Encontro de Antropologia: homenagem a Eduardo Galvão – MAGALHÃES et al (BMPEG-CH)

MAGALHÃES, Sônia Barbosa; SILVEIRA, Isolda Maciel da; SANTOS, Antônio Maria de Souza (Orgs.). Encontro de Antropologia: homenagem a Eduardo Galvão. Manaus: Editora da UFAM; Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2011. 560 p. Resenha de: SCHRÖDER, Peter. Homenagem tardia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, vol.9, n.1, jan./abr. 2014.

Estranheza. Esta foi uma das primeiras reações ao folhear esta coletânea com seu motivo de capa atraente. A razão? Não o tema do livro, mas o tempo que levou para ser lançado. Trata-se de um conjunto de exposições e comunicações apresentadas por ocasião do Seminário Eduardo Galvão, realizado no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), de 2 a 5 de setembro de 1997.

O objetivo do evento era, como fica evidente com a leitura das contribuições, tanto uma homenagem quanto uma avaliação crítica de vida e obra de Eduardo Galvão (* 25/01/1921, Rio de Janeiro – † 24/08/1976, Rio de Janeiro) no contexto da antropologia brasileira, ou seja, um tema que pode ser justificado com facilidade. Mas resta a questão por que levou 14 anos (ou talvez 16, quando se leva em conta algumas divulgações de lançamento em meados de 2013?) para se publicar as contribuições ao evento. Geralmente, o interesse por anais de eventos, por exemplo, dissipa-se depois de poucos anos, a não ser que fossem publicados alguns papers excepcionais, apreciados por especialistas. Na coletânea resenhada, no entanto, não é possível encontrar a resposta pela questão do hiato temporal entre evento e publicação.

Organizar um evento para avaliar as contribuições e os impactos de um pesquisador importante em sua área e depois publicar as conferências e comunicações não são tarefas cotidianas nas ciências humanas, mas nenhuma coisa incomum. Entre os diversos aspectos que podem ser citados com relação a tais homenagens críticas figura a distância entre o falecimento do homenageado e o ano do evento. Será que um intervalo de vinte anos permite uma avaliação historicamente equilibrada e sóbria sobre o homenageado? Ou será que as impressões subjetivas ainda exercem influências muito fortes nas avaliações? Parece ser mais fácil garantir tal distanciamento em casos de pesquisadores temporalmente mais afastados, como Nimuendajú ou Radcliffe-Brown.

No caso da coletânea resenhada, porém, pode ser apresentada uma justificativa importante: o fato de Galvão quase ter desaparecido, desmerecidamente, das leituras canônicas em antropologia brasileira, tanto nas graduações quanto nas pós-graduações. Desse modo, o livro podia ser um estímulo para ‘redescobrir’ um autor importante na história da antropologia brasileira. No entanto, sempre existe o perigo, no caso de eventos com publicações como a coletânea, de produzir uma obra cujas contribuições majoritariamente têm pouco a ver com o homenageado, como já aconteceu no caso de um colóquio, realizado em Jena, Alemanha, em 2005, por ocasião do sexagésimo aniversário da morte de Nimuendajú (Born, 2007).

O título do livro é uma alusão explícita a “Encontro de sociedades”, coletânea com textos de Galvão postumamente publicada em 1979. Infelizmente, não se encontra, como se podia esperar, uma síntese biográfica do homenageado e nem uma lista de suas publicações (como em Galvão, 1996). A “resenha biográfica” no final do livro, de basicamente uma página (p. 551-552), não faz jus a Galvão.

Em toda a coletânea, há apenas quatro artigos, de 32, no total, que de fato se concentram em aspectos da vida e obra de Galvão. O primeiro, de Orlando Sampaio Silva, é uma sistematização descritiva dos enfoques regionais e temáticos na obra de Galvão, relacionando as áreas onde este realizou suas pesquisas de campo com as publicações resultantes. O autor chama a atenção para as delimitações temáticas e situacionais de Galvão nos estudos de aculturação realizados nas décadas de 1950 e 1960, a distinção sistemática entre mudança cultural e aculturação, os exercícios classificatórios (áreas culturais) e as referências teóricas (principalmente, a antropologia americana da época), porém, a síntese da obra ficou inacabada nesse texto. Neste sentido, o segundo artigo, de Pedro Agostinho, oferece uma abordagem interpretativa mais abrangente, embora trate ‘apenas’ do “tempo de Brasília” de Galvão (1963-1965). O artigo de Roque Laraia, por sua vez, destaca a importância histórica da obra de Galvão no contexto da antropologia brasileira. Além disso, é uma bela reflexão sobre sense e nonsense de publicar diários de campo. Chama a atenção que este assunto também é discutido na introdução escrita pelos organizadores da coletânea. No caso dos diários de campo de Galvão (1996), a questão principal é se eles revelam novidades sobre o autor ou sobre suas pesquisas publicadas, e o fato de esta dúvida existir é revelador em si.

