Rio de Janeiro e a Cidade Global: Histórias comparadas de cidades na Era Moderna da Globalização / Almanack / 2020

Em seu livro, descrevendo os seis meses que passara no Brasil em 1846, o americano Thomas Ewbank escreveu que “os gritos em Londres são bagatelas quando comparados aos da capital brasileira. Escravos de ambos os sexos anunciam seus produtos em todas as ruas.” Quer fossem frutas ou vegetais; itens de vidro, porcelana ou prata; ou ainda sedas e jóias “tais coisas, e milhares mais, são vendidas pelas ruas diariamente”[5]. A comparação feita com Londres sugere que ao tentar traduzir a sua experiência com o Rio de Janeiro para os seus leitores, Ewbank achou necessário referenciar a cidade que, no imaginário Americano, estaria mais associada a um comércio urbano vibrante e abundância de mercadorias advindas de regiões mundiais mais diversas. Na mesma época em que Ewbank publicava seu livro, Friedrich Engels compunha sua obra A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, onde ele descreveu Londres como o centro comercial do mundo [6]. É pouco provável que Ewbank e seus leitores conheciam o texto de Engels, mas certamente saberiam da reputação da capital do império Britânico e do alcance global de suas instituições financeiras e mercantis. Ao comparar as duas cidades, Ewbank associava o Rio de Janeiro oitocentista à cidade global por excelência daquela época.

Para Ewbank, o ponto de comparação com Londres era a disponibilidade de qualquer produto comercial imaginável em qualquer momento que o cidadão urbano o requeresse. O Rio de Janeiro da metade do século XIX estava, de fato, inserido em uma complexa rede de trocas comerciais e financeiras que se estendia pelo interior do território brasileiro, pelo mundo atlântico, e além [7]. Assim como Londres, a cidade portuária brasileira atuava, desde o século XVII, como nódulo importante na rede de centros urbanos e portos que conectava diferentes cantos do mundo e promovia a movimentação global de produtos comerciais, ouro e prata, pessoas, ideias e práticas. Mesmo com as restrições econômicas e políticas de monopólio do antigo regime, diferentes historiadores apontam a participação crucial de comerciantes do Rio de Janeiro, e da cidade portuária em si, na circulação econômica no império português [8]. Mas não é somente a referência a mercadorias diversas que, na passagem do texto de Ewbank, ilustra as conexões transoceânicas que caracterizavam o Rio de Janeiro oitocentista. O breve comentário sobre escravos de ambos os sexos, encarregados de animar tantas trocas comerciais, invoca um outro lado do caráter transnacional ou global daquela cidade: o papel central que o Rio de Janeiro tivera no tráfego de africanos escravizados entre diferentes regiões do Atlântico e do Índico [9].

Essa curta passagem de Life in Brazil aponta, sem necessariamente se dar conta, para a globalidade potencial do Rio de Janeiro, ou seja, a centralidade da cidade em processos de circulação globais que animaram a definiram realidades do século XIX e experiências urbanas de viajantes, consumidores, e comerciantes grandes e pequenos, livres e escravos. A notável cacofonia da cidade, evidência de um setor comercial urbano ativo, representa mais do que conexões mercantis; ela invoca um ambiente urbano familiar, reconhecível. Descrições como essa, disseminadas por viajantes, indicam como o Rio de Janeiro contribuiu para reforçar a imagem do que era típico, esperado, ou desejado em uma cidade[10]. Contribuía assim para noções do urbano no mundo oitocentista.

