Memórias da Violência Colonial: reconhecimentos do passado e lutas pelo futuro / Estudos Ibero-Americanos / 2019

Memórias da Violência Colonial: reconhecimentos do passado e lutas pelo futuro*

O crescente interesse sobre a memória dos colonialismos tem tornado cada vez mais evidente a necessidade de se confrontarem os legados das violências instauradas pelos impérios modernos. Nesse sentido, este dossiê reúne artigos que contribuem para uma reflexão sobre a atualidade do passado colonial português em uma perspectiva que privilegia o peso das heranças da violência colonial. Pretende-se, por um lado, avaliar uma realidade social invadida pelas implicações das lógicas que instauraram genocídios, escravidões, elisão de culturas ancestrais, guerras coloniais, deslocamentos, trabalhos forçados e todo um rol de opressões quotidianamente reiteradas. Por outro lado, pretende-se reconhecer de que modo o presente é também, e significativamente, o resultado de resistências e lutas anticoloniais que, inscritas historicamente, contribuíram para o fim do colonialismo político e que legaram ao tempo presente inspiradoras narrativas de dignidade humana. É esse o sentido mais amplo dos artigos aqui reunidos.

Em “As múltiplas vidas de Batepá: memórias de um massacre colonial em São Tomé e Príncipe (1953-2018)”, Inês Nascimento Rodrigues examina as reverberações memoriais produzidas por um evento disruptivo ocorrido na ilha de São Tomé em fevereiro de 1953, quando um número indeterminado de são-tomenses foi massacrado a mando do poder colonial. Posteriormente conhecido como o “Massacre de Batepá”, ele viria a transformar-se em um marco paradigmático da violência, mas também em um dia comemorativo que, a partir de 1975, permitirá conectar o imaginário de sofrimento e resistência ao colonialismo com a legitimação da nova nação independente. A autora analisa diacronicamente as três vidas do “Massacre de Batepá”, mostrando como a sua evocação é sensível a mudanças políticas e socioculturais e como o evento se mantém em uma relação espectral com o percurso pós-colonial da nação são-tomense.

Rosa Cabecinhas, por seu turno, compara representações sociais sobre o passado colonial em Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e Timor Leste. Socorrendo-se do conceito de Mia Couto de “luso(a)fonias” – implicitamente denunciador de desencontros entre antigos países colonizadores e colonizados e recorrendo a uma noção como a de lusofonia, ela própria problemática nas suas emanações neocoloniais –, a autora analisa um amplo conjunto de dados que denotam diferenças substanciais no modo como se caracterizam e valorizam as histórias nacionais ligadas a um “passado comum” colonial. Não obstante as diferenças de percepção detetadas entre os jovens participantes nos estudos, denota-se uma distinção essencial entre os participantes portugueses, que de forma dominante referem-se positivamente ao passado dos “Descobrimentos” e secundarizam a violência colonial e os jovens dos países africanos, que valorizam as lutas de libertação e tendem a visibilizar o peso e o carácter desestruturante dos modos de violência intrínsecos à experiência colonial.

No texto de Clodomir Cordeiro Matos Júnior, “A perspectiva das vítimas e a teoria social contemporânea: entre memórias do passado e futuros alternativos”, é explorada a centralidade da figura da vítima para a compreensão da violência colonial. Nessa perspectiva, a partir das contribuições de Enrique Dussel, Aníbal Quijano e Boaventura de Sousa Santos, o autor procura aprofundar a importância do processo de reconhecimento das vítimas do colonialismo na produção de uma teoria social comprometida com a superação de políticas de esquecimento. Debruçandose sobre as críticas que envolvem a versão eurocêntrica e hegemônica da Modernidade (DUSSEL, 1993), as heranças materiais e subjetivas dos arranjos coloniais (QUIJANO, 2005) e as possibilidades das Epistemologias do Sul (SANTOS, 2018), o artigo faz emergir o reconhecimento da figura da vítima e suas experiências dentro de processos significativos para a validação de memórias silenciadas e a imaginação de futuros impensados.

Em “Escrita e cicatriz: da colonização à prisão”, de Ivete Walty, são colocadas em diálogo algumas imagens da série Cicatriz, de Rosângela Rennó, com a escrita de / sobre a prisão em diferentes momentos da história da literatura brasileira, à luz do conceito de colonização em seu sentido lato, em relação com os conceitos de biopolítica (Foucault) e necropolítica (Mbembe). Representando momentos ditatoriais diversos, a autora analisa, sob o enfoque da imagem da cicatriz / tatuagem associada à da escrita, cenas de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos (1954), Cartas da Prisão (1977), O canto na fogueira (1977) e Batismo de Sangue (2006), de Frei Betto, para além da trilogia de Luis Alberto Mendes: Memórias de um sobrevivente (2001), Às cegas (2005) e Confissões de um homem livre (2015).

