Esclavitud, cultura jurídica y experiencias ambiguas en Hispanoamérica/Historia y Sociedad/2023

Este número especial de Historia y Sociedad presenta a sus lectores evidencia y análisis sobre la naturaleza ambigua de las vivencias jurídicas de muchos esclavizados en Hispanoamérica. Cuando esas personas estuvieron delante de los magistrados y delante de la ley, su destino, por lo general, no dependía únicamente de la aplicación precisa de una jurisdicción, norma, o principio legal establecidos de antemano y entendidos con claridad. Antes bien, la suerte de esos hombres, mujeres y niños se defi nía en la dinámica azarosa y contingente de las relaciones de poder en las que coexistían esclavos, amos y magistrados. Por tanto, era mucho lo que giraba en torno a la interpretación, a las circunstancias específi cas, al balance de fuerzas locales, al ambiente político y legislativo del momento, o al brío individual de un esclavo por alcanzar la emancipación o de un libre por mantener a alguien en el cautiverio, sin importar lo que dictaran la ley o la política. Los esclavos se relacionaban con la cultura jurídica en espacios y momentos poco transparentes, pero en situaciones de mucho dinamismo social y cultural. Leia Mais

Escravidão e liberdade no Brasil independente | Revista Transversos | 2022

O ano de 2022 é marcado pelas celebrações dos centenários de importantes eventos da História do Brasil, entre eles os 200 anos da Independência política e os 100 anos da Semana de Arte moderna. O mote dos centenários também deve ser usado para celebrar a vida de duas personalidades negras da nossa cultura: os 100 anos da sambista Dona Ivone Lara e os de morte do escritor Lima Barreto. Essas últimas efemérides nos remete a uma população negra pouco valorizada nas celebrações dos grandes eventos, um reflexo do último século da história do Brasil. Um país recém saído da escravidão e que procurava construir uma identidade que não poderia ser remetida a um passado, colonial e escravista. Em 1822 a independência ocorreu sem abalar a estrutura escravista e nem questionar o lugar social e político de homens e mulheres, negros e pobres. Em 1922, ao rememorar essa independência, a República reproduziu o esquecimento, e não lembrou dos egressos da escravidão e seus descendentes, que ocupavam as ruas das cidades brasileiras trabalhando e tentando sobreviver cultural e politicamente no regime republicano, apesar das crônicas de Barreto que alertavam para a crescente desigualdade social e a falta de oportunidades para homens como ele, negro e da periferia da República. Em 2022 é preciso lembrar e discutir o passado em dois tempos, o da independência e durante o Império, e o da República, que celebrou os cem anos da independência no pós-abolição.

Ao pensarmos nos diferentes tipos de eventos que ocorreriam em 2022 para celebrar o bicentenário da independência, achamos importante organizar um dossiê que desse espaço para a publicação de pesquisas que pensem a escravidão e o pós-abolição, temas distantes dos eventos oficiais organizados por instituições públicas e pelo governo federal. Diante disso, esse dossiê representa um esforço em pensar o pós-abolição articulado aos 100 anos da independência, e o passado escravista, principalmente sob o viés da luta de homens e mulheres escravizados. Temáticas fundamentais para compreender a história do Brasil e suas conexões. Se a liberdade e a independência que se celebravam em 1922 não os mencionam, ao mesmo tempo eles propunham outras formas de celebrar a vida, seja na cultura com o nascimento do samba, seja por meio da história e da literatura, dentre outras maneiras. Nesse sentido, os artigos publicados nos fornecem elementos para perceber, nuances de um pano de fundo no qual foi assentada a independência do Brasil, onde esses sujeitos emergem percorrendo caminhos áridos em busca de sua cidadania. Entre as questões trazidas pelos pesquisadores talvez uma ganhe maior destaque – as limitações da liberdade – e as estratégias legais e políticas para guiar os destinos dos ex-cativos diante das transformações e rumos políticos que a sociedade brasileira buscou seguir frente à independência. Leia Mais

Dos corpos negros: escravidão, raça e pós-abolição em perspectiva comparada | Revista de História Comparada | 2022

É  com grande prazer que ora apresentamos o dossiê ”Dos corpos negros: escravidão, raça e pós-abolição em perspectiva comparada ”. A problemática abordada incide, a partir de diferentes pesquisas, sobre  o corpo negro feminino no período escravista e no pós-abolição, entendido como basilar na estruturação das realações de exploração e reprodução  na escravidão e na contrução dos caminhos da liberdade. Compreendemos o pós-abolição como um período que se inicia com a abolição, mas que acolhe um longo período de nossa história. À medida que os rastros e traços das relações  sociais brasileiras continuam a moldar a nossa estrutura social, consideramos que a etapa pós-abolição ainda não foi superada entre nós.

O objetivo das organizadoras foi oferecer ao público especializado  um panorama atualizado deste importante tema, a partir do acolhimento de difrerentes reflexões e pesquisas que têm sido desenvolvidas por um grupo de  pesquisadoras do Brasil e do exterior. Agradecemos à Revista de História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelo acolhimento de nossa proposta e pelo espaço oferecido para sua publicação. Os nossos agradecimentos se estendem igualmente às pesquisadoras que enviaram seus artigos e aos pareceristas que gentilmente se propuseram à leitura e análise-  atentos, generosos e críticos- dos trabalhos que apresentamos ao público. Leia Mais

Escravidão e Pós-Abolição no Brasil | Crítica Histórica | 2021

Em um momento de transformações e muitas reflexões acerca do mundo pandêmico em que vivemos, pensar e produzir ciência no Brasil tem sido cada vez mais desafiador. Além da covid-19 e suas variantes, vivemos em meio aos ataques que sofrem cientistas, pesquisadores, professores e todo sistema de ensino. Em vista disso, fazer ciência e produzir conhecimento têm sido uma tarefa que serve para mostrar nossa capacidade de sermos resilientes e resistentes. Ao idealizarmos a proposta deste dossiê temático, que agora será visto concretizado nas páginas que seguem, pensávamos em trazer novos detalhes de um processo que começou com a escravização de homens e mulheres e que reverbera até hoje em nosso Brasil. Um país racista, apesar de muitos não conseguirem reconhecer e/ou enxergar tal assertiva, que tem uma sociedade marcada por divisões socais que muitas vezes remontam às práticas de um Antigo Regime.

Em vista disso, lembramos que existem ao menos três décadas que a academia brasileira vem produzindo de modo sistemático pesquisas sobre o processo de escravidão e do pós-abolição, mostrando uma preocupação com o papel dos escravizados e de seus descendentes. Vários autores e autoras têm mostrado a partir da ampliação das fontes, dos métodos e das temáticas centradas nos indivíduos, grupos e sociabilidades como o processo de escravização e o pós-13 de maio são marcados por contradições e nuances que sofrem variações dependendo do local e época de abordagem. Tais estudos têm identificado que sempre existiram muitas lutas por autonomia e afirmação da liberdade. Leia Mais

Raça, Ciência e Saúde no contexto da escravidão e do pós-Abolição | Revista Maracanan | 2021

Maconha contexto da escravidão e do pós-Abolição
Maconha | Foto: Notícias Chapecó

Durante as últimas duas décadas tem crescido o interesse historiográfico por temas como saúde, doença e ciência e, em especial, a saúde da população negra. A ampliação do debate sobre as múltiplas intersecções entre esses campos de análise e sociedade é de extrema relevância para reflexões acerca do Pensamento Social Brasileiro. Além disso, tem contribuído para a construção de novos campos de estudo, trazendo à tona pesquisas inovadoras tanto para o campo da História das Ciências e da Saúde como para a História do Negro no Brasil.

A Revista Maracanan publica o Dossiê Temático “Raça, Ciência e Saúde no contexto da escravidão e do pós-Abolição” em um momento crucial para os estudos em Saúde no Brasil e, também, para a História do Brasil. A relação entre saúde, doença e ciência tem sido posta em evidência, por exemplo, com pesquisas que apontam que a população negra tem sido a mais afetada pela pandemia da Covid-19 no Brasil, tanto em número de mortos como também em termos socioeconômicos.[1] Leia Mais

Escravidão e liberdade no Brasil setentrional | Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará | 2021

Criado em 2013, o Grupo de Estudos e Pesquisas da Escravidão e Abolicionismo na Amazônia (GEPEAM), registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Pesquisa (CNPQ), reúne, desde então, professores, pesquisadores, alunos de graduação e de pós-graduação de diferentes instituições brasileiras das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, atuando em diferentes níveis de ensino, interessados na pesquisa sobre a escravidão e o abolicionismo no Brasil Setentrional.

O GEPEAM, em parceria com a prestigiada Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP), a segunda mais antiga da Amazônia em funcionamento, juntou esforços para dar corpo ao Dossiê “Escravidão e Liberdade no Brasil Setentrional”, organizado por dois de seus membros: Bárbara da Fonseca Palha e José Maia Bezerra Neto, igualmente membro como sócio efetivo do IHGP. Assim, no presente dossiê se congregou resultados de pesquisas de vários membros do grupo, bem como se contou com a participação de textos de outros pesquisadores ou historiadores, no caso: Anaíza Vergolino e Silva, Jonas Monteiro Arraes, Rafael Chambouleyron e Oscar de la Torre. Havendo também duas resenhas: uma do mais recente livro do historiador João José Reis, “Os Ganhadores: a greve negra de 1857 na Bahia” (2019) e outra do livro “Concebendo a Liberdade: mulheres de cor, gênero e abolição da escravidão nas cidades de Havana e Rio de Janeiro” da historiadora inglesa Camillia Cowling (2018). Mas, destrinchemos com mais vagar o presente dossiê. Leia Mais

Escravidão e comércio de escravos através da história / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2019

A escravidão é uma das instituições mais antigas da humanidade. Ao contrário do que se possa pensar, a escravização começou muito cedo de tal forma que a propriedade de uma pessoa sobre outra é anterior à propriedade privada da terra. Em diferentes locais e épocas, houve povos que comerciaram cativos, escravizaram vizinhos e até gente do seu próprio meio, mas não conheceram a propriedade privada da terra. Inúmeros povos vivendo em sistemas muito próximos ao chamado comunismo primitivo, traziam em suas culturas o costume de apropriar-se dos corpos de prisioneiros para uso e abuso da comunidade ou de algum indivíduo.

São inúmeras as possibilidades de usufruir do corpo escravizado: imolar, devorar, usar, punir, e colocar para trabalhar ou para exercer atividades consideradas indignas ou arriscadas. Existem quase infinitos exemplos em todos os continentes em diferentes épocas. As sociedades costumam sair da escravidão, mas, em algum ponto do passado, todas passam ou passaram por ela. Há quem distinga sociedades com escravos de sociedades escravistas. Umas possuíam escravos apenas. Outras tinham todo o ritmo da economia e da vida social ditados pela escravidão. Há, todavia, quem ache essa distinção irrelevante, pois é uma questão basicamente de escala, de fronteira imprecisa. Mas, uma coisa é certa, a escravidão marcou profundamente a experiência humana desde a Antiguidade mais remota.

Além de antiga, a escravidão é uma das instituições mais resilientes que conhecemos, como bem demonstram os relatórios online da Anti-Slavery Society, sediada em Londres, talvez a ONG humanitária em atividade há mais tempo no mundo. Já se falou que seria superada por motivos religiosos, e no entanto, é comum escravizar-se gente do mesmo credo. Já se falou que a ética secular a superaria, e no entanto, a guerra e as necessidades do vencedor sempre falaram mais alto. Já se falou que o capitalismo era incompatível com a escravidão, e no entanto na periferia das engrenagens dos grandes mercados, ela retorna e enraíza-se sob diferentes disfarces. E convém lembrar, que, mesmo nos centros mais avançados ela pode ser empregada sob diferentes justificativas, algumas muito apropriadas ao mundo moderno. Na contemporaneidade, multidões de trabalhadores vivem em condições análogas à escravidão em países onde os direitos civis mais básicos são conquistas centenárias. Pessoas desprotegidas ainda são traficadas como mercadorias.

Escravidão, stricto sensu, todavia, significa que uma pessoa, ou um grupo, possui o direito de propriedade, de uso e abuso sobre o corpo de uma outra pessoa, e não apenas sobre os produtos do trabalho. E não é uso temporário, mas ininterrupto. Sendo o corpo uma propriedade, havendo comércio, a pessoa pode ser trocada como qualquer outra mercadoria, repassada, herdada. O comércio de gente escravizada vem de tempos imemoriais, mas como tema da História ainda incomoda. Quem vendeu, quem comprou, quantos foram vendidos e comprados, de onde e para onde e quais os resultados disso, são problemas históricos que tocam em questões éticas e políticas profundas. O estudo do comércio de gente africana para as Américas é uma parte dessa temática quase tão ampla quanto a história humana.

A partir de meados do século XX houve um intenso desenvolvimento de pesquisas a respeito desse assunto. Os estudos sobre o impacto do comércio atlântico de gente escravizada nas várias margens do Atlântico, sobre os cativos e seus descendentes, desdobraram-se em um campo de reflexão teórica e metodológica consolidado tanto nas Américas, como na África e na Europa. As demandas sociais em torno das experiências da escravidão e pós-Abolição demonstram a vitalidade do tema na contemporaneidade. Todavia, ainda há muito o que se fazer. Só para exemplificar, no caso de Pernambuco, a historiografia sobre o tema ainda é tímida, apesar do quarto lugar entre os pontos nas Américas que mais receberam cativos da África. A historiografia sobre o Nordeste, portanto, ainda é carente de trabalhos que tratem, não apenas da demografia do tráfico, mas também do fiscalismo, tributação, consumo, comércio, monopólios, contratos e negociantes. Isso, tanto de forma genérica, como específica, no que corresponde à mercancia de gente.

Esse dossiê pretende somar à historiografia que problematiza essas questões, acolhendo pesquisas sobre escravizados e escravizadores imersos na dinâmicas do comércio de cativos. Numa perspectiva abrangente cronológica e geograficamente, tentamos aqui motivar pesquisas primárias e / ou análises comparativas e ampliar abordagens sobre o comércio de pessoas escravizadas em diferentes contextos e circunstâncias, fomentando assim a discussão. Há muito o que se estudar sobre os processos que permitem relacionar os pontos de origem dos cativos e os locais da exploração dos seus corpos e trabalho, submetendo pessoas a condições degradantes de vida e supressão das liberdades, desde épocas remotas até à contemporaneidade. Os trabalhos que compõem o elenco do dossiê abordaram o assunto entre os séculos em que o Brasil foi uma conquista portuguesa até os estertores da escravidão legal no Brasil do segundo reinado.

O texto de Gustavo Acioli e Leonardo Marques intitulado “O outro lado da moeda: estimativas e impactos do ouro do Brasil no tráfico transatlântico de escravos (Costa da Mina, c. 1700-1750)”, retoma um tema já tratado pela historiografia do comércio atlântico, mas que ainda apresenta muitas lacunas, uma vez que quantificar o volume de ouro saído da América portuguesa, em direção à África Ocidental para a troca por cativos sempre apresentou-se como uma empreitada difícil. Ao longo da argumentação os autores chegam a conclusão que 2 / 3 dos cativos comprados na costa africana foi através do ouro retirado das minas no Brasil e que, de forma indireta, a conquista portuguesa contribuiu para o incremento das trocas globais e a hegemonia do sistema capitalista mundial, o que não teria acontecido se não fosse a via africana a conectar os elos que formavam esse conjunto.

Já o trabalho de Maximiliano Menz “Uma comunidade em movimento: os traficantes de escravos de Lisboa e seus agentes no Atlântico , c. 1740-1771”, desenvolve um estudo sobre os principais traficantes atuantes em Lisboa entre 1740 e 1771. Trata-se de um ramo português de investimentos no tráfico de Angola. Com levantamento circunstanciado de fontes primárias, o texto narra a participação de mercadores e o exercício mercantil de homens de negócio portugueses que transitaram entre o Reino e a conquista Angola, aproveitando as conjunturas vantajosas para o comércio de cativos. Apresenta variados negociantes, alguns reconhecidos como os mais ricos no sistema, demonstrando com suas práticas e estratégias que os negócios atlânticos vão além de esquemas “triangulares” e “ bipolares”.

Por sua vez, o artigo de Alexandre Bittencourt trata da complexa rede estabelecida entre as regiões exportadoras e importadoras de pessoas escravizadas, África, América portuguesa e Europa. Em “A travessia de escravos dos sertões de Angola para os sertões de Pernambuco (1750-1810)”, desenvolve o entendimento de que pessoas colocadas em lugares chave e exercendo funções variadas se tornaram essenciais para viabilização do comércio de escravos. Dentre as personagens tratadas sobressaem-se as que residiam em Pernambuco e atuaram através da Companhia de Comércio Pernambuco e Paraíba. Delineia um processo que conecta de sertão a sertão, tendo o Atlântico como intermediário, concluindo-se quando as pessoas escravizadas alcançavam o seu destino fossem nas minas ou nas fazendas de gado dos rincões Setecentistas.

