Que história pública queremos? Ana Mauad, Ricardo Santhiago e Viviane Trindade

Organizado por Ana Maria Mauad, Ricardo Santhiago e Viviane Trindade Borges, o livro “Que história pública queremos?” (What public history do we want?) convida os leitores a participarem de um debate que caracteriza o campo e os caminhos da história pública no Brasil. Como novidade, essa produção de 2018, escrita por historiadores brasileiros e brasilianistas, oferece a tradução dos seus vinte capítulos para o inglês, o que ressalta não só a relevância dos percursos reflexivos (Que história pública queremos?) e práticos (Que história pública fazemos?) estabelecidos em território nacional, mas suas perspectivas de alcance internacional, que não descartam, segundo os organizadores, influências e diálogos do Brasil com as tradições teóricas estrangeiras referentes à área.

Adicionam-se ao catálogo editado pela Letra e Voz1 esses textos em que os autores compartilham suas visões sobre história e história pública ao mesmo tempo que repensam seus próprios campos, temas, objetos, métodos e objetivos de pesquisa. Assim, o que caracteriza a contribuição do livro perante a pretendida história pública brasileira é exatamente a união entre uma espécie de autoavaliação das trajetórias e experiências teóricas e práticas do ofício do historiador e a redescoberta da “dimensão pública do conhecimento histórico” (MAUAD; SANTIAGO; BORGES, 2018, p. 11). Leia Mais

História Pública no Brasil: Sentidos e itinerários | Ana M. Mauad, Juniele Almeida e Ricardo SAnthiago

Este texto pretende resenhar o livro História pública no Brasil: Sentidos e itinerários, obra organizada por Ana Maria Mauad, Juniele Rabêlo de Almeida e Ricardo Santhiago. Nesta importante publicação, os organizadores reúnem textos de alguns dos principais pensadores sobre história pública no Brasil e em outros países. O livro passa a ser uma referência imprescindível por ser plural e apresentar várias perspectivas sobre o tema.

A proposta tem dois momentos. No primeiro, pretendo constituir um panorama geral do livro naquilo que, na minha perspectiva, é mais importante para a história pública. No segundo momento eu proponho uma pequena reflexão/contribuição já que participei dos dois simpósios retratados no livro1 e também por que sou membro da Rede Brasileira de História Pública. Leia Mais

História Pública no Brasil: Sentidos e itinerários | Ana Maria Mauad, Juniele Rabêlo de Almeida, Ricardo Santhiago

A tentativa de compreensão e a elaboração da noção de “História Pública” são dois movimentos recentes dentro do campo historiográfico brasileiro, o que, no entanto, não significa que tal debate esteja ausente de outras iniciativas que tangenciam a construção do conhecimento histórico ao longo do tempo produzido no país – inclusive aquelas encabeçadas por sujeitos que não são institucionalmente reconhecidos como historiadores. O livro História Pública no Brasil: Sentidos e itinerários lançado recentemente, no ano de 2016, segue este percurso que busca trazer à cena a reflexão da história e seus inúmeros públicos – considerando também a multiplicidade de significados desse último termo. Já na apresentação da obra é evidente o desejo de fugir de uma simplificação do que seria a História Pública, buscando assim constituir um campo de estudos que permita desenvolver esta concepção, inclusive, assumindo a sua multi e interdisciplinaridade. Leia Mais

História pública no Brasil: Sentidos e itinerários – MAUAD et al (RTA)

MAUAD, Ana Maria; ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; SANTHIAGO, Ricardo (orgs.). História pública no Brasil: Sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016, 348p. Resenha de: FRAZÃO, Samira Moratti. História pública no Brasil: espaço de apropriações e disputas. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.8, n.19, p.374-379. set./dez., 2016.

Na contemporaneidade, momento em que a história é vista midiaticamente como uma bússola para questões políticas, sociais, religiosas e culturais que emergem no presente, como refletir a necessidade de revisitar o passado com abordagens que fogem às práticas históricas institucionalizadas? Como pode ser traduzida fora do ambiente acadêmico essa produção ou intenção de propor um conhecimento histórico que se encontra em circulação em diversos suportes e tecnologias? A história pública pode ser uma das respostas a essas e outras questões abordadas no livro “História Pública no Brasil: Sentidos e itinerários”, lançado em 2016 pela editora Letra e Voz.