No artigo “Existências deslocadas pelo colonialismo e pela guerra”, Fátima da Cruz Rodrigues toma como pano de fundo a experiência da guerra colonial combatida, entre 1961 e 1974, pelo Estado português e por movimentos de libertação africanos. Depois de uma guerra, os que lhe sobrevivem têm de se reconstruir e de recompor as suas vidas em articulação com a realidade que o fim do conflito inaugura. É de algumas dessas heranças que trata esse texto que apresenta uma reflexão sobre a forma como a guerra colonial interferiu nas existências de antigos combatentes africanos que integraram as Forças Armadas Portuguesas (FAP) e que passaram a residir em Portugal após a libertação dos territórios onde nasceram. Com base em um trabalho de pesquisa de caracter qualitativo, com recurso a histórias de vida, reconstroem-se os percursos de alguns desses homens e procura-se perceber o sentido que os mesmos atribuíram às suas existências marcadas por descontinuidades e momentos particularmente fraturantes no que toca a construção dos seus projetos de vida. Nesse texto, caracterizam-se os diversos tipos de percursos que resultaram dessa análise, bem como os principais eixos discursivos que esses homens mobilizaram para justificar as diversas opções tomadas. A análise desses percursos e discursos permitiu, por sua vez, interpelar a problemática da construção de identidades marcadas por descontinuidades e por posicionamentos múltiplos, ambíguos e aparentemente contraditórios.

Este volume conta ainda com uma detalhada entrevista a Mustafah Dhada, professor na California State University e um estudioso da violência colonial no Império português. Percorremos, nessa entrevista, aspectos relacionados com o seu último livro sobre o massacre de Wiriyamu, perpetrado pelas tropas portuguesa em 1972, em Moçambique, no contexto da guerra colonial. Dhada revela-nos desafios associados ao trabalho com entrevistas, examina a articulação entre violência e colonialismo e traz-nos uma cuidadosa autorreflexão sobre o posicionamento do historiador na escrita da história. Ao mesmo tempo, levanta um pouco o véu sobre o seu próximo livro – que terá ainda como tema o massacre de Wiriyamu – e faz um balanço, mais de quinze anos depois, sobre a originalidade e também os limites da sua obra Warriors at Work, um trabalho seminal sobre o PAIGC e a guerrilha anticolonial na Guiné.

Os textos aqui reunidos colocam ao centro a violência colonial e se posicionam ante os quadros de sentido complacentes com políticas do esquecimento e com versões triunfalistas dos mundos que o colonialismo criou. Olhar o futuro a partir das tensões, discriminações e lutas instauradas pelo passado-presente da imaginação eurocêntrica, racista e imperial convida, nessa perspectiva, a uma imaginação política renovada e ampliada por um dever cívico da memória, ou seja, por um imperativo ético que conecte o necessário reconhecimento do passado com as lutas por futuros questionadores das heranças de violência instauradas pelos colonialismos.

Nota

* O presente dossier foi organizado no âmbito do projeto CROME – Crossed Memories, Politics of Silence. The Colonial-Liberation Wars in Postcolonial Times, financiado pelo Conselho Europeu para a Investigação (StG-ERC-715593).

Referências

DUSSEL, Enrique. Eurocentrism and modernity: Introduction to the Frankfurt lectures. Boundary 2, Durham, v. 20, n. 3, p. 65-76, 1993. Disponível em: https: / / doi.org / 10.2307 / 303341 . Acesso em: 7 maio 2019.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005.

SANTOS, Boaventura de Sousa. O fim do império cognitivo. Coimbra: Almedina, 2018. Recebido em: 1 / 4 / 2019.