Com o texto de Janaína Bezerra mergulhamos no universo dos homens de cor atuantes principalmente nos centros urbanos. O trabalho “Luís Cardoso: de Escravo a Homem de Negócio da Praça do Recife (XVII e XVIII)”, seguiu a trajetória de vida de um homem pardo, forro, filho de um senhor branco com sua escrava, que chegou a alcançar a distinção como homem de negócio de grosso trato na Praça de Pernambuco. Participou de instituições sociais frequentadas pela elite branca, demonstrando quão fluidos foram os padrões de inserção e as negociações para impedimentos ou não, nas conquistas portuguesas do Antigo Regime.

Arthur Danillo Castelo Branco de Souza lida com o comércio interprovincial e intraprovincial de cativos na segunda metade do oitocentos. Analisa anúncios de compra e venda de cativos nos jornais e a atuação de alguns negociantes e daí busca entender esse complexo processo que permitiu repor a mão de obra escrava em Pernambuco. Tal como no tráfico atlântico, o comércio interprovincial de cativos também se fez em boa parte à margem da legalidade. Os escravizados, por sua vez, aproveitaram-se da demanda pela mão de obra para, sempre que possível, tentarem trocar de senhor à procura de um cativeiro menos brutal.

George F. Cabral de Souza trabalha com documentos recolhidos em diversos acervos, tanto no Brasil como em Portugal, que lhe permitem apresentar dados substanciais sobre 38 negociantes que operavam no Recife, aproximadamente entre 1660 e 1760, os quais estavam envolvidos no comércio de africanos escravizados. O foco central do texto são quinze negociantes listados em um relatório sobre as embarcações negreiras da praça do Recife, em 1758. Atendendo pedido do governo central, o governador da capitania produziu aquele documento sob o pretexto de apurar a possível superlotação das embarcações.

O texto analisa as trajetórias e inserção desses personagens na sociedade pernambucana, os quais diversificavam seus negócios e teciam redes de forma a permanecerem no topo da hierarquia social. O texto de Gian Carlo de Melo Silva tem por base uma densa pesquisa no Rol de Confessos, uma fonte rica em dados populacionais que não costuma ser utilizada em estudos sobre escravidão no Nordeste. Partindo de uma descrição crítica daquele acervo documental, o trabalho analisa os dados obtidos sobre a escravidão em Alagoas, com especial atenção para a freguesia de Santa Luzia do Norte, cujo território engloba tanto uma área mais urbana como uma região ocupada por engenhos de cana. O foco central do trabalho são as complexas relações entre os arranjos familiares no Brasil colonial, a escravidão e as mestiçagens.

É com muita satisfação, portanto, que apresentamos este dossiê, na certeza da relevância do seu tema e na qualidade dos trabalhos aqui publicados que esperamos que sirvam de base para outras pesquisas e debates futuros.

Suely C. Cordeiro de Almeida – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente, integra o corpo docente da Graduação e Pós-Graduação do Curso de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco e da Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0001-8267-4719

Marcus J. M. de Carvalho – Doutor em Historia pela University of Illinois at Urbana-Champaign. Atualmente é professor titular de História nos programas de graduação e pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0003-1912-2879

Organizadores


ALMEIDA, Suely C. Cordeiro de; CARVALHO, Marcus J. M. de. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.37, n.2, jul / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão e Liberdade nas Américas / Estudos Históricos / 2019

No dia 02 de junho de 1888, duas semanas depois de abolida a escravidão, Angelo Agostini e Luiz de Andrade afirmavam que “Na vida do Brasil, nenhum fato se poderá comparar ao do dia 13 de maio do corrente ano. A própria independência, ao lado da escravidão, era como uma data velada, uma conquista clandestina. Hoje sim, o Brasil é livre e independente”. O entusiasmo dos editores da Revista Illustrada tinha uma razão faustosa: o Brasil finalmente abandonava a pecha de único país das Américas a manter a nefanda instituição, entrando assim para o rol das nações verdadeiramente livres e independentes.

Durante os anos subsequentes, o 13 de Maio foi comemorado como data máxima da liberdade nacional. Mas, assim como a independência parecia ser uma data velada, num país que mantinha a escravidão, a forma como a Primeira República festejou o Treze de Maio camuflou um sem-número de personagens e tramas que estiveram diretamente relacionados com a assinatura da Lei Áurea, bem como silenciou grande parte das violências e exclusões que marcaram os corpos e vidas de homens e mulheres cingidos pela escravidão. Tal silenciamento há muito era pauta de denúncias como a que foi feita em março de 1933 pelos dirigentes do jornal A Voz da Raça, um periódico “que se destinava à publicação de assuntos referentes aos negros”, posto que “as outras folhas, aliás veteranas, por despeitos políticos, tem deixado de o fazer”. Para os editores e jornalistas negros desse periódico, as comemorações da Abolição pareciam ter sentidos diversos daqueles apregoados por muitos abolicionistas que viam na liberdade o fim da escravidão, mas não enxergavam as dimensões do legado do escravismo.

A rememoração crítica dos 130 Anos da Abolição da Escravidão no dia 13 de maio de 2018 serviu como inspiração para o número 66 da Revista Estudos Históricos. No número que se propõe analisar Escravidão e Liberdade nas Américas, entramos em contato com pesquisas que consolidam e renovam a tradição historiográfica brasileira dos estudos sobre escravidão e Pós-Abolição, com destaque para as abordagens transnacionais ou “conectadas” que permitam reposicionar a agenda de investigações à luz de outras experiências no continente americano.

O número começa com o artigo de Ana Carolina Viotti, que, por meio de variado corpus documental, analisou a obrigatoriedade que recaía sobre os senhores no tocante à alimentação dos escravos no período colonial. A reconstituição de redes de compadrio em Minas Gerais na virada do século XVIII para a centúria seguinte é tema do artigo de Mateus Andrade, que por meio de estudos de demografia histórica demonstra a intrínseca relação entre a confirmação cotidiana da liberdade de indivíduos alforriados e o caráter sistêmico da escravidão na formação do Brasil. Outros significados de liberdade em meio ao mundo escravista e fronteiriço da região do Prata foram trabalhados por Hevelly Acruche, no contexto marcado pelas lutas de independência nos primeiros anos do século XIX. Partindo da política do Estado brasileiro, que, em consonância com os interesses da elite cafeicultura, retomou o tráfico transatlântico na ilegalidade após 1831, Walter Luiz Pereira e Thiago Campos Pessoa examinaram sujeitos e lugares do tráfico transatlântico no Sudeste do Brasil, que durante muito tempo foram silenciados pela historiografia. Por meio do exame de uma Ação de Liberdade movida por uma negra livre, vítima da prática ilícita de reduzir pessoas à escravidão, Virgínia Barreto demonstrou como a força da escravidão se fazia sentir, mesmo na vida de homens e mulheres negros que haviam nascido sob o signo da liberdade.

No sexto artigo, Alex Andrade Costa evidenciou, uma vez mais, como a escolha pela escravidão e a reabertura do tráfico transatlântico na ilegalidade (após 1831) envolveu uma série de autoridades públicas brasileiras. Numa proposta macroanalítica que parte da categoria de economia-mundo, Rafael Marquese apresenta como a escolha pela escravidão pode ser observada por meio de um novo regime visual da escravidão negra nas Américas, tomando os casos do Brasil cafeeiro e da Cuba açucareira como objetos de análise. No oitavo artigo, André Boucinhas utiliza corpus documental variado para examinar quais eram as condições de vida dos trabalhadores livres e escravizados da Corte imperial do Brasil na década de 1870. A criação em 1872 do Club Igualdad é o fio condutor por meio do qual Fernanda Oliveira avaliou a intrínseca relação entre a libertação de escravizados e a formação do Estado Republicano do Uruguai. No décimo artigo do dossiê, Juliano Sobrinho problematizou a participação do clero católico e presbiteriano na luta abolicionista nos últimos anos de vigência da escravidão brasileira.

As interfaces do abolicionismo transbordam as fronteiras nacionais no décimo primeiro artigo, no qual Luciana Brito examina a experiência de André Rebouças nos Estados Unidos marcado pelas políticas de segregação racial conhecidas como Jim Crow. No artigo seguinte, a trajetória de um consagrado (porém nem sempre lembrado) homem negro brasileiro – abolicionista, republicano e socialista – é o fio condutor que permite a Ana Flávia Magalhães Pinto revisitar as políticas de memória das pessoas livres do Brasil que viveram os últimos anos da escravidão e os primeiros tempos do Pós-Abolição. Por meio do exame interseccional do universo dos serviços domésticos, os sentidos de liberdade voltam a ser questionados no artigo de Natália Peçanha, que esmiúça os processos de criminalização das servidoras domésticas do Rio de Janeiro entre finais do século XIX e início do século XX. Tão importante quanto pensar e analisar sentidos e significados da escravidão e liberdade é examinar a produção da historiografia sobre tais questões. É exatamente esse o objetivo do décimo quarto artigo do dossiê, no qual Fabiane Popinigis e Paulo Terra examinam como a historiografia da História do Trabalho – mais especificamente o GT Mundos do Trabalho, associado à Associação Nacional de História (Anpuh) – tem dialogado com os estudos sobre escravidão e Pós-Abolição. Por fim, o último artigo da revista, escrito por Moiséis Pereira Silva, permite pensar na longa duração do legado escravista no Brasil, na medida em que se utiliza das denúncias de trabalho escravo na região no Amazonas em plena década de 1970 para conceituar o trabalho escravo contemporâneo.

As abordagens teórico-metodológicas, os usos de fontes e os jogos de escalas presentes nos quinze artigos que compõem este número da Revista Estudos Históricos demonstram que, nas Américas, a multifacetada experiência de escravidão foi aspecto estruturante do continente, ao mesmo tempo em que as lutas pela liberdade revelam os avessos desses mesmos lugares. Fica o convite para a leitura.

Referências

Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital. Revista Illustrada, ano 13, n. 499, p. 2, 1888.

Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital. A Voz da Raça, ano 1, n. 1, p. 1, 1933.

Bernardo Borges Buarque de Hollanda – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). Editor da Revista Estudos Históricos. E-mail: [email protected]

João Marcelo Ehlert Maia – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). Editor da Revista Estudos Históricos. E-mail: [email protected]

Ynaê Lopes dos Santos – Professora da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). Editora da Revista Estudos Históricos. E-mail: [email protected]

Os editores


HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de; MAIA, João Marcelo Ehlert; SANTOS, Ynaê Lopes dos. Editorial. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.32, n.66, jan. / abr.2019. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão e comércio de escravos através da história / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2019

A escravidão é uma das instituições mais antigas da humanidade. Ao contrário do que se possa pensar, a escravização começou muito cedo de tal forma que a propriedade de uma pessoa sobre outra é anterior à propriedade privada da terra. Em diferentes locais e épocas, houve povos que comerciaram cativos, escravizaram vizinhos e até gente do seu próprio meio, mas não conheceram a propriedade privada da terra. Inúmeros povos vivendo em sistemas muito próximos ao chamado comunismo primitivo, traziam em suas culturas o costume de apropriar-se dos corpos de prisioneiros para uso e abuso da comunidade ou de algum indivíduo.

São inúmeras as possibilidades de usufruir do corpo escravizado: imolar, devorar, usar, punir, e colocar para trabalhar ou para exercer atividades consideradas indignas ou arriscadas. Existem quase infinitos exemplos em todos os continentes em diferentes épocas. As sociedades costumam sair da escravidão, mas, em algum ponto do passado, todas passam ou passaram por ela. Há quem distinga sociedades com escravos de sociedades escravistas. Umas possuíam escravos apenas. Outras tinham todo o ritmo da economia e da vida social ditados pela escravidão. Há, todavia, quem ache essa distinção irrelevante, pois é uma questão basicamente de escala, de fronteira imprecisa. Mas, uma coisa é certa, a escravidão marcou profundamente a experiência humana desde a Antiguidade mais remota.

Além de antiga, a escravidão é uma das instituições mais resilientes que conhecemos, como bem demonstram os relatórios online da Anti-Slavery Society, sediada em Londres, talvez a ONG humanitária em atividade há mais tempo no mundo. Já se falou que seria superada por motivos religiosos, e no entanto, é comum escravizar-se gente do mesmo credo. Já se falou que a ética secular a superaria, e no entanto, a guerra e as necessidades do vencedor sempre falaram mais alto. Já se falou que o capitalismo era incompatível com a escravidão, e no entanto na periferia das engrenagens dos grandes mercados, ela retorna e enraíza-se sob diferentes disfarces. E convém lembrar, que, mesmo nos centros mais avançados ela pode ser empregada sob diferentes justificativas, algumas muito apropriadas ao mundo moderno. Na contemporaneidade, multidões de trabalhadores vivem em condições análogas à escravidão em países onde os direitos civis mais básicos são conquistas centenárias. Pessoas desprotegidas ainda são traficadas como mercadorias.

Escravidão, stricto sensu, todavia, significa que uma pessoa, ou um grupo, possui o direito de propriedade, de uso e abuso sobre o corpo de uma outra pessoa, e não apenas sobre os produtos do trabalho. E não é uso temporário, mas ininterrupto. Sendo o corpo uma propriedade, havendo comércio, a pessoa pode ser trocada como qualquer outra mercadoria, repassada, herdada. O comércio de gente escravizada vem de tempos imemoriais, mas como tema da História ainda incomoda. Quem vendeu, quem comprou, quantos foram vendidos e comprados, de onde e para onde e quais os resultados disso, são problemas históricos que tocam em questões éticas e políticas profundas. O estudo do comércio de gente africana para as Américas é uma parte dessa temática quase tão ampla quanto a história humana.

A partir de meados do século XX houve um intenso desenvolvimento de pesquisas a respeito desse assunto. Os estudos sobre o impacto do comércio atlântico de gente escravizada nas várias margens do Atlântico, sobre os cativos e seus descendentes, desdobraram-se em um campo de reflexão teórica e metodológica consolidado tanto nas Américas, como na África e na Europa. As demandas sociais em torno das experiências da escravidão e pós-Abolição demonstram a vitalidade do tema na contemporaneidade. Todavia, ainda há muito o que se fazer. Só para exemplificar, no caso de Pernambuco, a historiografia sobre o tema ainda é tímida, apesar do quarto lugar entre os pontos nas Américas que mais receberam cativos da África. A historiografia sobre o Nordeste, portanto, ainda é carente de trabalhos que tratem, não apenas da demografia do tráfico, mas também do fiscalismo, tributação, consumo, comércio, monopólios, contratos e negociantes. Isso, tanto de forma genérica, como específica, no que corresponde à mercancia de gente.

Esse dossiê pretende somar à historiografia que problematiza essas questões, acolhendo pesquisas sobre escravizados e escravizadores imersos na dinâmicas do comércio de cativos. Numa perspectiva abrangente cronológica e geograficamente, tentamos aqui motivar pesquisas primárias e / ou análises comparativas e ampliar abordagens sobre o comércio de pessoas escravizadas em diferentes contextos e circunstâncias, fomentando assim a discussão. Há muito o que se estudar sobre os processos que permitem relacionar os pontos de origem dos cativos e os locais da exploração dos seus corpos e trabalho, submetendo pessoas a condições degradantes de vida e supressão das liberdades, desde épocas remotas até à contemporaneidade. Os trabalhos que compõem o elenco do dossiê abordaram o assunto entre os séculos em que o Brasil foi uma conquista portuguesa até os estertores da escravidão legal no Brasil do segundo reinado.

O texto de Gustavo Acioli e Leonardo Marques intitulado “O outro lado da moeda: estimativas e impactos do ouro do Brasil no tráfico transatlântico de escravos (Costa da Mina, c. 1700-1750)”, retoma um tema já tratado pela historiografia do comércio atlântico, mas que ainda apresenta muitas lacunas, uma vez que quantificar o volume de ouro saído da América portuguesa, em direção à África Ocidental para a troca por cativos sempre apresentou-se como uma empreitada difícil. Ao longo da argumentação os autores chegam a conclusão que 2 / 3 dos cativos comprados na costa africana foi através do ouro retirado das minas no Brasil e que, de forma indireta, a conquista portuguesa contribuiu para o incremento das trocas globais e a hegemonia do sistema capitalista mundial, o que não teria acontecido se não fosse a via africana a conectar os elos que formavam esse conjunto.