A relação entre o urbano e o global é a questão histórica que esse dossiê propõe examinar. A fundação da cidade do Rio de Janeiro em 1565 é um dos eventos que marcou um primeiro processo histórico de globalização. A expansão marítima e projeto colonizador de Portugal, Espanha e, eventualmente, de outras comunidades europeias, integraram novas rotas Atlânticas, e mercados nas Américas, a existentes rotas marítimas e redes de trocas econômicas do Mediterrâneo e Oceano Índico. Os séculos XV ao XIX testemunharam, pela primeira vez, a circulação global de mercadorias e o contato entre as populações humanas de todos os continentes[11]. A articulação dessa rede global se deu nas águas e navios, feitorias e mercados, e nos vários centros de poder onde atividades mercantis e alianças políticas foram negociadas. Especificamente, grande parte desse processo se deu em cidades e vilas, tanto portuárias quanto algumas interioranas, onde atores urbanos moldaram espaços e práticas locais para manejarem melhor oportunidades e pressões criadas por forças e conexões globais. O urbano e o global, enquanto fenômenos históricos, interagiram de forma dialógica: dinâmicas urbanas sustentaram a criação de um mundo moderno globalmente conectado enquanto a movimentação global de pessoas, bens, ideias e práticas ajudou a definir realidades e imaginários urbanos. A perspectiva que salienta a interconexão entre a cidade e globalização—a cidade global—é corrente em estudos urbanos do fim do século XX e início de XXI[12].A adoção dessa mesma perspectiva analítica para o princípio do período moderno nos permite entender melhor o papel que cidades como o Rio de Janeiro e populações urbanas tiveram naquela era de globalização, assim como a maneira pela qual aquele momento histórico definiu a cidade.

Interrogar o diálogo entre o urbano e o global a partir de trabalhos somente sobre o Rio de Janeiro não seria suficiente. Estudos individualizados de cidades frequentemente produzem biografias de centros urbanos que tendem a exagerar o distinto ou excepcional de uma localidade e ignorar importantes conexões com outras localidades ou contextos para além do contexto nacional ou imperial [13]. A história global, enquanto disciplina, encoraja comparações e contextualizações amplas que revelam sincronicidades históricas, novas geografias de análise que não a nação ou império, e conexões entre eventos distintos e diacrônicos14. Histórias globais urbanas oferecem também comparações e contextualizações férteis, capazes de produzir narrativas e análises inovadoras, porém ancoradas em localidades e experiências humanas tangíveis15. É em busca dessa perspective urbana global, e seu potencial para elucidar o processo de globalização durante o período moderno e a centralidade da cidade nesse processo, que o dossiê O Rio de Janeiro e a Cidade Global combina textos de pesquisadores de renome internacional sobre o Rio de Janeiro e sobre outras comunidades urbanas do mundo Atlântico. Juntos, os sete artigos aqui reunidos contribuem duas principais intervenções historiográficas: expandir o corpo literário ainda limitado que aborda o Rio de Janeiro como um importante estudo de caso para a discussão sobre a história urbana global e sedimentar a relevância de uma perspectiva comparativa e voltada para o período moderno para estudos de cidades como agentes de globalização.

O leitor encontrará aqui uma análise de processos históricos que marcaram os séculos XVII ao XIX centrada em comunidades urbanas do mundo Atlântico. Luciano Figueiredo e Paul Musselwhite avaliam a relevância histórica de cidades—Rio de Janeiro e James Town, e cidades do mundo Atlântico Britânico, respectivamente—na construção de uma geografia política imperial de proporções globais. Eles ressaltam a importância de populações urbanas para o processo de articulação e negociação de vínculos políticos e econômicos entre o velho e o novo mundos. Em particular, eles demonstram a atuação de espaços urbanos como forjas de identidades políticas e palcos de conflitos e confrontações que reconfiguraram a relação entre colônia e metrópole num contexto imperial influenciado por processos globais.

Jesus Bohorquez e Fabrício Prado examinam comunidades e redes mercantis centradas no Rio de Janeiro, Montevideo, Buenos Aires e além, e sua relevância para a organização de uma economia, assim como alinhamentos políticos, trans-imperiais. Eles exploram os esforços feitos pelas coroas portuguesa e espanhola para regulamentar e controlar uma economia cada vez mais globalizada e assim proteger seus interesses e dominação política. Ao focarem, porém, conexões comerciais entre diferentes cidades, eles demonstram que mais do que projetos imperiais, essas redes de troca se materializaram graças às ações de agentes econômicos e mercados coloniais. Essa análise revela ainda a necessidade de se pensar as conexões econômicas dessa região inseridas numa geografia global muito mais ampla do que o Atlântico Sul e mais influentes na maturação das ambições políticas regionais do que os ideais pro-independência da era das revoluções atlânticas.