Sheila Khan – Socióloga, é atualmente investigadora do Centro Estudos de Comunicação e Sociedade, da Universidade do Minho. Doutorada em Estudos Étnicos e Culturais pela Universidade de Warwick, tem, no seu percurso académico, centrado a sua atenção nos estudos pós-coloniais, com especial enfoque nas relações entre Moçambique e Portugal, incluindo a questão dos imigrantes moçambicanos em Portugal. De entre os temas que tem trabalhado inclui-se a história e a literatura moçambicana e portuguesa contemporâneas, narrativas de vida e de identidade a partir do Sul global, autoridades de memória e de pós-memória. É de destacar os seus recentes livros, “Portugal a Lápis de Cor: A Sul de uma pós-colonialidade” (Almedina, 2015); “Visitas a João Paulo Borges Coelho: leituras, diálogos e futuros” (et al., 2017, Colibri); “Mozambique on the Move: Challenges and Reflections” (com Paula Meneses e Bjorn Bertelsen, Brill, 2018). Atualmente, investigadora doutorada do projeto financiado pelo Conselho Europeu de Investigação, EXCHANGE e membro da equipa de investigação do projeto FCT / Aga Khan sobre as relações interculturais entre Moçambique e Portugal. E-mail: [email protected]  https: / / orcid.org / 0000-0002-8391-8671

Bruno Sena Martins – Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES / UC). É Co-coordenador do Programa de Doutoramento Human Rights in Contemporary Societies e Co-coordenador no Programa de extensão académica “O Ces vai à Escola”. É docente no Programa de Doutoramento “Pós-colonialismos e cidadania global”. Com trabalho de campo em Portugal, India e Moçambique, tem pesquisado e publicado sobre o colonialismo, o corpo e os direitos humanos. E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0003-3367-9155

Miguel Cardina – Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES). Foi Presidente do Conselho Científico do CES (2017-2019) e membro da coordenação do Núcleo de Humanidades, Migrações e Estudos para a Paz (NHUMEP) (2013-2106). Recebeu em 2016 a bolsa Starting Grant do European Research Council (ERC – Conselho Europeu para a Investigação) na qualidade de coordenador do projeto de investigação “CROME – Crossed Memories, Politics of Silence. The Colonial-Liberation Wars in Postcolonial Times” (2017-2022). É autor ou coautor de vários livros, capítulos e artigos sobre colonialismo, anticolonialismo e guerra colonial; história das ideologias políticas nas décadas de 1960 e 1970; e dinâmicas entre história e memória. E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0001-5428-457X


KHAN, Sheila; MARTINS, Bruno Sena; CARDINA, Miguel. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 45, n. 2, maio / ago., 2019. Acessar publicação original [DR]

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As Américas em tempos de colônia | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2019

O dossiê que a Revista Eletrônica da ANPHLAC oferta ao leitor, o primeiro do periódico dedicado exclusivamente a temáticas coloniais das Américas, denota a força crescente dos estudos desse campo no Brasil. Área que permaneceu por muito tempo correndo à margem, a América Colonial, especialmente a região espanhola, assiste nos últimos anos à chegada de novas gerações de historiadores, muitos destes formados por pioneiros no campo nas universidades brasileiras.

A presença na imensa maioria dos currículos de graduação em História do país não garantiu, até pouco tempo atrás, um volume consistente e contínuo de pesquisas sobre o período colonial americano. A carência de especialistasfez com que, ao longo do tempo, a disciplina fosse frequentemente ministrada por professores com interesses dedicados a outras áreas, tais como a América portuguesa. Não era incomum, entretanto, que esses pesquisadores retornassem aos seus interesses e às suas temáticas iniciais ou fizessem transposições atinentes ao império luso para outras porções do continente americano, o que podia ser visto na própria seleção de temas e conceitos bem como na bibliografia utilizada em muitos cursos. Leia Mais

Formação colonial e decolonialismo: Polifonia de vozes no Caribe / Revista Brasileira do Caribe / 2018

Neste último número de 2018, a Revista Brasileira do Caribe (RBC) oferece aos leitores um dossiê temático intitulado “Formação colonial e decolonialismo: polifonia de vozes no Caribe” composto por um total de oito artigos e uma resenha.

O dossiê se abre com o artigo “Entre a espada e a cruz: Bartolomeu de Las Casas em defesa do modo pacífico de evangelização dos indígenas na América Espanhola” de Maria Izabel Barboza de Morais Oliveira que, pelo método denominado contextualismo linguístico do historiador Skinner, analisa a defesa da evangelização pacífica defendida pelo frade dominicano espanhol Bartolomeu de Las Casas. E para maior compreensão a autora o compara com o pensamento de seu contemporâneo o frade franciscano Motolinía.