Para além de novas reflexões, a obra é uma continuidade ao trabalho empreendido em 2011, ano em que foi lançado o livro “Introdução à História Pública”, organizado por Juniele Rabêlo de Almeida e Marta Gouveia de Oliveira Rovai. Posteriormente os pesquisadores, entre historiadores, comunicólogos e especialistas de diversas áreas das Ciências Humanas e Sociais, formaram a Rede Brasileira de História Pública (RBHP), cujos membros – dos quais se destacam Ana Maria Mauad, Juniele Rabêlo de Almeida e Ricardo Santhiago, organizadores deste livro – propõem com “História pública no Brasil” conectar percepções atualizadas sobre a prática, considerada uma produção histórica “feita para, com e pelo público” (MAUAD, ALMEIDA & SANTHIAGO, 2016, p. 12, grifo dos autores). Leia Mais

História oral e arte – SANTHIAGO (HO)

SANTHIAGO, Ricardo (Org.). História oral e arte: narração e criatividade. São Paulo: Letra e Voz, 2016. 186 p. Resenha de: LIMA, Gabriel Amato Bruno de. Por uma história da arte e dos artistas com a história oral. História Oral, v. 19, n. 2, p. 213-216, jul./dez. 2016.

Certa vez, ao debater num curso de história oral a questão do retorno aos entrevistados, a colega com quem eu dividia a regência das aulas admitiu um impasse. Por entrevistar artistas, em especial “homens de teatro”, ela disse ter dificuldades em pensar formas de retornar aos entrevistados os resultados de suas pesquisas. Os textos acadêmicos, com suas exigências de linguagem e formato, pareciam a ela insuficientes, pois dramaturgos ou atrizes estão habituados a se relacionar com o mundo de forma inventiva. Restava a dúvida: como dizer aos entrevistados sobre a importância de suas contribuições? Pesquisando mais sobre as investigações que elegem a arte como tema e as entrevistas como método, descobri que há ao menos mais um pormenor no campo – desta vez, teórico. Ao resenhar livros sobre o tema, Elisabeth Stevens identificou um paradoxo das “entrevistas com e sobre artistas”.

Segundo a autora, elas “requerem que pessoas que escolheram meios não verbais para se expressar ainda assim expliquem a si mesmas, ou sejam explicadas, com palavras” (Stevens, 1990, p. 111, tradução livre). A própria decisão de entrevistar artistas já traria questões de fundo para o pesquisador: como não se limitar à busca por traduzir arte em narrativas de história oral? Como evitar o discurso pronto daqueles que criam narrativas públicas sobre si? Essas breves considerações sugerem a importância da coletânea História oral e arte: narração e criatividade, editada em 2016 pela Letra e Voz.

Pelo título, o leitor familiarizado com os debates da metodologia poderia intuir se tratar de novo capítulo da discussão acerca do estatuto epistemológico da história oral – se técnica, metodologia, disciplina ou arte. Mas não é nem à reivindicação da história oral como “arte multivocal” (Portelli, 2010), nem ao tratamento literário das entrevistas – a “transcriação” (Meihy, 2005, p. 195-203) – que o livro dedica sua atenção. Os textos de História oral e arte direcionam seus esforços para a afirmação de uma agenda de pesquisas em torno da produção, circulação e recepção dos trabalhos de músicos, artistas cênicos, pintores, escultores, arquitetos, literatos e cineastas (isso para nos limitarmos à enumeração das sete artes).

Organizado por Ricardo Santhiago, o livro é parte da coleção História Oral e Dimensões do Público, dirigida por Juniele Rabêlo de Almeida. Sua proposta editorial é uma relativização do diagnóstico elaborado pelo organizador três anos antes, segundo o qual “se não faltam profissionais que empregam o método da entrevista […] na abordagem das artes, poucos são os que engatam nesses estudos todo o lastro teórico e conceitual” da história oral (Santhiago, 2013, p. 166). Como indicam os oito artigos do livro, “só faltava abrir o jarro, parece, para que perspectivas instigantes sobre a relação entre história oral e as artes tivessem sua dimensão evidenciada” (p. 8). E, de fato, a leitura de História oral e arte ajuda a compor uma problematização dos usos possíveis dessa metodologia em pesquisas sobre o mundo artístico.

Um primeiro conjunto de estudos do livro se dedica à reflexão sobre o sujeito. Em Inovação e criatividade: a história de Dona Isabel Mendes, das panelas de barro às bonecas de cerâmica, Karen Worcman analisa a narrativa de uma ceramista cujo ofício foi reconhecido como arte pelo mercado. Segundo Worcman, a entrevista com Isabel evidencia como “um indivíduo alia seus desejos pessoais à tradição, destacando-se em sua criatividade e empreendedorismo ao ser estimulado por seu próprio contexto” (p. 22). Seu argumento indica um movimento de deslocamento de análise em história oral: das memórias coletivas às formas como sujeitos elaboram processos de recordação.

