o projeto dialógico de mediação na hermenêutica de Hans-Georg Gadamer. São Paulo: Humanitas, 2008, 240pp. Resenha de: CALDAS, Pedro Spinola Pereira. Hans-Georg Gadamer e a tradição. História da Historiografia. Ouro Preto, n. 04, p.299-305, março 2010.

O livro A atualidade do acontecer, de André de Melo Araújo, originado de uma dissertação de mestrado defendida na USP, é, sem dúvida, uma contribuição relevante para as reflexões teóricas sobre história e historiografia no Brasil.

Seu principal valor se encontra no esforço do autor em compreender a obra de Hans-Georg Gadamer (1900-2002), sobretudo Verdade e Método, de 1960, para a hermenêutica histórica. Dentre os historiadores brasileiros, ou bem estou bastante desatualizado na bibliografia especializada, ou creio que nenhum se ocupou em escrever um livro inteiramente dedicado a Gadamer.

Isto, por si só, já recomenda a leitura de A atualidade do acontecer,[1] publicado pela editora Humanitas, com apoio da FAPESP.

Mas não é só uma questão de haver-se preenchido uma lacuna. O fato de se publicar, no Brasil, um livro sobre Gadamer escrito por um historiador é uma oportunidade para que se debata intensamente a relação entre a teoria da história e a filosofia, algo tão difícil quanto raro. E, suspeito, a razão desta ausência de debate se deve à forma como nós, brasileiros, e, no caso específico, historiadores brasileiros, herdamos as peculiaridades do contexto intelectual alemão. Mais especificamente, como os historiadores brasileiros, em geral (há sempre as exceções de praxe), reagem ao nome de Martin Heidegger. Somese a isto ao fato de se evitar, mesmo na Alemanha, cautelosamente o confronto entre a teoria da história com o projeto de uma ontologia fundamental de procedência fenomenológica. Jörn Rüsen, por exemplo, um dos grandes nomes da teoria da história na atualidade, talvez ainda nos deva tal embate. [2]Gadamer paga, portanto, um preço alto por ser vinculado a Heidegger. Corrigindo: os historiadores brasileiros é que exigem tal preço, mas que se explica pelo fato de um dos filósofos mais importantes do século XX ser lembrando pela comunidade historiográfica nacional, sobretudo, em duas ocasiões: como um dos precursores filosóficos do linguistic turn e como alguém que não escondeu suas simpatias pelo nacional-socialismo.

Portanto, repito: que um jovem historiador tenha trazido Gadamer para o debate, em forma de livro, é, em si, uma oportunidade a ser aproveitada.

Uma chance para enriquecer o debate na área de teoria da história.

Para além disto, como aborda o autor o tema? Hermeneuticamente, respondo. E o que isto significa? Nas palavras do autor: “(…) este trabalho não consegue escapar de uma apresentação circular. Aqui não se trata de uma exposição sistemática dotada de um começo e de um fim claros, já que o desenvolvimento interpretativo pressupõe a totalidade dos esforços mediadores

Há mais de dez anos estudando teoria e filosofia da história e historiografia alemã, eu mesmo também não posso oferecer uma boa razão por ainda não ter pensando na possibilidade de um confronto entre Heidegger e a teoria da história.

do pensamento” (ARAÚJO 2009, p.19). Um texto hermenêutico é (ou pode ser), portanto, circular. Sua forma de apresentação não é um molde exterior ao conteúdo, mesmo porque, se formos coerentes com o princípio hermenêutico, não há sentido que seja definitivo. Não se trata de relativismo, mas sim de constantemente fazer o esforço de construir o sentido, recuando, deixando-se sempre e novamente ser atingido pelo passado, e jamais tomá-lo como pronto, dado e dito: o processo interpretativo se faz na escrita, não sendo, pois, uma operação exclusivamente mental passada ao papel.

