Jesuítas e Modernidade | Antíteses | 2021

Além da missionação, aspecto que, por muito tempo, mais atenção recebeu da historiografia – para exaltar as atividades dos religiosos, numa primeira vertente, e para rever os resultados dos encontros e tensões culturais entre eles e os “nativos” ou povos originários, num outro movimento –, os jesuítas se envolveram em discussões teológicas, com a manutenção de fazendas, de hospitais e de enfermarias, com a investigação e utilização da natureza, com o sistema escravista (sua justificação e sua participação), com a sistematização de línguas até então desconhecidas dos europeus, com a instrução formal, básica e universitária (de indígenas, de colonos e de reinóis), com a política em seus mais diferentes níveis – vide, por exemplo, as querelas com Marquês de Pombal que desencadearam na expulsão desses religiosos dos domínios lusos –, enfim, com uma gama ampla de camadas que envolviam o cotidiano moderno, muito além da atribuição primeva de zelar pelas almas. É sobre essa múltipla atuação da Companhia de Jesus, uma das ordens religiosas mais presentes – senão a mais – no Brasil ao longo do chamado período colonial, nas então colônias da Coroa espanhola na América e em diversos territórios à leste, como em Macau e Goa, além da própria Península Ibérica, que os estudos aqui reunidos se debruçam. Leia Mais

Amazônia, modernidade e desenvolvimento / Territórios & Fronteiras / 2018

A floresta e o bioma amazônico têm sido alvo de atenção por diferentes motivos desde o século XVI. As razões pelas quais ela desperta o fascínio e interesse entre aqueles que compreendem suas dimensões variam nesse tempo largo, mas não diminuem de intensidade. Desde o fato de a floresta vir a ser batizada em referência às Amazonas, mulheres guerreiras da mitologia grega, passando pelo Mapinguari, até o El Dorado, relacionado às inesgotáveis riquezas de que essa floresta seria portadora, chegamos ao começo do século XXI ainda buscando um entendimento mais apurado sobre essa região tão complexa. Cabe lembrar que desde o século XVI, em relação à Amazônia temos buscado anexar, dominar, unificar e não aproximar, cooperar e unir (SANTOS, 1997, p19). O Estado Brasileiro, nos últimos 40 anos, investiu cerca de 6 bilhões de dólares / ano na Amazônia Legal (COY, 2005), mantendo as propostas similares àquelas lançadas por Golbery do Couto e Silva nos anos 1950, ainda embasadas no espírito da Guerra Fria, que consideravam a Amazônia como área vulnerável, vazia, incivilizada. O Estado Brasileiro criou uma malha tecno-política com o propósito de facilitar a apropriação física e político-econômica do território: redes de circulação rodoviária, de telecomunicações, urbana e agro-industrial. Incentivos fiscais e créditos a juros baixos visaram subsidiar o capital, incentivos a migração para o povoamento da região e formação de um mercado de trabalho. Projetos de colonização e superposição do território federal sobre os estaduais, alimentados por investimentos púbicos, priorizaram o grande empresário, a grande propriedade, o grande capital, desconsiderando as comunidades locais, os saberes e culturas locais. Não é preciso dizer que isso levou a enormes injustiças e violências contra indígenas, garimpeiros, posseiros, seringueiros, com resultados que se manifestam ainda hoje, após décadas de avanços sobre a floresta. A Amazônia contém 61% do território nacional, com 12% da população do Brasil e 6,5% do PIB e a segunda pior concentração de renda do país em 2017 (ficando à frente apenas do Nordeste), com um índice Gini de 0,544 (a média nacional foi de 0,549. Os dados são do IBGE). Entre 1970 e 1996 a taxa de urbanização na região, foi a maior do país (BECKER in COY, 2005). A questão do avanço da fronteira econômica não apenas social e política, mas também profundamente sociocultural e ecológica. Quanto ao desmatamento, a área total da floresta devastada aumentou para 650 mil km2 em 2003, ou 15,9% da área coberta pela floresta tropical (6.947 km2 de corte raso somente em 2017, de acordo com INPE). A taxa média de desmatamento bruto entre 1978 e 1988 foi de 21 mil km2. Entre 1988 e 1998, 16 mil km2. Entre agosto de 2002 e agosto de 2003, 23.750 km2, sendo 40% no MT e 30% no PA. Entre agosto de 2003 e agosto de 2004 entre 23.100 e 24.000 km2 (KOHLHEP in COY 2005).