Já o trabalho de Maximiliano Menz “Uma comunidade em movimento: os traficantes de escravos de Lisboa e seus agentes no Atlântico , c. 1740-1771”, desenvolve um estudo sobre os principais traficantes atuantes em Lisboa entre 1740 e 1771. Trata-se de um ramo português de investimentos no tráfico de Angola. Com levantamento circunstanciado de fontes primárias, o texto narra a participação de mercadores e o exercício mercantil de homens de negócio portugueses que transitaram entre o Reino e a conquista Angola, aproveitando as conjunturas vantajosas para o comércio de cativos. Apresenta variados negociantes, alguns reconhecidos como os mais ricos no sistema, demonstrando com suas práticas e estratégias que os negócios atlânticos vão além de esquemas “triangulares” e “ bipolares”.

Por sua vez, o artigo de Alexandre Bittencourt trata da complexa rede estabelecida entre as regiões exportadoras e importadoras de pessoas escravizadas, África, América portuguesa e Europa. Em “A travessia de escravos dos sertões de Angola para os sertões de Pernambuco (1750-1810)”, desenvolve o entendimento de que pessoas colocadas em lugares chave e exercendo funções variadas se tornaram essenciais para viabilização do comércio de escravos. Dentre as personagens tratadas sobressaem-se as que residiam em Pernambuco e atuaram através da Companhia de Comércio Pernambuco e Paraíba. Delineia um processo que conecta de sertão a sertão, tendo o Atlântico como intermediário, concluindo-se quando as pessoas escravizadas alcançavam o seu destino fossem nas minas ou nas fazendas de gado dos rincões Setecentistas.

Com o texto de Janaína Bezerra mergulhamos no universo dos homens de cor atuantes principalmente nos centros urbanos. O trabalho “Luís Cardoso: de Escravo a Homem de Negócio da Praça do Recife (XVII e XVIII)”, seguiu a trajetória de vida de um homem pardo, forro, filho de um senhor branco com sua escrava, que chegou a alcançar a distinção como homem de negócio de grosso trato na Praça de Pernambuco. Participou de instituições sociais frequentadas pela elite branca, demonstrando quão fluidos foram os padrões de inserção e as negociações para impedimentos ou não, nas conquistas portuguesas do Antigo Regime.

Arthur Danillo Castelo Branco de Souza lida com o comércio interprovincial e intraprovincial de cativos na segunda metade do oitocentos. Analisa anúncios de compra e venda de cativos nos jornais e a atuação de alguns negociantes e daí busca entender esse complexo processo que permitiu repor a mão de obra escrava em Pernambuco. Tal como no tráfico atlântico, o comércio interprovincial de cativos também se fez em boa parte à margem da legalidade. Os escravizados, por sua vez, aproveitaram-se da demanda pela mão de obra para, sempre que possível, tentarem trocar de senhor à procura de um cativeiro menos brutal.

George F. Cabral de Souza trabalha com documentos recolhidos em diversos acervos, tanto no Brasil como em Portugal, que lhe permitem apresentar dados substanciais sobre 38 negociantes que operavam no Recife, aproximadamente entre 1660 e 1760, os quais estavam envolvidos no comércio de africanos escravizados. O foco central do texto são quinze negociantes listados em um relatório sobre as embarcações negreiras da praça do Recife, em 1758. Atendendo pedido do governo central, o governador da capitania produziu aquele documento sob o pretexto de apurar a possível superlotação das embarcações.

O texto analisa as trajetórias e inserção desses personagens na sociedade pernambucana, os quais diversificavam seus negócios e teciam redes de forma a permanecerem no topo da hierarquia social. O texto de Gian Carlo de Melo Silva tem por base uma densa pesquisa no Rol de Confessos, uma fonte rica em dados populacionais que não costuma ser utilizada em estudos sobre escravidão no Nordeste. Partindo de uma descrição crítica daquele acervo documental, o trabalho analisa os dados obtidos sobre a escravidão em Alagoas, com especial atenção para a freguesia de Santa Luzia do Norte, cujo território engloba tanto uma área mais urbana como uma região ocupada por engenhos de cana. O foco central do trabalho são as complexas relações entre os arranjos familiares no Brasil colonial, a escravidão e as mestiçagens.

É com muita satisfação, portanto, que apresentamos este dossiê, na certeza da relevância do seu tema e na qualidade dos trabalhos aqui publicados que esperamos que sirvam de base para outras pesquisas e debates futuros.

Suely C. Cordeiro de Almeida

Marcus J. M. de Carvalho

Organizadores

Suely C. Cordeiro de Almeida – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente, integra o corpo docente da Graduação e Pós-Graduação do Curso de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco e da Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0001-8267-4719

Marcus J. M. de Carvalho – Doutor em Historia pela University of Illinois at Urbana-Champaign. Atualmente é professor titular de História nos programas de graduação e pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0003-1912-2879


ALMEIDA, Suely C. Cordeiro de; CARVALHO, Marcus J. M. de. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.37, n.2, jul / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão e sociedade em espaços lusófonos / Ponta de Lança/2018

O mundo lusófono, considerado como um todo, cruza mares e continentes. Constituído por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Portugal e Timor Leste, este mundo transnacional e cosmopolita inclui atualmente cerca de 250 milhões de falantes do português. O estudo do espaço cultural criado pela adoção da língua portuguesa ainda carece de pesquisas acadêmicas multi e interdisciplinares amplas e a partir de várias perspectivas. Atualmente, essa lacuna tem sido suplantada pela realização de estudos que procuram mostrar a lusofonia a partir de uma perspectiva globalizante que une diferentes regiões desse imenso espaço. Leia Mais

Histórias e experiências (entre) cruzadas: sobre a escravidão, relações étnico-raciais e colonialismo / Mnemosine Revista / 2018

No Brasil, temas como escravidão, diáspora africana, colonialismo e relações ético-raciais já se firmaram nas investigações das Ciências Humanas e, de modo específico, dos estudos históricos. Atualmente, na História, inúmeras agendas de pesquisas vêm sendo desenvolvidas em torno desses e de outros temas conexos, entre os quais: história indígena, cidadania, educação, religiosidade, relações de gênero, movimentos sociais, identidade e violência. Tais interrelações temáticas têm tomado como objeto não apenas as relações sociais estabelecidas em nosso país, mas diante de outros recortes espaciais, em especial a partir de América, África e Europa.

Os artigos presentes neste dossiê foram elaborados por pesquisadores (as) que se inserem nesse novo contexto de pesquisas. Marley Antônia Silva da Silva, em seu artigo Do norte da África ao norte da América Portuguesa (1755-1815), destaca as conexões transatlânticas das populações africanas com foco no Grão-Pará e a Alta Guiné, no norte da África. O artigo se apresenta como um guia para adentrarmos as tramas sociais dos interesses e condições históricas que condicionaram dinâmicas escravistas e outras dimensões da diáspora africana forçada, que conformaram as populações das regiões de São Luís e Belém, entre o final do século XVIII e início do século XIX.

Em Para libertar o meu filho: Estratégias utilizadas por forras e escravas ao alforriarem na segunda metade do século XVIII em Minas Gerais, Carlo Guimarães Monti nos apresenta as estratégias de mulheres escravizadas em busca por alforrias. Nesta linha, levantou e avaliou um amplo escopo documental, composto de inventários e testamentos de senhores de escravizados. Sua análise foi constituída com vistas nas redes familiares, pontos fundamentais para os escravizados alcançarem seus intentos de liberdade. Deteve-se também sobre o caráter privado das alforrias, como instrumento fundamental para a tentativa de manutenção da sujeição dos escravizados.

Marcelo Ferreira Lobo, em Para além da alforria: Mobilidade e sobrevivência de Libertos no Brasil (Grão-Pará, 1800-1888), analisa as noções de cidadania e direitos construídas ao longo do século XIX no Grão-Pará. Para isso, lançou mão de problematizações sobre as possibilidades de mobilidade social e liberdade no cotidiano de mulheres e homens alforriados, a partir da análise de testamentos de senhores e libertos. Investigou, desse modo, regiões intermediárias entre a escravidão e a liberdade, onde se fizeram presentes reinvenções do paternalismo, mas também as lutas de negras e negros frente a miséria, insegurança econômica e perseguição das forças de segurança.

Pedro Nicácio Souto, em Escravidão e Pecuária na Paraíba: São João do Cariri (1870-1888), discorre sobre as singularidades das formas de escravidão ocorridas em São João do Cariri – PB, no final do século XIX. São apresentados diferentes aspectos do panorama econômico, social e demográfico local, nas últimas décadas da escravidão. Delineiam-se particularidades da sociedade escravista desta localidade, marcada pela importância da pecuária e da agricultura de subsistência. Souto aborda como as relações sociais em torno da pecuária influenciaram as maneiras como constituídas as experiências dos escravizados e suas relações junto aos senhores.

No artigo Em defesa da classe: Pós-Abolição, racismo e imprensa negra em Campinas e Piracicaba, Willian Robson Soares Lucindo aborda os jornais produzidos nas cidades paulistas de Piracicaba e Campinas no pós-abolição. Apresenta importante chave interpretativa para a compreensão do racialismo e do racismo enquanto fundamentos de criminalização das populações negras. Para tanto, deslinda ações diversas dos grupos dominantes e de mulheres e homens negros subalternizados, ressaltando também a importância da imprensa negra no debate público e na denúncia das concepções preconceituosas em (re)estruturação naquele contexto.

Em A Docência como Missão na América Latina: Reflexões sobre a formação professores e professoras de história na Amazônia Oriental, Maria Clara Sales Carneiro Sampaio efetua um movimento reflexivo sobre sua experiência docente na regência de disciplinas relacionadas a história da América e história indígena, na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Sampaio articula experiências vivenciadas na história recente da Amazônia Oriental com realidades mais distantes no espaço e tempo, visando o melhor entendimento das tensões e desafios presentes no contato entre os missionários e os povos indígenas durante a colonização da América.

O dossiê se encerra com o artigo As vozes escritas de Pepetela: identidade angolana, literatura e colonialismo em “Mayombe” e “A geração da utopia”. À luz da hermenêutica e de uma postura etnográfica, João Matias de Oliveira Neto nos apresenta uma análise de dois romances históricos do escritor angolano Pepetela. Tomando como objeto essa literatura, o autor reflete sobre as dinâmicas identitárias e as percepções de diferentes sujeitos sociais, constituídas nos processos colonial e pós-colonial pelos quais passou o atual Estado de Angola. Tais questões se fazem presentes na escrita de Pepetela, a partir das situações históricas experienciadas e refletidas pelos personagens.

Sob os auspícios deste quadro, emoldurado por abordagens em diversas perspectivas, convidamos os(as) leitores(as) a imergirem nessas múltiplas historicidades vivenciadas no Brasil, Angola e outros locais de colonização Ibérica em contextos coloniais e pós-coloniais.

Sérgio Luiz de Souza – Professor Adjunto no Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de Rondônia (UNIR) – Campus Porto Velho, onde atua no Programa de Mestrado em História e Estudos Culturais. Pesquisador associado ao Centro de Estudos das Línguas e Culturas Africanas e da Diáspora Negra (CLADIN) da UNESP / Araraquara. E-mail: [email protected]

Janailson Macêdo Luiz – Professor Assistente da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Campus Marabá. Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]


SOUZA, Sérgio Luiz de; LUIZ, Janailson Macêdo. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.9, n.1, jan / jun, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão, Abolição e Pós-Abolição | Revista Historiar | 2017

“Art. 3.º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural ou agroindustrial, sob a dependência e subordinação deste e mediante salário ou remuneração de qualquer espécie”.

Projeto de Lei N. 6442/2016 de autoria do deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT)

Aproximando-se do marco de 130 anos da abolição da escravatura no Brasil, a se realizar em 2018, o tema que nunca deixou de figurar entre as principais problemáticas do universo acadêmico, volta à baila do modo mais cruel possível, o da permanência que se veste de trajes de retrocesso não só social, mas também político e institucional. A proposta de lei que busca reordenar as relações de trabalho no espaço rural, prevendo a possibilidade de remuneração em forma não salarial, abrindo espaço para converter fornecimento de alimentos e moradia enquanto contrapartida ao trabalho, assustadoramente remonta ao inglório tempo da escravatura no Brasil, o que nos leva à observação do quanto nosso pacto social ainda precisa ser fortalecido para que se atinja padrões mínimos de civilidade. Leia Mais

Escravidão-Pós-abolição no Brasil / História, Histórias / 2016

Apresentação

Foi com imensa satisfação que organizamos o dossiê “Da escravidão ao pós-abolição: novas pesquisas, questões e debates”. Ao reunirmos emumúnico volume questões tão diversas sobre a experiência negra no Brasil ao longo da escravidão e do pós-abolição, procuramos abrir um espaço de debate historiográfico. Afinal, os artigos aqui selecionados contribuem para problematizar, tanto as perspectivas teórico-metodológicas e abordagens cristalizadas, quanto os campos temáticos específicos e linhas investigativas.

Este dossiê apresenta um conjunto de doze artigos. Como ponto de partida, o historiador italiano Matteo Giuli promove uma releitura do livro clássico Cultura e opulência do Brasil, do jesuíta italiano André João Antonil, abordando os dilemas entre escravos e senhores na condução dos engenhos açucareiros no Brasil colonial. No artigo seguinte, Carlos de Oliveira Malaquias e Ana Caroline de Rezende Costa discutem a questão das fugas de escravos na perspectiva dos senhores que publicaram anúnciosno periódico mineiro Astro de Minas, entre 1827 e 1839.

Já Ilana Peliciari Rocha pauta a história das chamadas “escravas da nação”, distribuídas em vários estabelecimentos públicos no Brasil Imperial. Fábio Amorim Vieira e Gabrielli Debortoli, em artigosubsequente, investigam as medidas de controle social adotadas pelas autoridades de Santa Catarina na segunda metade do século XIX frente às experiências das populações de origem africana, atentando-se sobretudo para os códigos de posturas do período. Rodrigo Caetano Silva, por sua vez, examina o pensamento do político e jurista piauiense Antônio Coelho Rodrigues no contexto abolicionista, a partir de seu livro Manual do súdito fiel, ou cartas de um lavrador a sua majestade o Imperador, publicado em 1884.

Em artigo que inaugura a seção dedicada ao pós-abolição, Petrônio Domingues, Cláudia Nunes e Edvaldo Alves indicam caminhos e possibilidades de pesquisa sobre Sergipe no período em que o “cativeiro se acabou”, reconstituindo diversas experiências de libertos no domínio do trabalho, da moradia, da sociabilidade, do lazer, em suma, no plano do cotidiano.

Abordando a passagem da escravidão para a liberdade, Marcelo Ferreira Lobo examina em seu artigo as discussões em torno da aprovação do regulamento do Serviço Doméstico em Belém, a capital Paraense, em 1889. Este regulamento foi uma tentativa de disciplinar o trabalho e os costumes dos empregados domésticos. Na sequência, Flavia Fernandes de Souza também foca suas lentes nessa temática, tecendo consideraçõesacerca da história do serviço doméstico em suas relações com a história da escravidão e do pós-abolição.

No artigo posterior, Patrícia Urruzola analisa tanto os discursos dos ex-senhores da Corte para justificar a tutela de ingênuos (filhos de ex-escravas) entre 1888 e 1890, quanto a legislação sobre o assunto. Apoiando-se na documentação policial e jurídica, o artigo de Josemeire Alves Pereira, por seu turno, perscruta a trajetória de um grupo de famílias negras que no pós-abolição se estabeleceram em Belo Horizonte, a nova capital de Minas Gerais, e entre 1913 e 1917 se envolveram emumconflito pelo direito sobre terrenos de uma fazenda herdada por seus antepassados da época do cativeiro.

Já Edinelia Maria Oliveira Souza aborda em seu artigo relações degênero, discriminação racial e cultura política no pós-abolição, a partir de um episódio litigioso ocorrido na cidade de Santo Antônio de Jesus, Recôncavo Sul da Bahia, em 1929. No último artigodo dossiê, Beatriz Floôr Quadrado reconstitui aspectos da história do concurso denominado “Miss Mulata”, criado na cidade de Arroio Grande (RS) em 1969.

Na seção de resenhas, Fabiana Schleumer passa em revista o livro Cross-cultural exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the era of the slave trade, de Roquinaldo Amaral Ferreira, apontando a necessidade de diálogos entre os estudos sobre a escravidão no Brasil e as pesquisas relativas a Angola em perspectiva Atlântica.