Emma Hart, Randy Sparks e Ynaê Lopes dos Santos dedicam seus artigos a uma discussão de populações urbanas comumente marginalizadas em narrativas da formação do mundo Atlântico e de processos globalizadores: trabalhadores manuais, imigrantes voluntários e forçados, africanos e seus descendentes, pessoas escravas e libertas. Os séculos XVIII e XIX testemunharam a intensificação de trocas comerciais e movimento de populações ao longo de rotas Atlânticas organizadas em torno de algumas cidades específicas. Hart, Sparks e Santos examinam a trajetória de Charleston, na Carolina do Sul, de Annamaboe, na Costa do Ouro, e do Rio de Janeiro. Dialogando com a historiografia que explica a centralidade de cada cidade em termos das atividades econômicas e poder político de elites e populações europeias ou euro-descendentes, os autores demonstram que foram as diferentes iniciativas e prioridades de populações marginalizadas, de agentes econômicos africanos e de escravos negros que moldaram Charleston, Annamaboe, e o Rio de Janeiro, respectivamente. Esses grupos urbanos, repetidamente ignorados em histórias dominantes do mundo Atlântico, construíram espaços, mercados, e práticas urbanas que viabilizaram articulações econômicas, sociais, e culturais cruciais à constituição do mundo setecentista e oitocentista.

O presente dossiê, através da comparação implícita entre a cidade do Rio de Janeiro e centros e comunidades urbanas do Atlântico britânico, espanhol, e da Costa do Ouro na África, oferece uma nova perspectiva da relação entre o urbano e o global durante o período moderno. Por um lado, ele ilumina a relação dialógica entre dinâmicas e experiências urbanas e a formação de redes de contato e troca globais que marcaram aquela era histórica. Por outro, ele revela a relevância de cronologias, geografias, e atores históricos ao processo de globalização centrado na cidade—e portanto ao fenômeno da cidade global—que são pouco explorados na literatura corrente, a qual tem se preocupado mais em focar o chamado norte global durante o final do século XX e começo do XXI.

Notas

5. EWBANKS, Thomas. Life in Brazil, or, A journal of a visit to the land of the cocoa and the palm. New York: Harper & brothers, 1856. p. 92-93.

6. ENGELS, Friedrich. The Condition of the Working Class in England in 1844. London: Sonnenschein & Co, 1892. p. 23.

7. COSTA, Sérgio; GONÇALVES, Guilherme Leite. A Port in Global Capitalism: Unveiling Entangled Accumulation in Rio de Janeiro. London: Routledge, 2019.

8. FRAGOSO, João Luís. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. PESAVENTO, Fábio. “Para além do império ultramarino português: as redes trans, extraimperiais no século XVIII.” In: GUEDES, Roberto (org.). Dinâmica Imperial no Antigo Regime Português. Rio de Janeiro: Mauad Editora, 2013. p. 97-111. GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Os ingleses no Rio de Janeiro da primeira metade do século XVIII: o caso da família Gulston, c. 1710-1720 – primeiras impressões.” In: MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de; GUIMARÃES, Carlos Gabriel; RIBEIRO, Alexandre Vieira. Ramificações Ultramarinhas: Sociedade Comerciais no Âmbito do Atlântico Luso. Rio de Janeiro: Mauad Editora, 2018. p. 93-114.

9. FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro, séculos XVIII e XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. BORUCKI, Alex. From Shipmates to Soldiers: Emerging Black Identities in the Río de la Plata. Albuquerque: University of New Mexico Press, 2015. p. 25-56.

