Mito, arquétipo e arte nas Performances Culturais / Revista Mosaico / 2020

Neste momento, em que estamos escrevendo a apresentação de um dossiê temático que há muitos meses nos ocupa e a humanidade está passando por uma pandemia grave, de proporções inimagináveis a nós todos há pouco menos de um mês atrás, temos que valorizar mais ainda o humano que existe em todos nós, e que desde tempos imemoriais atua como uma força propulsora de ações e pensamentos que, de uma forma ou outra, representa nossas dinâmicas mais profundas. Embora muitas epidemias tenham existido durante o trânsito da humanidade na superfície terrestre, essa em especial nos atinge quando somos todos adeptos de tecnologias virtuais instantâneas e podemos tanto difundir mais rapidamente doenças, ideias e ajudas, como transitar nos mundos pessoais e coletivos ao mesmo tempo. De forma simbólica, o mundo se aproximou, mas também é certo que as ajudas humanitárias viajam mais rapidamente de um lugar a outro. Pensar hoje o mote desse dossiê é pensar na atualidade de alguns mitos, expressões de dinâmicas arquetípicas, e dar vazão a uma das áreas humanas que mais ‘salvam’ o nosso espírito neste momento: a arte. Obviamente que os textos do dossiê não tratam desta pandemia, mas deixamos aqui uma pista para o leitor: pense esta época como o descortinar de problemas escondidos para debaixo do tapete da humanidade e das nações e que não mais poderemos negar daqui por diante. Várias dinâmicas arquetípicas e assuntos coletivos estão em pauta, como a questão do meio ambiente, a pobreza, a ganância, a solidariedade, o binômio saúde-doença e, não menos importante, a questão do amor (por si, pelo outro, pelo coletivo…).

O dossiê “Mito, arquétipo e arte nas Performances Culturais”, coordenado pelos doutorandos Luana Lopes Xavier, Ivan Vieira e pela professora Dra. Nádia Maria Weber Santos, do PPG em Performances Culturais da UFG, congrega 13 breves ensaios (12 nacionais e um internacional), relacionados à temática. Foi pensado inicialmente a partir da disciplina homônima cursada por mestrandos e doutorandos do Programa Interdisciplinar citado, em 2018-2. Porém, o dossiê vai além, uma vez que seu mote interdisciplinar dialoga perfeitamente com inúmeras disciplinas, o que fica óbvio a partir dos artigos publicados, configurando-se, assim, num campo de pesquisa profícuo em que a disciplina História é muito próxima de nossas discussões.

A reflexão principal deste conjunto de textos passa por apresentar e interpretar os diversos sistemas simbólicos em que se inserem os processos imagéticos contidos nas Performances Culturais. Estes sistemas são nomeados como mitologias ocidentais e orientais, contos de fada, folclore, cosmogonias e mitologias religiosas, astrologias, alquimia e outros sistemas culturais da representação humana. Os ensaios apresentam e discutem alguns sistemas simbólicos, incluindo os símbolos universais, isto é, arquetípicos, relacionando-os às temáticas e aos objetos de pesquisa de seus autores. As discussões teóricas dos textos são direcionadas a autores das Performances Culturais bem como a teóricos estudados na disciplina e aprofundados nos artigos, como o filósofo neo-kantiano Ernst Cassirer, o pensador da psique, original e revolucionário no século XX, Carl Gustav Jung e alguns historiadores, como por exemplo, Roger Chartier. Alguns conceitos são explorados pelos autores na inter-relação com seus objetos de estudo, entre eles: sistemas simbólicos, imagens míticas, mitologema, arquétipos e símbolos arquetípicos. Partindo da indagação “como pensar as imagens arquetípicas na produção imagética contemporânea e qual a relação entre imagem, ação e Performance”, os ensaios, embora breves, percorrem o caminho da tentativa de interpretação de algumas destas imagens, correlacionando sempre psique individual e psique coletiva.