Dossiês como este têm suscitado um canal de diálogo entre pesquisadores e auxiliado, quer na renovação dos estudos sobre escravidão, quer na consolidação do campo do pós-abolição. De uma época em que se percebia a invisibilidade da experiência negra na historiografia brasileira no período pós-escravista, nos deparamos agora com investigações criativas que, estribadas em sólida pesquisa empírica, discutem os significados da liberdade e a luta pela cidadania, revelam trajetórias (individuais e coletivas), mapeiam experiências de trabalho no ambiente rural e urbano, pontuam a inserção social e a participação política, cartografama afirmação identitária, interrogamsobre a racialização da sociedade, reconstituem as relações de gênero e os laços familiares e associativistas, entre outros temas. Esta diversidade indica a potencialidade dessas novas pesquisas.

Vale ainda assinalar que este dossiê fomenta a construção de diálogos e conexões entre os campos de conhecimento –Escravidão e Pós-Abolição –, sem contudo negligenciar suas especificidades (continuidades e rupturas instituídas com o 13de maio de 1888) em termos de contextos, problemáticas, objetos, fontes e narrativas, ou seja, em termos de agenda de pesquisa. A percepção de uma história plural, multifacetada e interseccionada tem, certamente, muito a ganhar com esta perspectiva de análise. Fazemos então o convite ao leitor para avaliar o resultado dessas novas reflexões.

17 de outubro de 2016.

Prof. Dr. Petrônio Domingues (UFS)

Profa. Dra. Fabiana Schleumer (UNIFESP)

ORGANIZADORES

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A escravidão e o tráfico atlântico de escravos no Brasil e em Cuba desde uma perspectiva afro-atlântica / Almanack / 2016

Um número crescente de estudos comparando a escravidão nas Américas foi publicado nas últimas duas décadas. Essa recente bolsa de estudos enfatizou muito a importância de estudar o papel da África no comércio de escravos no Atlântico, a fim de compreender sua dinâmica e compreender as maneiras pelas quais os africanos escravizados contribuíram, econômica, política e culturalmente, para a construção das Américas. [1[ Embora a maioria dos estudos comparativos sobre escravidão nas Américas tenham se concentrado no Brasil e nos Estados Unidos, as duas maiores sociedades escravistas do hemisfério ocidental, novas pesquisas também exploraram as muitas semelhanças entre o Brasil e outras sociedades escravistas, especialmente Cuba. [2]

Essa nova onda de estudos comparando Brasil e Cuba é bem justificada. Colonizadas por portugueses e espanhóis, ambas as sociedades foram marcadas pela presença da Igreja Católica. No Brasil e em Cuba, como em outras partes das Américas espanholas, os escravos eram batizados e podiam se casar. Em centros urbanos como México, Lima, Montevidéu, Rio de Janeiro, Havana, Matanzas e Salvador, escravos ingressavam em irmandades leigas católicas (irmandades ou cofradías). Nas áreas urbanas cubanas, os escravos também se juntaram aos cabildos de nación. [3] Essas associações, que prestavam serviços funerários e serviam como sociedades de ajuda mútua aos seus membros, foram organizadas segundo linhas étnicas. Eles permitiram que os escravos suportassem as adversidades da escravidão e preparassem a transição para a liberdade. [4]

O Brasil importou aproximadamente 5,1 milhões de escravos africanos, enquanto as importações de escravos cubanos são estimadas em 778.000 escravos. No século XVII, o Brasil era um grande produtor de açúcar, enquanto a indústria açucareira cubana ganhava importância após o surgimento da rebelião escravista em São Domingos. No início do século XIX, Brasil e Cuba tornaram-se grandes produtores de café. [5] Havia também outras semelhanças. A maioria dos africanos escravizados transportados para o Brasil e Cuba veio de áreas da África Ocidental e da África Central Ocidental, onde predominavam as línguas bantu e ioruba. Da África trouxeram tradições espirituais semelhantes que aliadas ao catolicismo possibilitaram o surgimento de religiões como o candomblé e a santeria. [6]Da mesma forma, eles também carregaram consigo conhecimentos de guerra, que empregaram para organizar revoltas de escravos, durante os séculos XVIII e XIX. [7]

Os sistemas jurídicos das sociedades coloniais latino-americanas, incluindo Brasil e Cuba, baseavam-se amplamente no Direito Romano, dimensão que impactou as populações escravizadas de maneira semelhante. Nas duas sociedades, os escravos conseguiam obter a alforria e podiam comprar sua liberdade. Escravos recorreram à Justiça para apresentar uma petição a seus senhores para obter sua liberdade e também para denunciar maus tratos e abusos sexuais. Além disso, apesar de seus tamanhos diferentes, tanto no Brasil quanto em Cuba, como no México, Peru e Argentina, a escravidão estava presente não apenas nas zonas de plantio, mas também nas áreas urbanas.

No Brasil e em Cuba, o comércio de escravos gerou grandes lucros para os mercadores de escravos, que continuaram a importar escravos após sua abolição legal. [8] Entre 1820, quando o tráfico de escravos para Cuba foi proibido pela primeira vez, e 1867, quando sua proibição foi efetivamente aplicada, aproximadamente 499.580 escravos africanos desembarcaram na colônia espanhola. [9] Da mesma forma, após sua primeira proibição legal em 1831, o Brasil importou cerca de 480.000 escravos. [10]Em ambas as sociedades, proprietários de escravos e fazendeiros obtiveram ganhos importantes. A escravidão foi uma instituição lucrativa que muito contribuiu para o desenvolvimento do capitalismo na Europa e nas Américas durante o século XIX. Como a escravidão era uma instituição lucrativa, os proprietários e proprietários de escravos brasileiros e cubanos resistiram muito ao fim da escravidão. [11] Tal oposição levou à adoção da emancipação gradual, que, exceto para a República Dominicana, também foi a abordagem escolhida pelas elites locais em todas as outras sociedades latino-americanas.

Como Cuba estava dividida por uma guerra pela independência, em 4 de julho de 1870, o Parlamento espanhol aprovou a Lei Moret emancipando todas as crianças nascidas de mães escravas após sua promulgação. [12] Além disso, a mesma lei libertou os escravos com mais de 60 anos. Ainda assim, a lei estabeleceu uma série de restrições, incluindo que recém-nascidos libertados deveriam permanecer sob a custódia do mestre da mãe. Em 28 de setembro de 1871, o Brasil aprovou uma legislação semelhante. A Lei do Rio Branco (ou Lei do Ventre Livre) libertou os filhos de mães escravas que nasceram após seu falecimento. Semelhante à Lei Moret, o alcance da Lei Rio Branco também era limitado e, na prática, não libertava nenhum escravo vivo no Brasil.

Cuba aprovou a Lei do Patronato em 1880 que determinava o fim da escravidão e a substituiu por um período de aprendizagem de oito anos. Portanto, escravos libertos foram renomeados como patrocinados, enquanto os ex-mestres foram nomeados patronos. [13] Em 1885, o Brasil promulgou a Lei Saraiva-Cotegipe ou Lei Sexagenária, que emancipava todos os escravos com mais de sessenta anos. Eventualmente, o sistema de patronato cubano terminou em 7 de outubro de 1886, antes da data inicialmente estabelecida, com a abolição definitiva da escravidão.

A escravidão brasileira foi abolida apenas em 13 de maio de 1888. Tanto no Brasil quanto em Cuba, a transição da escravidão para a liberdade apresentou vários elementos em comum. Enquanto no Brasil a força de trabalho escrava foi substituída principalmente por trabalhadores de origem europeia, Cuba incentivou a imigração de trabalhadores contratados asiáticos. Além disso, em ambos os países o período pós-abolição foi marcado pela manutenção de relações raciais em que predominava a ideia de mestiçagem e democracia racial. Como em outras sociedades pós-escravistas nas Américas, no Brasil e em Cuba, as populações recém-libertadas e seus descendentes enfrentaram uma longa história de racismo e de exclusão social e econômica.

Ao explorar a história da escravidão e do tráfico atlântico de escravos no mundo do Atlântico Sul, durante os séculos XVIII e XIX, este número especial olha para o exemplo de Cuba como contraponto ao estudo da escravidão no Brasil. Além disso, os vários artigos exploram a história dessas duas sociedades escravistas, dando à África um papel central no estudo do comércio de escravos no Atlântico. Para tanto, quatro artigos deste número exploram os mecanismos do tráfico de escravos para o Brasil e Cuba, enquanto os outros três artigos examinam os mecanismos da escravidão nessas duas sociedades escravistas das Américas, com particular atenção ao papel dos escravos. e mulheres libertas.

Em seu artigo, Carlos da Silva Jr. examina a longa história das trocas entre a Bahia e o Golfo do Benin durante o século XVIII, a fim de compreender a dinâmica do tráfico negreiro atlântico nos portos dessa região. Da Silva explica por que os mercadores de escravos baianos preferiam comprar cativos de determinados grupos linguísticos, como Ardra, Mina e Jeje, em detrimento de outros. Ele também enfatiza como as guerras interestatais no golfo de Benin e seu interior, bem como as interações entre os vários atores sociais envolvidos no comércio de escravos contribuíram para essa escolha. Explorando novas fontes de arquivos e mergulhando profundamente na história da África Ocidental para examinar a escravidão na Bahia, o artigo da Silva contribui para uma longa tradição de estudos que examinou essa região nas últimas seis décadas.

Explorando o comércio de escravos do início do século XIX para Cuba, Michael Zeuske analisa as trajetórias entrelaçadas de um homem escravizado nascido na África e um comerciante de escravos europeu. Roberto (ou Robin ou Robert) Botefeur nasceu no interior da Gâmbia, onde foi escravizado quando ainda era jovem. Trazido para a costa, ele foi vendido como escravo a um médico alemão e comerciante de escravos, chamado Daniel Botefeur, que morava na Ilha de Bunce, Serra Leoa, há vários anos. Em 1815, senhor e escravo mudaram-se para Cuba, onde se juntaram a uma comunidade composta por homens e mulheres de vários status e nacionalidades. Navegando nas interseções da micro-história e macro-história, Zeuske demonstra como, apesar de suas histórias diferentes, esses dois homens podem ser definidos como cosmopolitas do mundo atlântico “escondido”.

O artigo “Do Além do Kwango: Traçando as Origens da Saída dos Escravos de Angola, 1811-1848”, de Daniel B. Domingues da Silva e Badi Bukas-Yakabul, estuda as origens dos africanos libertados de Cuba e Serra Leoa durante o século XIX. O artigo analisa os registos disponibilizados no Portal Origens Africanas (http: / / www.african-origins.org) de forma a estimar o número de africanos escravizados da região de Angola e a sua distribuição etnolinguística. Desafiando estudos anteriores sobre as origens dos escravos naquela área geográfica, os autores mostram que apenas cerca de 21 por cento dos cativos embarcados em Angola durante o século XIX vieram da zona além do rio Kwango. Além de contribuir para identificar as origens dos escravos africanos importados para as Américas,

Da África Ocidental e da África Central Ocidental, os próximos artigos movem o foco para Braizl. A maioria dos trabalhos que examinam a chegada de navios negreiros às costas brasileiras durante a era do comércio de escravos no Atlântico concentra-se nos portos do Rio de Janeiro e Salvador. Os historiadores Marcus JM de Carvalho e Aline Emanuelle De Biase Albuquerque exploram a história do tráfico de escravos para o Brasil antes de sua proibição legal em 1831. Os autores examinam os procedimentos médicos e de higiene aplicados aos navios negreiros que chegavam da África no porto de Recife em Pernambuco . O artigo explica o papel dos diversos atores sociais envolvidos no processo de desembarque, e as péssimas condições de transporte a que os africanos foram submetidos durante a Passagem do Meio,

Mariana Dantas explora a história das mulheres negras e das mulheres de cor na Minas Gerais colonial, no Brasil. Examinando registros notariais como inventários post mortem, testamentos e escrituras executadas em Sabará, município de Rio das Contas, na segunda metade do século XVIII, ela mostra como as mulheres negras conseguiram alguma mobilidade social. O artigo discute os processos pelos quais essas mulheres desafiaram as fronteiras sociais e raciais existentes. Ela mostra como, apesar das condições difíceis, essas mulheres conseguiram assegurar a transmissão de bens, inclusive escravos, para seus filhos homens e mulheres.

O artigo de Mariana Muaze discute as relações entre senhores e escravas que trabalhavam como empregadas domésticas no casarão de uma das maiores e mais antigas fazendas de café da região, a Fazenda Pau Grande, localizada em Paty do Alferes, no Vale do Paraíba. . Embora as mulheres escravizadas esperassem que os laços de afeto recíproco com seus senhores as ajudassem a obter os papéis da alforria, Muaze mostra que ganhar a liberdade sempre foi uma conquista incerta. Cientes de seu poder, os senhores brincavam constantemente com essas expectativas para exercer controle sobre seus escravos. O trabalho de Muaze contribui para esclarecer como o trabalho escravo doméstico era generalizado no Brasil e como seus legados persistem até hoje.

No artigo final deste número, Ynaê Lopes dos Santos compara a escravidão urbana em Havana e no Rio de Janeiro entre 1816 e 1820. Esse período foi marcado pela queda de Napoleão Bonaparte e pelo Congresso de Viena, junto com a ascensão do abolicionista britânico movimento, eventos que pareciam colocar em perigo a continuação da escravidão em um futuro próximo. Baseando-se em diversos relatórios produzidos pelas autoridades administrativas de Havana e do Rio de Janeiro, Santos mostra como esses funcionários utilizavam seu conhecimento detalhado do tecido urbano para controlar as populações escravas que cresciam rapidamente nas duas cidades. Focalizando um período em que o medo da rebelião assombrava os senhores de escravos até mesmo nas cidades, o artigo de Santos contribui para o estudo comparativo da escravidão urbana nas Américas a partir de uma perspectiva afro-atlântica.

Reunindo obras que enfocam a história da escravidão e do tráfico atlântico de escravos no sistema do Atlântico Sul, os diversos artigos deste número concebem a escravidão e o tráfico de escravos como resultantes de relações interconectadas, também devedoras de determinadas dinâmicas sociais, econômicas e culturais. que evoluiu nas sociedades africanas.

Através do estudo das múltiplas dimensões das conexões afro-atlânticas e combinando uma variedade de abordagens que combinam micro-história e macro-história, bem como demografia e história urbana, os vários artigos iluminam como os mecanismos mais amplos do escravo atlântico afetaram o cotidiano de escravos e escravas no Brasil e em Cuba. Esperamos que tais trabalhos incentivem o desenvolvimento de novas pesquisas comparativas sobre outras sociedades escravistas nas Américas.

Notas

1. RODRIGUES, Jaime. De costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro, 1780-1860. São Paulo: Companhia das Letras, 2005; HAWTHORNE, Walter. Da África ao Brasil: Cultura, Identidade e um Comércio de Escravos no Atlântico, 1600-1830. Nova York: Cambridge University Press, 2010; SWEET, James H. Domingos Álvares, African Healing, and the Intellectual History of the Atlantic World. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2011; FERREIRA, Roquinaldo Amaral, Intercâmbio intercultural no mundo atlântico: Angola e o Brasil na era do tráfico de escravos. Nova York: Cambridge University Press, 2012.

2. BERGAD, Laird W. As histórias comparativas da escravidão no Brasil, em Cuba e nos Estados Unidos. Nova York: Cambridge University Press, 2007; BERBEL, Márcia Regina, Rafael de Bivar Marquese e Tâmis Parron. Escravidão e política: Brasil e Cuba, c. 1790-1850. São Paulo: Editora Hucitec, 2010; COWLING, Camillia. Concebendo a liberdade: mulheres de cor, gênero e abolição da escravidão em Havana e no Rio de Janeiro. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2013; GRADEN, Dale Torston. Doença, resistência e mentiras: o fim do tráfico transatlântico de escravos para o Brasil e Cuba. Baton Rouge: Louisiana State University Press, 2014 e PARRON, Tâmis Peixoto, A política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1787-1846, Tese (Doutorado em História Social), Faculdade de Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,

3. Sobre cabildos afro-cubanos, ver HOWARD, Philip A. Changing History: Afro-cuban Cabildos and Societies of Color in the XIX Century. Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1998; CHILDS, Matt D. A rebelião Aponte em Cuba de 1812 e a luta contra a escravidão no Atlântico. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2006.

4. SOARES, Mariza de Carvalho. Pessoas de fé: escravidão e católicos africanos no Rio de Janeiro oitocentista. Durham, NC: Duke University Press, 2011.

