Esquizohistoria: la Historia que se enseña en la escuela, la que preocupa a los historiadores y una renovación posible de la historia escolar | Gonzalo de Amézola

A obra Esquizohistoria faz parte da linha “Formación Docente” da Ediciones del Zorzal, uma nova editora argentina que tem centrado seu trabalho exatamente na área de atualização e formação dos professores das diversas áreas das disciplinas escolares. O título decorre de um artigo da década de 1990 publicado por Amézola juntamente com Ana Barleta, no primeiro número da revista Entrepasados, que hoje se caracteriza como uma das mais importantes revistas de história na Argentina. Esse artigo foi motivado pela magnitude das diferenças e contradições entre a visão do passado que os jovens ingressantes na Universidade de La Plata traziam do ensino médio, a que viam durante o curso e, de volta, a que deveriam enfrentar novamente com o planejamento para as atividades de estágio nas escolas. Amézola aponta que não se trata de erudição ou não, mas de natureza da história em cada âmbito, dentro de um processo de contínuo afastamento. O que explica esse espaço crescente entre a história na universidade e na escola é que “história acadêmica” tornou-se conhecimento especializado, e a escola sedimentou sua forma própria de conceber e de ensinar história, o que praticamente bloqueia a inovação com seus preceitos. Os termos esquizohistoria e historiofrenia indicam que essa fratura entre as histórias assumia e continua assumindo uma característica patológica, mesmo passados mais de dez anos entre aquele artigo e este livro. Mudaram radicalmente as características institucionais da educação argentina, mas permanece, todavia, a incerteza do valor educativo da história que se estuda na escola.

A primeira questão que cumpre responder é sobre o interesse da obra para os historiadores não argentinos, especialmente os historiadores brasileiros interessados nas questões relativas ao ensino de História. O motivo mais imediato é a comparação de experiências históricas e temas atuais na área entre Brasil e Argentina, que a obra permite largamente, e que a realidade demanda de maneira cada vez mais intensa no contexto da integração cultural motivada pelo Mercosul, bem como pela integração latino-americana mais ampla.

A obra permite também a identificação das formas pelas quais os colegas argentinos equacionaram ou vêm equacionando problemas educacionais ou teóricos dentro de suas fronteiras, mas que na realidade são problemas comuns. Nessa vertente, poderemos talvez nos beneficiar da experiência já desenvolvida no enfrentamento daqueles problemas comuns, por caminhos distintos dos que viemos tentando ao longo do tempo.

Outro fator que torna o livro interessante para a comunidade de história no Brasil é o fato de permitir o conhecimento da bibliografia com a qual os colegas argentinos equacionam algumas das suas questões de interesse, que em alguns pontos são relativamente novas para nós, e em outros são velhas questões da reflexão didática da história tal como se realiza no Brasil, mas por outros caminhos e com outros autores. Esse conhecimento mútuo, que em muitos casos ainda está totalmente por fazer, tem grande potencial para impulsionar a pesquisa e a reflexão teórica e didática, assim como as contribuições dos pesquisadores à escola.

O livro está estruturado em duas partes. A primeira traça um histórico que permite vislumbrar como se refletiu na escola a visão dos historiadores da segunda metade do século XIX (ou como se constrói o que se pode chamar hoje de tradição do ensino de História). Se essa parte é útil ao professor de história argentino por ajudar a apreender a historicidade do seu métier, para o professor de história brasileiro e/ou pesquisador brasileiro do ensino de história, a narrativa desse percurso permite, além de conhecer melhor a experiência do país vizinho, ir reconhecendo e colecionando elementos que começam a sugerir universais do fenômeno social que é o ensino escolar da história, para além da especificidade das histórias particulares.

A segunda parte do livro é composta por um panorama crítico das alternativas de mudança para que a história no ensino médio se torne mais significativa. No final das contas, o desenho do problema central da obra é dado pelo esquadrinhamento e presença constante da diferença de natureza, ritmo e até mesmo de objeto entre a história ensinada e a pesquisada institucionalmente hoje, final de uma trajetória cujo início é marcado por uma quase identidade entre a história acadêmica e a história escolar.

