Formação ética: do tédio ao respeito de si – LA TAILLE (EPEC)

LA TAILLE, Y. Formação ética: do tédio ao respeito de si. Porto Alegre: Artmed, 2009. 315 p. (ISBN 978-85-363-1692-5). Resenha de: RAZERA, Júlio César Castilho. O ensino de Ciências entre a cultura do tédio e do sentido. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.13, n.01, p.157-164, jan./abr., 2011.

A BUSCA DA VERDADE: ESPERANÇA DE UM MUNDO MELHOR

A preocupação com os rumos tomados pela sociedade contemporânea é observada na literatura em diversas discussões. Dentre elas, incluem-se aquelas que inserem o relevante papel da educação como referencial de esperança para um mundo mais justo, digno e harmonioso. Dentro dessa perspectiva, na qual a Educação é inserida na construção de um futuro ética e moralmente modificado para melhor, encontramos nos argumentos e reflexões de Jares (2005) e La Taille (2009) subsídios de interesse para o ensino de Ciências, porque ambos colocam a verdade como valor a ser buscado na dimensão educativa escolar. Ao analisar o atual panorama sócio-político mundial, com seus sérios problemas e conflitos, Jares (2005, p. 126) coloca a Educação como sede principal da promoção de esperança, justiça e dignidade em virtude do potencial de seu trabalho sobre a busca da verdade. “Educar a partir da e para a verdade” é um de seus pressupostos. Para Jares (2005, p. 196), “precisamos de uma pedagogia de esperança que nos guie na direção do crítico caminho da verdade”. E complementa, afirmando que “a esperança se constrói por meio da busca da verdade”. A obra de La Taille, que é objeto desta resenha, também trilha por esse mesmo caminho, mas com o diferencial de conter consistentes argumentos, análises e reflexões fundados na Psicologia. Yves de La Taille é professor titular do Instituto de Psicologia da USP. O conjunto de suas pesquisas e teorias constitui um referencial relevante, extrapolando a área da Psicologia Moral em que atua. “Formação ética: do tédio ao respeito de si” tem essa característica abrangente, pois encontramos nessa obra subsídios de interesse que também podemos trazer para o ensino de Ciências.

De modo especial, provoca nossa atenção quando as abordagens e reflexões do autor enfatizam a verdade como um importante valor a ser buscado na dimensão educacional, a fim de evitar a cultura do tédio. Nesse caso, o ensino de Ciências também tem o seu papel na construção daquilo que La Taille chama de cultura do sentido, cuja expectativa é de um futuro ética e moralmente modificado para melhor. Com o embasamento da Psicologia Moral, podemos encontrar neste livro argumentos proveitosos que dirigem nossa atenção para uma efetiva aproximação entre o ensino escolar de Ciências e a formação ético-moral. Uma aproximação teoricamente orientada pela autonomia que, por exemplo, pode atuar em prol do processo de compreensão crítica da Ciência e da atividade científica por parte do aluno em sala de aula. Vejamos.