5. Sobre a produção de açúcar no Brasil, ver SCHWARTZ, Stuart B. 1985. Plantações de açúcar na formação da sociedade brasileira: Bahia, 1550-1835. Cambridge: Cambridge University Press. Sobre o crescimento da produção de açúcar em Cuba durante o século XIX, ver FERRER, Ada. Espelho da liberdade: Cuba e o Haiti na era da revolução. Nova York: Cambridge University Press, 2014. Sobre a produção de café em Cuba, ver VAN NORMAN, William C. Shade cultivou a escravidão nas vidas de escravos nas plantações de café em Cuba. Nashville, TN: Vanderbilt University Press, 2012; e no Brasil, ver SALLES, Ricardo. E o vale era o escravo: Vassouras, século XIX: senhores e escravos no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

6. Sobre as religiões iorubá na diáspora, ver OLUPONA, Jacob K. e Terry Rey, Òrìşà Devotion as World Religion: The Globalization of Yorùbá Religious Culture. Madison, WI: University of Wisconsin Press, 2008.

7. Sobre a guerra no golfo do Benin e na Bahia e em Cuba, ver BARCIA, Manuel. Guerra da África Ocidental na Bahia e em Cuba: soldados escravos no mundo atlântico, 1807-1844. Oxford: Oxford University Press, 2014, e REIS, João José, Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

8. Sobre Cuba, esse ponto é enfatizado por ZEUSKE, Michael. Amistad: A Hidden Network of Slavers and Merchants. Princeton: Markus Wiener Publishers, 2015. Sobre o Brasil, ver CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

9. Sobre o tráfico de escravos para Cuba, ver BERGAD, Laird W., Fe Iglesias García e María del Carmen Barcia. The Cuban Slave Market, 1790-1880. Nova York: Cambridge University Press, 1995.

10. Para estimativas, consulte o Transatlantic Slave Trade Database: Voyages, www.slavevoyages.org.

11. Veja SCHIMIDT-NOWARA, Christopher. Império e antiescravidão: Espanha, Cuba e Porto Rico, 1833-1874. Pittsburgh: Pittsburgh University Press 1999, capítulo 7 e SCHIMIDT-NOWARA, Christopher. Escravidão, liberdade e abolição na América Latina e no mundo atlântico. Albuquerque: University of New Mexico Press, 2011, p. 90-91.

12. Sobre a rebelião, ver FERRER, Ada. Cuba Insurgente: Raça, Nação e Revolução, 1868-1898. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1999. Sobre a Lei Moret, ver COWLING, Conceiving Freedom, capítulo 3.

13. Sobre as limitações desta lei, ver SCOTT, Rebecca. Slave Emancipation in Cuba: The Transition to Free Labor, 1860-1899. Pittsburgh, PA: University of Pittsburgh Press, 2000, p. 128

Ana Lucia Araújo – Howard University Washington. E-mail: [email protected]


ARAÚJO, Ana Lucia. [A escravidão e o tráfico atlântico de escravos no Brasil e em Cuba desde uma perspectiva afro-atlântica]. Almanack, Guarulhos, n.12, jan / abr, 2016. Acessar publicação original [DR]

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A escravidão e os novos mundos / História (Unesp) / 2015

É com enorme satisfação que tornamos público o volume 2 de 2015 da Revista História (São Paulo). Nesta edição, na seção de entrevistas e no seu dossiê, o tema escolhido é dos mais polêmicos e intensamente estudados por pesquisadores brasileiros, caribenhos e norte-americanos no último século. De saída, em uma entrevista gentilmente concedida a três pesquisadores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), o premiado historiador norte-americano e um dos pioneiros estudiosos da história social da escravidão no Brasil, Stanley Julian Stein, brinda-nos com episódios marcantes de sua vida, de sua relação com o Brasil e de sua trajetória acadêmica. Na sequência, o dossiê A Escravidão e os Novos Mundos, que conta com ensaios produzidos por jovens e consagrados historiadores do Brasil e dos Estados Unidos, contribui com os debates especializados sobre o cativeiro de africanos e descendentes praticado nas Américas, oferecendo ao leitor um amplo e atual painel demonstrativo da proficuidade do tema e sugestivo para a construção de novas abordagens sobre as condições sociais, econômicas, jurídicas, políticas e culturais que concorreram na atualização e, posteriormente, na desnaturalização de uma instituição milenar.

Como é costume, a seção de temas livres desta edição da História (São Paulo) torna públicos estudos originais que certamente despertarão a curiosidade não apenas dos historiadores, mas dos interessados em geral. Os assuntos tratados vão desde o cotidiano e a administração de monastérios da Gália dos séculos IV e V, passando pelas relações entre política e epistolografia no século XI, até a dimensão pedagógica da literatura de viagens nos séculos XVIII e XIX. Encerram a seção três estudos sobre o Brasil do século XX, que abordam desde questões econômicas até sociais e culturais, tais como: o associativismo de trabalhadores fabris, a história da tradicional estrada de ferro que ligou os estados do Espírito Santo e Minas Gerais e, finalmente, a produção cinematográfica de São Paulo nas décadas de 20, 30 e 40.

O número, finalizado por sua habitual seção de resenhas, traz ainda duas ou três inovações que gostaríamos de divulgar. Após o cumprimento do período originalmente estabelecido de três anos de experiência com a sistemática produção de dossiês bilíngues (português e inglês), o conselho editorial constatou que a tradução para a língua inglesa alcançou resultados aquém dos esperados e que as contribuições de pesquisadores internacionais, acompanhadas da tradução para o português, mostraram-se mais frutíferas para ampliar a projeção e internacionalização do periódico. Acreditamos que tal medida oferecerá ao público leitor a possibilidade de inteirar-se das mais recentes produções internacionais da área e permitirá aprimorar a divulgação de pesquisas produzidas por colegas estrangeiros. A partir do ano de 2016, História (São Paulo) contará, em sua nova página na internet, com um moderno sistema on-line de acompanhamento – por parte dos autores, pareceristas e editores – de todas as fases de avaliação dos textos recebidos para publicação. Também, a partir do próximo ano, as seções de artigos de temática livre e resenhas passarão a ser publicadas em fluxo contínuo, o que possibilitará uma nova e mais eficiente dinâmica de recepção, avaliação e divulgação dos artigos publicados no periódico.

Para encerrar, o Conselho Editorial da História (São Paulo) gostaria de agradecer ao CNPq, à CAPES, à Pró-Reitora de Pesquisa da UNESP e à Direção do Campus de Franca da UNESP por proporcionarem os suportes financeiros indispensáveis à publicação deste número.

José Carlos Barreiro – UNESP – Campus de Assis

Ricardo Alexandre Ferreira – UNESP – Campus de Franca 


BARREIRO, José Carlos; FERREIRA, Ricardo Alexandre. Apresentação. História (São Paulo), Franca, v.34, n.2, 2015. Acessar publicação original [DR]

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O negro e o legado da escravidão | Outras Fronteiras | 2014

A escravidão foi uma forma de trabalho forçado que existiu em diversas sociedades, em diferentes tempos, sendo que no Brasil teve início com a chegada dos portugueses e durou por mais de três séculos. No regime escravista um grupo de homens, ou uma sociedade, assumem direitos de propriedade sobre outros homens, condição imposta por meio da força e mantida através da violência. Os escravizados são tratados como mercadoria, na medida em que são comprados, vendidos, alugados, usados para empréstimo e penhorados.

A partir do século XVI, após o fracasso no processo de escravização de nativos, os portugueses decidiram pela introdução, em maior volume, de trabalhadores escravizados africanos no Brasil. O tráfico de africanos transformou-se no mais lucrativo negócio do Atlântico Sul, atividade que foi proibida em 1850, mas que perdurou por algum tempo depois, proporcionando grandes fortunas aos traficantes. Estima-se que 4,5 milhões de africanos foram traficados para o Brasil. Leia Mais

África e Brasil – diáspora escravidão e heranças / Em Tempo de Histórias / 2013

Apresentação

Neste ano de 2013 completou dez anos a Lei 10.639 que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas instituições públicas e privadas de nível fundamental e médio. Esta data histórica tem sido comemorada com balanços diversos a respeito dos resultados e perspectivas da lei. Especialistas no assunto e acadêmicos têm discutido sobre o tema com o propósito de realizar outras pesquisas contribuindo para uma maior reflexão sobre a história da África e da diáspora em diferentes sociedades ao longo do tempo. Todas essas discussões realizadas em congressos, seminários, mesas redondas, produziram os mais diversos tipos e meios de publicações. Portanto, é com grande expectativa que a revista Em Tempo de Histórias, na sua 22º. edição, contribui para essa temática ao apresentar o dossiê África e Brasil – diáspora, escravidão e heranças.

A edição conta com uma entrevista com o historiador João José Reis, professor titular de História da UFBA, sobre as relações África e Brasil tecidas nos últimos anos na área de História, abordando aspectos de nível mais profundo de uma herança africana no Brasil. Além disso, o dossiê conta com dois artigos que abordam a temática do ensino de história, que são eles: Percurso da lei 10639/03 e o ensino de história e cultura africana no Brasil: antecedentes, desdobramentos e caminhos, Maurício Silva e Márcia M. Pereira e Dos hominídeos ao homo sapiens: as pesquisas sobre a cor da pele e a utilização de suas informações no ensino da História da África como uma alternativa à desconstrução de mitos raciais, Márcio Paim.

As outras publicações do dossiê percorrem caminhos diferentes, mas que contribuem para uma discussão mais ampla das questões relativas ao tema da revista. Em Sob os signos do poder: a cultura objetificada das joias de crioulas afro-brasileiras, de Amanda Gatinho Teixeira, discute-se a questão da produção de joias por crioulos no período colonial brasileiro. Temos também a contribuição de Elaine Falheiros ao analisar a trajetória de um africano liberto e deportado para seu lugar de origem em: Luis Xavier de Jesus: o “lugar social” de Africanos Libertos na Bahia do século XIX .

O artigo A mídia ruandesa no genocídio de 1994: a relação entre tutsis, Inkotanyis e a Frente Patriótica Ruandesa, de Danilo Ferreira da Fonseca, realiza um estudo midiático contemporâneo sobre o genocídio Ruandês. Já a pesquisa Por uma antropologia do negro: O diálogo convergente entre Arthur Ramos e Dante de Laytano, Maurício Lopes Lima analisa a imagem do negro na perspectiva desses dois autores. Em As influências das ideologias do trabalhismo, da negritude e da democracia racial nas demandas por educação da população negra brasileira, Arilson dos Santos Gomes, propõe uma discussão sobre os desdobramentos das políticas educacionais de inclusão na década 1930.

Os artigos do Dossiê são acompanhados por outros cinco de temática livre, que destacam temas de relevado interesse em sua especificidade e que contribuem para a diversidade da revista.

Transferências e circulações culturais: Alemanha e França na tradição literária e política do século XIX brasileiro, de Aruanã Antonio dos Passos e Alexandro Neundorf, é o primeiro texto de temática livre. Neste trabalho os autores abordam a trajetória de duas escolas literárias, o condoreirismo da Escola de Recife e o simbolismo, que guardam em si um projeto cultural fundamentado no caráter da nação próprio à efervescência da crise e declínio do Império no Brasil. Os autores ponderam que ambas “escolas” buscaram na França e na Alemanha os referenciais do quais apropriaram conceitos adequando-os a realidade do Brasil, o que justifica a ideia de transferências e circulações culturais.

O artigo, O Tribunal de Nuremberg como um Ícone da Justiça de Transição: Aspectos Históricos da Responsabilização Política e do Quadro Ideológico dos Direitos Humanos, Elitza Bachvarova analisa alguns aspectos dos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, ao fim da Segunda Guerra Mundial. O objetivo da autora é retomar polêmicas que surgiram na época, compreender o impacto de tais questões no contexto político internacional do pós-guerra e analisar os principais referenciais políticos que surgiram e os dilemas da responsabilização política que definem a busca por políticas democráticas desde a época desses marcos históricos.

Em Planadores e Dirigíveis: os primeiros resultados práticos para o sucesso do vôo controlado, Suâmi Abdella Santos realiza um estudo sobre pioneiros da aviação que não conseguiram construir máquinas voadoras práticas, mas serviram de apoio para que outros inventores pudessem obter êxito na construção dos seus aparelhos voadores.

No texto Os direitos humanos (re)conquistados no Brasil, desde a década de 1970 Marcos Evandro Cardoso Santi analisa as lutas de reconquista de um regime democrático e dos direitos a ele associados a partir dos anos 1970 no Brasil. Santi apresenta uma breve introdução sobre a perda da democracia brasileira na década de 1964 para que se compreenda a importância do processo de (re)conquista dos direitos humanos e da democracia brasileira. Constata que a trajetória histórica peculiar da redemocratização brasileira explica em grande parte os próprios impasses atualmente constatados para que os direitos humanos sejam mais efetivamente observados no País.

O corpo editorial da revista Em tempos de história convida a todos os leitores a uma boa leitura!

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Escravidão | Revista Ultramares | 2013

A partir das comemorações do centenário da abolição da escravatura no Brasil muitas obras e pesquisas historiográficas revisitaram as histórias dos escravos e seus descendentes, redesenhando o papel que desempenharam na sociedade brasileira durante os vários séculos de escravidão. Novas fontes foram descobertas, outras revistas. Além do que com as possibilidades abertas pelas influências teóricas pós Annales surge uma nova historiografia da escravidão no Brasil. O escravo que antes era uma peça movida ao bel prazer das vontades dos seus senhores, passou a ter voz e a negociar sua existência dentro do sistema1.

Desde então os escravos passam a ser vistos dentro da sociedade, como parte crucial para o seu funcionamento e desenvolvimento, e como sujeitos ativos na construção cotidiana da nossa história. Sem o negro o Brasil não teria conseguido auferir riquezas e inserção no cenário mundial no desenrolar dos séculos de colonização, e mesmo depois da independência.  No que tange a escravidão, os escravos passaram a ser investigados a partir da formação familiar que emergiu de dentro das senzalas urbanas e rurais, instituição que segundo alguns historiadores, consolidou a paz e acalmou os ânimos2. Novas possibilidades surgem a partir da presença negra na formação de irmandades, contribuindo com sua cultura para promover uma complexidade religiosa, nas festas e devoção aos santos católicos. Além disso, os quilombos, antes vistos como locais de subversão hoje são considerados elementos da resistência. Hodiernamente, o cativo não é mais aquele que sempre desejava a liberdade, mais também é visto como um reprodutor do sistema, que dentro de suas possibilidades buscou status, o de ter outros escravos, que conseguiu angariar pecúlio, deixando de ser uma simples vítima do sistema, mas inclusive compactuando para sua preservação. Leia Mais

Escravidão e Experiências Atlânticas / História Unisinos / 2011

Não se pode mais aventar impunemente sobre a invisibilidade da população negra no universo acadêmico brasileiro. Nos últimos anos, principalmente como produto dos Programas de Pós-Graduação em História dispersos pelo país, inúmeras pesquisas têm sido realizadas para desvanecer este miasma que encobria a população afrodescendente.

Entretanto, sobre a africanidade desta população, sobre o fenômeno diaspórico transatlântico, desde as experiências étnico-culturais do continente de origem até as multiformes reinvenções étnicas no Novo Mundo, muito existe para ser investigado e escrito.

O Dossiê Escravidão e Experiências Atlânticas foi pensado para ser apenas um, porém a abundância de trabalhos recebidos e a generosidade da editora desta revista nos permitiu uma continuação.

Roquinaldo Ferreira é professor do departamento de história da Universidade de Virginia (EUA), onde leciona história da África. Seu artigo trata do processo de abolição do tráfico atlântico de escravos em Angola, na primeira metade do século XIX.

Rodrigo Weimer é doutorando na Universidade Federal Fluminense, orientando da professora Hebe Mattos. Em sua dissertação defendida junto ao PPGH-Unisinos, Rodrigo investiu em uma pesquisa no pós-abolição, analisando as práticas de nominação da população negra.1 Seu artigo persiste no pós-abolição e analisa, através da história oral, como os descendentes de escravos de uma área rural do litoral norte do RS, vivenciaram a experiência de deslocamento para o meio urbano, em um contexto histórico de expansão dos direitos trabalhistas nas cidades, no período varguista.

O historiador Jonis Freire é professor do PPGH da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO / Niterói) e defendeu doutorado na Universidade Estadual de Campinas, orientado pelo professor Dr. Robert Slenes, com a tese intitulada: “Escravidão e família escrava na Zona da Mata mineira oitocentista”. O seu artigo, neste dossiê, discute as possibilidades de manutenção da família escrava em três grandes propriedades escravistas da Vila de Santo Antonio do Paraibuna, considerando o tenso momento de falecimento dos senhores.

Duas notas de pesquisa encerram o dossiê. A primeira delas, de autoria dos historiadores Paulo Staudt Moreira e Natália Pinto, aborda o tema da saúde escrava, analisando os registros paroquiais de óbitos das duas cidades mais importantes da província do Rio Grande do Sul, na primeira metade do século XIX – Porto Alegre e Pelotas.