Como se estabeleceu na escola uma visão de história tão resistente às inovações? Ao buscar as respostas a esse problema, Amézola indica as considerações de dois pesquisadores, Cuesta Fernández, que aporta o conceito-chave de “código disciplinar” a partir da história social da cultura, e Pilar Maestro, cuja análise ocorre a partir da teoria da historiografia e de sua relação com aspectos psico-cognitivos e traz a reflexão sobre a grande influência das histórias gerais de construção de narrativas nacionalistas no século XIX para a criação de uma forma curricular para a história em diversos âmbitos educativos. Para Maestro, esse momento estabelece uma imagem tão forte da história e da nação – além do próprio conceito de história – que permanece marcada no imaginário coletivo. A primeira parte do livro é dedicada a testar essas teorias – desenvolvidas para o caso espanhol – na história argentina do ensino de História.

Depreende-se que, para o autor, a história do ensino de História na Argentina é periodizada de forma própria, ainda que seja balizada por alguns dos marcos da história política. Do surgimento da Argentina em 1810/1815 até 1930, temos o período de constituição da disciplina (pois lá, como aqui, a criação da disciplina escolar coincide com a criação da disciplina científica) e de seu conteúdo, que poderia ser intitulado como “organização do panteão dos heróis”. Outro período delimitado por Amézola vai de 1930 a 1955, marcado pelo nacionalismo e pelo peronismo. É a conformação do início de um combate pela história, revisionista, no qual os nacionalistas recuperam a imagem de Juan Manuel de Rosas e o incorporam ao panteão de heróis nacionais. Perón, aliás, tratou inicialmente de associar sua imagem à de Sarmiento, e no período posterior, de 1955 (queda de Perón) a 1976, a “desperonização” da educação teve como uma de suas marcas a associação de Perón a Rosas, caracterizando seu período como “segunda tirania”. Nesse período, Amézola identifica o incremento da velocidade de distanciamento entre a história escolar e a história acadêmica. O outro período é o da segunda ditadura militar e da redemocratização, de 1976 a 1993 (ano da reforma educativa que institui os Contenidos Basicos Comunes), em que a psicologia cognitiva passa a ter um papel de peso na definição da história na escola. O período atual, por sua vez, é marcado pela reforma de 1993 e a intenção – não tão bem-sucedida – de aproximar ambas as histórias.

A segunda parte do livro dedica-se a apontar os principais temas da discussão do ensino de História na Argentina, que constituem as várias frentes a partir das quais se procura aproximar um pouco mais a história pesquisada e a história ensinada.

Amézola cita Zavala (Uruguai), Finocchio e Lanza (Argentina) para demonstrar que hoje o conhecimento escolar no campo da história é um conhecimento à parte, composto de diversas fontes, e que as formas de promovê-lo em sala de aula são distintas, com predomínio de uma perspectiva positivista, complementada por um olhar idealista, com raros matizes de uma abordagem hipotético-dedutiva.

O autor coteja o tema do ensino de história com as proposições da psicologia e da pedagogia, opondo assim os graduados em história a pedagogos e psicólogos no enfrentamento das questões do ensino de história. Sem desprezar suas contribuições, reivindica o espaço do historiador no debate educativo, já que esse profissional é quem tem o domínio da matéria, sem o que as inovações técnicas ficam no vazio ou reforçam objetivos e práticas educativas já superadas epistemologicamente no campo da história e das ciências humanas.

Nessa chave interpretativa, o autor percorre as discussões sobre o ensino e a operação com os conceitos de tempo e espaço; a periodização; a complexidade do tempo histórico; os sujeitos históricos; sobre o que se busca com o ensino – “saber história” ou “saber historiar” -, e assim aborda o tema dos conteúdos procedimentais.