Em seguida, Javier García Fernández, em “O prelúdio à conquista do Caribe e da América: a formação da Andaluzia moderna como paradigma do sistema mundo moderno colonial. Olhares descoloniais a partir do sul da Europa”, trabalha historicamente a conquista espanhola do Al Andalus e a formação da Andaluzia moderna. O autor defende que “a desapropriação das terras das populações andaluzas, as expulsões forçadas, a racialização dos mouros e a subordinação da Andaluzia às estruturas políticas de Castela seriam o prelúdio mais importante para o desenvolvimento do que viria a ser chamado de sistema mundo moderno colonial”.

O artigo “La praxis afroensayística de Manuel Zapata Olivella”, de Rodrigo Vasconcelos Machado, analisa a obra ensaística do colombiano Zapata Olivella com base nos postulados teóricos de Frantz Fanon e também os compara com outras produções ensaísticas iberoamericanas.

Os três artigos seguintes tratam do Haiti contemporâneo. O primeiro deles se intitula “Da queda do duvalierismo à transição inacabada: A crise haitiana dos anos 1980”, de Everaldo de Oliveira Andrade. Esse artigo trata da conjuntura geral de desestabilização econômica vivida pela América Latina na década de 1980 e, em particular, no Haiti. O autor questiona baseado em conceitos como “estado frágil” ou “estado falido” para caracterizar as instituições políticas do Haiti, confrontando-os “a hipóteses explicativas relacionadas aos processos de mobilização política popular que construíam novos caminhos e possibilidades de institucionalização da vida política nacional, mas também com as diferentes ações e interesses externos que agiram para preservar o regime pós-ditatorial e, portanto, impedir uma via alternativa e nacional de construção democrática”.

Já no segundo artigo intitulado “Relações históricas entre Brasil e o Caribe: o caso dos imigrantes haitianos”, de Katia Cilene do Couto, as relações históricas entre a Amazônia e o Caribe são discutidas, tendo como ponto de análise o fluxo imigratório dos haitianos para a região amazônica, iniciado em 2010 após a ocorrência de um terremoto que dizimou mais de duzentas mil pessoas. A autora analisa diversos aspectos das trajetórias migratórias que unem o Caribe e a grande Amazônia, que são pouco recorrentes na historiografia.

No último artigo sobre o Haiti intitulado “Mulheres haitianas no espaço público de 1930 a 1950: o olhar sobre as primeiras ações feministas da Liga feminina da ação social”, André Yves Pierre propõe estudar o núcleo de mulheres da classe alta e intelectual que organizou a Liga Feminina de Ação Social (LFAS) e o protagonismo das mulheres na luta para mudar as imagens estereotipadas sobre a mulher e refundar a base sociojurídica.

Em “Alzar la voz, perder el miedo: Universitarias entre la desigualdad y el acoso sexual” os autores María Leticia Briseño Maas e Iván Israel Juárez López tratam um tema pouco explorado que é o assédio sexual nos espaços universitários da América Latina e do Caribe. O artigo trata da violência de gênero naturalizada em nossas sociedades e no interior dos espaços universitários. Os autores utilizam um estudo realizado em uma universidade do sudeste mexicano para revelar que o assédio sexual se manifesta nos espaços universitários públicos, inseridos em contextos de violência, mas também de uma acentuada desigualdade social, na qual as mulheres, em condições de pobreza, ocupam o último elo de uma cadeia ampla de exclusões e injustiças.

O último artigo, de Allysson Fernandes Garcia, intitula-se “Pa’ que tú no sabe lo que es ser guapo. A procura do ‘homem novo’ no rap cubano”. O artigo em questão interpreta as narrativas ficcionais de masculinidade presentes na música rap na cultura musical cubana.

Segundo o autor, “essas narrativas possibilitam uma aproximação do imaginário da geração jovem que chegava à maioridade durante o “período especial”. Tais narrativas possibilitam identificar aproximações e distanciamentos dos valores morais, atributos e qualidades masculinas expressadas na música rap com aqueles anunciados e defendidos por Che Guevara ao cunhar a ideia de “homem novo”.

A resenha intitulada “O Caliban Afro e Indígena e o Pensamento Decolonial: o Caribe na “Antologia del Pensamiento Crítico Caribeño Contemporáneo (West Indies, Antillas Francesas y Antillas Holandesas)”, de Marcos Antônio da Silva, por fim, fecha o dossiê.