Yuko Miki é professora do Departamento de História da Washington University in St. Louis e sua pesquisa intitula-se Insurgent Geographies: Blacks, Indians and the Colonization of Nineteenth-Century Brazil. Sua Nota de Pesquisa versa sobre uma região pouco explorada, a fronteira das províncias da Bahia e do Espírito Santo, onde o tráfico atlântico provocou um encontro íntimo entre povos africanos (registrados nos documentos como Angolas, Nagôs, Jejes, Moçambiques, Haussas e Guinés) e a população indígena.

Desejamos a todos uma boa leitura na expectativa de que este dossiê suscite debates e fomente novas perspectivas de pesquisa.

Nota

1. WEIMER, R. de A. 2008. Os nomes da liberdade: ex-escravos na serra gaúcha no pós-abolição. São Leopoldo, Oikos.

Paulo Roberto Staudt Moreira

Flávio Gomes


MOREIRA, Paulo Roberto Staudt; GOMES, Flávio. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.15, n.1., janeiro / abril, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão: Ideias e práticas / História Revista / 2010

Ao organizar o dossiê Escravidão: Ideias e práticas, a História Revista vis -se homenagear a memória da Profa. Dra. Gilka Ferreira Vasconcelos (1925-2008). A formação de um centro de pesquisa em História em Goiás deve, e muito, aos esforços da professora e de uma geração de professores representada, entre outros, por Luis Palacín, Janaína Amado, Lena Castelo Branco Ferreira e Dalisia Dolles, responsáveis pela criação do Programa de Pós-Graduação em História das Sociedades Agrárias em Goiás, em 1972. Como pesquisadora, Gilka Vasconcelos renovou os estudos sobre a escravidão com a publicação de sua tese, defendida na Universidade de São Paulo, Economia e escravidão em Goiás colonial (1983).

Gilka Ferreira Vasconcelos nasceu em Rio Verde. Seu pai trabalhava como mascate, acompanhando o lento movimento das boiadas. Para dar continuidade aos seus estudos, a professora mudou-se para Uberaba, onde completou o ginasial. De lá, foi para Belo Horizonte cursar a Faculdade de Filosofia, graduando-se em História e Geografia. O curso era marcado por “professores improvisados”, quase todos formados em Direito. Posteriormente, essa Faculdade foi incorporada à recém-fundada UFMG. Casou-se com seu professor de História da América, Sebastião de Oliveira Sales, em 1947. Ao retornar para Goiás, após a morte de seu marido, atuou em várias frentes: lecionava tanto no ensino superior (UFG e UCG), como no Instituto de Educação e no Instituto Pestalozzi. Os traços biográficos aqui esboçados visam fixar a dura rotina da professora, acrescida, ainda, pela lida com a casa e com os filhos. Percebe-se a incontida alegria da professora ao rememorar as etapas do seu processo de formação acadêmica. O acesso ao título de doutor era uma missão árdua, ainda mais para quem morava longe dos grandes centros universitários.

Na década de 90, quando as aposentadorias ameaçaram a sobrevivência do Programa de Pós-graduação em História, lá estava a professora Dra. Gilka Vasconcelos pronta para defender, corajosamente, a continuidade das atividades acadêmicas do mestrado. A defesa desse espaço acadêmico formou, simultaneamente, a professora e seu próprio campo de formação. Em 1983, assumiu, por dois mandatos consecutivos, a coordenação do Programa de Pós-graduação em História das Sociedades Agrárias da Universidade Federal de Goiás. Orientou 23 dissertações de mestrado e manteve sempre aguçado interesse pela pesquisa histórica. Em 2008, já adoentada, coordenou, com o costumeiro zelo, o simpósio sobre a vinda da Família Real Portuguesa, no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG).

O dossiê Escravidão: ideias e práticas traz três artigos que apresentam resultados de pesquisas inéditas. Andréia Firmino avalia as teorias legitimadoras da escravidão a partir do debate parlamentar em meados do século XIX. Mary Karash destaca a experiência social da escravidão, analisando a formação e o papel das irmandades em Goiás, com destaque para a irmandade dos pretos e suas práticas associativas; e Maria Lenke Loiola investiga a inserção de Goiás no infame comércio de almas, com destaque para as rotas do tráfico e o peso da participação de Goiás nessa atividade.

Na seção de artigos, Clarissa Valadares Xavier e Carlos Eduardo Santos Maia investigam as festas “fora de época” na cidade de Salvador. A pesquisa de Cynthia Radding propõe uma análise comparativa entre as fronteiras geográficas e a história das Américas, com atenção especial para as zonas fronteiriças. José da Costa D’Assunção Barros discute a noção mecanicista de progresso, com base na leitura de Nietzsche. Jurandir Malerba apresenta as variações metodológicas presentes nos debates acerca da relação entre Memória e História. Luciana Fagundes discute os rituais e os símbolos do poder real, com base na repercussão da visita de Alberto I, rei da Bélgica, ao Rio de Janeiro, em setembro de 1920. Finalmente, Valéria Milena Röhrich Ferreira investiga a relação entre as histórias e as memórias em circulação na cidade de Curitiba, na década de 1990 e na seguinte, e o processo de elaboração do currículo da rede municipal de ensino. Na seção resenhas, Eduardo Gusmão de Quadros apresenta a obra Um projeto hermenêutico de história das religiões: Mircea Eliade, Joachim Wach e a criação da escola de Chicago.

Noé Sandes Freire

Organizador do Dossiê

Comissão Editorial

Maria da Conceição Silva

Adriana Vidotti

Armênia Maria de Sousa

David Maciel

Heloisa Selma Fernandes Capel

Luciane Munhoz de Omena


FREIRE, Noé Sandes; et al. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 15, n. 2, jul. / dez., 2010. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão: da Antiguidade à Modernidade / Politeia: História e Sociedade / 2010

O presente dossiê, pautado pela perspectiva comparada, partilha do esforço de vincular a temática da escravidão a processos históricos e a contextos sociais multi-temporais e espaciais. Sob o prisma de variadas abordagens, tem a chance de lançar luz sobre pontos de contato e de diferenciar experiências sociais no tempo e no espaço e, nesse sentido, apontar para novas questões de estudos.

Jovens e veteranos pesquisadores, oriundos de diferentes instituições, apresentam, sob perspectivas próprias, artigos lastreados por fontes diversas, modulados com sobriedade e imaginação histórica, como é próprio ao mister do historiador. Esses artigos originam-se, em sua maioria, de estudos mais extensos e meticulosos e evidenciam, com vitalidade, a atualidade do tema, renovado por preferências e opções pessoais, mas, sobretudo, abordagens que se atêm aos sujeitos históricos e à trama de seu cotidiano. São análises que, ao considerar as sutilezas das relações sociais, desvendam processos que estariam invisíveis de outro modo.

Este dossiê garante um mosaico amplo e rico em alternativas para pensarmos a escravidão por ângulos e abordagens atentos às suas singularidades, às possíveis aproximações, ao confronto de fontes e de ideias. Reserva-se ao leitor o contato com experiências sociais interpretadas em seu movimento histórico, que se recusam a generalizações, numa postura historiográfica que assume cada vez mais importância e interesse entre nós. Este rico painel é aqui apresentado em forma de artigos e entrevista.

A entrevista é uma contribuição valiosa e inestimável do historiador norte-americano e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Robert Slenes. Com disposição, entusiasmo e zelo, o professor Slenes reflete sobre os caminhos percorridos em sua trajetória historiográfica e pessoal. Atento aos meandros que envolvem o ofício de historiador, expõe compreensões teórico-metodológicas – sempre explicitadas em seus trabalhos – e indica trabalhos nascidos de profícuas pesquisas, muitos deles já publicados, e que são cuidadosamente apresentados ao final de sua entrevista. É um registro histórico que tivemos a sorte de colher e pelo qual somos profundamente gratos.

José Ernesto Moura Knust, mestrando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), abre a seção de artigos deste dossiê com o texto “Escravidão rural no final da República Romana: a De Re Rustica de Varrão” em que examina, no Tratado sobre as coisas do campo – escrito pelo erudito romano Marcos Terêncio Varrão, no final do século I a.C. –, relações entre senhores e escravos, em especial a autoridade de escravos em posição de chefia e a promoção de atitudes entre os escravos que visavam favorecer aos senhores. Ao analisar estratégias de controle dos escravos refletidas no referido Tratado, o autor nos transporta para a escravidão rural da Roma Antiga e identifica alguns de seus traços na escravidão americana. Para tanto, ancora-se no conceito de sociedade escravista do intelectual norte-americano Moses Finley.

O segundo artigo, “As guerras servis da Sicília”, é uma colaboração de Sônia Regina Rebel de Araújo, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ao tratar das circunstâncias históricas que envolveram duas revoltas de escravos na Sicília entre 135 e 101 a. C., Sônia Rebel evidencia o alcance da resistência escrava na Roma Antiga. Seu texto se orienta por abordagens teóricas de Moses Finley e Keith Bradley e de dois grandes historiadores brasileiros, Sidney Chalhoub e João J. Reis. Com isto, busca demonstrar “como o entrelaçamento dos estudos sobre a escravidão na Antiguidade e nas Américas pode ser produtivo, profícuo, para os estudiosos deste importante tema”. Para a autora, “o diálogo entre os aportes teóricos de historiadores da escravidão nas Américas e no Brasil, como João Reis, Chalhoub e Genovese, e os historiadores da Antiguidade, revelou-se útil, na medida em que aspectos da resistência dos escravos na modernidade revelaram-se instigantes para a análise dos movimentos sociais dos escravos no mundo romano”.

Em seguida temos o artigo “Escravo, servo ou camponês? Relações de produção e luta de classes no contexto da transição da Antiguidade à Idade Média (Hispânia, séculos V- VIII)”, de Mário Jorge da Motta Bastos, professor da UFF. O autor considera que as grandes transformações que se verificaram nas sociedades ocidentais a partir do século X resultaram de um conjunto mais amplo de processos, que se desenvolveram no longo intervalo que separa a Antiguidade e o Medievo. Para Bastos, “sociólogos, economistas e historiadores, conjugando empenho e engenhosidade dedutiva, tentaram desvelar uma realidade fugidia, fugaz em suas expressões, envolta pelas brumas de uma documentação limitada em número e fundamentalmente normativa em sua natureza”.

O quarto artigo resulta da parceria entre os professores Ocerlan Ferreira Santos e Washington Santos Nascimento, ambos vinculados às atividades do Museu Pedagógico da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), campus de Vitória da Conquista, sendo o último, doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Em artigo intitulado “Dimensões da vida escrava na Imperial Vila da Vitória nos últimos anos da escravidão (1870- 1888)”, tratam da escravidão no “Sertão da Ressaca”, mais especificamente, na Imperial Vila da Vitória, atual Vitória da Conquista. Por meio de pesquisa em fontes inéditas, examinam dinâmicas que envolveram as relações entre senhores e escravos nos últimos anos da escravidão, levando-os a concluir que “o que se percebe nos últimos anos da escravidão na então Imperial Vila da Vitória é uma profunda dinâmica envolvendo a população escrava com a construção de arranjos de sobrevivências que provavelmente permaneceram após a abolição da escravatura”. É mais um estudo que se soma aos esforços da pesquisa sobre a escravidão sertaneja, que emerge de uma disposição muito tenaz de pesquisadores que “descobrem” arquivos e organizam documentos, enriquecendo em várias direções a abordagem do tema.

O quinto artigo, “Entre a morada e a roça: escravidão no Recôncavo Sul da Bahia, 1850-1888”, decorre de estudos e pesquisas desenvolvidos por Alex Andrade Costa, Mestre em História Regional e Local pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), campus V – Santo Antônio de Jesus. O autor agrega novos enfoques à escravidão no Recôncavo Sul da Bahia ao analisar a mobilidade e a autonomia na vida cotidiana de escravos de pequenas e médias propriedades rurais, identificando formas de sobrevivência próprias de escravos lavradores. Alex Costa mostra que aquela parte do Recôncavo abrigou relações entre senhores e escravos com traços muito próximos da escravidão no sertão baiano. Numa perspectiva comparada, recorre à historiografia da escravidão para expressar aproximações de análises: “como a historiografia tem demonstrado, o conflito aproximou-se muito do ato de negociar, às vezes convivendo juntos numa mesma ação com um duplo significado”.

Encerrando a seção de artigos temos o “Historiografia sobre o negro, a escravidão e a herança cultural africana na Bahia”, apresentado pelo professor Erivaldo Fagundes Neves. Revela-se ali uma espécie de cartografia da historiografia da escravidão e dos estudos sobre o negro na Bahia. Um amplo painel, que destaca temas, fontes e metodologias presentes nesses estudos.

Como se antevê, são estudos que possibilitam comparações pontuais, enriquecem campos conceituais e ampliam a nossa compreensão das experiências históricas. Também evidenciam o papel chave do “ato de comparar” como um exercício metodológico inerente ao exercício da prática historiadora.

Gostaria, por fim, de externar gratidão e reconhecimento aos colegas que colaboraram com todo o trabalho desta publicação. Em especial, ao professor Luiz Otavio de Magalhães (Uesb, editor de Politeia), que acolheu a proposta do dossiê e acompanhou cuidadosamente a sua edição. Às professoras Gabriela Reis Sampaio e Wlamyra Albuquerque (Universidade Federal da Bahia), aos professores Fábio Joly (Universidade Federal de Ouro Preto), Alexandre Galvão e Márcia Lemos (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), que compuseram a comissão científica e se empenharam no convite a colegas, alguns deles aqui presentes. Como toda publicação da revista Politeia, espera-se que esta edição possa nutrir debates e apontar boas perspectivas para a pesquisa nas humanidades.

Maria de Fátima Novaes Pires – Professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) E-mail: [email protected]


PIRES, Maria de Fátima Novaes. Apresentação. Politeia: História e Sociedade. Vitória da Conquista, v. 10, n. 1, 2010. Acessar publicação original [DR]

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África, tráfico de escravos e escravidão nas Américas / História – Questões & Debates / 2010

Os textos que compõem o dossiê “África, tráfico de escravos e escravidão nas Américas” foram reunidos pelo fato de tratarem, a partir de abordagens e motivações próprias de cada autor, de uma série de elementos que receberam mais atenção de historiadores durante as últimas décadas no que toca à relação entre as sociedades africanas, o tráfico de escravos e a escravidão nas Américas. Esses relacionamentos pareceram durante muito tempo ter obedecido a padrões singelos. Mas, vasculhados por investigadores recentes, receberam novas interpretações ou foram submetidos a métodos de trabalho renovados, descortinando aspectos novos ou que foram redimensionados. Exemplifico com características mais detalhadas do tipo de demanda exercida por diversos produtos e regiões produtoras; com as relações entre as sociedades africanas entre si, do mesmo modo que com autoridades e traficantes europeus ou americanos; com os trânsitos de escravos e senhores entre colônias e países diversos, já nas Américas; com o aspecto internacional, ou intercolonial, ou ainda interimperial do tráfico africano e com o relacionamento entre movimentos internos e atlânticos dos cativos.

O texto de David Eltis condensa achados de magnitude inigualável obtidos a partir da elaboração de sua muito extensa base de dados a respeito do tráfico de escravos africanos. Tratou, no artigo aqui traduzido, dos africanos livres, indicando o que sua trajetória esclarece a respeito de uma miríade de processos relacionados ao comércio de almas. O autor dá muita atenção, inclusive, àquilo que o estudo dos africanos libertados de navios negreiros ensina a respeito de suas regiões de origem. Isso se deve à grande quantidade de informações passível de ser obtida a seu respeito, em comparação com o que se passava com os africanos que permaneceram em cativeiro. As informações sobre eles esclarecem muito, claro, sobre a dinâmica da repressão ao tráfico de escravos, mas também abrem perspectivas de estudo muito intensivo acerca das regiões onde foram alocados.

O trabalho de José Flávio Motta levanta questões intrigantes, tanto pelos resultados já expostos em seu artigo quanto pelos métodos de trabalho que sugere. Um mercado de escravos velhos é por si só uma surpresa. É verdade que, durante o período estudado, o cativeiro já se encontrava em crise no Brasil e isso se manifestava nessa escolha feita pelos compradores, preponderantemente cafeicultores. Possivelmente, não se esperava que a escravidão durasse muito tempo, de modo que talvez fizesse menos sentido do que antes os senhores calcularem a duração futura da produtividade desses escravos. Paralelamente, a demanda por escravos velhos dá informações preciosas sobre o tamanho da urgência por trabalhadores sentida nos lugares que os compravam, dando muita cor à relação que o café, inclusive o do Oeste paulista, ainda mantinha com a escravidão. Por outro lado, os escravos velhos informam muito sobre o passado desse período durante o qual eram negociados. As transações que os envolviam contêm, portanto, informações preciosas sobre o tráfico de escravos africanos que trouxe muitos deles para a província, já que esse tráfico se encontrara em seu auge durante a primeira metade do século. A questão muito debatida de famílias escravas terem ou não sobrevivido às transações de compra e venda também ganha uma luz especial com esse tipo de encaminhamento.