Com o debate dos conteúdos procedimentais, Amézola constrói o encerramento da obra, considerando o malefício que é a “procedimentalização” do ensino de história quando ocorre sem um profundo conhecimento da disciplina. Oferece ao professor-leitor uma sugestão de encaminhamento didático em que se aplica a construção do conhecimento histórico, atendendo, assim, à demanda pelos conteúdos procedimentais, sem perder de vista a complexidade do tempo histórico e das demandas epistemológicas contemporâneas da disciplina. Afinal, por mais que se distanciem pesquisa e ensino, continuam sendo essas as balizas comuns do trabalho de historiadores-professores ou professores-historiadores. Lidar com essa relação entre a história que se pesquisa e a história que se ensina, relação que para o autor chega às raias da patologia, é o desafio cotidiano desses profissionais.

Luis Fernando Cerri. Professor do Departamento de História e do Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Rua Conrado Schiffer, 60, bl. 4, ap. 304 – Vila Estrela. 84050-280 Ponta Grossa – PR – Brasil. [email protected].


AMÉZOLA, Gonzalo de. Esquizohistoria: la Historia que se enseña en la escuela, la que preocupa a los historiadores y una renovación posible de la historia escolar. Buenos Aires: Libros del Zorzal, 2008. Resenha de: CERRI, Luis Fernando. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.29, no.57, JUN. 2009. Acessar publicação original [IF].

História do ensino da história no Brasil – MATTOS (HE)

MATTOS, Ilmar Rohloff (org.). História do ensino da história no Brasil. Rio de Janeiro: Acess, 1998. Resenha de: CERRI, Luis Fernando. História & Ensino, Londrina, v. 8, p. 151-156, out. 2002.

Afirmamos continuamente que não há assunto que não possa ser melhor compreendido com o recurso à História. Este é um dos argumentos centrais para a manutenção da História como disciplina escolar, e das graduações em História; por que não deveria valer também para o próprio estudo da disciplina? Com esta perspectiva, Ilmar de Mattos organiza a apresentação de trabalhos de pesquisa de profissionais com diferentes formações e diferentes situações na carreira acadêmica, o que não desiguala o nível da contribuição de cada um dis trabalhos elencados (produzidos por profissionais ligados ao Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Com isso, a principal contribuição coletânea é uma reflexão séria e empenhada sobre o que foi o ensino de História no Brasil durante o império e até meados do século vinte, que possibilita pensar as teorias, metodologias e práticas que hoje se discute e que se no normatiza, debate acadêmico e na legislação.

A obra dá seqüência a uma perspectiva de retomada da História da disciplina, que tem expoentes nos nomes de Elza Nadai, Kátia Abud e Circe Bittencourt, entre outros(as). Mas a coletânea organizada por Mattos distingue-se e avança, pois traz ao público trabalhos que aprofundam os contextos competentemente reconstituídos pelas pesquisas anteriores, esmiuçando obras, autores, instituições e influências que pesaram sobre o quadro atual da disciplina escolar em questão.

A coletânea é aberta por Kaori Kodama, que retoma as variadas considerações da historiografia sobre o texto de Von Martius (“Como se deve escrever a história do Brasil”) c sobre o papel do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro no processo de constituição e de viabilização do ensino da história nacional na primeira metade do século XIX, com especial destaque para os preconceitos raciais que aí se inscrevem e que até hoje demandam combate incessante, não por serem explicitamente assumidos, mas por Imiscuírem-se em informações, explicações e posturas consagradas no ensino da história nacional.

Selma Rinaldi de Mattos abre uma importante seara, analisando os manuais de história produzidos pelo consagrado escritor Joaquim Manoel de Macedo. estabelecendo uma ponte necessária entre a literatura e a história mergulhadas no mesmo ambiente do nacionalismo romântico que esteve presente na constituição cultural da nação, concomitante à sua construção em outras áreas como a diplomática, política e econômica, protagonizada pelo Estado surgido em 1822. A autora dá destaque ao componente aristocrático presente no projeto político e conseqüentemente na obra pedagógica de Macedo, que para a autora é o primeiro que dá a feição de manual didático à história lida por Varnhagen no clássico “História Geral do Brasil”.