10. MARTINS, Luciana de Lima. O Rio de Janeiro dos viajantes: o olhar britânico (1800-1850). Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2001.

11. ABU-LUGHOD, Janet. Before European Hegemony: The World System A.D. 1250-1350. New York: Oxford University Press, 1989. CROSBY, Alfred. The Columbian Exchange: Biological and Cultural Consequences of 1492. Westport: Greenwood, 1972. PAGDEN, Anthony. Lords of All the Worlds: Ideologies of Empire in Spain, Britain, and France, c. 1500-c.1800. New Haven: University of Connecticut Press, 1995. RUSSELL-WOOD, A.J.R. The Portuguese Empire, 1415-1808: A World on the Move. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1998, p. 8-26.

12. SASSEN, Saskia. The Global City: New York, London, Tokyo. Princeton: Princeton University Press, 2013. TAYLOR, Peter; DERUDDER, Ben. World City Network: A Global Urban Analysis. London: Routledge, 2015. KING, Anthony. Writing the Global City: Globalization, Postcolonialism, and the Urban. New York: Routledge, 2016.

13. SAUNIER, Pierre-Yves; EWEN, Shane. Another Global City: Historical Explorations into the Transnational Municipal Moment. New York: Palgrave: 2008. NIGHTINGALE, Carl. Segregation: A Global History of Divided Cities. Chicago: University of Chicago Press, 2012.

14. CONRAD, Sebastian. What is Global History? Princeton: Princeton University Press, 2016.

15. ARAÚJO, Erick Assis de; SANTOS, João Júlio Gomes dos, Jr. (orgs.). História Urbana e Global: novas tendências e abordagens. Fortaleza: Editora UECE, 2018.

Referências

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Mariana Dantas – Ohio University. É autora do livro Black Townsmen: Urban Slavery and Freedom in the Eighteenth-Century Americas (2008). Ela foi a co-investigadora do projeto de rede de pesquisa internacional “Global City: Past and Present”, financiado entre 2015 e 2017 pelo Conselho de Pesquisa em Artes e Humanas do Reino Unido. http: / / orcid.org / 0000-0003-2691-5033

Emma Hart – University of St. Andrews. É autora dos livros Building Charleston: Town and Society in the Eighteenth-Century British Atlantic World (2010) e Trading Spaces: The Colonial Marketplace and the Foundations of American Capitalism (2019). Ela foi a investigadora principal do projeto de rede de pesquisa internacional “Global City: Past and Present”, financiado entre 2015 e 2017 pelo Conselho de Pesquisa em Artes e Humanas do Reino Unido. http: / / orcid.org / 0000-0003-0749-3701


DANTAS, Mariana; HART, Emma. O urbano e o global na era moderna em uma perspectiva comparativa. Almanack, Guarulhos, n.24, abr., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Uma História Global antes da Globalização? / Revista de História / 2020

Se o mundo não tivesse virado de ponta cabeça em 2020, celebraríamos com pompa e circunstância o aniversário de 70 anos da Revista de História. A pandemia impediu que realizássemos o evento que havíamos planejado para relembrar uma história que começou em março de 1950.

Em nosso número 1, o leitor encontrava a transcrição de uma conferência de Lucien Febvre, cinco artigos (de Gilda Maria Reale, Geoffrey Willey, Myriam Ellis Austregésilo, Alfredo Ellis Júnior e Odilon Nogueira de Matos), um documentário proposto por Carlos Drummond, a seção “Fatos e Notas” (com comentários de Pedro Moacyr Campos e J. Philipson), três resenhas (Plínio Ayrosa e novamente Alfredo Ellis Júnior e J. Philipson) e um Noticiário, que incluía textos, entre outros, de Eduardo d’Oliveira França e Antônio Cândido.