Em sentido análogo, está Tudo que o tempo deixou: as continuidades e rupturas da história bossanovista através da memória de Alaíde Costa, de Daniel Lopes Saraiva. O autor argumenta que a história oficial da bossa nova silencia os conflitos (inclusive de memória) entre os bossanovistas. Ela também invisibiliza a atuação de Alaíde Costa, uma “cantora negra, vinda do subúrbio carioca, que já era profissional à época quando a bossa nova surgiu” (p. 58). Sua memória, portanto, adiciona importantes nuances às narrativas sobre o movimento.

O enfoque nos sujeitos-artistas está presente também em O menino João das Neves: reminiscências de um amante da arte, de Miriam Hermeto e Natália Batista. Explorando a articulação entre experiência e expectativa na entrevista com o dramaturgo, as autoras identificam na memória de João das Neves os “múltiplos meninos-João, que se configuram temporalmente e constituem uma personalidade singular do velho-João” (p. 134). Outra característica instigante do trabalho são as considerações sobre a relação que se estabeleceu com João ao longo das entrevistas, que nos ajudam a localizar as subjetividades em jogo na produção de uma “história de vida”.

Um segundo grupo de textos questiona as coletividades e a construção de identidades. Em Circuitos operacionais das artes: memórias em torno da profissionalização dos artistas plásticos em Pernambuco nos anos 1960, José Bezerra de Brito Neto trata de uma entidade de artistas, concatenando memórias que formam um quadro de lembranças sobre identidades profissionais. O objetivo do autor é “analisar as fábricas políticas e culturais do status profissional no campo das artes plásticas de Pernambuco, na década de 1960” (p. 37), ainda que a especificidade da política cultural sob um Estado autoritário seja apenas apontada no trabalho. Também Haroldo Rezende, em Kukukaya: um grito de amor, um grito de dor, lida com questões identitárias ao analisar o circuito de apropriações de uma canção de Cátia de França. O autor observa que uma geração de músicos nordestinos dos anos 1970 criou uma rede de significados da memória, que é “refundada a cada execução, a cada gravação, a cada interpretação” da canção (p. 98).

Dayse Perelmutter, em A história oral como laboratório de sensibilização estética: memórias e marcas de artistas brasileiros de ascendência judaica, também se questiona sobre a identidade de artistas. A autora analisa “a maneira como o legado judaico foi transmitido e inscrito e a intensidade de sua reverberação na sensibilidade contemporânea de cada um” dos seus entrevistados (p. 107). Apesar do predomínio de debates teóricos, o texto é concluído com uma análise de depoimentos de artistas que articulam o par identidade/diferença em suas narrativas de história oral.

Por fim, dois textos trazem reflexões teóricas a partir da percepção da história oral como “prática reflexiva” (p. 9). Em História oral e história da arte: aproximações, Eduardo Veras analisa a produção de entrevistas com artistas e a fecundidade de questões próprias da história oral. Problematizar a “condição a posteriori das entrevistas” e “questionar a absolutização dos demais documentos de processo” criativo são, para o autor, contribuições da metodologia, em especial quando se considera “as entrevistas no contexto maior da longa tradição de convívio entre textos e obras de arte” (p. 146- 147). Ricardo Santhiago encerra a coletânea com A pergunta que não se faz: algumas ideias sobre história oral e canção. O ensaio levanta a possibilidade de se tratar canções como história oral, concluindo que “é o casamento entre ambas que pode promover uma compreensão mais profunda de determinado fenômeno, aliando a subjetividade narrativa e a subjetividade artística” (p. 168).

Em seu conjunto, os artigos de História oral e arte indicam possibilidades para pensarmos a história oral e o campo artístico a partir das ambiguidades dos sujeitos, das identidades profissionais e da análise dos produtos culturais e das narrativas sobre eles. Problemáticas peculiares costumam aparecer quando lidamos com grupos sociais diferentes em história oral – e não é diferente com os artistas. Evidenciá-las em pesquisas temáticas enriquece os debates, permitindo revisões de nossa prática e o alargamento de nosso repertório teórico – tarefa que o livro cumpre com êxito.

Referências

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 2005.

PORTELLI, Alessandro. Ensaios de história oral. São Paulo: Letra e Voz, 2010.