E é a partir deste critério que precisamos compreender também o esforço de André de Melo Araújo, a saber: entre outras possibilidades dadas no pensamento gadameriano, trata-se de entender a historicidade do método, perceber a marca de sua finitude de modo a evitar o que nele se apresenta de meramente instrumental, como algo dado fora de um mundo. É possível, portanto, estabelecer o diálogo entre teoria da história e hermenêutica filosófica tendo, como termo comum, o método. Por inúmeras vezes, o autor mostra o quanto Gadamer critica a redução de uma concepção de história à epistemologia, isto é, a uma noção dicotômica entre sujeito e objeto. Logo no princípio do livro, lê-se: “O fenômeno da história, portanto, não é puro objeto adaptável aos padrões métricos da ciência nem à sua aferição linear e contínua do tempo, mas é refratário à denominação exteriorizante de objeto, de instância alheia à temporalidade que o constitui” (ARAÚJO 2009, p.33).

Aliás, permita-me o leitor a digressão, talvez poucos exercícios hoje fossem mais ricos, na área de teoria da história, do que comparar, por exemplo, a concepção de unidade do método histórico, exposta por Jörn Rüsen em Reconstrução do Passado, com Verdade e Método, de Gadamer. Portanto, uma reflexão de fôlego, como a feita por André Araújo, vem em boa hora. Mais ainda, e sigo com a digressão, pensar linguagem e história a partir de Gadamer implica discutir o problema em bases outras, para além das contribuições de Hayden White e divulgadores. O livro indica que a questão é mais profunda: basta lembrar que Gadamer jamais dispensa a dialética de Hegel, autor tratado pelos “pós-modernos” como se fosse um vírus letal a ser isolado – o que implica dizer que nunca é lido. Dialética, linguagem e história estão juntas em um Gadamer leitor de Hegel, e, felizmente, também no livro de André Araújo.

E, de fato, este é um dos assuntos centrais do livro. Nas palavras do autor: “O caminho de leitura aqui apresentado é balizado pela proposta teórica de validação de um projeto de verdade próprio às reflexões das ciências humanas, cuja possibilidade de compreensão é tecida pela mediação da linguagem” (ARAÚJO 2009, p.17). Verdade e linguagem, portanto, não se excluem.

Todo o argumento do autor se desenvolve em três partes. Cada uma delas abre veredas para muitas discussões. Dentre estas, destaco algumas, pois considero impossível tratar de tudo que suscita discussão e interesse. Espero que o corte não seja arbitrário e caprichoso.

A primeira parte, denominada “A Deformação especular do foco da subjetividade”, talvez tenha o seu eixo na indicação de como o humanismo científico encobriu como pôde “o amargo sabor da finitude” (ARAÚJO 2009, p.26). Na contramão da marcha vitoriosa da ciência, haveria, então, a hermenêutica compreensiva, na qual a finitude se mostra em um horizonte que a torna evidente. E esta finitude, afirma-nos o autor, se mostra em inúmeras experiências: do não entendimento, do reconhecimento de que o outro pode ter razão e de que já estamos inseridos em uma estrutura do tempo e em uma pré-compreensão do mundo. Em uma tradição.

Ainda nesta primeira parte, é digno de elogios, embora eu seja suspeito em fazê-lo dado o meu interesse pelo tema, que o autor dedique tantas páginas ao conceito de Bildung, a partir do qual o embate com o humanismo clássico é feito.3 Segundo André Araújo, o conceito hegeliano de Bildung se faz presente na obra de Gadamer na medida em que “(…) nos remete tanto para a finitude da operação do juízo, para os limites da capacidade de julgar, quanto para a capacidade de cumprir as obrigações para com o outro. Justamente aqui reside, acreditamos, o ponto máximo do interesse gadameriano, cuja hermenêutica se volta para a possibilidade de que o outro tenha razão” (ARAÚJO 2009, p.

43). Some-se a isto o fato do homem culto, para Hegel, ser aquele que conhece do ponto de vista universal – aliás, além de passagens da Propedêutica filosófica, o autor poderia também usar passagens semelhantes da Razão na História, algo que permitiria, inclusive, um debate interessante entre os conceitos de tradição, em Gadamer, e de Espírito, em Hegel. Fica apenas aqui dada a sugestão.