O QUADRO DA FORMAÇÃO ÉTICO-MORAL EM LA TAILLE

“Formação ética: do tédio ao respeito de si” divide-se em duas partes que, respectivamente, são assim denominadas: “Plano ético” (pp. 13-156) e “Plano moral” (pp. 157-310). Cada parte é constituída por dois capítulos. No conjunto dessa obra, que tem como referência teórica e fonte inspiradora um outro trabalho seu anterior (LA TAILLE, 2006), o autor faz abordagens correlativas entre o plano ético e o plano moral, isto é, entre a “vida boa” e “os deveres” de ser justo, generoso, digno. No plano ético entram em discussão a dimensão contextual contemporânea, intitulada de “Cultura do tédio” (capítulo 1) por causa de sua característica de predominância pessimista, e a dimensão educacional, chamada de “Cultura do sentido” (capítulo 2). O plano moral segue com o mesmo formato, cujas abordagens passam pela “Cultura da vaidade” (capítulo 3) e, posteriormente, pela “Cultura do respeito de si” (capítulo 4). Nas discussões que faz de ambos os planos, La Taille segue a mesma lógica de contraposição: primeiro analisa as características da sociedade atual, nos capítulos ímpares, depois discute os aspectos educacionais para mudanças do status quo, nos capítulos pares. Em suma, o autor nos apresenta uma leitura do presente em que sobressai na nossa sociedade a cultura do tédio, da vaidade, do pessimismo. A persistir esse panorama, configurado pela cultura do tédio, não encontramos expectativa de um futuro modificado para melhor, pois essa expectativa somente é possível na cultura do sentido, por meio da Educação ético-moral. Pesquisas diversas mostram que a maioria das pessoas é heterônoma, isto é, tendem a apenas aderir às idéias e valores que circulam no meio social em que vivem. Nesse caso, uma mudança de perspectiva para um futuro melhor implica a formação moral para a autonomia: “somente uma cultura do sentido pode vencer uma cultura do tédio” (LA TAILLE, 2009, p. 79). Para tanto, a formação moral no contexto da escola e das disciplinas torna-se relevante e, até mesmo, imprescindível. Essas ideias passam pelo  potencial das escolas e das disciplinas escolares na perspectiva de mudanças, pois em qualquer cenário de futuro a Educação aparece como atividade inconteste para que a cultura do sentido seja manifestada. Concordamos com La Taille ao dizer que cabe à escola tomar parte na formação moral de seus alunos e não apenas ficar restrita a transmitir conhecimentos, sem aproveitar-se deles com vistas à melhoria do futuro. Afinal, “os próprios conhecimentos transmitidos na escola são portadores de sentido que transcendem a especificidade de cada matéria. A escola é uma verdadeira usina de sentidos, […] e não há outra instituição social de que se possa dizer o mesmo” (LA TAILLE, 2009, p. 81). Para a escola e, em especial, para a busca da verdade como valor, devemos nos voltar para a construção daquilo que La Taille chama de “cultura do sentido”, pois ela não existe sem Educação para o sentido. E para falar de uma Educação para o sentido, o autor enfatiza a relevância da busca de um valor em especial: a verdade. Ainda que haja limitações, erros e ilusões quando mencionamos o termo “verdade”, o empenho nessa busca é investimento para a cultura do sentido, ou seja, a formação moral também perpassa por esse valor (da verdade).

Em suma, eleger a verdade como valor não somente é um bem em si mesmo para a procura de sentido para a vida: a capacidade de a ela chegar é também ferramenta necessária para se situar com um mínimo de precisão em um universo político de tantas mensagens dúbias, de tantas afirmações imprecisas, de tantas análises confusas, de tantas promessas duvidosas, e também de claras tentativas de enganação. Para sobreviver em tal ambiente equívoco, se faz necessário a chamada capacidade de crítica, não entendida como disposição a julgar negativamente, mas sim como vontade de passar o que se ouve, se vê, se pensa e se diz pelo crivo da razão, para debelar possíveis erros, possíveis mentiras, possíveis ilusões. Não há crítica honesta sem amor à verdade (LA TAILLE, 2009, p. 91, grifo nosso).

PARA BUSCAR A VERDADE

Baseado em Williams (2006), La Taille aponta dois obstáculos que dificultam a busca da verdade: os interiores e os exteriores. Os obstáculos exteriores são inerentes aos objetos e os interiores são inerentes ao sujeito. Sobre a superação dos obstáculos exteriores, que se referem a objetos de pesquisa, a psicologia não tem o que auxiliar. Esse auxílio pode ser dado, no entanto, na superação dos obstáculos interiores, relacionados ao sujeito. Sobre esses obstáculos, La Taille diz que podem ser de três tipos, os quais a Educação pode ajudar a superá-los: lacunas no conhecimento, fragilidade ou insipiência das ferramentas intelectuais e ausência de determinadas virtudes.

a) Lacunas no conhecimento: Para que um sujeito busque a verdade (ou confirme o que é transmitido) sobre algum evento ou fenômeno, ele precisa lidar com informações e dados diversos, ou seja, há necessidade não apenas de apropriar-se de conhecimentos específicos, mas também correlacioná-los e observálos de maneira crítica para resolver o seu problema. Para La Taille (2009, p. 97), compete essencialmente às instituições educacionais a tarefa de trabalhar com essas lacunas e “fazer que as pessoas possuam conhecimentos variados”, especialmente no campo científico e filosófico.