Agradecemos a todos aqueles que viabilizaram o lançamento deste novo número da Revista Brasileira do Caribe, especialmente, a Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Maranhão, a Editora e Gráfica da Universidade Federal do Maranhão e a todos os pareceristas que participaram com o seu trabalho e generosidade na avaliação dos artigos recebidos. Convidamos a todos os leitores a percorrer as páginas desta nova edição da Revista Brasileira do Caribe que nos apresenta diversos pontos de vista da produção historiográfica sobre o Caribe.

Isabel Ibarra Cabrera – Editora da Revista Brasileira do Caribe.


CABRERA, Isabel Ibarra. Formação colonial e decolonialismo: Polifonia de vozes no Caribe. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.19, n.37, p.4-6, jul./dez., 2018. Acessar publicação original. [IF].

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Histórias e experiências (entre) cruzadas: sobre a escravidão, relações étnico-raciais e colonialismo / Mnemosine Revista / 2018

No Brasil, temas como escravidão, diáspora africana, colonialismo e relações ético-raciais já se firmaram nas investigações das Ciências Humanas e, de modo específico, dos estudos históricos. Atualmente, na História, inúmeras agendas de pesquisas vêm sendo desenvolvidas em torno desses e de outros temas conexos, entre os quais: história indígena, cidadania, educação, religiosidade, relações de gênero, movimentos sociais, identidade e violência. Tais interrelações temáticas têm tomado como objeto não apenas as relações sociais estabelecidas em nosso país, mas diante de outros recortes espaciais, em especial a partir de América, África e Europa.

Os artigos presentes neste dossiê foram elaborados por pesquisadores (as) que se inserem nesse novo contexto de pesquisas. Marley Antônia Silva da Silva, em seu artigo Do norte da África ao norte da América Portuguesa (1755-1815), destaca as conexões transatlânticas das populações africanas com foco no Grão-Pará e a Alta Guiné, no norte da África. O artigo se apresenta como um guia para adentrarmos as tramas sociais dos interesses e condições históricas que condicionaram dinâmicas escravistas e outras dimensões da diáspora africana forçada, que conformaram as populações das regiões de São Luís e Belém, entre o final do século XVIII e início do século XIX.

Em Para libertar o meu filho: Estratégias utilizadas por forras e escravas ao alforriarem na segunda metade do século XVIII em Minas Gerais, Carlo Guimarães Monti nos apresenta as estratégias de mulheres escravizadas em busca por alforrias. Nesta linha, levantou e avaliou um amplo escopo documental, composto de inventários e testamentos de senhores de escravizados. Sua análise foi constituída com vistas nas redes familiares, pontos fundamentais para os escravizados alcançarem seus intentos de liberdade. Deteve-se também sobre o caráter privado das alforrias, como instrumento fundamental para a tentativa de manutenção da sujeição dos escravizados.

Marcelo Ferreira Lobo, em Para além da alforria: Mobilidade e sobrevivência de Libertos no Brasil (Grão-Pará, 1800-1888), analisa as noções de cidadania e direitos construídas ao longo do século XIX no Grão-Pará. Para isso, lançou mão de problematizações sobre as possibilidades de mobilidade social e liberdade no cotidiano de mulheres e homens alforriados, a partir da análise de testamentos de senhores e libertos. Investigou, desse modo, regiões intermediárias entre a escravidão e a liberdade, onde se fizeram presentes reinvenções do paternalismo, mas também as lutas de negras e negros frente a miséria, insegurança econômica e perseguição das forças de segurança.

Pedro Nicácio Souto, em Escravidão e Pecuária na Paraíba: São João do Cariri (1870-1888), discorre sobre as singularidades das formas de escravidão ocorridas em São João do Cariri – PB, no final do século XIX. São apresentados diferentes aspectos do panorama econômico, social e demográfico local, nas últimas décadas da escravidão. Delineiam-se particularidades da sociedade escravista desta localidade, marcada pela importância da pecuária e da agricultura de subsistência. Souto aborda como as relações sociais em torno da pecuária influenciaram as maneiras como constituídas as experiências dos escravizados e suas relações junto aos senhores.

No artigo Em defesa da classe: Pós-Abolição, racismo e imprensa negra em Campinas e Piracicaba, Willian Robson Soares Lucindo aborda os jornais produzidos nas cidades paulistas de Piracicaba e Campinas no pós-abolição. Apresenta importante chave interpretativa para a compreensão do racialismo e do racismo enquanto fundamentos de criminalização das populações negras. Para tanto, deslinda ações diversas dos grupos dominantes e de mulheres e homens negros subalternizados, ressaltando também a importância da imprensa negra no debate público e na denúncia das concepções preconceituosas em (re)estruturação naquele contexto.