Seria profícuo, aqui, esclarecermos, mesmo que rapidamente, nossos motes conceituais. Por Arquétipos, entendemos, a partir da definição feita pela psicologia junguiana, os constituintes (juntamente com os instintos) do inconsciente coletivo. Aparecem de forma mais pura nos contos de fada, mitos, lendas e folclore. Etimologicamente, a palavra arquétipo origina-se no grego archḗ (ἀρχή) e significa início, origem e num sentido mais amplo também arcaico, primitivo, primordial, elementar; e týpos (τύπος), cujo sentidos são impressão ou marca. Arquétipo é, assim, uma marca primordial do humano, dentro do humano (e não fora, não metafísica, como o querem alguns críticos da teoria…). É, sim, a disposição estrutural básica para produzir uma certa narrativa mítica. Ele é, além de “pensamento elementar”, também fantasia e imagem poética elementar, uma emoção elementar, um impulso elementar dirigido a alguma ação típica (situações típicas de vida). As dinâmicas arquetípicas, expressas simbolicamente na produção imagética da humanidade, revelam os dramas humanos mais típicos presentes em todas as sociedades.

Os mitos são a primeira expressão das formas arquetípicas e a linguagem essencial pela qual o conhecimento humano se manifestou por longos períodos, antes que a humanidade desenvolvesse o pensamento filosófico ou científico. Originalmente, a palavra mŷthos (μῦθος) descrevia qualquer tipo de relatos ou narrativas referentes ao presente e ao passado. Esta palavra se cristalizou na preferência de Homero e mais tarde os filósofos antigos preteriram os mŷthoi dos mitógrafos em favor de uma outra palavra: lógos (λόγος). O esforço era feito para desvencilhar a construção narrativa da Filosofia daquela realizada pela Mitologia.

Os filósofos categorizaram o mito e separaram a sua narrativa em funções, dentre as quais podemos destacar a função cosmológica ou teogônica, associadas ao ritual e ao culto religioso; a função etiológica, adequada a seu uso sociológico; a função mística, adquirindo um caráter consolatório para uma humanidade sem condições de desenvolver o pensamento filosófico; ou a função androgógica, estabelecendo uma relação de ensino e aprendizagem entre o mito e o indivíduo. Contudo, a maioria dos artigos reunidos nesse dossiê se interessam pelo que Mircea Eliade chamou de “mito vivo”, quer dizer, o mito que independente da função desempenhada se inseria num contexto de comunicação simbólica com as pessoas de um determinado lugar e contexto. Somente o “mito vivo” desempenha a última função do mito, que é a função psicológica belamente detalhada em muitos aspectos na obra de Carl Gustav Jung. O “mito vivo” apresenta a cada indivíduo da sociedade os modelos para a conduta humana e os velhos caminhos, percorridos uma e outra vez, pelos deuses e heróis da cultura na qual o indivíduo está inserido.

E mesmo na contemporaneidade, onde o mito parece ter perdido sua função explicativa e orientadora, ainda podemos sentir a sua força e perenidade quando descobrimos sua interação com as imagens simbólicas emanadas dos arquétipos. Afinal, os mitos contados e recontados, tantas vezes desde a aurora dos tempos, na infância da humanidade, cristalizaram em si as forças arquetípicas que até hoje conduzem o psiquismo humano.

A arte pode juntar-se a ambas definições acima. Nela encontramos possibilidades de romper com concretudes pré-estabelecidas, de nos reconhecer dentro de nossa condição humana. Somos sujeitos no mundo porque estabelecemos relações simbólicas e culturais que nos circundam.

A arte tem nos mostrado o espírito do nosso tempo e é por meio dela que podemos, sem necessidade racional, compreender a situação atual e os limites da própria existência. Somos corpos sensíveis e reincorporamos símbolos na medida em que criamos o tempo todo; a necessidade de criar se instaurou no ‘aqui e agora’ e é tempo de pensar o sentido da vida e a necessidade da arte. Nesse viés, frente ao capitalismo excessivo de nossa época e aos precipícios que a racionalidade nos impõe, por que não recorrermos a discussões sobre a natureza humana?

A arte, assim como os mitos, ou seja, o simbólico, nos propicia entrar em contato com as camadas primeiras, com as questões fundamentais. Ou seja, nos redirecionam ao ‘ser bruto’ e nos ligam indefinidamente à vida.