SANTHIAGO, Ricardo. História oral e as artes: percursos, possibilidades e desafios. História Oral, v. 16, n. 1, p. 155-187, jan./jun. 2013. Disponível em: <http://revista.historiaoral.org.br/index.php?journal=rho&page=article&op=view&path%5B%5D=278&path%5B %5D=309>. Acesso em: 3 set. 2016.

STEVENS, Elisabeth. Art, artists, and oral history. Oral History Review, v. 18, n. 1, p. 111- 115, primavera 1990.

Gabriel Amato Bruno de Lima –Mestre em História e Culturas Políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador do Núcleo de História Oral da mesma universidade. E-mail: [email protected].

 

 

 

 

Memória e diálogo: escutas da Zona Leste, visões sobre a história oral – MAGALHÃES; SANTHIAGO (HO)

MAGALHÃES, Valéria Barbosa; SANTHIAGO, Ricardo (Org.). Memória e diálogo: escutas da Zona Leste, visões sobre a história oral. São Paulo: Letra e Voz; Fapesp, 2011. 186 p. Resenha de: CORRER, André Bortolazzo. História Oral, v. 14, n. 1, p. 153-158, jan.-jun. 2011.

Memória e diálogo é resultado da preocupação e dos esforços que vêm sendo empreendidos para fomentar discussões sobre a Zona Leste de São Paulo, sua história e memória, e sobre a prática de pesquisa com narrativas orais e lembranças. Essa preocupação se refl ete nas discussões do Grupo de Estudo e Pesquisa em História Oral e Memória (Gephom), da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP). Fundado pelos organizadores da obra em questão, no intuito de trazer ao ambiente acadêmico as preocupações com o entorno da universidade, o Gephom desenvolve pesquisas sobre movimentos migratórios na Zona Leste de São Paulo e sobre a história oral enquanto método de pesquisa, entre outros temas. O 1° Simpósio de História Oral e Memória: Memória da Zona Leste de São Paulo, realizado em junho de 2010, na EACH-USP, foi o ambiente de efervescência da obra, sendo que grande parte dos textos nela publicados foram apresentados no evento.

O subtítulo do livro – “escutas da Zona Leste, visões sobre a história oral” – revela sua primeira peculiaridade: uma divisão entre prática de pesquisa e referencial teórico, que ao fi nal acaba por constituir um todo emaranhado que se complementa e se cruza durante a leitura. Isso concede à obra como nova prática pedagógica que visa aumentar a interdisciplinaridade e quebrar com a prática secular que forma especialistas sem conhecimento do todo. Todas essas questões são apenas lançadas à tona pelos professores, uma vez que o tema ainda tem muito a ser discutido e aprofundado.

O texto do padre Ticão, militante dos movimentos sociais da Zona Leste de São Paulo, busca contar um pouco de sua trajetória e da história da região do ponto de vista dos habitantes locais. Padre Ticão faz uma análise da evolução dos movimentos sociais ao longo das últimas quatro décadas, com o surgimento da Teologia da Libertação, a ditadura militar, o papel da Igreja Católica nos movimentos sociais do período da repressão, a redemocratização da década de 1980. Finalmente, ele apresenta frutos desses movimentos, como a expansão do Sistema Único de Saúde (SUS), os movimentos de moradia, a conquista da universidade na região, além de apresentar as necessidades ainda prementes na região mais densamente povoada do município de São Paulo.

Valéria Barbosa de Magalhães, uma das organizadoras da obra, em seu texto “Memória e história da Zona Leste de São Paulo”, realiza uma refl exão acerca de sua pesquisa atual, enfatizando entrevistas já realizadas com a população da região, em sua maioria migrantes do Nordeste do país. A autora trata de questões sobre o método e sobre a memória regional, destacando a importância desse trabalho nos campi de universidades localizados na periferia.

Uma das características do projeto é seguir a tendência de registro e disponibilização online de entrevistas de história oral, visando privilegiar a articulação “memória-sujeito-identidade”.

Finalizando a primeira parte da obra, Mauro Alves Bonfi m descreve o projeto “Observatório de memória audiovisual, do CPDOC, núcleo de projetos da Fundação Tide Setubal, criado em 2008. O CPDOC tem por objetivo a constituição de um acervo de depoimentos e fotos dos moradores para a produção da memória local. O autor destaca que o centro busca criar uma referência local, especialmente para os moradores de São Miguel Paulista, incluindo o uso de mídias sociais, de plataformas colaborativas e de audiovisual.