Em A Docência como Missão na América Latina: Reflexões sobre a formação professores e professoras de história na Amazônia Oriental, Maria Clara Sales Carneiro Sampaio efetua um movimento reflexivo sobre sua experiência docente na regência de disciplinas relacionadas a história da América e história indígena, na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Sampaio articula experiências vivenciadas na história recente da Amazônia Oriental com realidades mais distantes no espaço e tempo, visando o melhor entendimento das tensões e desafios presentes no contato entre os missionários e os povos indígenas durante a colonização da América.

O dossiê se encerra com o artigo As vozes escritas de Pepetela: identidade angolana, literatura e colonialismo em “Mayombe” e “A geração da utopia”. À luz da hermenêutica e de uma postura etnográfica, João Matias de Oliveira Neto nos apresenta uma análise de dois romances históricos do escritor angolano Pepetela. Tomando como objeto essa literatura, o autor reflete sobre as dinâmicas identitárias e as percepções de diferentes sujeitos sociais, constituídas nos processos colonial e pós-colonial pelos quais passou o atual Estado de Angola. Tais questões se fazem presentes na escrita de Pepetela, a partir das situações históricas experienciadas e refletidas pelos personagens.

Sob os auspícios deste quadro, emoldurado por abordagens em diversas perspectivas, convidamos os(as) leitores(as) a imergirem nessas múltiplas historicidades vivenciadas no Brasil, Angola e outros locais de colonização Ibérica em contextos coloniais e pós-coloniais.

Sérgio Luiz de Souza – Professor Adjunto no Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de Rondônia (UNIR) – Campus Porto Velho, onde atua no Programa de Mestrado em História e Estudos Culturais. Pesquisador associado ao Centro de Estudos das Línguas e Culturas Africanas e da Diáspora Negra (CLADIN) da UNESP / Araraquara. E-mail: [email protected]

Janailson Macêdo Luiz – Professor Assistente da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Campus Marabá. Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]


SOUZA, Sérgio Luiz de; LUIZ, Janailson Macêdo. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.9, n.1, jan / jun, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Ilhas do Caribe: do colonialismo ao concerto das nações / Revista Brasileira do Caribe / 2016

Las islas del Caribe. Del colonialismo al concierto de las naciones es un volumen que reune el trabajo de doce investigadores de instituciones académicas de México, Puerto Rico, San Martín, Brasil y los Estados Unidos. Al preparar el dossier de la Revista Brasileira do Caribe, intentamos develar algunos elementos relacionados con momentos singulares de la historia del Caribe que dejan al descubierto el preciado papel que en las luchas inter-coloniales de las potencias europeas y respecto al avance imperial de los Estados Unidos, ha jugado la región como zona estratégica militar de interés geo-político y comercial. En cada uno de los ensayos, desde diversos enfoques y propuestas metodológicas, sobresalen aspectos relacionados con las concepciones que sobre el espacio Caribe guiaron las políticas económicas y militares de la Corona española a lo largo del siglo XVIII y XIX; pero también las que ciñeron las dinámicas y relaciones imperiales bajo la égida de Estados Unidos en el siglo XX.

A lo largo de los ensayos las islas españolas del Caribe (Cuba y Puerto Rico), emergen como puntos de partida, encuentro y llegada; como espacios naturales de navegación y tránsito comercial; lugares estratégico-militares, de defensa y combate.

En sus apacibles aguas recalaron piratas y se persiguió con fuerza el contrabando. Su naturaleza fue explorada por hombres de ciencia que recopilaron infi nidad de muestras de sus riquezas naturales que fueron a parar a las grandes colecciones de los museos más grandes de Europa y Estados Unidos. La circulación de objetos y personas es otro caudal que afl ora en los ensayos, cuya escala de valores económicos, sociales y culturales fueron apreciados en el tiempo histórico. Las islas de Cuba y Puerto Rico como parte del engranaje imperial desarrollaron una noción de la negociación inscrita en la consciencia de sus propias debilidades.

Su vocación de recepción y puente de ideas inspiró los proyectos políticos y sociales que defi nieron las dinámicas y ritmos en las transformaciones idelógico-culturales. Sus circunstancias históricas y políticas; sus realidades específi cas modelaron la región a partir de la diferencia y la diversidad; pero también sus disparidades fueron la correa de trasmisión para ensayar o aplicar nuevos modelos que separan sus formas de organización política, económica y social.