Desta forma, alguns exemplos práticos e analíticos foram pensados pelos autores, em suas temáticas e objetos de pesquisa, dialogando sempre com autores importantes. O que une a todos, assim como aos três conceitos sugeridos é a questão simbólica, sendo o símbolo a melhor forma de exprimir um estado de coisas que não pode ser expresso por outra coisa melhor do que por uma analogia.

Por fim, gostaríamos de agradecer à editora da Revista Mosaico da PUC de Goiás, Thais Marinho, que aceitou nossa ideia de publicar este dossiê. A proximidade do PPG de História da PUC Goiás, que esteve presente na formação deste PPG em Performances Culturais da UFG, nos é ainda muito cara e relevante. A disciplina História é um das que está na base desta área de diálogos interdisciplinares, assim com o Teatro, a Antropologia e as artes em geral. Agradecemos, também a todos autores, que se esmeraram em produzir ensaios que refletiram nossas preocupações em discutir o simbólico, através dos mitos, das tradições locais, arquetípicas e ou dentro dos mais diversos campos artísticos.

E que este momento de incertezas quanto à vida humana que estamos passando nos faça crescer em humanidade e em reflexões sobre o que realmente importa daqui para a frente em termos de coesão de propósitos para transformar o mundo em algo melhor.

Ivan Vieira Neto – Professor Assistente do Curso de História da Escola de Formação de Professores e Humanidades da PUC Goiás. Discente de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás. Universidade Federal de Goiás. E-mail: vieira. [email protected]

Luana Lopes Xavier – Doutoranda em Performances culturais (UFG). Mestre e Bacharel em Filosofia (UFG). Universidade Federal de Goiás. Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]

Nádia Maria Weber Santos – Doutora em História (UFRGS). Médica, psiquiatra junguiana desde 1986. Bolsista de produtividade em Pesquisa do CNPq. Professora do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Performances Culturais (UFG). Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]


VIEIRA NETO, Ivan; XAVIER, Luana Lopes; SANTOS, Nádia Maria Weber. Apresentação. Revista Mosaico. Goiânia, v.13, n. especial, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Mito e Religiosidade Nórdica / Revista Brasileira de História das Religiões / 2015

Caro leitor,

É com imensa satisfação que apresentamos o vigésimo terceiro volume da RBHR com a temática Mito e Religiosidade Nórdica, organizado pelo Prof. Dr. Johnni Langer, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e coordenador do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE), a quem expressamos nossa gratidão pela dedicação, seriedade e qualidade do trabalho realizado.

Iniciando a edição, o Prof. Langer apresenta um panorama dos estudos sobre religiosidade nórdica e a visibilidade por estes alcançados na academia brasileira nos últimos anos. Abrindo as discussões temáticas temos o artigo Vaningi: O javali e a identidade dos Vanir, de autoria de Hélio Pires, seguido por As runas de Cristo – aspectos da conversão da Escandinávia Medieval na Idade Média Tardia, de Álvaro Bragança Júnior. O terceiro artigo, Representações de honra e vingança na Mitologia Nórdica, é de Flavio Palamin. Contamos ainda com Oseberg: rito, mito e memória na construção da identidade nacional norueguesa no século XX, de Mário Jorge Bastos e Munir Ayoub; além de Discutindo o Xamanismo no Mito e na Literatura Escandinava: uma breve revisão historiográfica, escrito por Maria Emília Monteiro Porto e Pablo Gomes de Miranda.

A Saga do Santo Jón, de Arno Maschmann de Oliveira e André Araújo de Oliveira, é o sexto artigo apresentado; logo em seguida contamos com A sacralidade que vem das taças: o uso de bebidas no Mito e na Literatura Nórdica Medieval, de Luciana de Campos e A descoberta do Horizonte, a cristianização dos Vikings na América, de autoria de Gleudson Cardoso, José Lucas Fernandes e André Santos. O penúltimo artigo intitula-se O simbolismo da águia na religiosidade nórdica pré-cristã e cristã, escrito por Johnni Langer, Ricardo Menezes de Oliveira e Andressa Ferreira e, por fim, temos o texto Uma pequena igreja, um grande almofariz cultural: iconografia céltica religiosa em Kilpeck, Inglaterra, século XII, de Elisabete Leal e Amanda Basilio Santos.