O texto de Patrícia Santos Hansen traz um recorte cronológico posterior, que enfoca a reconstrução da disciplina sob novos princípios político, na implantação da República, por meio da análise da obra de João Ribeiro, autor de livro didático adotado pelo Colégio Pedro 11 no período. Para Hansen, João Ribeiro indica, em sua obra, uma ruptura com “a concepção de história vigente”, isto é, aquela consagrada durante o império, colocando-nos diante de um caso importante para a compreensão dos processos de confronto de perspectivas historiográficas e pedagógicas no ensino da história, do qual podem ser levantadas algumas reflexões, sobretudo referentes às permanências e às continuidades entre propostas que se confrontam.

Luiz Rcsnik narra e discute um outro processo de confronto de concepções sobre o ensino de História, num outro momento político nacional. Trata-se do debate sobre a autonomização ou não da História do Brasil em relação à História Geral ou da Civilização, que teve lugar no início da década de 1930. Neste momento permanecem as afirmações, nas obras de autores consagrados e nas orientações legais ou oficiais, sobre o papel central do ensino de História na formação do sentimento patriótico do cidadão. O diferencial neste momento é o debate sobre o método e sobre o tratamento do conteúdo (memorização dos fatos x compreensão e raciocínio sobre a História), colocado principalmente pela influência da Escola Nova. Para os partidários desta vertente educacional, grosso modo, o ensino da história nacional o reforço das diferenças e das rivalidades internacionais; para o IHGB, entretanto, esse ensino era imprescindível para garantir aos brasileiros o assumir da vocação de cidadãos de um país destinado à grandeza. Sustentada no governo federal, esta proposta sai vitoriosa, e acaba transformando-se numa importante ferramenta política do Estado Novo.

Neste ponto da coletânea é que podemos começar a reconhecer mais claramente alguns traços das propostas contemporâneas, que equivocada e apressadamente acabamos por chamar de “novas”, referentes por exemplo ao papel ativo do aluno no processo pedagógico, ao espaço para outras abordagens da história para além do político e do factuaL Essas “novidades” são contemporâneas à criação da Revista Annales, do que se deduz a inadequação das abordagens que lêem na influência desta vertente sobre a historiografia e o ensino de história no Brasil a raiz das propostas alternativas atuais.

Essas reflexões podem ser continuadas para os dois textos seguintes, que tratam do período que precede e inclui os primeiros tempos do regime militar. Neles, Daniel Mesquita Pereira (utilizando como fonte o Boletim de História Faculdade Nacional de Filosofia) e Francisco José Calazans Falcon (num depoimento na condição de docente da mesma faculdade neste período) dotam o leitor de informações e considerações sobre o debate da História e seu ensino neste momento e nesta instituição.

Ao final da leitura, a impressão que se tem lembra a tese de Amo Mayer (em A Força da Tradição, Cia. Das Letras), para o qual, os antigos regimes europeus mantêm sua força e disposição de determinar a história pelo menos até a Primeira Guerra Mundial, permanecendo, resistindo com sucesso às forças burguesas, urbanizantes, republicanas. Mayer destaca a sedução exercida pela nobreza sobre a burguesia, destacando que, mais que suprimir a primeira, a segunda almejava atingir o seu status, o que levou a uma simbiose entre ambas na maior parte da Europa, ao contrário do que se pensa ao reduzir a análise a nações às quais historicamente se deu maior destaque.

Esta impressão impõe-se pela similaridade que é possíve1 encontrar entre as afirmaçôes que se faz  incansavelmente hoje sobre os parâmetros hodiernos de qualidade do ensino da história, cujos princípios estavam delineados na década de 20, sendo suprimidos no Estado Novo, reafirmados na democratização nos anos 50 e 60, novamente suprimidos pelas reformas educacionais do regime militar, e novamente afirmados na redemocratização nos anos 80 e 90, desta vez aparecendo como “novo” ou “renovado”. Para usar estes termos, mostra-nos a obra, é preciso considerar a tradição quase secular do “novo” (uma contradição em termos), em relacionamento de longa data de confronto com o “tradicional”, o arcaico, muitas vezes incorretamente chamado de positivista. A conclusão, enfim, é que o ensino de História hoje tem diante de si alternativas que não podem ser tratadas a partir de um critério temporal (novo, inovador x tradicional), mas que precisam ser recuperadas em sua longa duração, em seu embasamento teórico e filosófico que atravessa o tempo e engloba vários séculos.