Con el establecimiento del primer Tribunal de la Inquisición en la América Hispana se inicia una situación de controversia y confl icto, donde las presiones desarrolladas entre autoridades eclesiásticas y civiles desdibuja el papel que jugaban las instituciones religiosas en su relación con el poder político tradicional, así como las redes del poder real. Los personajes que aparecen bajo circunstancias adversas de cambio quedan atrapados en el marco legal de papeles y funciones que les fueron conferidos, los cuales, en la emergencia de nuevas prácticas políticas y de control social fueron modifi cados pese a los sinsabores de la resistencia como ejemplifi ca el trabajo de Olivia Gargallo García.

La impronta de los intercambios económicos y comerciales que vincularon a la región con las principales metrópolis y el comercio internacional tienen en el ejemplo de Puerto Rico y sus vínculos con Hamburgo, uno de los principales puertos de Europa en el siglo XIX, una muestra de la intensidad de las relaciones comerciales e intercambios de mercancias que mantuvieron los puertos alemanes con la menor de las islas del Caribe Hispano. A través del estudio que realiza Argelia Pacheco Díaz se aprecian las rutas de navegación que exploraron las elites azucareras en sus prácticas mercantiles con otras islas del Caribe.

En el Caribe hispano la circulación e intercambio de mercancias no se suscribe únicamente a objetos, también en el mercado libre se desarrolló un importante fl ujo de personas. El modelo de plantación, basado en la esclavitud fue la base de la riqueza agrícola y comercial de Cuba y Puerto Rico. Sin embargo, y a pesar de las prohibiciones impuestas a España a través de una serie de tratados que Inglaterra le hizo fi rmar, el tráfi co de esclavos africanos se prolongó a mediados del siglo XIX y como muestra Jorge Chinea, la llegada clandestina de africanos provenientes del Congo a la isla de Puerto Rico, quizá la última, se produjo en 1859, a bordo del Majesty cuando entraron a sus costas alrededor de 1000 cautivos, la mayor parte niños y adolecentes. Eran los años de debates sobre el fi n de la esclavitud y la apertura del mercado de trabajo, libre y asalariado.

Otra mirada de la circulación constante de objetos, personas e ideas refi ere las multiples maneras en que navegaron de un continente a otro y de una isla vecina a otra las distintas concepciones ideológicas y políticas. El dossier destaca el análisis sobre la sociabilidad pública y el afi ncamiento de instituciones educativas y culturales que se establecieron en la isla de Puerto Rico. El paradigma de la ciencia como motor del progreso económico en un momento de coyuntura, coadyuvó el nacimiento de la esfera pública moderna y el reconocimiento de la inteligencia letrada colonial y criolla que, por intermedio de la Sociedad Económica de Amigos del País, impregnó cambios al elemento político de la representación y con éste, las diversas maneras de concebir los derechos individuales y asumir los colectivos como posturas indispensables de la representación, como explica María Teresa Cortés Zavala.

Los intercambios de saberes y la trasmisión de conocimientos impulsaron el ritmo del liberalismo en el Caribe español. Los vientos de progreso y modernidad llegaron a las costas de Puerto Rico desde la voz experimentada y viajera de fi guras del liberalismo criollo durante su presencia en la Exposición Universal de París en 1867. Así, ilustraron el atraso que vivía la menor de las Antillas españolas en el contexto colonial. Ese lamento discursivo que evade la censura inspira a Fernando Feliú para analizar a un hombre de letras y le permite extender su mirada inquisidora a la memoria construida por Baldorioty de Castro quien, como otras fi guras del liberalismo puertorriqueño, mantuvo posicionamientos políticos por el cambio de régimen económico-administrativo.

La cultura del control social y político en contextos coloniales adversos forma parte relevante del ejercicio del poder y cómo es ejercido bajo escenarios de intervención y crisis. Los asuntos de la política y la capacidad negociadora desarrollada Jorge Ruscalleda examine cómo tejen y entrecruzan un nuevo trato político las elites puertorriqueñas en el marco previo, durante y post Segunda Guerra Mundial. La coyuntura bélica internacional coloca al Partido Popular Democrático (PPD) y su líder, Luis Muñoz Marín, en posición de entablar acuerdos con el gobierno de los Estados Unidos. Detener las fuerzas expansivas del movimiento obrero progresista organizadas alrededor de la Confederación General de Trabajadores permitió capitalizar, a Muñoz Rivera y su partido, de los resultados del programa de desarrollo industrial a partir de 1945.