O quarto artigo, de Heraldo Maués, focaliza os ‘pais fundadores’ da antropologia institucionalizada no Pará: Galvão, no MPEG, e Napoleão Figueiredo, na Universidade Federal do Pará. De forma imprevista, a estupidez da máquina ditatorial, que afastou Galvão de Brasília, favoreceu o fortalecimento da antropologia em Belém. Como Maués bem observa, com isso foi rompido certo padrão de relacionamentos profissionais de antropólogos com a região, já que por muito tempo a Amazônia foi considerada exclusivamente como ambiente para coletar informações a serem analisadas em contextos institucionais fora da região.

Há mais quatro artigos na primeira parte do livro, sobre as contribuições de Galvão à antropologia brasileira, porém estes textos, de Yonne Leite, Samuel Sá, Isidoro Alves e Mark Harris, focalizam menos o pesquisador Galvão do que os quatro anteriores. A segunda parte do livro, por sua vez, está composta por fragmentos de mitos coletados por Galvão e por quatro álbuns fotográficos muito interessantes (do alto Xingu, do alto rio Negro, dos Kaiowá e dos Tenetehara), inclusive mostrando diversos colaboradores e interlocutores de Galvão.

A terceira parte, com 24 artigos, representa mais de dois terços do livro, mas os textos muitas vezes não têm nada a ver com Galvão ou estão relacionados com sua obra apenas indiretamente, por afinidade temática ou regional. Às vezes, Galvão é citado ‘de alguma maneira’, sem que isto tenha consequências para as análises apresentadas; e em várias contribuições nem se encontra referência bibliográfica alguma a ele. Até um leitor muito ingênuo pode se perguntar: onde estão as conexões com o tema do evento?

Uma parte das contribuições parece representar projetos de pesquisa em andamento, porém certamente já concluídos em 2011 (por exemplo, o artigo de Denize Genuína da Silva Adrião sobre concepções de natureza e cultura no médio rio Negro). Certos temas ou conjuntos temáticos, por sua vez, predominam: por exemplo, estudos sobre populações pesqueiras e suas práticas econômicas, com dez artigos, o que evidentemente tem a ver com os interesses de Galvão. Também há diversos textos sobre meio ambiente e sobre saúde.

Na introdução à coletânea, os organizadores explicitam sua visão da obra de Galvão: por um lado, caracterizada por perspicácia analítica, por outro lado, ultrapassada em termos epistêmicos. Certos aspectos de sua atuação acadêmica são destacados: sua capacidade de formar novos pesquisadores, seus estímulos inovadores, seus interesses bem articulados numa antropologia prática e suas contribuições à institucionalização da antropologia na Amazônia. Também é abordada a questão de qual foi a linhagem acadêmica constituída por Galvão.

Os organizadores também explicam que ainda há muito material documental nos arquivos do MPEG, que poderia servir de base empírica para pesquisas futuras sobre vida e obra de Galvão. Em todos os casos, o livro resenhado é muito interessante, tem diagramação bastante agradável e permite uma primeira abordagem ao homenageado, mas não fornece uma base de consulta sistemática. E certamente esta nem era a intenção da publicação, a qual, de alguma forma, representa um estado da arte: aquele da pesquisa antropológica na Amazônia em meados dos anos 1990.

Referências

BORN, Joachim (Org.). Curt Unckel Nimuendajú – ein Jenenser als Pionier im brasilianischen Nord(ost)en. Wien: Praesens, 2007. (Beihefte zu “Quo vadis, Romania?”, 29).         [ Links ]

GALVÃO, Eduardo. Diários de campo de Eduardo Galvão: Tenetehara, Kaioá e índios do Xingu. Organização, edição e introdução de Marco Antonio Gonçalves. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Museu do Índio/FUNAI, 1996.         [ Links ]

Peter Schröder – Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]

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Oleaginosas da Amazônia – PESCE (BMPEG-CH)

PESCE, Celestino. Oleaginosas da Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2 ed., 2009. 334 p. Resenha de: MANTOVANI, Waldir. Oleaginosas da Amazônia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.2, maio/ago. 2010.

O livro “Oleaginosas da Amazônia”, de Celestino Pesce, teve a primeira edição publicada em 1941, sendo agora publicada sua segunda edição, revisada e ampliada, pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Esta edição da obra traz a estrutura original, é acrescida de um capítulo sobre “O potencial da flora oleífera na Amazônia” e recebe ilustrações de espécies apresentadas.