Questões do método: teoria da pesquisa em história oral A segunda parte do livro compreende refl exões teóricas sobre o método – a história oral –, com textos de variados autores da área, entre os quais Leland McCleary, Alice Beatriz da Silva Gordo Lang, Maria de Lourdes Monaco Janotti, Richard Cándida Smith e Daphne Patai, além do texto de um dos organizadores da obra, Ricardo Santhiago.

O texto de McCleary trabalha com questões de língua e tecnologia e a relação da primeira como veículo narrativo e de comunicação. Passando pela discussão sobre gêneros textuais, o autor trata da entrevista como o mais adequado gênero para a história oral. A história oral acontece no âmbito da oralidade, mas também pode ocorrer em outras linguagens, como o exemplo destacado pelo autor de uma entrevista em libras, a linguagem de surdos.

Além da entrevista, há a transcrição, que se constitui como outro gênero textual, o escrito. Com o advento de novas tecnologias, no entanto, as possibilidades de interação se multiplicaram e inúmeros canais vêm surgindo para registros e bases de dado online, lançando novas possibilidades para o futuro da história oral.

Alice Lang aborda as propostas e perspectivas da metodologia de pesquisa para o estudo do tempo presente, a história oral. Nesse aspecto, avalia as variações da abordagem ao longo do tempo e nos diferentes grupos de pesquisa, com destaque para a história de vida, inspirada por Roger Bastide, e a história oral moderna americana, surgida no Oral History Research Offi ce, de Nova York. Basicamente, a autora identifi ca três tendências, que muitas vezes se imbricam: a história oral voltada para a pesquisa, a dirigida para a criação de documentos sobre o tempo presente e a militante. Em seguida, a partir da experiência do Centro de Estudos Rurais e Urbanos (Ceru), detalha os principais pontos do processo de pesquisa.

O texto de Ricardo Santhiago trata da polêmica questão da tradução na história oral e os problemas que podem ocorrer com a falta de cuidado nesse aspecto, gerando diferentes interpretações sobre posições de pesquisadores estrangeiros na área. Parte de seu projeto de doutorado, o texto passa pela chegada da história oral no Brasil, sua consolidação e variações, e a limitação das traduções nas primeiras décadas. Segundo o autor, grande parte dos textos-chave para o campo da história oral como método de pesquisa ainda não possuem, ou não possuíam até recentemente, tradução para o português.

Nessa abordagem, ele inclui também a crítica a propostas como a de “transcriação”. Richard Cándida Smith é o atual diretor do programa de história oral da Universidade da Califórnia – Berkeley, e trata em seu texto da questão da autoria no âmbito da historiografi a. Constrói seu texto colocando-se do outro lado da entrevista, numa inversão de papéis, uma vez que narra uma experiência que viveu como entrevistado sobre o ativismo estudantil na década de 1960. Cándida Smith destaca que essa inversão de papéis ocorreu apenas 25 anos depois de ter começado a trabalhar com história oral, enquanto entrevistador e pesquisador, o que lhe trouxe uma perspectiva totalmente nova com relação ao seu interlocutor. Diante dessa experiência, ao assumir o centro de história oral, traçou novas metas, como a publicação de todas as entrevistas na internet, o envolvimento dos estudantes nos projetos e o desenvolvimento de uma agenda de investigações temáticas e históricas.

Em “Pensando as implicações do testemunho na história oral”, Maria de Lourdes Monaco Janotti levanta alguns dos problemas existentes nas relações entre os vários tipos de testemunho e a história oral enquanto metodologia. Para tanto, a autora utiliza dois casos clássicos do uso da história oral em acontecimentos de importância política: a obra de Hanna Arendt Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal e o julgamento do general Aussaresses e suas publicações posteriores em forma de entrevista. Dentro dessa análise, trata da questão da interpretação dos testemunhos no interior de cada disciplina e as difi culdades que ainda se colocam no trato com as entrevistas, em especial na sua conversão para o texto defi nitivo.

Finalizando a obra de maneira destacável, Daphne Patai escreve em “Existe vida fora da história oral?” que o desafi o do pesquisador consiste em construir um conhecimento “multifocal, multidimensional, que não privilegie uma só metodologia, por mais sedutora que ela seja” (p. 174). Para além das entrevistas e transcrições, as análises histórica, política, social, econômica, entre outras áreas que se relacionam com a pesquisa, são essenciais para a construção de uma obra. A história oral não basta por si só; portanto, é mais uma metodologia que se complementa com outras formas de pesquisa. Finalmente, a autora destaca que a história oral, segundo sua visão, não necessariamente representa a voz dos oprimidos e nem deveria ser privilegiada com essa fi nalidade, pois, entre outros problemas, corre-se o risco de supervalorizar o papel e a capacidade de atuação do pesquisador.