Lamento, apenas, que o autor, no momento em que marca a diferença entre a acepção clássica e a compreensão gadameriana de Bildung, faça-o com demasiada rapidez. Afinal, qual seria a conotação clássica? A de Goethe, Wilhelm von Humboldt, Schiller, e, claro, de Hegel? Se Hegel é um dos representantes eminentes da visão clássica da Bildung, o que Gadamer aproveitaria e o que ele descartaria do projeto hegeliano de formação? Como leitor, fiquei na dúvida se o autor assume a visão de Gadamer exposta em Verdade e Método (cf. GADAMER 1990, p.15-24), ou se a amplia, utilizando outros textos da mesma tradição. Se já dei uma sugestão, agora faço uma pequena provocação: como compreender a obra de Gadamer a partir da idéia de tradição. O ponto é: e se os humanistas estiverem com a razão? Neste sentido, me parece que o autor adota uma postura excessivamente empática com seu autor, como se ele não pudesse não ter razão – algo que, hermeneuticamente, é controverso, na medida em que, segundo o próprio Gadamer em passagem citada por André Araújo, “a interpretação se torna necessária onde o sentido de um texto não se deixa compreender imediatamente” 3 Apenas discordo do autor quando ele afirma, já nas páginas conclusivas, que “a política é exatamente o componente fundamental que se encontra enfraquecido na formulação humanística da Bildung”.

Imagino que o autor tenha se atido à idéia difundida, entre outros, por Fritz Ringer, mas creio que a obra de Wilhelm von Humboldt, importante não somente para a lingüística e para a teoria da história, mas para a teoria política (é considerado uma das referências fundamentais do liberalismo clássico) poderia render pensamentos mais robustos sobre a concepção política de Bildung. De maneira menos direta, o próprio Hegel, de modo algum um liberal clássico, também, em sua Filosofia do Direito, não deixou de usar o termo Bildung.

(apud ARAÚJO 2009, p.168). Ora, não estou a dizer que André Araújo considera o texto de Gadamer “claro como água de riacho”, como diria Rubem Braga, mas que, mesmo adotando a estratégia – essa sim hermenêutica – de escrever de maneira mais elíptica, em que o sentido nunca está dado de antemão, pareceme que não há espaço para impasses e, portanto, incompreensões em Gadamer.

É bem verdade, por outro lado, que André Araújo afirma que Gadamer aproveita de Hegel a idéia de Bildung como superação do imediato, mas sem a dissolução da finitude que ocorreria em Hegel (cf. ARAÚJO 2009, p.53).

Ainda na primeira parte, o autor discute outro ponto fundamental: a crítica gadameriana ao historicismo, ou melhor dizendo, ao tratamento metódico do acontecer histórico, que partiria, necessariamente, de uma separação entre sujeito e objeto. Aqui me parece que o autor poderia ter ido mais longe, e consultado, diretamente, os textos dos autores apresentados por Gadamer em “Geschichtliche Vorbereitung”, item I da segunda parte de Verdade e Método. É bem conhecida a intenção de Gadamer em mostrar que o esforço dos historiadores e teóricos da história do XIX foi em vão: ao tentarem construir outro modelo de ciência, exclusivo para as ciências humanas, Ranke, Droysen, Dilthey e outros ficaram presos também na rede que nega a finitude do conhecimento. Gadamer, sinceramente, me parece apressado neste assunto – ao menos no que diz respeito a Droysen, ele me parece errar o alvo (cf. GADAMER 1990, p.274-275). Basta ler um trecho da Historik, logo em seu início: Pois cada ponto no presente, cada coisa e cada pessoa, é um resultado histórico, contém em si uma infinidade de relações, que estão introjetadas e internalizadas. (…) O homem ilumina seu presente com um mundo de lembranças, que não são arbitrárias, caprichosas, mas que são o desdobramento (…) daquilo que ele tem em torno de si e em si como resultado dos tempos passados; ele tem esse momento, em uma primeira instância, imediatamente, sem reflexão, sem consciência; ele o tem, como se não o tivesse, e somente quando ele o observa e o traz à consciência, ele reconhece, o que ele tem de si neles, nomeadamente, a compreensão de si mesmo (DROYSEN 1977, p.10).

Claro que não pretendo dizer que Droysen é um precursor de Heidegger.