O artigo de Márcio de Sousa Soares contém informação preciosa sobre Campos dos Goitacazes. Isso é fundamental, pois no longo prazo a relação entre tráfico e escravidão no açúcar foi o ponto mais decisivo de todos na relação entre comércio de almas e escravidão – e a cana no Sudeste brasileiro ainda merece mais estudos. O autor utiliza inventários e registros de batismo para esclarecer o enorme peso numérico, em Campos, dos escravos nascidos no Velho Mundo, além de utilizar informações sobre relações familiares para qualificar aspectos muito importantes das relações entre africanos e nascidos no Brasil.

Leonardo Marques trata em seu artigo da participação norte-americana no tráfico de escravos, ressaltando a peculiaridade de ter-se tratado de tráfico muito voltado para o aprovisionamento de outras colônias ou países. Talvez só tenha havido paralelos a essa ênfase no caso do tráfico holandês e no de um momento particular do português, talvez já luso-brasileiro – o do final do século XVI e primeiros anos do seguinte, de acordo com o trabalho de Rozendo Sampaio Garcia1. O artigo é importante por, além de avaliar as dimensões do fenômeno, historiá-lo, tendo em vista a história das instituições norte-americanas e da legislação a respeito, assim como a demanda das regiões importadoras – especialmente Cuba. Contribui para a análise das conexões entre regiões diversas, e de tradições diferentes, nas Américas escravistas.

A contribuição de Alex Borucki também põe no centro da cena as conexões entre regiões e países diferentes, por referir-se à participação brasileira e de luso-afro-brasileiros de Angola e Moçambique nos arranjos destinados a burlar a pressão inglesa e a legislação nacional de cada país, em favor da preservação do tráfico de escravos. Reúne informações a esse respeito a propósito do até agora mal conhecido caso das crianças africanas conduzidas a Montevidéu na qualidade de “colonos”.

O texto de Marion Brepohl de Magalhães, ao tratar do imperialismo alemão na África (os dois focos são os Camarões e o sudoeste africano), sugere caminhos de investigação tanto no tocante à história europeia, quanto em relação à África. Quanto a esta, é de se lembrar a possível existência de fundos documentais ainda pouco explorados a respeito das partes controladas por alemães no continente africano.

Além do dossiê “África, tráfico de escravos e escravidão nas Américas”, são publicados neste número outros trabalhos: João Miguel Teixeira de Godoy realiza uma excelente retrospectiva sobre os estudos voltados ao mundo da fábrica, sempre revisitados nas pesquisas destinadas a este objeto; Leandro Antônio de Almeida apresenta, a partir do escritor João de Minas, mais um exemplo sobre as múltiplas possibilidades do diálogo entre a História e a Literatura; ainda, como mais um representante da nova geração de pesquisadores brasileiros dedicados ao mundo antigo, o estudo de Claudio Umpierre Carlan versa sobre o poder da imagem à época do Imperador Constantino. Finaliza-se o periódico com duas resenhas, de Fabiano Luis Bueno Lopes e João Fábio Bertonha.

Nota

1. GARCIA, Rozendo Sampaio. Contribuição ao estudo do aprovisionamento de escravos negros na América Espanhola. Separata dos Anais do Museu Paulista. São Paulo, 1962.

Carlos A. M. Lima – Universidade Federal do Paraná


LIMA, Carlos A. M. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.52, n.1, jan. / jun., 2010. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão / Outros Tempos / 2009

Abrimos este número duplamente honrados: primeiro, em compartilhar com os nossos leitores e colaboradores a consolidação de nossa revista no cenário acadêmico nacional, em razão de sua requalificação para o estrato B3 do Qualis-Capes para a área de História; em segundo lugar, pela satisfação de apresentar um novo conjunto de reflexões através da publicação de novos artigos e do Dossiê Escravidão, este com textos centrados na escravidão africana.

Desta feita, daremos ênfase à presença do escravo na sociedade brasileira, compreendido aqui como um sujeito fundamental para a nossa constituição histórica, passando por espaços de sociabilidade como engenhos, fazendas, minas, cidades, plantações, fábricas, cozinhas, etc., assim como eixos econômicos atrelados a existência de uma monocultura exportadora. Sua vivência no âmago da formação brasileira influenciou diretamente a culinária, a religião, a música, a língua, as artes, etc. Em virtude disto, a Revista Outros Tempos – Pesquisa em Foco resolveu dedicar-se a este importante objeto da produção acadêmica brasileira.

Dentre os artigos do Dossiê Escravidão apresentamos, primeiramente, A Educação dos negros na sociedade escravista do Maranhão Provincial, de Mariléia Cruz, pelo qual podemos perceber a participação de negros livres, forros e escravos no processo de aprendizagem durante o século XIX. Já o trabalho de Newman di Carlo Caldeira – À margem da diplomacia: fugas internacionais de escravos do Brasil em direção à Bolívia (1822-1867) – percebe o escravo a partir de embates internacionais entre o Brasil e a Bolívia. Com relação ao transporte e comércio de cativos através do tráfico disponibilizamos o artigo de Marinelma Costa Meirelles: As conexões do Maranhão com a África no tráfico Atlântico de escravos na segunda metade do Século XVIII. Além destes, trazemos ainda uma discussão sobre o sistema escravista através da obra “O Mulato”, de Aluízio Azevedo, na produção de Leudjane Michelle Viegas Diniz: Olhares escravocratas nas Páginas de “O Mulato”. Para completar o Dossiê anexamos uma entrevista com Rafael Chambouleyron, professor da Universidade do Pará, em que discutimos alguns apontamentos sobre o processo de escravidão no Brasil e no meio norte-nordeste. E, por último, um documento transcrito pelo professor Reinaldo dos Santos Barroso Junior, referente ao assassinato de um sargento por um escravo no Maranhão de fins do século XVIII.

Na seção de artigos livres encontramos o trabalho de Antonio Evaldo Almeida Barros enfatizando a presença das festas na construção discursiva da identidade maranhense, com o texto Usos e abusos do encontro festivo: Identidades, Diferenças e Desigualdades no Maranhão dos Bumbas (c. 1900-50). A partir do trabalho de Claúdia Cristina Azeredo Atallah, intitulado Centro e periferias no Império Português: uma discussão sobre as relações de poder nas minas coloniais, enveredamos por importantes apontamentos sobre as relações de poder no império português. Apresentamos ainda o trabalho de Guilherme Queiroz de Souza sobre o processo de colonização do México-Tenochtitlán, com o título de Expansão da Fé e Proteção Espiritual: o papel dos clérigos no sentido cruzadístico da conquista de México-Tenochtitlán (1519-1521). Enquanto o artigo A contribuição da memória para o estudo de um processo imigratório específico: o caso dos sírios e libaneses em Juiz de Fora – MG (1890-1940), de Juliana Gomes Dornelas, discute a memória e o processo imigratório dos sírios e libaneses para o Brasil. E, por fim, um pouco de discussão sobre a atuação política de José Candido de Morais e Silva e sua presença na imprensa maranhense como redator do Jornal “O Farol Maranhense” através do artigo José Cândido de Morais e Silva: outras histórias (1828 – 1831), de Vicente Antonio Madureira.

Apresentamos ainda a resenha de Tatiane da Silva Sales referente ao livro Mulheres, Mães e Médicos: discurso maternalista no Brasil, de Maria Martha de Luna Freire, publicada pela Editora FGV.

Desejamos a todas e todos uma boa leitura!!!

Reinaldo dos Santos Barroso Junior

Rogério Veras


BARROSO JUNIOR, Reinaldo dos Santos; VERAS, Rogério. Editorial. Outros Tempos, Maranhão, v. 6, n. 8, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão / Revista Brasileira de História / 2006

Já se escreveu que um homem não deve ter a ousadia de regressar a lugar algum. Subjacente a semelhante afirmação pode estar a idéia de que jamais se deve macular a memória, único suporte de um passado que, afinal, já não pode ser vivido. Mas uma compreensão menos poética da frase de Robert Louis Stevenson remete ao que de movediço há em toda mirada mais ‘analítica’ sobre o que já não existe. É quando o mínimo que se espera do historiador é clareza sobre o seu próprio ofício.

Em meu caso, assino embaixo o veredicto de Marshall Sahlins — em História nem tudo são truques que os vivos fazem com os mortos.[1] É lícito, pois, indagar brevemente sobre alguns caminhos da historiografia da escravidão no Brasil, sobretudo quando duas décadas separam o presente número da Revista Brasileira de História daquele que, lançado por ocasião do centenário da abolição, dedicava-se igualmente ao tema do cativeiro.[2]

Algumas mudanças podem ser capturadas quando comparamos o mapa da pós-graduação em 1988 com o de hoje. Em duas décadas, o número de instituições voltadas para a pesquisa institucional de ponta multiplicou-se por cinco — há hoje meia centena de programas de pós-graduação no Brasil, e todas as regiões do país possuem ao menos dois cursos de mestrado.

Óbvio, tal expansão implicou uma enorme catalisação de recursos humanos e materiais para a área de História. Mas o importante é que a natureza necessariamente argumentativa do discurso historiográfico passou a ancorar-se como nunca em material empírico de primeira mão, na esteira de uma verdadeira ‘colonização’ dos arquivos locais, regionais e nacionais pelos historiadores profissionais e em formação. Resultado: o ensaísmo historiográfico perdeu terreno, restringindo-se cada vez mais à sua função primária de divulgação e de polemismo.

Não deixa de ser curioso observar que essa imensa transformação operou de modo paradoxal sobre os estudos da escravidão. Em função da universalidade do cativeiro em nossa história, a reflexão sobre a escravatura multiplicou-se regionalmente, de modo que já podem ser matizadas antigas idéias segundo as quais a presença africana teria sido insignificante nos limites extremos da América portuguesa, por exemplo. O número de teses e dissertações voltadas para o estudo do cativeiro, entretanto, não conheceu expansão semelhante à observada em outros campos da historiografia. É que a multiplicação de programas de pós-graduação ocorreu de modo seletivo, com ênfase em períodos mais recentes da nossa história em detrimento sobretudo da Colônia e do Império — isto é, da época da escravidão.

É possível que a ênfase assumida pela história republicana resulte de uma espécie de urgência em conhecer a verdadeira face de um país cujas transformações demográficas, culturais e sócio-econômicas aceleraram-se dramaticamente depois de 1964, a ponto de torná-lo de certo modo irreconhecível aos olhos de seus próprios filhos. Tudo se passa como se o adensamento do tempo histórico tornasse incontornável o mergulho nos fundamentos mais imediatos do presente, visando preservar e / ou forjar alguma capacidade de auto-representação por parte dos agentes históricos. (Não é esta a derivação necessária de todo trauma histórico; prova-o o caso dos Estados Unidos, para quem o fim da Segunda Guerra Mundial colocou o futuro — e não o passado — no centro das preocupações nacionais, brindando-nos, de quebra, com um livro genial como As crônicas marcianas, de Ray Bradbury.)[3]

Mas se é certo que tamanho não é documento, é possível detectar importantes ganhos de qualidade nos estudos dedicados ao cativeiro ao longo dos últimos vinte anos. De início, chama atenção a diversidade temática mediante a qual fluem os estudos da escravatura. Hoje em dia já não soam tão estranhos estudos sobre a família escrava (tida antes como aspecto ancilar da história colonial), as irmandades negras, os mecanismos e padrões de alforrias, etnicidade, formas de controle social e de resistência, tráfico interno e externo de escravos, para não falar nos trabalhos acerca do negro no imediato pós-abolição. Melhor: são temas encampados por profissionais das mais diversas tendências teórico-metodológicas, embora não se possa dizer o mesmo do ponto de vista estritamente ideológico — já não viceja entre nós, por exemplo, o menor traço de uma historiografia, digamos, liberal, da escravidão.

Este último aspecto não é de menor importância. Afinal, por meio do liberalismo o Ocidente retornou com vigor ao problema da liberdade encarnada no indivíduo, não sem uma grande dose de ironia, já que as instituições que hoje garantem a liberdade individual foram igualmente gestadas pelos mesmos povos que geraram os mais cruéis sistemas de exploração escravista. Eis o motivo pelo qual, aliás, a Europa e, em especial, o mundo anglo-saxão, continuam operando no ultrapassado registro das ‘raças’, sabidamente inexistentes, resultante de cisões seculares derivadas do cativeiro e de sua ideologia. Talvez por isso — por se defrontarem desde cedo com uma pauta política e ideológica bi-racializada, bem entendido — é que boa parte dos historiadores americanos e ingleses já não gastam muita tinta nas introduções de seus livros desculpando-se por não tomarem a escravidão como um anátema a ser esconjurado. Estão, pois, até certo ponto imunes ao pecado mortal do anacronismo quando o cativeiro é o tema.

Em que pesem seus logros, nossa historiografia sobre a escravidão trilha um caminho em tudo diverso da boa tradição liberal. Ela ainda professa um abolicionismo um tanto difuso, lamentável reflexo não apenas de resquícios da escravidão e do racismo à brasileira, mas igualmente de uma sociedade ainda carente de um projeto político moderno e verdadeiramente plural, para a qual o passado sirva de fonte de conhecimento e inspiração. Eis o principal motivo pelo qual, ao invés de insistirmos em ressaltar as origens e derivações de uma de nossas principais fortalezas — refiro-me à miscigenação, entendida como encontros e circularidades —, não poucos insistem em estabelecer a genealogia de ‘identidades’ que o tempo encarregou-se de diluir em nossa imensa pobreza material.

É provável que, tal como ocorreu com aquele publicado em 1988, o presente número especial da Revista Brasileira de História contribua para recolocar coisas como estas em seu devido lugar. De todo modo, a diversidade e a qualidade das contribuições que o compõem por certo são provas inequívocas do quão nobre permanece entre nós o tema da escravidão.

Notas

1. SAHLINS, Marshall. História e cultura (apologias a Tucídides). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.124.
2. Revista Brasileira de História. São Paulo: Anpuh / Marco Zero, v.8, n.16, mar. / ago. 1988 (Escravidão — número especial organizado por Silvia Hunold Lara).
3. BRADBURY, Ray. As crônicas marcianas. São Paulo: Globo, 2005.

Manolo Florentino – Departamento de História / UFRJ.


FLORENTINO, Manolo. Introdução. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.26, n.52, dez., 2006. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão e Sociedade Colonial / Locus – Revista de História / 2006

A Locus – Revista de História dá continuidade à ordenação temática de suas edições, retomada no número anterior. Quatro artigos abordam aspectos diversos da escravidão e da sociedade colonial no Brasil. Os demais artigos lidam com temas da Hispano-americana, do Brasil Contemporâneo e da História Antiga, num painel diversificado de contribuições para o estudo da História.

O artigo que abre a revista, O comércio das almas e a obtenção de prestígio social: traficantes de escravos na Bahia ao longo do século XVIII, de Alexandre Vieira Ribeiro, focaliza os comerciantes nativos e vindos de além-mar que, no período considerado, desempenharam papel preponderante na vida colonial baiana ao longo do século XVIII e início do XIX. A partir de dados quantitativos e bibliografia específica busca estabelecer o perfil dos comerciantes de escravos estabelecidos na Bahia.

Em Notas iniciais acerca da prática da alforria no Termo de Vila do Carmo, 1711 – 1720, Carlos Leonardo Kelmer Mathias, analisa as escrituras de alforria e liberdade presentes nos livros de nota do 1º Ofício do Arquivo da Casa Setecentista de Mariana, com o intento de estabelecer o perfil das alforrias relativas à comarca de Vila Rica.

Marcia Amantino, através do estudo de anúncios veiculados no Jornal “O Universal”, entre 1825 e 1832, analisa as causas das fugas e o perfil dos escravos em Ouro Preto. Seu artigo, Os escravos fugitivos em Minas Gerais e os anúncios do Jornal “O Universal”- 1825 a 1832, objetiva, ainda, examinar o cotidiano da vida em cativeiro em Minas Gerais do século XIX.