O editorial desse primeiro número era significativamente intitulado “O nosso programa” e vinha assinado por Eurípedes Simões de Paula – criador e, por 27 anos, editor da Revista. Nele, Eurípedes indicava o principal esforço do periódico: divulgar as pesquisas universitárias. O tom da apresentação e o emprego do pronome possessivo no título não deixavam dúvida: os trabalhos publicados seriam, sobretudo, aqueles produzidos pelos professores da área de história da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Passaram-se sete décadas e o número 179 corresponde a outra lógica de construção e dinâmica dos periódicos acadêmicos. Oferece 48 artigos, divididos em nove seções e um dossiê, e sete resenhas. Reúne pesquisadores de 36 instituições, espalhadas por três países e doze Estados brasileiros. Ao longo das mais de 1.500 páginas dessa edição – publicada em fluxo contínuo e de forma exclusivamente digital -, o leitor acompanha questões teóricas e historiográficas, visita temas clássicos e renovados, circula por territórios diversos da pesquisa acadêmica e explora um dossiê – “Uma história global antes da globalização?” – que problematiza visões convencionais acerca da história medieval e propõe uma percepção do passado marcada pela circulação e pela conexão.

Em 2020, não pudemos comemorar presencialmente nossos 70 anos. A Revista de História, porém, continua viva e atenta aos rumos do pensamento historiográfico, aos diálogos da história com outras áreas do conhecimento e à importância do debate amplo e do acesso aberto. Também por isso, nesse ano sombrio ampliamos bastante nossa presença nas redes sociais e criamos novos espaços de divulgação científica. Assim pretendemos ultrapassar os muros do belo e quase desértico, nos meses de isolamento social, campus Butantã da USP e, ainda mais importante, cumprir outro, e central, propósito anunciado por Eurípedes Simões de Paula no editorial que escreveu para o primeiro número: ser um traço de união entre a Universidade e a sociedade.

Boa leitura e que continuemos próximos em 2021.

Júlio Pimentel Pinto – Universidade de São Paulo São Paulo – São Paulo – Brasil


PINTO, Júlio Pimentel. Editorial. Revista de História, São Paulo, n. 179, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Moçambique na globalização: oportunidades, riscos e desafios | AbeÁfrica – Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos | 2019

O dossiê intitulado Moçambique na globalização: oportunidades, riscos e desafios, publicado neste número da Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos, é fruto de uma cooperação internacional e interinstitucional que vem sendo construída entre o Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Escola Doutoral em Geografia da Universidade Pedagógica (UP) de Maputo no âmbito do Grupo de Estudos Espaços e Sociedades na África SubsaarianaGeoÁfrica.

Propomos aos leitores da revista uma série de artigos assinados por pesquisadores moçambicanos e brasileiros que analisam mutações experimentadas pela sociedade, pela economia e pelo território de Moçambique nas últimas três décadas. O recorte espacial corresponde grosso modo ao período iniciando-se com o fim da guerra civil (1992) que deu o pontapé à reconstrução do país e a reinserção da economia nacional nos circuitos da globalização. Se, por um lado, a “emergência” moçambicana, definida com base num crescimento sustentado do P.I.B., significou novas oportunidades para alguns setores econômicos, grupos sociais e regiões do país, a natureza do modelo de desenvolvimento arquitetado pelas autoridades em colaboração com agências internacionais, assistimos, por outro lado, a um acirramento das contradições estruturais próprias aos regimes rentistas e a um aumento do grau de vulnerabilidade frente à crises conjunturais. Essas dinâmicas conflitantes levantam, portanto, desafios econômicos, sociais, ambientais e políticos extremamente complexos para a sociedade moçambicana. Leia Mais

11 de setembro de 2001: os Estados Unidos, o terrorismo e a globalização | Meridiano 47 | 2011

O segundo semestre de 2011 trouxe importante efeméride para a política internacional: em setembro, registrou-se o primeiro decênio dos atentados terroristas de fundamentalistas islâmicos a duas cidades dos Estados Unidos: Nova York, centro financeiro, e Washington, sede política.