Isto seria absurdo, mesmo porque Droysen ainda aposta, como bom homem do século XIX, na consciência, no método e na reflexão controlada. Mas, de modo algum, consciência e reflexão operam uma separação entre sujeito e objeto como condição da ciência. Em heideggerianês: para Droysen, de alguma maneira o homem já se vê aberto para a estrutura na qual sempre já foi lançado.

Ele se vê como parte de uma tradição. A diferença, claro, é que, a partir daí, será possível ainda, para Droysen, propor uma metodologia.

Não vem tanto ao caso, nesta resenha, criticar Gadamer ou fazer a apologia de Droysen, mas de perguntar por que motivo Gadamer partiu de uma concepção de ciência algo redutora, como se todas as concepções de ciência do século XIX fossem uma vaga mistura de positivismo com iluminismo.

O autor mesmo afirma, em uma nota ao pé da página, na última parte do livro, que não lhe cabia verificar se a interpretação de Gadamer sobre o historicismo estava correta ou não, interessando-lhe apenas os desdobramentos da crítica de Gadamer à ciência (cf. ARAÚJO 2009, p.169). Não se trata de cobrar algo que o próprio autor não pretendeu trabalhar, mas de se indagar se não se ganharia de fato se tal confronto tivesse sido feito. Neste aspecto, André de Melo Araújo me parece, mais uma vez, ter aderido excessivamente às teses de Gadamer: Eis o abalo que o pensamento gadameriano promove no cerne da razão, que se deve descolar do mais puro plano da idealidade transcendente, em que a apreensão totalizada, acabada e absoluta da realidade seria possível, para reconhecer o horizonte temporal de sua própria conformação histórica.

A idéia gadameriana de razão se configura como histórica, e o jogo em meio ao qual ela se encontra é marcado pelo vigor presente da história (ARAÚJO 2009, p.61).

Pergunto: seria a configuração histórica da razão efetivamente um abalo causado pelo pensamento de Gadamer? Em Johann Gottfried Herder isto já não aparece, quando ele mesmo, ao escrever sua breve e irônica filosofia da história em 1774, afirma que, ao tentar escrever generalidades, reconhece sua própria finitude? Cito um breve trecho: Ninguém no mundo reconhece mais do que eu as fraquezas da caracterização geral. Pinta-se o quadro de todo um povo, de toda uma época, de toda uma região. Quem foi assim que pintamos? Que imperfeito o instrumento da representação (…) Quem terá notado o que há de indizível na tarefa de dizer qual a propriedade específica de um homem e de assim dizer distintivamente aquilo que o distingue? (cf. HERDER 1995, p.34).

É verdade também que a solução teológica do protestante Herder não será imitada por Gadamer, mas, de alguma maneira, na história do romantismo hermenêutico, o reconhecimento do próprio limite, e, portanto, da alteridade, é algo que já se faz – talvez não com o refinamento de um Gadamer, e, muito menos, com o impacto de um Heidegger, mas, também, considero ainda que uma leitura de Gadamer há de ser feita tendo, ao lado, as obras por ele criticadas.

Por que não nos propormos a uma experiência própria de leitura dos textos da tradição, para que possamos nos apropriar delas, herdá-las? Afinal, se se afirma que o pensamento de Gadamer realizou um abalo, imagino que este abalo tenha sido dado no escopo de uma tradição. Daí lamentar a opção do autor em não averiguar a procedência das críticas de Gadamer.

Na segunda parte do livro, “O núcleo dialético do dialogismo lingüístico”, André Araújo se dedica a retomar a discussão sobre linguagem e verdade, anunciada, inclusive, como um dos eixos em torno do qual seu argumento gira.

Alçando o debate à devida complexidade, o autor afirma: É importante enfatizar que Gadamer não abandona radicalmente a idéia de razão [Vernunft], mas sim o revestimento instrumentalizado do conceito pela ciência, ou mesmo sua forma absolutizada pela filosofia hegeliana. A razão, desfeitos estes dois percalços, sustenta parte do esforço dialógico no encontro do outro e na determinação compreensiva da consciência de si (ARAÚJO 2009, p.101).

É este o momento em que André Araújo desenvolve alguns aspectos bastante ricos: falar em uma razão que não seja instrumental nem absoluta é falar de uma experiência em que a alteridade se torne incontornável e fundamental, algo que ocorre sempre que o mundo não se deixa converter em objeto (cf. ARAÚJO 2009, p.109).