b) Ferramentas intelectuais: Ter somente conhecimentos não é suficiente para desvendar verdades. De acordo com La Taille, além de conhecimentos (conteúdos) é necessário que os indivíduos também mobilizem formas precisas de raciocínio. “Para raciocinar, ou seja, para produzir conclusões fiáveis, o ser humano dispõe de duas ordens de ferramentas intelectuais: as operações e os procedimentos”. Sobre as operações, o autor baseia-se no sentido piagetiano de “ações interiorizadas reversíveis, […] porque todo pensar é uma ação”. As operações são ferramentas da mente que usamos para estruturar e promover ajustes na lógica de nosso raciocínio. “Não houvesse operações, não haveria critérios que nos permitissem afirmar que um raciocínio é válido ou não. A lógica […] garante consistência, objetividade e possibilidade de comunicação” (LA TAILLE, 2009, p. 101). Nesse caso, trabalhar operacionalmente com a verdade implica aprendizagem sobre as possibilidades de falhas nas nossas observações e conclusões para que não sejam precipitadas e falhas ou contaminadas, por exemplo, por ilusões de óptica ou por equívocos de construção de lógica. Em discussões que envolvem a natureza da Ciência temos diversos exemplos ilustrativos desses problemas. Sobre os procedimentos, são sequências de ações para se chegar a determinados resultados, que podem ou não ser interiorizadas. Podemos dizer que, enquanto a operação corresponde à lógica interna do pensamento, os procedimentos correspondem aos passos por ele percorridos. Para auxiliar o entendimento entre ambos, pode-se fazer uma analogia interessante ao dizer que “a operação está para a teoria como o procedimento está para o método”, pois, como sabemos, os métodos de pesquisa são criados e utilizados para verificar a validade de teorias. “Logo, se não há busca da verdade possível sem postura teórica, tampouco é possível chegar a ela sem procedimentos adequados” (LA TAILLE, 2009, p. 104). Isso posto, La Taille insere aspectos compreendidos por nós como úteis aos propósitos correlacionais que vislumbramos para o ensino de Ciências.

[…] embora variados procedimentos possam ser criados pelos alunos para dar vida prática a suas operações e chegar a verdades múltiplas, na maioria das vezes eles são ensinados pela escola. Melhor dizendo: aqueles atinentes à ciência são apresentados pela escola. Ou deveriam. […] para que os alunos não sejam coagidos a se limitarem a acreditar nas verdades produzidas pelos cientistas, é preciso que tenham acesso aos variados procedimentos por intermédio dos quais os pesquisadores colocam à prova suas teorias. Não se trata de desconfiança em relação a eles, mas sim da necessidade de se apoderar, na medida do possível, dos procedimentos que eles criam e empregam para chegar a suas respectivas verdades (LA TAILLE, 2009, p. 105).

Para La Taille (2009, p. 105), não existe procedimento geral possível de ser aplicado a todos os problemas. Cada um deles tem um correspondente. Contudo, quando é implementado um trabalho com o aluno que envolve busca da verdade, não há como excluir o ensino de procedimentos. “Trata-se de mostrar a ele [aluno] que a busca da verdade depende de uma ‘disciplina’ da reflexão, disciplina essa que se traduz pela criação e emprego de procedimentos”. Acaba-se demonstrando, então, que a busca da verdade não é tarefa fácil e que sua realização leva em conta a lógica e os procedimentos correspondentes dessa busca. Para reforçar esses argumentos, o autor fala sobre os resultados positivos obtidos da iniciação à pesquisa científica que dá a seus alunos, pois eles trabalham com teoria, métodos e procedimentos. E complementa dizendo que as escolas básicas, guardando as devidas proporções, poderiam fazer o mesmo.