O ataque simbolizou o fim da crença da inviolabilidade do território norte-americano. Durante quase duzentos anos, a parte continental do país permaneceu preservada de investidas de caráter ideológico – a última havia sido na Guerra de 1812 com a Grã-Bretanha. Outrossim, ele significou viabilizar a execução da denominada guerra preemptiva, isto é, a do ataque amparado na possibilidade eventual de agressão de um adversário de médio porte, na melhor das hipóteses. A II Guerra do Golfo, iniciada em março de 2003, foi o primeiro caso – diante da suposta existência de armas de destruição em massa por parte da ditadura iraquiana e do possível emprego contra a população norte-americana, Washington, a despeito da ferrenha oposição da comunidade internacional, empreendeu o confronto, de escassos resultados positivos. Leia Mais

Globalização e Relações Internacionais / Tempo e Argumento / 2011

Abrimos esse número da Revista Tempo e Argumento, Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UDESC, com uma homenagem ao Prof. Américo da Costa Souto que faleceu neste ano de 2011. O texto “Professor Américo, o historiador da longa duração” de Norberto Dallabrida, ex-aluno do professor, aponta aspectos de sua atuação, como docente das disciplinas História Moderna e Contemporânea na UFSC, entre 1963 e 1991, destacando sua contribuição para a formação de duas gerações de historiadores e historiadoras, muitos dos quais atuando em Cursos de graduação e pós-graduação na UDESC, na UFSC e também em diferentes universidades do país. Inovador e refinado em suas análises, o Prof. Américo apropriou-se das concepções historiográficas da chamada escola dos Annales, tornando-se um divulgador do pensamento do historiador Fernand Braudel em suas aulas e escritos. A falta que ele nos fará não cabe em palavras, e esta homenagem, como forma de agradecimento, ilumina detalhes que a mera racionalidade não enxerga.

Na sequência, apresentamos os artigos que compõem o Dossiê Globalização e Relações Internacionais, tema emergente nas sociedades contemporâneas, invocado aqui como forma de pensar as linguagens e as sociabilidades que se firmam no tempo presente como outras formas de cultura política. A discussão de caráter mais epistemológico em pauta refere-se às diferenças entre as concepções que buscam olhar para o mundo sob efeito de um fenômeno global e outras que problematizam o presente partindo de uma ideia de internacionalidades. A globalização não é em si uma novidade, pois ao menos desde o século XV há uma circulação de mercadorias, ideias e pessoas. A novidade reside em como se articulam – nas três últimas décadas – os fluxos no contemporâneo colaborando para a produção de fenômenos transnacionais. Esperamos que os artigos que constituem o dossiê desse número possam colaborar para a intensificação do debate.

O artigo Los planes de igualdad en España: respuestas locales con perspectiva de género a problemas globales de Belén Blázquez Vilaplana, professora da Universidade de Jaén, Espanha, apresenta algumas reflexões sobre a implementação de políticas públicas de igualdade na Espanha nos últimos trintas anos, desde a morte do ditador Francisco Franco e a reinstalação da democracia no país. A autora analisa o contexto local de aplicação dessas políticas e, a partir dele, questiona se tais políticas realmente têm se transformado em ações concretas para as mulheres ou se os papéis e estereótipos que as invisibilizam, como coletivo e como indivíduo, ainda seguem imperando. Argumenta ela que, embora as mulheres espanholas tenham avançado em direção ao reconhecimento de sua condição de cidadãs de pleno direito, existe ainda, na Espanha, uma defasagem inegável entre o que se está legislando e o cotidiano das mulheres, como, por exemplo, o tema da violência de gênero, o qual não se conseguiu diminuir o número de mulheres assassinadas por seus parceiros ou ex-parceiros.

Em “Diplomacia do pé”: o Brasil e as competições esportivas sul-americanas de 1919 e 1922, João Manuel Casquinha Malaia Santos discute o papel das primeiras competições esportivas internacionais sediadas no Brasil, em 1919 e 1922, inserindo-as no quadro das relações internacionais do país. O autor parte da ideia de que competições esportivas mundiais, como a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos, no início do século XX, expunham valores ocidentais para todo o planeta pelos meios de comunicação. Tais eventos oferecem uma oportunidade singular para a reverberação de valores legitimadores de uma nova ordem internacional, tendo os esportes e seus valores como bases de tal projeto.