Aqui vale a pergunta, suscitada pela leitura do livro: por que não ler a tradição criticada por Gadamer à luz da pergunta: por que o mundo se deixou objetivar? Por que se esqueceu do caráter constitutivo da linguagem? Uma coisa é dizer que iluminismo e romantismo acabaram, um e outro, objetivando a experiência, e, com isso, esqueceram-se de sua finitude essencial. Outra é mostrar como isso se deu. E como esta experiência também, não está, ela mesma, acabada, posto que, se o fizéssemos, também a estaríamos vendo como dado, como objeto. Ela também ainda vigora. Mas como? Feita a pergunta, cabe ver, portanto, o lugar central da arte no pensamento de Gadamer e como este lugar consegue pensar a razão de uma maneira diversa.

É fundamental lembrar, agora, da maneira como Gadamer lê a tradição grega. Cito Verdade e Método, a propósito da definição de theoria: nós nos comportamos teoricamente quando “(…) ante uma questão, podemos nos esquecer de nossos próprios objetivos” (GADAMER 2007, p.182). E o filósofo segue: “(…) em princípio a theoria não deve ser pensada como um comportamento da subjetividade, como uma autodeterminação do sujeito, mas a partir daquilo que o sujeito está olhando. A theoria é verdadeira participação, não é atividade; é um sofrer (pathos), isto é, um ser atraído e dominado pela visão (…)” (idem).

A experiência teórica é, portanto, a experiência do espectador, mais especificamente a experiência extática em que “se está fora de si”. Mas, para Gadamer, remetendo-se ao Fedro, de Platão, “o estar-fora-de-si é a possibilidade positiva de estar inteiramente em alguma coisa” (GADAMER 2007, p.183).

Pergunto-me se não poderíamos dizer que, em Gadamer, toda experiência estética é histórica. Creio que o livro de André Araújo nos permite pensar a partir desta vereda, porquanto ela inverte o que habitualmente se diz sobre história e arte, isto é, de que a experiência histórica é estética – como faz, por exemplo, um Frank Ankersmit (cf. ANKERSMIT 2004, 2005). Mais uma vez, esperava apenas que o autor se detivesse um pouco mais no conceito de simultaneidade como modo de ser da tradição, e, neste sentido, como o acontecer preserva a experiência da contingência, e, neste sentido, pode, aí sim, retirar das garras do historicismo (na definição de Gadamer) o objeto entendido como singularidade ocasional, recuperando-o em sua fundamentação ontológica. O modo de ser da tradição, portanto, revela a estrutura da temporalidade em que o mundo não deixa mais ser controlado como se fosse um objeto.

Trata-se da experiência da simultaneidade, analisada por Gadamer longamente no item “Temporalidade da estética”. A simultaneidade seria, portanto, o acontecer em sua atualização, o momento em que o ocasional e o decorativo desvelam sua fundamentação ontológica. O teatro é um bom exemplo dado por Gadamer: É por isso que o palco teatral é uma instituição política de natureza única, porque somente na execução faz transparecer aquilo tudo que há no jogo, a que está aludindo, os ecos que desperta. Ninguém sabe de antemão qual será o resultado e o que irá se perder no vazio. Cada execução é um acontecimento, mas não um acontecimento que se oponha ou posicione ao lado da obra poética como algo autônomo; o que acontece no acontecimento da encenação é a própria obra (GADAMER 2007, p. 209).

Na terceira parte de seu estudo – “Do vigor extratextual da existência” – André Araújo apresenta, entre outras, uma questão das mais ricas, a saber, o embate sobre a concepção gadameriana da atividade da história. A partir de Jean Grondin, o autor elabora o significado do caráter decisivo da transcendência dentro de uma hermenêutica da finitude: “A transcendência é justamente o padrão da ultrapassagem da toda ‘experiência feita na vida’, no mesmo registro em que já percebíamos que a arte pode ser a correspondência humanamente finita do que se concebe por eterno” (ARAÚJO 2009, p.171-172).