Por Luis Fernando Cerri – Doutor em Educação (Metodologia do Ensino), professor do DEHIS Universidade Estadual de Ponta Grossa [email protected]

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Colônia e nativismo: a história como “biografia da nação” | Rogério Forastiere da Silva

Uma essência nacional que esteja presente qualquer que seja a situação histórica do Brasil, no passado, no presente e no futuro: essa é a base do pensamento nacionalista construído a partir de cima, usuário da história e de seu ensino para fazer-se presente na memória coletiva. Isso fica claro – exemplo banal, mas com o mérito de ser contemporâneo – na propaganda da Rede Globo para as comemorações dos 500 anos do descobrimento, que não são chamadas dessa maneira. Diversamente, o locutor não se cansa de repetir todos os dias: faltam tantos dias para os 500 anos do Brasil. Não do descobrimento ou do que lhe equivalha. Sem outras palavras, a história que aí se ensina pondera que o Brasil é um ente trazido definitivamente à luz por Cabral e que, a partir daí, existe de forma cada vez mais completa e complexa, alcançando-nos no presente.

Esse olhar sobre a história nacional toma o seu objeto central, a nação, como um corpo, como um sujeito no tempo: existe potencialmente no passado como um embrião, nasce com a chegada dos portugueses à costa, emancipa-se com a Independência e alcança a maturidade num passado bem recente. Segundo Forastieri da Silva, a partir de Antonio Gramsci, essa é a perspectiva que lê a história como biografia da nação, como se a mesma fosse uma vontade ou um desígnio homogêneo, e por isso silencia todos os eventos em que essa unidade é posta à prova. Silencia ou integra, modificando o seu sentido e integrando-o a uma marcha em que tudo conduz, inexoravelmente, para o que há hoje. Leia Mais

História e prática: a pesquisa em sala de aula / André Joanilho

A Proposta Curricular para o Ensino de História, lançada sob responsabilidade da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, em 1992, tem gerado inúmeras controvérsias, desde o seu surgimento até sua aplicação -ou não -nas escolas públicas paulistas. É no contexto de sedimentação desses debates que surge o livro de André Luiz Joanilho (Mercado de Letras, 1996), que propõe a realização de uma a análise crítica da “Proposta” (como ficou conhecida entre os professores). Para tanto, circunda esta análise com uma reflexão sobre os mecanismos de funcionamento da instituição escolar, a política educacional do governo paulista e uma proposta de metodologia para viabilização da Proposta através do trabalho com projeto de pesquisa em sala de aula. É preciso lembrar que este novo currículo surge no contexto em que o govemo peemedebista estava implantando o projeto “Escola-Padrão”, derivando disto, muitas vezes, uma interpenetração das críticas tecidas sobre os dois assuntos.

O núcleo da obra, portanto, é a crítica da Proposta Curricular, no que o autor segue o comentário geral entre os profissionais aos quais pediu-se a sua implantação: a proposta é teoricamente boa, bem elaborada, mas na prática é de difícil -senão impossível aplicação. Para reforçar esta tese, Joanilho elenca o comodismo sistemático dos corpos docente e discente, viciados nas metodologias tradicionais e no livro didático, a estrutura da escola em si, os graves problemas de formação da maioria dos professores de história, a descontinuidade e má qualidade dos cursos de aperfeiçoamento e materiais de complementação pedagógica lançados pela Secretaria da Educação.

A questão central é o jogo entre o ideal e o real, e as conseqüências da aplicação de um bom princípio teórico Joanilho afirma que sua crítica é externa, e não interna numa realidade educacional que muito deixa a desejar. Invertendo a ordem dessa problemática, poderíamos perguntar se faz sentido lançar propostas que não ultrapassem a situação dada, sejam plenamente factíveis e, conseqüentemente, não introduzam mudanças.