c) Virtudes: A tese é de que sem determinadas virtudes, mesmo tendo mobilizado conhecimentos, operações e procedimentos, a pessoa não se dispõe a buscar a verdade, satisfazendo-se mais facilmente “com ideias prontas, com fatos não comprovados, com preconceitos de toda ordem, com reflexões brumosas e afirmações peremptórias”. (LA TAILLE, 2009, p. 106). Nesse caso, a verdade entendida como valor requer virtudes de boa-fé, exatidão, paciência, simplicidade e humildade para buscá-la. Apoiando-se em Comte-Sponville (1995), La Taille diz que uma pessoa dotada de boa-fé busca e respeita a verdade. As virtudes decorrem de desenvolvimento pela aprendizagem, porque não são inatas e nem correspondentes a traços de personalidade biológica. O que coloca a escola em evidência, porque é instituição em que o amor e o respeito pela verdade são (ou deveriam ser) fundamentais, desde o nível infantil até a universidade. “Um professor que não seja inspirado pelo mesmo amor [à verdade, que também os cientistas devem ter] é, além de pessoa inconsequente e alienada, um possível cúmplice de possíveis imposturas: como pode ele sem critérios de veracidade, ensinar o que quer que seja?” (LA TAILLE, 2009, p. 109). De acordo com os argumentos de La Taille (2009, p. 110), a verdade implica exatidão. Exatidão entendida “como apreço pela clareza, pela precisão, pelo rigor, pelo controle”. Portanto, quem se inspira na verdade sabe que ideias vagas, raciocínios lacunares, frases obscuras são obstáculos à sua busca. Pode-se ter uma opinião, mas que não se confunde com verdade. Nesse ponto, o autor chama nossa atenção para algumas estratégias de aula que tanto podem corresponder a ricos modelos de exatidão como permanecerem somente no nível de troca de opiniões e, nesse caso, ajudando a fortalecer o relativismo em detrimento da verdade. Vê-se, portanto, que a forma, a estratégia de aula tem papel de destaque nessa questão da busca da verdade e, ainda, que as aulas de Ciências encaixam-se igualmente nesse papel por causa das características de seu objeto, ou seja, a Ciência. Ao discutir as estratégias de aula, La Taille retoma as ideias de Piaget acerca das relações de coação e de cooperação, com a ressalva de que as relações de cooperação defendidas por Piaget não excluem aulas expositivas. Da mesma forma que o método ativo envolvendo as relações de cooperação não é garantido, por si só, no simples fato de promover discussões entre alunos. Relações de cooperação, na perspectiva piagetiana, devem apresentar as seguintes características que convergem para a participação simétrica dos membros: saber ouvir os outros; procurar expressar-se de forma clara; avisar sobre possíveis mudanças de ideia; usar os mesmos conceitos. Essa perspectiva, aliás, contém similaridades com as ideias apresentadas na teoria habermasiana da ética do discurso. Então, fica esclarecido que convencimento é diferente de imposição e, consequentemente, ambos implicam aspectos antagônicos em relação à moralidade. Ainda que tenhamos priorizado aspectos pontuais, deve ter ficado ao leitor – pelo menos essa foi nossa intenção – uma percepção de relevância dessa obra, que é completa e provocadora de muitas reflexões. Embora trabalhe com um conteúdo complexo e de certa especificidade na área da Psicologia, o conjunto de argumentos trazidos por La Taille acaba implicando importantes subsídios referenciais e de reflexão, tanto para investigadores da área de Educação em Ciência como para o trabalho do professor em sala de aula.

Referências

COMTE-SPONVILLE, A. Petit traité des grandes vertus. Paris: PUF, 1995.

JARES, X. R. Educar para a verdade e para a esperança: em tempos de globalização, guerra preventiva e terrorismos. Porto Alegre: Artmed, 2005.

LA TAILLE, Y. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed, 2006.

LA TAILLE, Y. Formação ética: do tédio ao respeito de si. Porto Alegre: Artmed, 2009.

WILLIAMS, B. Vérité e véracité. Paris: Gallimard, 2006.

Júlio César Castilho Razera – Doutorando em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista (UNESP, Bauru, SP). Professor do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB, Jequié, BA). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

The Fame of Gawa. A symbolic study of value transformation in a Massim (Papua New Guinea) society – MUNN (IA)

MUNN, Nancy D. The Fame of Gawa. A symbolic study of value transformation in a Massim (Papua New Guinea) society. Durham/London: Duke University Press, 1992. 331p. Reimpresión del original de 1986. Resenha de: MASSON,Laura E. Intersecciones en Antropología, Olavarría, n.4, ene./dic., 2003.

INTRODUCCIÓN

Mencionar el circuito Kula siempre fue para los antropólogos una referencia natural y obligatoria a Bronislaw Malinowski (1973 (1922)). Después de la publicación de The Fame of Gawa. A symbolic study of value transformation in a Massim (Papua New Guinea) society esta referencia debe hacerse extensiva al valioso y original aporte de Nancy Munn. La trascendencia de este libro, publicado originalmente hace casi dos décadas y aún no traducido al español, radica en que concentra varias preocupaciones contemporáneas de la antropología, sin duda poco discutidas en Argentina. Desde una lectura fenomenológica de la teoría de la práctica, The Fame of Gawa presenta una mirada diferente de los modelos de intercambio del clásico circuito Kula. Munn aborda aspectos tales como la construcción sociocultural del espacio y el tiempo, los problemas políticos y morales de la jerarquía y la igualdad, y la descripción de procesos de creación de valor en un espacio inter-islas. El análisis incorpora una perspectiva de género que reconoce la influencia de Annette Weiner (1976), quien renovó los estudios antropológicos de la región Massim e introdujo esta perspectiva a las discusiones sobre el kula. Mientras que Malinowski realiza su análisis a partir de la/s institución/es, Munn prefirió hacerlo partiendo del valor simbólico de las prácticas sociales. El relato se destaca por su coherencia interna. Así, su preocupación por la totalidad se refleja tanto en el análisis de la producción de valor en Gawa, como en la estrategia de construcción y presentación del argumento.