Também trabalhando com as relações internacionais do pós-primeira guerra, a historiadora Juçara Luzia Leite observa que a década de 1920, especialmente, foi marcada por uma discussão ampla sobre o papel da educação – especialmente do ensino de História – na construção de um mundo de paz. O livro didático esteve no centro desse debate e educadores de tendências opostas manifestaram-se naquele momento. Ao longo desses debates, o papel da Commission Internationale de Coopération Intellectuelle (CICI) se destacou na Liga das Nações, procurando facilitar a colaboração de intelectuais no serviço de promoção da paz mundial dentro dos objetivos da Liga. O artigo Revisando livros didáticos de História: ação da diplomacia cultural em nome da paz reflete sobre esse contexto, destacando o papel do Brasil na adoção de uma diplomacia cultural válida tanto para os países europeus quanto para os vizinhos latino-americanos, considerando a dinâmica da transição do foco de interesses da Liga das Nações para a União Panamericana.

José Cairus, professor da Universidade de York, em Toronto – Canadá, assina o artigo Modernization, nationalism and elite: the genesis of Brazilian jiu-jitsu, 1905-1920 que, a partir de recorte de sua tese de doutorado The Gracie Clan and the Making of Brazilian jiujitsu: National Identity, Culture and Performance, 1905-1993, analisa a forma como um determinado segmento da elite branca do Brasil reinventou uma arte marcial de origem japonesa conhecida como jiu-jitsu. A arte marcial híbrida desenvolvida no Brasil a partir da matriz japonesa, pela família Gracie, é pensada como produto do conflito entre tradição e modernidade que ao longo do século XX se transformou em um complexo ritual de hipermasculinidade baseado em violência, matizado por ele como made in Brazil.

O artigo de Giulio Mattiazzi, Cidadania, migração e agentes políticos no século XXI, problematiza as transformações relativas aos significados da noção de cidadania e os desafios políticos que estas mudanças apresentam a partir do contexto italiano. O autor analisa discursos do parlamento italiano, que, segundo o autor, de tributários de uma tradição política que fez dos conceitos de pátria, família e nação uma questão de superioridade racial, passam a defender a utilização do dispositivo da concessão da cidadania como forma de rápida integração para (alguns) estrangeiros, na Itália e na Europa do século XXI. Reflete-se aqui sobre a emergência de novas pautas que fogem da tradicional sistematização do campo baseada na estrutura de classes sociais e nos outros paradigmas da modernidade no jogo de identificação de um “agente político migrante”, na condição de indivíduo que promove fluxos culturais, mestiçagem e reformulação das categorias e das pautas políticas, acrescentando à base econômica das relações interétnicas a esfera cultural que transita junto a eles.

Um diplomata na Revolta da Armada: as impressões políticas e a atuação do Conde de Paço D’Arcos, de João Júlio Gomes dos Santos Júnior, traz análises de fontes diplomáticas objetivando compreender as impressões e a atuação de Carlos Eugênio Corrêa da Silva, o Conde de Paço D’Arcos, primeiro diplomata a representar Portugal no Brasil após a Proclamação da República. No transcorrer do período que ele ficou à frente da Legação portuguesa, entre 2 de junho de 1891 e 20 de novembro de 1893, ele acompanhou com atenção diversas disputas políticas. Dessa forma, a documentação produzida por esse diplomata é um excelente testemunho sobre o período de consolidação da República brasileira.

A seção Artigos inicia com a instigante discussão sobre a possibilidade de recriação da ideia de cidade, como projeto coletivo, a partir da experiência de Medellín, Colômbia, apresentada no artigo A cidade como projeto coletivo: impressões sobre a experiência de Medellín, de Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira. Segundo a autora estão em jogo nesse processo não só a obsessão por segurança, a angústia e o medo que assolam os moradores das cidades, como também a segregação, ausência de espaço público, esvaziamento da vida coletiva, sentido de passagem e não de permanência, não pertencimento que constituem o espaço das cidades, no presente.