Para Joanilho, a flexibilidade da Proposta traz duas ordens de problemas. Em primeiro lugar, o professor, fragilizado em sua formação e em suas condições de trabalho, sente-se perdido e inseguro perante a responsabilidade de criar os próprios materiais e conduzir a ordem dos conteúdos. Por outro lado, essa flexibilidade (que o autor chama de lacunas) , perante a situação discutida acima, traz o risco de que a aplicação do novo currículo não altere nada ou pior, que crie incoerências e que caia no senso comum, prestando um desserviço à causa do aperfeiçoamento e adequação do ensino de história às novas vertentes teóricas e metodológicas. A isso, seria preferível a coerência dos currículos tradicionais.

A ingenuidade da Proposta estaria em crer que a organização em torno de temas, em substituição à linearidade dos conteúdos, seria capaz de induzir o profissional a uma nova abordagem prática em sala. Faltaria, então, um recheio de orientações, critérios, dicas, material, enfim, uma normatização. Todavia, uma concepção de proposta inovadora que preferisse cercar todas as possibilidades e fornecer todo o material a ser trabalhado acabaria por passar longe das pretensões de construção crítica do conhecimento, de abertura à pluralidade de visões, de valorização do professor enquanto profissonal competente. Não seria “Proposta”, mas a imposição que acabou ocorrendo pelo seu mal uso nos corredores da burocracia, fazendo com que a inovação pendesse, nas escolas, como ameaça sobre a cabeça dos menos avisados.

Joanilho acaba cobrando da Proposta responsabilidades que não cabem a ela: seu papel, antes de mais nada, é sugerir, colocar ideais e questionamentos, introduzir uma crise de crescimento no seio do professorado, deixando evidentes as deficiências para que

o corpo docente sinta a necessidade de aperfeiçoamento e cobre isso dos órgãos competentes. Faltam critérios, claras orientações metodológicas, e até mesmo material para ser utilizado, afirma; não há, apesar da competência e boa vontade de seus elaboradores, verdadeira intenção de que os objetivos sejam atingidos (protegida pela falsificação do marketing, a política educacional sabotaria a si mesma).

Ao analisar os mecanismos de funcionamento da escola, Joanilho explica, pelos mesmos, as “deficiências” da Proposta: o objetivo das reformas introduzidas pela escola padrão não é criar o aluno crítico e com formação humanística, mas sim produzir trabalhadores semiqualificados que preencham imediatamente o mercado de trabalho ou que ingressem nas universidades pagas, de qualidade duvidosa. Daí aparecer como extremamente oportuna a defasagem não resolvida entre a teoria da proposta e a prática manca das salas de aula. As incompetências do professor são deliberadas -premeditadamente, ao que parece e mantidas de forma a garantir que a proposta não funcione. Esta visão pessimista da instituição escolar não leva em conta sua heterogeneidade nem a presença marcante das subjetividades no processo, ou o dado de que aproximadamente 40% dos alunos da Unicamp, por exemplo, são egressos da escola pública (Jornal da Unicamp, jul./96, p. 2). A abordagem da escola como fábrica de um tipo especial de mais-valia, comprova esta perspectiva da qual o autor lança mão para sua crítica.

Para Joanilho, a “aplicação da Proposta pura e simples” resulta em aberração, em um ensino incoerente e improdutivo. Mas a Proposta não está de todo perdida. Guardadas as advertências, bem como as suas sugestões metodológicas apresentadas (projeto de pesquisa em sala de aula), que visam atender à lacuna que foi deixada, é possível quebrar a ordem estabelecida pela política educacional paulista e fazer o oposto do que era esperado: fazer com que a Proposta funcione ( !). Não é mais do que desejamos todos nós, comprometidos com o processo de aperfeiçoamento do ensino de história. E as contribuições são sempre bem vindas: a Proposta é estruturalmente aberta a elas.

Luis Fernando Cerri – Professor do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino Universidade Est. de Ponta Grossa-PR.


JOANILHO, André L. História e prática: a pesquisa em sala de aula. São Paulo: Mercado de Letras, 1996. Resenha de: CERRI, Luis Fernando. História & Ensino, Londrina, v.3, p.123-125, abr. 1997. Acessar publicação original .[IF]