El libro se divide en cuatro partes. La primera está dedicada a la exposición del marco conceptual donde son definidos los conceptos claves para el desarrollo de un modelo antropológico sobre la creación y la transformación del valor en Gawa -pequeña isla del nordeste, de la región Massim de Papua Nueva Guinea-. El objetivo último de Munn es construir un modelo antropológico de la práctica como proceso simbólico partiendo del análisis de un caso etnográfico. Analiza la construcción del “mundo inter-islas Gawan” como parte de un proceso más amplio de creación de valor a través del cual los miembros de esa sociedad están comprometidos en la construcción y control de sí mismos y de su mundo social. En términos metodológicos la autora manifiesta moverse desde formas abiertas de acto (“mera facticidad”) a “relaciones internas” que dan formas significantes a los actos y especifican la naturaleza del valor producido. Dicho movimiento se da a través del análisis y explicación de significados culturales implícitos en las prácticas. Práctica (y/o acción) social son conceptos claves en la obra de Munn, lo cual resulta interesante en un análisis de porte estructuralista. Según Munn su trabajo “joins phenomenological and certain kinds of structuralist emphases frequently regarded as mutually exclusive”.

En la Parte II, Food transmission and spatiotemporal transformation, Munn se dedica a analizar la formación dialéctica del sistema simbólico de significados constituida a partir de determinadas prácticas sociales que tienen la capacidad de producir resultados, lo cual determina su valor o su proporción diferencial de potencia para crear un resultado. En el caso Gawa, este resultado sería la capacidad relativa de las prácticas para expandir el control espaciotemporal de los actores y de la comunidad como un todo. El acto creador de valor por excelencia es la transmisión de comida. Su opuesto, el consumo directo por parte del productor, no sólo reduce el tiempo de duración de la comida, sino quedestruye su potencial de creación de valor. A partir de esta dialéctica básica la autora analiza la relación de hospitalidad kula (skwayobwa) -considerada la base del intercambio kula-, el intercambio kula y el tipo de conversiones subjetivas posibles a partir de un acto de transmisión de comida, teniendo en cuenta que la persuasión es inherente al acto de dar comida. En las relaciones de hospitalidad, la comida es la persuasión no verbal y está en el centro de la relación. Mientras que en el intercambio kula el medio más importante de persuasión es el habla, actividad productiva necesaria para obtener “shells”. En este caso “habla” se opone a “comida”. La capacidad de persuadir y de tener un control más allá de si mismo, se refleja en el énfasis de la noción de recordar -los Gawans conectan el recuerdo con el acto de transmitir-.

Los intercambios kula crean, con sus viajes, un espacio-tiempo emergente que trasciende las transacciones inmediatas. Así, prácticas tales como hablar, recordar, olvidar, etc., son de vital importancia en la producción de un mundo común donde el resultado deseado depende de la habilidad de persuasión del dador. En el capítulo 5, Fame, Munn define a la fama como una conversión subjetiva positiva a través de una transacción particular, que deriva de un conocimiento externo de un otro distante a la transacción. Es un potencial de influencia sobre los actos de una tercera parte. Como código icónico y reflexivo la fama es una forma virtual de influencia, a través de la cual el actor se conoce a sí mismo, siendo conocido por otros. Este tipo de interpretaciones pone de manifiesto el carácter relacional del análisis de Munn, ejemplifica la coordinación de experiencias para la construcción de un mundo común inter-islas y apoya su supuesto de que la trama de significados constituye la existencia humana y que la realidad social es fundamentalmente simbólica.