Memória e diálogo, em seu conjunto, tem uma importância significativa por apontar os rumos da história oral atualmente no Brasil e no mundo, apresentando suas principais características como método de pesquisa. Além disso, por meio de textos de diversos autores, a obra problematiza posições consolidadas a respeito do método, em especial as posições que pretendem conceder à história oral um papel de disciplina acadêmica específica.

Outro fator de destaque é a capacidade de clarear a ideia de que a história oral pode ser feita e usada de diversas formas, para diversos fins e com diferentes temáticas de pesquisa, sem a pretensão e a necessidade de ser superior a outras formas de pesquisa, mas complementar.

Para além das questões metodológicas, a obra é rica por trazer à tona temáticas de discussão fundamentais para a Zona Leste da cidade de São Paulo, como os movimentos sociais, a universidade pública e sua localização, as questões emergentes locais, entre outras. Além disso, lança luz a algumas questões essenciais para a formação histórica e social da região, como a migração, a organização do espaço urbano e a industrialização.

Trata-se de um livro teórico e prático, ao mesmo tempo, conseguindo atingir diversos públicos e interesses, num todo coeso e de agradável leitura.

Uma vez que a história oral constitui-se como estudos sobre o tempo presente, seu uso para tratar dos problemas e desafios da Zona Leste foi muito bem aplicado.

Constituindo-se como leitura atualizada sobre os temas que se propõe a discutir, a obra atinge diversos públicos com interesses específicos. O primeiro deles compreende interessados na história da Zona Leste de São Paulo, em especial aqueles que trabalham com questões de imigração e formação social da região. Ao lado destes, historiadores interessados nas histórias de bairros e municípios, em especial na história da cidade de São Paulo, podem encontrar reflexões importantes. Um terceiro grupo para o qual a obra seria de grande utilidade é formado por pesquisadores, professores, alunos e comunidade da EACH-USP. Visto que a obra se propõe a discutir questões do ensino superior e da origem e construção da história da própria unidade, esses podem encontrar aqui pistas para compreender diferentes aspectos da realidade acadêmica da EACH e sua relação com o entorno.

Finalmente, o livro se destina a iniciantes e pesquisadores de história oral, pois apresenta interessantes debates e posicionamentos sobre o método, suas perspectivas, tendências e possíveis abordagens. É uma leitura importante para quem busca na história oral uma metodologia consistente e válida para pesquisas acadêmicas e extra-acadêmicas.

Rastros de histórias ou as Mortes de José Adelaide Gonçalves1 ALMEIDA, Nilton. Fortaleza Rebelde: cartografia das lutas dos trabalhadores ferroviários em Fortaleza. Fortaleza: Edições SECULT , 2012 História Oral, v. 1, n. 15, p. 255-260, jan.-jun. 2012 1 Professora do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará Um livro pode ser lido de muitos modos. Aqui, a sensibilidade do leitor vai destrinçando os fios da trama a partir dos fragmentos de uma memória da dor nos depoimentos de familiares, filhos, amigos e viúvas dos trabalhadores ferroviários. Observe‑se a dimensão dos textos testemunhais em seu propósito político e educativo: transmitir experiências coletivas da luta política, assim como os horrores da repressão, em um intento de indicar caminhos e marcar com força o ‘Nunca Mais’, como na arguta abordagem de Elizabeth Jelin. Veja‑se, inclusive, como este estudo pode suscitar seguidas reflexões sobre certas grandes ausências nas narrativas, como é o caso das mulheres. Num mundo do trabalho predominantemente masculino, elas terão assumido apenas os papéis prescritos: professoras, escriturárias, assistentes sociais? Na fotografia do III Congresso Nacional Sindical, em 1960, no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, numa tomada do palco e da lateral do auditório, muitos engravatados e de paletó, outros em mangas de camisa e nenhuma mulher.

Neste livro, uma diversa cartografia da cidade de Fortaleza. O autor esquadrinha a cidade em direção às estações do trem, aos bairros cortados pelos caminhos de ferro, aos espaços de confraternização e organização da classe, engenheiro Couto Fernandes, em 1919, o Olímpico Football Clube, pois os engenheiros estão sempre à espreita querendo em tudo mandar, até chegar ao Ferroviário, time oficial, da empresa. Mas a história prega peças aos desavisados; o time da empresa vira o Ferrim dos comunistas e anarquistas, da resistência coral proclamada: “nem guerra entre torcidas, nem paz entre classes”; “nada diminui nossa paixão incendiária, ferroviário, orgulho da classe operária”. O Ferrão com seu grito e seu hino.