Un planteamiento más epistémico y de reconocimiento de la realidad es documentado por Martín López Ávalos. La tradición narrativa de un discurso nacional en Cuba, sirve para rastrear la construcción de la identidad política moderna cubana, la cual tiene su origen en el pensamiento martiano. Éste se identifi có, desde el siglo XIX al XX, con la acción colectiva y las prácticas políticas y discursivas, como afi rma López Ávalos, primero frente a la creación del Estado nacional de cara al colonialismo español y un siglo más tarde frente a la subordinación y dependencia del imperialismo norteamericano. Dos tiempos y dos caras para hilvanar la lógica discursiva de la continuidad. La forja de la identidad nacional y el surgimiento de la nación; los intentos por la independencia y el establecimiento del Estado nacional concluyen o alcanzan su victoria con la revolución castrista de 1959.

El campo de la cultura es una de las fuentes que permite a Leticia Bobadilla González analizar cómo se difunden y representan los valores y el espíritu que dominan una época mediante las expresiones simbólicas de una sociedad como la cubana, transformada radicalmente con el triunfo de la revolución en 1959. El giro que experimenta la revolución hacia el socialismo en 1961 dio paso a la creación de nuevas instituciones. Los intelectuales contaron con espacios ofi ciales para recrear las expresiones culturales y trabajar a favor de la revolución. Las primeras imágenes que sobre la revolución se difundieron fueron las sostenidas por el ICAIC y estuvieron permeadas por los confl ictos que se presentaron entre diversos intelectuales en defensa de la revolución. La idea de concebir a la cultura y sus instituciones ofi ciales como una prolongación de las políticas culturales del Estado, lleva a la autora a preguntarse ¿cómo las relaciones de poder, confl ictos, impugnaciones y disidencias restringen las formas de creación artística y literaria? Esta discusión airada de acomodos internos no es ajena a las discrepancias entre actores sociales y se enmarca en las tensiones externas de los poderes de Estados Unidos y el bloque socialista soviético.

Una muestra más del arraigo colonial occidental en las Antillas, que ha dejado huella en los múltiples ingredientes culturales, se expresa en experiencias colectivas que integran las creencias y costumbres generadas y que se asumen como acervo patrimonial. Francio Guadeloupe y Erwin Wolthuis, invitan a apreciar desde la metáfora de la sopa Callaloo –plato típico que al ser elaborado en diversas regiones del Caribe se transforma en una especie de caldo diferente—las tensiones provocadas por la tríada racial, sexual y de clase. La sopa Callaloo en la medida en que más se arraiga en el gusto de la población de la isla de San Martin, se transformaba en un testimonio vivo del pasado de opresión que en ella se vivió, pues como el ajiaco se elabora a partir de la mezcla de diversos componentes.

Finalmente, podemos decir que en este amplio panorama son varios los aspectos y niveles de acercamiento que articulan los temas abordados en el dossier. Bajo el título: Las islas del Caribe. Del colonialismo al concierto de las naciones, las ópticas que imperan y los tiempos diversos explican la riqueza sociocultural y el andamiaje racial que ha caracterizado a la región en la larga duración.

En el cuerpo del número de la revista se incluye el trabajo de Leonardo Dallacqua de Carvalho y Wesley Dartagnan Salles, autores que exploran algunas de las claves del colonialismo europeo y el capitalismo mundial como fenómenos históricos que aproximan los espacios de las Antillas en el Caribe y Costa de Mina en el Golfo de Guinea, en África. Los patrones comerciales que han regido a la trata negrera, permiten comparar desde la historia económica y la historia de la salud cómo opera el modelo de explotación humana utilizada en la producción del tabaco en Brasil durante el siglo XVII. La experiencia se asemeja y puede compararse con otros espacios coloniales vinculados a las dinámicas comerciales de la oferta y la demanda en el mercado internacional, en la medida en que forman parte, a mayor escala, del sistema Atlántico en que se inscriben la circulación de saberes e intercambio de objetos; el fl ujo de personas y mercancias.

María Teresa Cortés Zavala

Morelia, Michoacán 2016.


ZAVALA, María Teresa Cortéz. Ilhas do Caribe: do colonialismo ao concerto das nações. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.16, n.32, p.7-12, jan./jun. 2016. Acessar publicação original. [IF].

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