Los valores positivos y negativos producidos en la tensión dialéctica del sistema simbólico en relación al consumo y transmisión de comida emerge en otros contextos bajo la forma de signos corporales denominados “qualisigns”. Existe una relación entre actos de comida y cualidades del cuerpo. Por ejemplo, comer mucho produce sueño. La pereza del cuerpo se convierte en un ícono de la negatividad de este espacio-tiempo intersubjetivo creado por el consumo como opuesto a la transmisión de comida. Esta relación entre los actos de comida y determinadas características son un reflejo de lo que la autora denomina un nexo subyacente de significados que es clave para entender la transformación del valor en Gawa y que actúa en diferentes contextos. La autora propone pensar el nexo (entire nexus) como una fórmula icónico-causal subyacente formada en la potencialidad del modelo de acción, el cual emplea tensiones dinámicas entre valores positivos y negativos en el proceso de formación del self y del self-other. Munn denomina a ese nexo relacional un patrón (template) o esquema generativo, intentando transmitir el sentido de una guía, una fórmula generativa que subyace y organiza significados en diferentes procesos o formaciones simbólicas abiertas, y que está disponible como una forma constructiva implícita para el manejo de la experiencia.

Partiendo del argumento de que este patrón gobierna tres ciclos de intercambios centrales, la Parte III del libro -“Exchange and the value template”- está dedicada al análisis de los intercambios matrimoniales, intercambios mortuorios y entretenimientos comunitarios, cada uno formando un modo particular de espacio-tiempo intersubjetivo. Para el último caso Munn analiza los dos entretenimientos comunitarios básicos: danza Drum y Comb, concentrándose primariamente en las formaciones simbólicas básicas de las transformaciones de valor positivas en ambas danzas puntualizando la manera en que los Gawans aseguran que éstas pueden ser socavadas por actos negativos. Por lo tanto estas prácticas están directamente ligadas a la demostración y mediación de jerarquía. Los intercambios mortuorios, por ejemplo, se caracterizan por los qualisignos de valor de los ritos, ítems del cuerpo decorado, directamente ligados al cuerpo de los participantes y en ciertas ocasiones intercambiados entre ellos. En ambos ciclos de intercambio, totalidad y jerarquía-igualdad son aspectos que aparecen implícitos en las prácticas, pero son puestos en evidencia con gran claridad en el Capítulo 6, dedicado al análisis de los intercambios matrimoniales. Los parientes del lado femenino dan comida, los parientes del lado masculino dan una canoa. La pareja nodal actúa como una unidad, es el tercer elemento que ofrece un lado diferente de los otros dos y hace de ellos una unidad (similaridad con el prerrequisito ternario del intercambio kula). A su vez el intercambio de la canoa debe ser considerado, según Munn, como parte del sistema kula inter-islas.

Las ideas de totalidad e igualdad están íntimamente relacionadas entre sí. La sociedad Gawa es fundamentalmente una sociedad igualitaria, donde cada individuo tiene autonomía, pero a su vez esta autonomía debe ser limitada a fin de que no ponga en peligro la igualdad. En este punto es donde juega un rol preponderante lasubversión del valor positivo simbolizada en las prácticas de brujería. Las brujas son identificadas con lo femenino, siendo una de las posibilidades de regular la jerarquía entre los géneros dentro del sistema Gawa. El patrón subyacente no sólo posee una tensión dialéctica entre valores positivos y negativos, sino que también tiene la posibilidad de subvertir un valor positivo en caso de que éste amenace el principio de igualdad.

El modelo totalizante presupone pares de opuestos que no se limitan a la elaboración de una lógica de oposiciones binarias como en el estructuralismo levistraussiano, sino que son concebidos desde una perspectiva Dumontiana de englobamiento del contrario y actúan dentro de una estructura generativa de valor. En este último aspecto es donde el aporte de Munn resulta más significativo. Las definiciones de género de las conchas kula, modelo de las relaciones políticas entre hombres y mujeres, son un buen ejemplo. El hombre debe influenciar a la mujer para ganar su consentimiento para los fines masculinos. El elemento femenino es visto como un lugar independiente de control que tiene que ser influenciado. En este contexto la “superordenación” del elemento femenino es evidente. Pero la polarización de género masculino y femenino es englobada por un orden más comprensivo. Desde que en el kula un collar debe ser convertido en brazalete y viceversa, cada objeto produce al otro, conteniendo su opuesto una potencialidad de él mismo. A través de la potencialización mutua en la circulación actual, las conchas crean una totalidad autoperpetuante.