A edição conta ainda com três artigos livres. São eles: “Esta religião sobre a qual todos os homens concordam” – a invenção da maçonaria, uma revolução cultural entre religião, ciência e exílios, de Dévrig Mollès e que analisa o interesse crescente pela Maçonaria na América Latina. Pensando esta realidade sociólogos e historiadores das religiões, das relações internacionais ou das ciências regularmente salientarem sua importância nos processos de modernização do século XIX. O autor aponta como, apesar de ser uma questão ainda pouco conhecida na América Latina, a sua atualidade não é duvidosa: o mostra, por exemplo, o persistente conflito ideológico com a Igreja Católica. Para alimentar a compreensão e a reflexão sobre estas questões, o autor questiona qual foi a relação entre a criação da Maçonaria e a revolução cultural do século XVIII, o século do Iluminismo, da ciência e da razão?

O segundo artigo livre, de autoria de Jérri Marin, intitula-se A construção de imagens de D. Carlos Luiz D’Amour durante as visitas pastorais pela diocese de Cuiabá em 1885 e 1886, e analisa as imagens construídas acerca do bispo D. Carlos Luiz D’Amour e da sua gestão durante as duas visitas pastorais que realizou em 1885 e 1886 ao norte e ao sul da diocese de Cuiabá. As fontes são os relatórios das viagens que foram publicados em 1886 e 1890. Por fim, Paulo Rogério Melo de Oliveira, em Padre Roque González: entre a história e a hagiografia, interpreta as biografias / hagiografias escritas em homenagem e em prol da beatificação e santificação do padre Roque González de Santa Cruz, na primeira metade do século XX, buscando perceber como as obras, escritas por jesuítas historiadores, situam-se numa fronteira difusa entre a história e a hagiografia. A edição conta ainda com resenhas de dois livros, quais sejam, Buscando el Reino. La opción por los pobres de los argentinos que siguieronal Concilio Vaticano II e Fim da era constantiniana: Retrospectiva genealógica de um conceito crítico, produzidas respectivamente por María Andrea Nicoletti e Sebastian Pedro Pattin Correio.

Desejamos a todos uma boa leitura!

Vanda Serafim

Gizele Zanotto

Editoras


SERAFIM, Vanda; ZANOTTO, Gizele. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.8, n.23, set. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]

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História, Literatura e Mito: viajantes europeus na América do Sul / Estudos Ibero-Americanos / 2012

Essa coletânea começou na cidade de Nantes, em 2009, quando surgiu a ideia de formar um grupo internacional, de caráter interdisciplinar, constituído por italianistas. A ideia foi levada adiante na Europa a partir das Universidades de Nantes e Groningen e, na América do Sul, através da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Naquela ocasião, em Nantes, realizava-se um primeiro Colóquio que discutia processos de emigração italiana. Era uma maneira formal para que estudiosos de vários países apresentassem e discutissem determinado tema. A troca de ideias entre os participantes do grupo foi sendo ampliada nos anos sucessivos e, em 2011, outro colóquio foi realizado, desta vez em Porto Alegre, quando os estudos estiveram concentrados em torno de relatos de viajantes como fontes à historiografia. Desde então, o contato permanente entre colegas de diferentes continentes permitiu que o presente livro fosse organizado com textos inéditos que também revelam, no Brasil, autores que se destacam em universidades estrangeiras. São textos que analisam diferentes olhares de viajantes, em narrativas que podem se transformar em fontes à História.

Não se trata de uma novidade temática, porque é muito antigo o uso de relatos de viajem como fontes à História. Mas a discussão sobre este uso da viagem como fonte passava por fase recessiva. Estava na hora de revisitar o assunto com outros olhos, ou seja, com os olhos do nosso presente, quando houve avanços metodológicos importantes.

Leed sublinha a importância da viagem lembrando as metáforas que suscita; em todas as latitudes essa viagem é um manancial de símbolos que podem exprimir a vida e a morte. Morte é passagem, passamento, enfim, mobilidade ou deslocamento para regiões desconhecidas. Vida é trajetória, caminho, peregrinação. Viagem, vida e morte são deslocamentos.[1]

Outro aspecto a justificar uma revisita ao tema tem a ver com o estranhamento ou distanciamento como forma de conhecer, questão que entra em debate na década de 1990, tendo como aporte fundamental o pensamento de Ginzburg. [2] O viajante, que é um estrangeiro, fornece inícios que fortalecem o paradigma ginzburguiano: tais indícios funcionam como chaves para o conhecimento de realidades. Leituras mais antigas de determinados relatos desprezaram, com frequência, minúsculas partes, por preservação de hábitos.