A alegria das lembranças é fato notável neste livro. Quando a memória é acionada para lembrar as invenções da política da classe, é com alegria que se lembra a força da novidade do Pacto Sindical no final dos anos 1950.

“Era um movimento bonito e animado”, no dizer de Zé Leandro. A luta era bonita e alegre! Era o tempo dos meetings, dos comicios‑monstro entoando os hinos do Jataí e dando vivas ao Partidão. Como atestam os instantâneos, registrando na fotografia uma celebração coletiva da vitória da classe, até ontem em pé de guerra, no dizer da manchete em vermelho do jornal Unitário, na greve do “fora Humberto Moura”, em 1961: piquetes, dormentes dos trilhos e blocos de cimento virando barricadas, carros de rodas para cima, barraca da resistência; na capital e no interior, como se vê nas fotografias em frente à oficina do Urubu, em Sobral ou no Ipu. Fotografias de gente no plural, encenando os coletivos e a coreografia da luta social.

Aliás, o sentido da luta como festa redentora é recuperado em outras passagens deste estudo. É de se ver a camaradagem, a conversa entre iguais e o dizer‑de‑tudo dos ferroviários ali no bar pertinho do sindicato, espécie de território livre, onde se encontravam e de tudo falavam. Nesse convívio, até os apelidos – o Cajarana, o Catita, o Caboclinho, o Sol Quente, o Sereno, o Macarrão – são os sinais da camaradagem atualizando as conversas. Dali, saíam confiantes para inventar as coreografias do protesto narradas neste livro. Passeatas contra a carestia, de solidariedade aos bancários e estudantes.

É de se imaginar a beleza dos braços dados acompanhando o vozeirão de José Jatahy e o som da radiadora tocando um hino de classe dos ferroviários.

A letra é luminosa, alvissareira, confiante e esperançosa. Num lampejo de memória, o Sereno diz que aquilo era uma época diferente… Era a maior festa… Bastava um grito: pára o trem! E pronto, a greve estava na praça, na rua. Aliás, a greve é rememorada como uma grande festa: da liberdade, do não ao patrão, de quando o trabalhador se manifesta, dá vazão a todo seu sentimento, como na recordação de Batistinha. Afinal, o aprendizado das greves desde os finais do oitocentos aumenta nos começos do novo século.

Ferroviários, marítimos, portuários e o “pessoal agrícola” do Chico Julião mobilizavam‑se em busca de direitos.

Em busca de direitos denegados. É outro mote deste livro. As tricas e futricas da política local emergem neste estudo por dentro das situações de impasse entre a organização dos trabalhadores ferroviários e a direção da RVC. Em alguns casos, a narrativa encaminha o leitor para uma história à maneira de “queda de braço”, como se vê no malogrado episódio da demissão do engenheiro José Walter. Era chegado o golpe civil‑militar. Tempos difíceis e cinzentos. Acabou a festa. Intervenção, demissão, perseguição, prisão. O vocabulário é outro. A desmesura do arbítrio não tem limite: os ferroviários mais à frente das lutas sindicais são proibidos até de passar por perto da empresa. E se pegos andando na estação central, cadeia neles! É a ordem do doutor engenheiro. A vida mudou demais para esses trabalhadores e suas famílias. Casas invadidas, perseguições, prisões, demissões, o cárcere, a vida virada de ponta‑cabeca. O controle, a vigilância, “os alcaguetes estavam por todo lado: disfarçados e traiçoeiros”.