Por fim, encerra o dossiê organizado neste volume, o artigo Recursos e estratégias dos oficiais de Ordenanças: reflexões acerca de sua busca por autoridade e mando nas conquistas, de Ana Paula Pereira Costa, que focaliza as estratégias traçadas e os recursos disponíveis pelos oficiais de mais alta patente das Companhias de Ordenanças, na Vila Rica do século XVIII, para que fossem vistos e permanecessem como homens de “qualidade” e, portanto, detentores de mando.

Peter Blasenheim em Revisiting Richard Morse’s Theory of Spanish American Government for Classroom (Revisitando a Teoria do Governo Hispano-americano de Richard Morse na sala de aula) descreve sua experiência na estruturação do Curso de História da América Latina, no Colorado College, a partir de um dos primeiros escritos de Richard Morse, “Por uma teoria do governo hispano-americano”, publicado em 1954.

Beatriz Helena Domingues analisa os escritos de Javier Clavijero para avaliar a importância da Geração Mexicana de 1750, exilada na Itália em função da expulsão da Companhia de Jesus da Nova Espanha em 1767. O artigo Clavijero’s Perception of the America and American’s from the exile perspective procura evidenciar a abertura deste grupo em relação às idéias modernas e ilustradas, que combinaram com a tradição escolástica.

Estado, e Sindicatos e Direito do Trabalho no Brasil, de Valéria Lobo, argumenta que a forte componente estatal impressa na origem da legislação sindical e trabalhista brasileiras, ao lado da influência dos trabalhadores nesse processo, consolidou uma tradição que tende a inibir a realização de mudanças mais profundas no direito coletivo e individual do trabalho no país. Tal resistência adviria não só dos aspectos materiais decorrentes da legislação trabalhista, mas também dos aspectos simbólicos que envolvem as relações entre Estado e a estrutura organizativa dos trabalhadores.

Márcio Delgado analisa a ascensão e protagonismo de Carlos Lacerda, jornalista, como líder da UDN a e da oposição à herança de Vargas sob a Experiência Democrática de 1946 a 1964. Salienta, em Lacerdismo: A mídia como veículo de oposição na experiência democrática (1946-1964), que o discurso inflamado e contundente de Lacerda soube valer-se de amplo acesso aos diversos meios de comunicação de massas existentes naquele período no Brasil.

A repressão desencadeada, pelo regime militar instaurado em 1964, contra os próprios militares é o objeto de A política repressiva contra militares no Brasil após o golpe de 1964, artigo de Cláudio Beserra de Vasconcelos. Seu propósito é identificar a correspondência desse processo como o contexto político mais global de disputa político-ideológica pelo controle do Estado brasileiro.

O último artigo desta edição focaliza os Aspectos simbólicos da cultura jurídica na antiga Mesopotâmia. Nele, Marcelo Rede assinala que as práticas e representações jurídicas na Mesopotâmia não constituíram uma esfera autônoma, revelando relação estreita com o universo religioso e mágico.

O presente volume, inclui, ainda a resenha de Fernanda Fioravante, relativa ao livro O central e o local: a vereação do Porto de D. Manuel a D. João III, de Maria de Fátima Machado.

Agradecemos à colaboração da Pro- Reitoria de Pesquisa, ao Instituto de Ciências Humanas, ao Departamento de História e ao Programa de Pós-Graduação em História, da UFJF, que criaram condições para a viabilização deste número da Locus – Revista de História.


Conselho editorial. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.12, n.2, 2006. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão, emancipação, história e historiografia: América Latina e experiências comparadas / História Unisinos / 2006

Este dossiê está organizado em duas sessões. Na primeira: Brasil, história atlântica e diáspora aparecem artigos enfocando a historiografia da escravidão, comércio de escravos, políticas de domínio, legislação e campesinato negro. Abre com uma abordagem panorâmica de Regina Xavier sobre a história dos africanos e afro-descendentes no Rio Grande do Sul. A autora investiga cenários e contextos da produção historiográfica rio-grandense, as perspectivas dos autores, campos de investigações, temáticas, espaços editoriais e fontes. Destaca o papel da revista do Instituto Histórico e Geográfico da Província de São Pedro e suas vinculações intelectuais na formulação de uma história da escravidão negra local, fortemente impregnada de uma dada perspectiva de nação e, portanto de região e suas especificidades no século XIX.

Trata-se de uma reflexão fundamental para ser conectada com a historiografia mais recente sobre o tema no Rio Grande do Sul. Não só dos importantes trabalhos de Bakos, Flores, Freitas, Maestri, Pesavento e Picollo1 entre outros já nos anos 1980, mas especialmente a tradição de Dante Laytano2 nos anos 1950 e 1960. Talvez possam ser recuperadas as interlocuções dos primeiros campos de estudos no Sul, articulando interesses pela diáspora e religiosidade africana, incluindo Herskovitss e outros que analisavam o chamado “passado africano” nas Américas3. A temática das vivências africanas e a construção da diáspora urbana mais do que um tema emergente se encontra solidificado em várias abordagens para o Rio Grande do Sul4.

O excelente artigo de Gabriel Santos Berute aprofunda isso ao perscrutar os registros de pagamentos do imposto da meia-sisa da Vila do Rio Grande no período de 1812-1822. Desvela tanto sobre impostos, valores de compra e venda, negociantes, com cenários e personagens do comércio negreiro intra-atlântico, como as procedências e perfis socioeconômicos de africanos e crioulos negociados para o Rio Grande nas primeiras décadas do século XIX. Qual o período de maior negociação de escravos? Como se articulava com a economia charqueadora e outras dimensões da sociedade riograndense? Quem eram os compradores de escravos? Quais características mercantis do tráfico intra-atlântico para o Rio Grande do Sul? Berute assinala a dimensão da população de escravos crioulos (embora mantida a predominância de cativos do sexo masculino) comercializados, indo em direção a um importante campo de estudos sobre a “crioulização” endógena da população escrava sulina, também articulada com taxas consideráveis de africanos ocidentais. As margens de uma história atlântica – menos de uma escravidão genérica – que consideram as variações translocais e conectadas de portos, personagens, dimensões e diásporas inventadas são aproximadas5. Parodiando Alberto Costa e Silva, assim como o Rio de Janeiro, o Rio Grande também era atlântico, posto que conectado entre centros, periferias, impérios e nações.

A historiadora Adriana Pereira Campos oferece uma interessante reflexão sobre os nexos do cativeiro e políticas de domínio no mundo escravista pós-colonial. Partindo da documentação da polícia provincial do Espírito Santo avalia o que denomina “ambigüidades” das relações entre o poder público e as políticas de domínio privado. Assim flagra uma face da montagem e o equilíbrio da construção da ordem da nação numa sociedade escravista e em permanente tensão na segunda metade do século XIX. Por fim, Flávio Gomes analisa as interfaces entre narrativas oitocentistas da repressão antimocambos com aquelas das memórias de comunidades negras, avaliando dimensões e expectativas na formação de micro-sociedades camponesas na escravidão e no pós-emancipação no Baixo Tocantins, região amazônica.

A segunda parte deste dossiê intitula-se Escravidão e Dimensões Comparadas: América Latina, sociedades escravistas e sociedades com escravos. Aparecem trabalhos enfocando história das idéias, história intelectual e reflexão historiográfica sobre a escravidão e abolição na Argentina, Colômbia, Venezuela e Uruguai. Ela é aberta com a instigante reflexão de Eduardo Restrepo sobre as representações e as narrativas discursivas sobre a Abolição na Colômbia na primeira metade do século XIX, em que destacam-se convergências, polarizações, argumentos e justificativas multivocais da sociedade em questão. Imagens de barbárie, incompatibilidade econômica, progresso, civilização e cidadania eram desenhadas em termos dialógicos. Com abordagem historiográfica, articulando história das idéias e história intelectual apresentam-se interessantes análises sobre escravidão e identidade na Venezuela, Uruguai e Argentina. Ramos Guedes oferece uma breve reflexão sobre a trajetória intelectual do importante historiador venezuelano Brito Figueroa. Lamentavelmente pouco conhecido na literatura sobre escravidão no Brasil, Figueroa destaca-se como importante historiador marxista da escravidão nas Américas, produzindo pesquisas fundamentais sobre a história econômica da escravidão venezuelana e as perspectivas de pensar os seus sujeitos, especialmente os africanos e seus descendentes. Recupera assim o legado desse intelectual para a literatura temática na Venezuela.

Os dois últimos artigos tratam da escravidão africana no Cone Sul, oferecendo assim ricas possibilidades futuras de comparação entre sociedades escravistas e sociedades com escravos em várias regiões do Uruguai, Argentina, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Borucki chama atenção para as conexões entre as identidades nacionais e as imagens da história da escravidão uruguaia. Tema ainda com pouco investimento no Brasil, surge uma original abordagem sobre as relações entre movimentos sociais e a produção historiográfica no Uruguai, nos últimos 70 anos. Examina as possibilidades de diálogos invisíveis entre vários setores sociais, intelectuais e acadêmicos, assim como temas de investigação histórica e expectativas de cidadania e reconhecimento histórico através deles. Em direção semelhante apresenta-se o artigo de Gladys Perri, fechando este número especial. As historiografias nacionais da América Latina escolheram – entre mitos, memórias, silêncios e ênfases – percursos e atalhos para avaliar o papel da escravidão e da abolição em cada sociedade, no período colonial e pós-colonial. Estava em jogo a nação, suas identidades e horizontes, assim como memória social e história. A referida autora resgata os sentidos e contextos da produção de mitos de “negação” e “ausência” de escravidão, africanos e seus descendentes na Argentina e o papel da literatura histórica.

Paulo Staudt Moreira

Flávio Gomes


MOREIRA, Paulo Staudt; GOMES, Flávio. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.10, n.3., setembro / dezembro, 2006. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão no Brasil / Cadernos de História / 2006

Os Cadernos de História, apoiados na inter-relação necessária entre ensino, pesquisa e extensão, e de acordo com os pressupostos teóricos e metodológicos atuais, abrem-se à perspectiva interdisciplinar, com o intuito de fomentar a reflexão crítica sobre as temáticas históricas e afins, na sua conexão com a realidade social vigente. Esse aspecto foi viabilizado pela composição relativamente eclética do seu Conselho Consultivo, integrado por profissionais abalizados, oriundos de diferentes áreas das chamadas ciências humanas – a história, a sociologia, a antropologia e a literatura.

Esse esforço admite, por outro lado, variações do ponto de vista operacional, alternando a publicação de artigos distintos no seu conteúdo – como no número anterior – com edições de cunho temático, a exemplo deste número, obedecendo à dinâmica de captação das contribuições especializadas, como também da realização de eventos em áreas de interesse, cujo registro torna-se indispensável.

Assim, seguindo-se à conferência a respeito do relevante Projeto Resgate, o artigo inicial focaliza certos desdobramentos da vinda de trabalhadores portugueses (que a Profa. Marta, escrevendo em Portugal, chama, naturalmente, de “emigração”) durante o século XVIII, no âmbito das injunções de caráter socioeconômico que colocaram lado a lado escravidão moderna e imigração européia no mesmo contexto histórico. Os outros ensaios sobre a história do Brasil compõem o Dossiê sobre a escravidão abrangendo a Colônia e o Império. Alguns deles foram apresentados, em versão preliminar, no II Seminário de História Quantitativa e Serial, promovido pela Anpuh / MG e realizado, em 2001, na PUC Minas Coração Eucarístico, sob a coordenação do Prof. Dr. Tarcísio Rodrigues Botelho, do Departamento de História. Nas edições subseqüentes, pretendemos imprimir um perfil mais diversificado, contando, como de regra, com a colaboração da comunidade acadêmica interna e externa à PUC Minas.

Heloisa Guaracy Machado – Editora executiva dos Cadernos de História


MACHADO, Heloisa Guaracy. Editorial. Cadernos de História. Belo Horizonte, v.8, n.9, 2006. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão no Extremo Sul do País / História em Revista / 1997

No terceiro número de História em Revista, publicação do Núcleo de Documentação Histórica da UFPel, buscamos fortalecê-la. Mantendo-a como um espaço que facilita a veiculação da pesquisa histórica produzida na Universidade Federal de Pelotas, procuramos também afirmá-la como um periódico na área de história em âmbito nacional, contando, assim, com a contribuição de destacados pesquisadores, como a historiadora Helgal I. L. Piccolo, que gentilmente ofereceu seu artigo sobre a escravidão em Pelotas, desejando fosse publicado em uma revista científica pelotense.

A História em Revista se consolida ao buscar constituir um valioso instrumento de pesquisa e informação. A partir desse volume publicamos dossiês sobre temas específicos. Por esse meio, criamos um importante instrumento para pesquisa, estudo e ensino de História, por ensejar a leitura de variadas abordagens sobre uma mesma problemática. No presente número, temos um dossiê sobre a escravidão na zona sul do Rio Grande do Sul; para tanto, privelegiamos a publicação de artigos de autores da própria região, a fim de divulgar a pesquisa aqui realizada sobre o assunto. A temática é tratada sob diferentes enfoques: assuntos variados; metodologias e técnicas distintas; fontes históricas diversas.

Ademais, damos continuidade ao objetivo, estabelecido na elaboração do segundo número, de publicar documentação histórica de valor, inédita ou veiculada em obras antigas, raras e esgotadas, ou mesmo na imprensa de épocas muito recuadas. Assim, se no número anterior publicamos a entrevista com o ex-dirigente comunista Otávio Brandão, nesse trazemos uma tabela sobre a escravidão em Pelotas no século XIX, publicada no Correio Mercantil de 23.08.1884, bem como um conto do escritor pelotense Alberto Coelho da Cunha, que foi publicado em 1872, no Partenon Literário, quando tinha ainda seus 17 anos de idade. Nesse conto, o adolescente descreve, com as tintas da literatura, o cotidiano do escravo da charqueada, que conhecera por meio de sua vivência familiar.

Com uma visão ampla da interação da História com as demais Ciências Humanas, trazemos um artigo de Antropologia, que trata, com originalidade, de um tema de absoluta relevância para os dias de hoje, qual seja, a violência.

Enfim, procurando incentivar os futuros professores e historiadores que formamos em nosso Curso de História, insistimos em manter uma seção dedicada à publicação de trabalhos de conclusão de curso que se destaquem por seus méritos científicos e intelectuais, aqui representados pelo artigo sobre a gripe espanhola.

Fábio Vergara Cerqueira

Editor


CERQUEIRA, Fábio Vergara. [Escravidão no Extremo Sul do País]. História em Revista. Pelotas, v.3, nov., 1997. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão e Abolição / Revista do IHGSP / 1989

 

No contexto de suas atividades culturais, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo promoveu de 1 a 4 de setembro de 1987, um Simpósio de História intitulado ESCRAVIDÃO e ABOLIÇAO.

Todas as sessões de estudos, num total de treze, foram realizadas no auditório do sodalício, nos períodos da manhã e tarde e contaram com a presença de um bom número de participantes. Seguem os títulos e respectivos expositores: “Fontes para o estudo do Abolicionismo” – Odilon Nogueira de Matos; “Escravidão e Abolição na alta Mojiana” – José Geraldo Evangelista; “O negro e a arte no Brasil” – Duilio Crispim Farina; “A iconografia do negro no Brasil” – Délio Freire dos Santos; “Aspectos da escravidão no vale do Tietê” – Roberto Machado Carvaiho; “A sociedade brasileira e a criação da Guarda-Negra” – Maria Lúcia de Souza Range1 Ricci; “Imprensa Negra” – J, Pereira; “Importância do estudo sobre a população negra: contactos sociais, culturais e sobrevivências culturais” – Paulo Pereira dos Reis; “O escravo no ordenamento jurídico brasileiro” – Desidério Alfredo Fontana; “Aspectos jurídicos da escravidão”; “A propaganda republicana e a Abolição” – Antonio Roberto de Paula Leite; “O libelo de José Bonifácio contra a Escravidão” -i Raul de Andrada e Silva; “República e Abolição” – Lycurgo de Castro Santos Filho.

Ressalte-se que o Simpósio foi saudado pelo jornal O ESTADO DE SÃO PAULO como a primeira manifestação programada e realizada no Pais para marcar a passagem do centenário da Abolição.

A Comissão Executiva do Simpósio ficou assim constituida: presidente – Lycurgo de Castro Santos Filho, seiretário – Vinicio Stein Campos, coordenador – Roberto Machado Carvalho. As sessões de estudos compreenderam exposições de temas correlatos ao tema geral e debates. Os trabalhos transcritos no presente número da Revista do sodalício e referentes ao tema geral, fizeram parte do Simpósio.

 


Simpósio “Escravidão e Abolição”. Revista do IHGSP. São Paulo, v.83, p.7, 1988. Acesso somente pelo link original [IF]

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