Lo que trata de mostrar Munn en este proceso es la igualdad de los principios femenino y masculino cuyas asimetrías son resueltas en términos de la mutua necesidad y potencialización actual de cada uno en un proceso circular reversible. Munn logra dar una visión integral de la vida social de ese grupo, tratando la realidad como fundamentalmente simbólica y basada en la supuesta existencia de un esquema subyacente generativo que actúa en varios contextos del mundo Gawa. Al considerar a la existencia humana como una trama de significados, todas las prácticas y entidades incluidas en ella tienen la misma importancia analítica -sean materiales como comida o canoa, o inmateriales como fama- en tanto todas son prácticas significantes.

El modelo elaborado por Munn parece ponerse verdaderamente a prueba en el último capítulo del libro: “Didactic speech, consensus, and the control of witchcraft”, donde la autora admite, aunque no explícitamente, que la sociedad Gawa no es una mónada cerrada como parecía mostrar su análisis hasta este momento. En este capítulo Munn analiza un conflicto que se desata en la comunidad como consecuencia de la construcción de una escuela. En capítulos anteriores menciona la actuación dentro de la comunidad de padres pertenecientes a la Iglesia, pero sin especificar nada acerca de cómo se produjo la inserción de estas “nuevas autoridades” dentro de las prácticas religiosas de Gawa y qué significado adquirió la Iglesia en la creación de ese mundo simbólico (para una crítica acerca de los estudios antropológicos sobre cristiandad y religiones nativas ver Barker 1993). A pesar de que el conflicto presenta elementos que hasta ese momento no aparecían en el análisis y que son “externos” a ese todo integrado planteado por Munn, la explicación del mismo reproduce la lógica de análisis utilizada en otro tipo de prácticas en Gawa. El cambio sólo es concebido como una transformación de un estado posible a otro (de un estado negativo para uno positivo). El conflicto es explicado como un problema de coordinación espacio-temporal que repercute sobre los valores del esquema de producción de valor dominante en Gawa. Por lo tanto, el elemento dinámico –esquema generativo– y el énfasis en lo vivido se reducen a posibilidades de transformación, pero nunca de cambio. Plus ça change, plus c’ est la meme chose? 

Referências

Barker, J. 1993. Christianity in Western Melanesian Ethnography. En: Conversion to Christianity: Historical and Antropological Perspectives on a Great Transformation, editado por Robert Hefner. University of California Press, Berkeley.   [ Links ]

Malinowski, B. 1973 (1922) Los argonautas del Pacífico Occidental. Península, Barcelona.   [ Links ]

Weiner A. 1976 Women of Value, Men on Renown. University of Texas Press, Austin.   [ Links ]

Laura E. Masson – Departamento de Antropología Social, Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires, Olavarría, Buenos Aires, Argentina. Av. Del Valle 3757, Olavarría (7400). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

Medicina/ leis e moral: pensamento médico e comportamento no Brasil (1870-1930) | José Leopoldo Ferreira

Houve, de fato, um processo de medicalização da sociedade brasileira? Ou o que aconteceu foi uma socialização da medicina? Se houve, como tal processo se deu? Essas são as questões que José Leopoldo procura analisar em seu livro, levando-se em consideração a forma trabalhada por outros autores na investigação desse processo, tais como Jurandir Freire Costa, em Ordem médica e norma familiar, e Roberto Machado et alii de Danação da norma. Qual o papel da medicina legal nessa trajetória?

O livro é dividido em seis capítulos, nos quais se procurou analisar como o pensamento médico foi direcionado para objetos da vida social, tais como o crime, o sexo e a morte. O corte cronológico escolhido para análise e consideração pelo autor foi o período da Belle Époque, por possuir ampla e criteriosa reflexão científica sobre tais temas na literatura médica, tendo os médicos nesse momento feito da medicina uma ‘ciência da moral’. Leia Mais

Carne, moral e pecado no século XVI. O Ocidente e a repressão aos “delitos” por cúpula “ilícita” | Ruston Lemos de Barros

Resenhista

José Ernesto Pimentel Filho


Referências desta Resenha

BARROS, Ruston Lemos de. Carne, moral e pecado no século XVI. O Ocidente e a repressão aos “delitos” por cúpula “ilícita”. São Paulo: USP, 1993. Resenha de: PIMENTEL FILHO, José Ernesto. A sexualidade, a Igreja e o Santo Ofício no Brasil. SÆCULUM – Revista de História. João Pessoa, n. 1, p. 139-143, jul./dez. 1995.

Acesso apenas pelo link original [DR]