Na sequência temos o artigo As religiões afro-brasileiras no mercado religioso e os ataques das igrejas neopentecostais, de Paulo Eduardo Angelin, que trata sobre a perda de adeptos do conjunto das religiões afro-brasileiras, bem como sobre os ataques sofridos pelo candomblé e umbanda, efetuados principalmente pelas igrejas neopentecostais.

Entre prédios envidraçados, uma cruz eslava: ucranianos, bens culturais e a cidade, de Paulo Augusto Tamanini, traz apontamentos sobre o local de estabelecimento dos imigrantes ortodoxos ucranianos na cidade de Curitiba, discute sobre as estratégias adotadas, no intuito de preservar os bens culturais étnicos, durante o processo de modificação do espaço trazido pela urbanização da Avenida Cândido Hartmann (que até 1978 se chamava Vila dos Ucraínos).

“O melhor para quem?” O Juizado de órfãos e o discurso de valorização e proteção aos menores de idade no início do século XX, de José Carlos da Silva Cardozo, analisa discursos produzidos sobre os menores, adoção e família nas primeiras décadas do século XX a partir da ação do Juizado Distrital da Vara de Órfãos de Porto Alegre. O autor traz aspectos interessantes sobre a opção por tutela das crianças ao invés de adoção, no período, o que talvez pudesse significar a não inclusão do tutelado na partilha de bens, pois só os menores adotados teriam todos os direitos legais de um filho biológico.

Tradição x inovação: Patrimônio cultural e memória através dos repertórios musicais do Carnaval do Zé Pereira em Florianópolis / SC, de Lisandra Barbosa Macedo, problematiza questões políticas e culturais envolvidas na patrimonialização de eventos, como o Carnaval Zé Pereira, que acontece há mais de cem anos nas imediações do bairro Ribeirão da Ilha, em Florianópolis / SC. Esse evento, nos últimos anos, tem sido destaque na programação dos eventos carnavalescos no estado, tanto na mídia quanto pelo aumento no número de participantes.

Na seção Entrevista os historiadores Emerson César de Campos, Luiz Felipe Falcão e Reinaldo Lindolfo Lohn abordam a temática Tempo presente brasileiro: cultura política, ditaduras e historiografia por meio do diálogo com Rodrigo Patto Sá Motta. A entrevista foi realizada por ocasião da palestra desse autor sobre o tema “História e memória nas ditaduras”, em fins de 2010, no Programa de Pós-Graduação em História da UDESC. A entrevista apresenta reflexões acerca de temas variados que perpassam a cultura política e suas implicações para a compreensão das especificidades da ditadura militar brasileira e suas congêneres no Cone Sul.

Fechando esse volume temos a resenha, feita por Jéferson Dantas, do livro HUNT, Tristram. Comunista de casaca: a vida revolucionária de Friedrich Engels. Traduzido por Dinah Azevedo – Rio de Janeiro: Record, 2010. O resenhista apresenta uma leitura de Hunt feita por setores da mídia impressa, a fim de apresentar a obra deste professor de História da Universidade de Londres e comentarista político nos jornais The Guardian, The Times e London Review Of Books.

Esperamos que todos apreciem a leitura!

Os Editores


Comitê editorial. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.3, n.2, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Povos e culturas: da globalização do século XVI, á a globalização do século XXI, as Américas como lugar / Revista do IHGB / 2006

Luitgarde Oliveira Cavalcante Barros

Liudmila Ókuneva


BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcante; ÓKUNEVA, Liudmila. Povos e Culturas: da globalidade do século XVI à globalização do século XXI, as Américas como lugar. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v.167, n.433, p.9-10, out./dez., 2006.

Acesso apenas pelo link original [DR].

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