A costura da obra se apresenta aqui muito bem cosida: as discussões sobre a arte reaparecem aqui como lastro indispensável para se pensar a transcendência. Mas como se configura esta transcendência? Neste sentido, imagino, a recuperação do diálogo entre Gadamer e Reinhart Koselleck é bastante interessante. Afinal, há na historiografia alguma brecha para o vislumbre da transcendência? O que está em jogo é, de alguma maneira, a experiência fundamental da hermenêutica: se em Koselleck a ação histórica pode também aparecer como negação da alteridade (o poder-massacrar, o poder-matar, poder-aniquilar, Totschlagenkönnens), a obra de Gadamer enfatizará que o vigor da existência será sempre, nas palavras de André de Melo Araújo, o da “não-identidade de si para com o mundo” (ARAÚJO 2009, p.197). E isto é decisivo: (…) olhar unilateralmente para o sujeito – ora como produtor da matéria artística, ora como seu receptor –, ou direcionar a atenção apenas para a materialidade da obra é fazer surgir os pólos da falsa dicotomia objetivadora da ciência, que carrega como conseqüência a impossibilidade do reconhecimento da conformação artística como uma relação social, como uma prática social (ARAÚJO 2009, p.207).

As palavras do autor são bastante instigantes, na medida em que o problema do projeto da ciência moderna estaria em tentar reduzir toda experiência possível ao fim dos conflitos, algo a ser feito mediante a correta aplicação do princípio de identidade – do sujeito com o objeto, ou do objeto com o sujeito. A hermenêutica só mantém seu vigor quando houver uma discrepância, portanto, um resto que indique sempre a inesgotabilidade da história, e, portanto, a finitude de todo aquele que nela se vê inserido.

Apenas algumas breves notas para reflexão: como poderíamos descrever esta situação como “social”? Deveríamos retornar a Simmel para realizar tal descrição? E, mais uma sugestão, por que não comparar a situação hermenêutica da experiência fundamental da não-identidade (que chamo de discrepância) com a desenvolvida em Adorno? Não me parece impossível, pois se Heidegger e Marx separam Gadamer e Adorno, Hegel os une.

De toda forma, divagações de lado, é muito interessante o livro de André de Melo Araújo. Pensar a hermenêutica não somente como método, mas como estrutura na qual estamos sempre já lançados é algo digno de mérito; mais ainda, pensar linguagem e história em nível para além das (por vezes) requentadas querelas entre modernos e pós-modernos é um alento.

Referências

ANKERSMIT, Frank. Representación histórica. In: ______. Historia y Tropología: Ascenso y caída de le metáfora. México, D.F.: FCE, 2004.

______. Sublime historical experience. Palo Alto: Stanford University Press, 2005.

ARAÚJO, André de Melo. A Atualidade do acontecer: O projeto diálogico de mediação histórica na hermenêutica de Hans-Georg Gadamer. São Paulo: Humanitas, 2008.

DROYSEN, Johann Gustav. Historik. Stuttgart; Bad-Canstatt: Fromann- Holzboog, 1977.

GADAMER, Hans-Georg. Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. Tübingen: Mohr, 1990.

______. Verdade e Método. Petrópolis; Bragança Paulista: Vozes, Editora da Universidade de São Francisco, 2007.

HERDER, Johann Gottfried. Também uma filosofia da história para a formação da humanidade. Lisboa: Antígona, 1995.

 

[1] Sem querer cometer injustiças, vale lembrar as publicações, sob forma de artigos, da Profa. Norma Côrtes (UFRJ) sobre o filósofo alemão. CÔRTES, Norma. Descaminhos do método: Notas sobre história e tradição em Hans-Georg Gadamer. In: Varia História, v.22, n.36, 2006; ______. Desafios hermenêuticos: as noções de tempo e tradição em Hans-Georg Gadamer. In: BUSTAMANTE, Regina e LESSA, Fábio (orgs.) Dialogando com Clio. Rio de Janeiro: Mauad, 2009.

[2] Cf. BAMBACH, Charles R. Heidegger, Dilthey and the Crisis of Historicism. Ithaca; London: Cornell University Press, 1995, p.18.

Pedro Spinola Pereira Caldas – Professor Adjunto Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) [email protected] Av. Pasteur, 296 – Urca Rio de Janeiro – RJ 22290-240 Brasil,