Antes de ser uma obra que descreve características de espécies de plantas da Amazônia com sementes oleaginosas, o livro reflete a preocupação do autor com a conservação da região e com a necessidade de investimentos na produção racional e em pesquisas sobre o tema, incluindo o melhoramento e o cultivo das espécies cujas sementes eram, até então, colhidas após a queda no solo e armazenadas em condições inadequadas, com a perda de suas qualidades.

As descrições feitas para muitas das espécies tratam de seus habitats e das suas características botânicas, demonstrando a experiência de observação em campo adquirida pelo autor em várias regiões da Amazônia, além de apontar para as melhores formas de obtenção e de conservação das sementes, de extração e de manutenção de propriedades químicas e físicas de suas gorduras e óleos, enquanto para outras espécies são apontados usos potenciais, ainda a serem explorados, incluindo o de consumo das polpas dos frutos.

Ressaltam, nessas descrições, as observações feitas sobre o uso de sementes diversas pelos índios, a exploração feita pelos lavradores do interior e os limites de extração do óleo ou da gordura, seja pela ausência de equipamentos adequados ou pela distância entre o local de produção e o de comercialização, incluindo a exportação para países da Europa, ou pela forma de extração e armazenagem, refletindo a preocupação do autor com a produção em toda a sua cadeia.

Nesta obra, é ressaltada a importância da flora composta pelas palmeiras, das quais descreve características de 36 espécies, além de 64 outras de famílias diversas, ressaltando-se Clusiaceae, Euphorbiaceae e Sterculiaceae. As informações apresentadas para as espécies são desiguais, havendo algumas bastante detalhadas em todos os seus aspectos, enquanto outras, principalmente aquelas para as quais indica potencial de uso, são descritas superficialmente.

Em um momento extremamente controverso acerca do valor da biodiversidade contida em biomas no Brasil, o livro “Oleaginosas da Amazônia” aponta para um dos muitos potenciais recursos de interesse humano ainda não completamente explorados, mostrados pelo olhar de um estrangeiro que se interessou pela região de forma ampla, como quando escreveu sobre a sua conservação: “O próprio caráter da região onde se encontram tais sementes indica que a vegetação das plantas que as produzem é a que deve predominar”.

Trata-se de uma obra que interessa à conservação de recursos naturais, à botânica econômica e, nela, particularmente, à produção de combustíveis alternativos, de óleos aromáticos, de sabões, entre outros produtos. Com um texto rico em informações diversas sobre a Amazônia e sobre as espécies tratadas, de uma forma agradável de ser lida e olhada devido à qualidade da impressão, à variedade e aos detalhes das figuras, este livro escrito em 1941 é extremamente atual em sua mensagem, compondo uma obra incomum.

Celestino Pesce (1896-1942) era italiano, químico, vindo de São Paulo, que se interessou pelas plantas oleaginosas da Amazônia e, desde 1913, dedicado à extração de óleos e gorduras de sementes de várias espécies já conhecidas e de novas descobertas feitas em diversas viagens que realizou pela região. Morreu afogado durante um banho em águas do rio Amazonas. Neste livro, vive para nos alertar.

Waldir Mantovani – Doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas Professor Titular da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

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Conhecimento e fronteira: história da ciência na Amazônia | Priscila Faulhaber e Peter Mann de Toledo

Conhecimento e fronteira: história da ciência na Amazônia ofe- rece aos leitores, além de farta documentação e muita informação, uma acurada análise a respeito do tema englobado pelo título: a história da ciência, dos cientistas e das instituições científicas na Amazônia brasileira. O livro focaliza primordialmente o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), sediado em Belém, e, de modo secundário, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), sediado em Manaus. O volume está destinado a se tornar uma obra de referência.

O livro divide-se em duas partes principais. A primeira delas, intitulada ‘Estratégia científica e unidades de pesquisa na Amazônia’, reúne 14 ensaios e artigos de especialistas em história e política da ciência, em tecnologia e instituições científicas. A segunda parte, sob o título ‘Trajetória social e memória institucional’, apresenta as transcrições de 31 entrevistas e depoimentos de pesquisadores e administradores que atuaram direta ou indiretamente no MPEG, no Inpa ou no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão ao qual são subordinados esses dois principais institutos de pesquisa da Amazônia. A ‘cronologia’ dos dois institutos e a ‘iconografia’, levantadas com rigor e que figuram ao final do volume, formam uma terceira e enriquecedora parte, situando fatos e personagens mencionados ao longo do livro. Leia Mais