Por dentro desta narrativa emergem outras histórias dos militantes comunistas e de suas vivências no Partidão. Uma visada retrospectiva parece tudo compreender. Mas, bem vistas as coisas, não é assim. Para alguns militantes, a memória traz de volta uma história atribulada, lembrada com algum travo, de divergências, sectarismos, uma linha justa tirada lá em cima, no comitê central. Para outros, é uma história de autoesclarecimento, de aprender a ler, de estudar nas horas vagas para mostrar o valor da classe, de se tornar “jornalista da classe”. Aliás, este livro traz boas passagens para a história do jornalismo no Ceará. E do jornalismo da militância comunista, como aquele praticado por Jonas Daniel em franco combate à ditadura, fazendo funcionar em Croatá uma tipografia, melhor dizer, um mimeografo elétrico adaptado à função manual, donde saía o Voz Operária, a Estudos e Mundo em Revista e, de quebra, uns quantos panfletos, pois a luta também se travava por impresso. Sobre o fato, o jornal O POVO estampa, em abril de 1973: Imprensa comunista desmantelada no Ceará. A notícia, ao modo do jargão policial, indica os “elementos” presos e se fica sabendo que desmantelar é literal, levar tudo: máquina impressora, grampeador industrial, aparelhagem de fundição de chumbo, guilhotina, clichês, latas de tinta – e prender os ‘subversivos’. Rememorando aquele tempo, Dona Nazareth, viúva de Jonas Daniel, é daquelas que “viveu para contar”, e sua memória tem saudades e é alegre: terá valido a (a)ventura de ser comunista. Como é o caso também de Caboclinho Farias. Perguntado como se tornara comunista, responde depressa: por meio da leitura! A comprovar o dito, o processo na polícia traz o rol de sua literatura de formação: desde o manifesto comunista, compêndios de história, manuais de difusão do marxismo‑leninismo, boletins, até recuerdos de suas viagens militantes. Outras boas histórias de dedicados militantes comunistas: Mascarenhas, Zé Maria, Graciano, José Elias, Anário, Zé Duarte, entre tantos, em sua peleja até na cadeia! Este livro nos dá a pensar também sobre o capítulo da história da destruição dos livros nas ditaduras. Esse episódio terrível deve ser contado.

Terá sido uma hora de muita aflição, quando se sabia acuado pela repressão, enterrar ou queimar os livrinhos. Já os meganhas, quando chegam – e a qualquer hora – vão direto aos livros! Livro é prova do crime de pensar. A comprovar essa sanha contra a palavra impressa, estão aí os processos com extenso rol de livros. A ditadura prende os livros, confisca o pensamento, esse um capítulo de grande significado na história social da interdição do livro e da leitura.

Este livro‑documento terá cumprido largamente a tarefa abraçada desde o início da intenção de pesquisa. Tentar juntar os pedaços da história do ferroviário José Nobre Parente, 37 anos, preso, mantido incomunicável, assassinado na prisão. José perdeu a vida duas ou mais vezes: assassinado na prisão e apagado dos registros das vítimas da ditadura civil‑militar – seu processo na Comissão é parcamente documentado. Perde a vida e a memória é chafurdada. Dele se diz: fraco do juízo, é um suicida. Macabra e porca história tantas vezes falsificada nos prontuários de polícia. José, Manoel, Vladimir terão sido – e continuam sendo – as vítimas da tortura. Esse o nome do bicho, sobre o qual pesam os espessos silêncios convenientes da autoridade policial e o esquecimento deliberado e cúmplice da imprensa local. Amnésia e anistia. Quem matou José? É a pergunta que se faz o jornalista e historiador Nilton Almeida. Pinça da manchete de Última Hora, do jornalismo dissidente, constituindo esses desvãos de memórias persistentemente ocultadas e contrastando versões impressas dos terríveis atos da ditadura. Neste ponto, no âmbito do direito à memória, é de se proclamar a necessidade urgente de amplo inventário e divulgação de fontes do acervo dos documentos da polícia política do Ceará, o acervo do DOPS, sob a guarda do Arquivo Público do Estado do Ceará.

Este livro é trabalho meticuloso de um sincero historiador. Comprometido com a faina do ofício, Nilton Almeida tem no arquivo uma oficina e entende a escrita da história como prática laboriosa de desmontar versões oficialmente arranjadas sobre episódios e personagens, nomeadamente esses “notáveis” que nomeiam bairros, avenidas, logradouros, retirando de sua ação sobre os tempos e lugares os conteúdos do arbítrio, da repressão, do mando. Também é esforço bastante bem realizado de sair dos trilhos da história institucional da estrada de ferro em busca das outras histórias dos trabalhadores, de suas famílias, de seu jeito de viver e de aprender a soletrar as palavras da luta social. É também um respeitoso exercício de escuta das memórias do silêncio ou dos papéis oficiais, em particular, das mulheres‑viuvas, algumas de maridos mortos‑vivos. Mulheres que, às vezes, se acostumaram a andar de olhos baixos para não ver o dedo apontando o estigma do marido preso pelo crime de ser comunista.

André Bortolazzo Correr – Mestrando em Estudos Culturais pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Grupo de Estudo e Pesquisa em História Oral e Memória (Gephom). História Oral, v. 18, n. 1, p. 241-246, jan./jun. 2015.