Ainda justificando esse retorno ao tema, lembra-se que metodologias de análise têm sido aperfeiçoadas em tempos recentes, sobretudo no âmbito da Comunicação, facilitando o trabalho de historiadores, sobretudo quando não desenvolvem formação em linguística, como é o caso dos profissionais sul-americanos. Dentre tais metodologias, destaca-se a Análise Textual Discursiva, definida como metodologia que envolve conjunto de técnicas de pesquisa, em abordagem interdisciplinar, tendo como primeiro objetivo buscar sentido ou sentidos no texto, produzir inferências.[3]

Portanto, a leitura proposta no presente volume é um convite para percorrer trajetórias de viajantes muitas vezes desconhecidos ou pouco conhecidos, à luz de novas interpretações, isto é, buscando outros significados na velha literatura de viagem, nos relatos daqueles que estranharam e que apontaram para o exótico. Essa leitura ajudará principalmente a estranhar. Trata-se de uma publicação que se tornou possível graças aos esforços realizados por dois sucessivos coordenadores do Programa de pós-graduação em História da PUCRS, Professores Doutores Helder Gordim da Silveira e Charles Monteiro, assim como pela permanente ajuda imprescindível de assessoria de Maria Cristina Fazzi Bortolini.

Os textos que compõem o volume foram analisados em termos de conteúdo e categorizados sob subtítulos que pressupõe algo em comum. No seu conjunto abordam, portanto, diferentes latitudes por diferentes ângulos, através das percepções de diferentes autores.

Assim, sob o título Olhares de Especialistas, Carla Monteiro de Souza aborda a narrativa do geógrafo norte-americano Alexander Hamilton Rice Jr (1875-1956) sobre a região do Rio Branco, descrevendo o território que viria a ser o estado brasileiro de Roraima, que visitou entre 1924 e 1925. Descrições do geógrafo italiano Agostino Codazzi sobre a Venezuela, publicadas entre 1840 e 1841, são assuntos de que tratará Maria Carmela D´Angelo. Os relatos do mineralogista e geólogo suíço Johann Von Tschudi sobre o Rio Grande do Sul, publicados em 1868, foram analisados por Martin Dreher.

A segunda parte trata das Palavras de Escritores e Jornalistas. Gabriella Romani analisa Edmondo De Amicis em Sull’Oceano (1889), livro de viagem que o autor dedicou ao tema da emigração italiana. Walter Zidarik detém-se nas cartas de Ercole Luigi Morselli à sua mãe, enviadas durante a longa viagem transoceânica que realizou, entre 1903 e 1904, quando ainda não era o escritor e dramaturgo de sucesso que viria a ser. Livros referentes a diversas viagens realizadas por SaintExupèry são analisados por Cláudia Musa Fay, na perspectiva da incipiente aviação nas décadas de 1920 e 1930. Autores-viajantes que escreveram sobre o Brasil em geral, em tempos bem diferentes, foram Friedrich Gerstäcker e Max Leclerc. A obra do primeiro, correspondente às primeiras décadas do século XIX, foi analisada por Gerson Roberto Neumann, enquanto Janete Silveira Abrão detém-se na obra de Leclerc, que corresponde aos primeiros anos do Brasil republicano.

Outra categoria estabelecida intitula-se Percepções de Músicos e Poetas. É iniciada por ensaio de Adriana Guarnieri Corazzol, trazendo ao texto memórias de músicos italianos sobre a América do Sul entre 1880 e 1920. Maria Lúcia Bastos Kern, concentra-se em dois livros do artista de vanguarda Joaquín Torres-García, escritos em 1939 e 1941, analisando percursos e particularidades dos lugares visitados entre o Velho e o Novo Mundo. Rosemary Fritsch Brum aborda “reverberações” da viagem que o futurista italiano Marinetti realizou à América Latina em 1926. Encerrando a terceira parte, Robert Ponge escreve sobre o poeta surrealista francês Benjamin Péret, que narrou o Brasil entre 1955 e 1956.

A quarta parte desse volume consiste Em Tempos de Colônia e de Reino Unido. Maria Izilda Matos analisa textos de cronistas de expedições que estiveram na Amazônia, recuperando as representações das Amazonas e do El Dorado. Paulo César Possamai analisa obras de viajantes sobre a Colônia do Sacramento, confluência entre os domínios portugueses no Brasil e os territórios espanhóis na região platina. Véra Lúcia Maciel Barroso analisa a crônica de Domingos José Marques Fernandes, enviada ao Príncipe Regente D. João, em 1804, onde expõe características do Rio Grande do Sul e propõe medidas a serem tomadas com relação ao território.

Uma quinta parte é constituída por Visões do Rio Grande do Sul. Valter Antonio Noal Filho disserta sobre os relatos do viajante milanês Enrico Ambauer, que visitou a Província em 1858. Eloisa Helena Capovilla da Luz Ramos detém-se na colônia, depois município de São Leopoldo, visitada e narrada por vários viajantes, entre1834 e 1906. Jaguarão, na fronteira com o Uruguai, é um dos objetos de escritos do missionário belga Thomas Aquinas Schoenaers, relacionados ao período em que esteve no Rio Grande do Sul, entre 1901 e 1904; nessas terras de fronteira concentrou-se a análise de Beatriz Ana Loner e Lorena Almeida Gill. No litoral do Rio Grande do Sul está o foco do ensaio desenvolvido por Marcos Antônio Witt, que aprofunda o estudo dos textos de três viajantes que, em tempos diferentes, transitaram pela região costeira do Oceano Atlântico no extremo sul do Brasil. Vania Beatriz Merlotti Herédia analisou cartas do Frei Bruno de Gillonay, escritas quando visitava as colônias italianas no Rio Grande do Sul, com a finalidade de verificar as condições de espiritualidade nessas colônias.

Trata-se De Palavras e de Viajantes Italianos na última parte do presente volume. Tais viajantes são pouco conhecidos no Brasil e uma das intenções dos autores foi divulgar-lhes. Carla Brandalise disserta sobre a reescrita de uma história latino-americana, no período fascista, onde deveria ser reconhecido o papel imprescindível do povo italiano na formação da América Latina e a autora demonstra que, para tanto, viajantes são enviados para conhecer e relatar o continente. Núncia Santoro de Constantino analisa escritos de alguns viajantes italianos sobre o Brasil, destacando suas opiniões a respeito da imigração no país. Rejane da Silva Penna recolhe impressões de viajantes italianos sobre mulheres brasileiras, demonstrando como tais impressões auxiliam na percepção do papel feminino na sociedade. Os relatos do antropólogo Stradelli e do oficial da marinha italiana Gregório Ronca, que visitaram a Amazônia, são objeto da análise de Vittorio Cappelli. Por fim, encerrando a coletânea, apresenta-se um ensaio de Bob de Jonge, a tratar das viagens de palavras italianas para o Brasil, trazidas na bagagem de viajantes, especialmente quando são imigrantes.

Acredita-se que, com essa publicação, tenha sido possível ir além de uma re-leitura de livros de viagem, gênero extremamente difuso durante o século XIX, para realizar a divulgação de obras de viajantes pouco conhecidos e até mesmo desconhecidos. Espera-se que o dossiê seja de agradável leitura e que acrescente ao conhecimento dos leitores.

Notas

1. Richard Leed. La mente del viaggiatore: Dall´Odissea al turismo globale. Bolonha: Il Mulino, 1992. p. 36

2. GINZBURG, Carlo. Occhiacci di legno: nove riflessioni sulla distanza. Milano: Feltrinelli, 1998.

3. Leia-se MORAES, Roque e GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise textual discursiva. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007.

Núncia Santoro de Constantino – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Walter Zidaric – Université de Nantes – França

Organizadores


CONSTANTINO, Núncia Santoro de; ZIDARIC, Walter. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 38, supl., nove., 2012. Acessar publicação original [DR]

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