Feitas essas breves considerações iniciais, que sevem de contexto e justificativa para o presente dossiê, temos a satisfação de mencionar a iniciativa de reunir no Seminário Internacional sobre Identidades, Relacionamentos e Linguagens Emergentes na Amazônia, que aconteceu na Assembleia Legislativa de Mato Grosso em agosto de 2018 – parte das atividades da rede internacional de pesquisa Agroculturas coordenada pela Universidade Federal de Mato Grosso e Cardiff University (mais informações em: www.agrocultures.org) – membros da comunidade científica e sociedade civil, incluindo representantes dos movimentos sociais e dos grupos sociais que vivem na e da floresta. O objetivo básico foi romper com a visão modernista e positivista de que nosso conhecimento é capaz de dar conta da complexidade desse lugar, como algo estático e quantitativamente mensurável, visou também uma aproximação entre os pressupostos racionalistas que embasam a epistemologia acadêmica e que tem marcado de forma indelével nossos olhares sobre os caminhos para o desenvolvimento e a modernização, e outras formas de saber e conhecer vigentes entre os pequenos proprietários, ou posseiros, que vivem do auto sustento, entre os povos indígenas que, nas palavras de Martins (2018), detém um saber essencial: “As populações indígenas são nossa Biblioteca Nacional, dessa parte da informação etnológica e cultural. A informação está aqui. Porque o que ainda há para descobrir, na área de humanas, está no Brasil, eventualmente em algum outro país, mas aqui em abundância.”

Pretendeu-se, nas atividades do seminário, explorar um entendimento diferenciado do que chamamos fronteira agro-cultural e isso não será possível sem romper com o que Santos (1998), chamou de “territórios verticais”, em outras palavras, com o olhar de fora, portador de um entendimento estreito de ciência. Os resultados do evento apontaram para a necessidade do desenvolvimento de novas solidariedades, aproximando o global do local, o argumento acadêmico-reducionista do conhecimento empírico, vivido e criativo, propondo e defendendo um sistema de relações que atue em benefício do maior número de envolvidos, baseado nas possibilidades reais desse momento histórico e da diversidade geográfica. Por fim, pretendeu-se encontrar caminhos para outras modalidades de desenvolvimento e relacionamento social que, em lugar de traçar fronteiras separando uns dos outros, produza os efeitos acima mencionados, seja uma proposta de solidariedade orgânica, de aproximação dos diferentes saberes, que nos leve ao entendimento uns dos outros, caminho necessário para a construção de uma nação, esse fenômeno obscuro (MORIN, 1965, p.73), mas ainda necessário.

Como forma de registro desses resultados alcançados no Seminário Internacional, foi proposto pelos participantes a organização desse dossiê que ora se apresenta. Dentre os artigos, abrindo as discussões, temos o texto “O lugar dos historiadores no século XXI ou reflexões sobre o fim da historiografia”, uma reflexão teórica acerca do papel e das funções da História e dos historiadores nas sociedades ocidentais contemporâneas, que nessas primeiras décadas do século XXI, atravessam momentos de grande transformação. O autor afirma ser esse processo o resultado de um conjunto de mudanças que marcam o que se configura como a superação da Modernidade e afirma ainda que os historiadores estão perdendo a batalha pela construção da consciência histórica. Qual o lugar da História nesse processo (político) de construção de uma nova consciência ambiental? Como os historiadores podem contribuir para a aproximação (cultural) entre os povos da floresta e os habitantes dos grandes centros urbanos nacionais, para quem esse universo é desconhecido? No artigo intitulado “Centralidade da Fronteira: Ensaio sobre a Origem e Evolução de Fronteiras Socioespaciais” o autor trata acerca da produção de fronteiras como fundamentais para a circulação e acumulação de capital. Aborda a perenidade da emergência de novas fronteiras não apenas como demanda por minerais, terras ou outros recursos, ou porque as fronteiras representam novas oportunidades de mercado, mas crucialmente porque a fronteira opera como compensação pela saturação das relações capitalistas existentes nas áreas centrais. Ainda segundo o autor, na fronteira, a sequência convencional de tempo e espaço é suspensa e reconfigurada, permitindo a descompressão de tensões e contradições. Consequentemente, as fronteiras espaciais funcionam como um espelho, onde as características mais básicas e explícitas do capitalismo estão vivamente expostas e esse poderia ser um caminho viável para compreendermos a incorporação econômica e territorial da região Amazônica e às perspectivas de resistência política. Dirigindo nossas atenções para os primeiros séculos de ocupação europeia nessa região, temos o artigo “Política e administração na Amazônia colonial: regimentos e instruções para o governo das capitanias do Pará e do Maranhão (séculos XVII e XVIII)” que analisa três documentos importantes sobre a Amazônia: Regimento dos Capitães-mores do Pará (1669), no Regimento entregue ao capitão-mor Baltazar Fernandes (1682) e no Registro da instrução que ficou ao Governador do Maranhão (1751). Em todos, é possível entrever a organização político-administrativa e da governação nas capitanias do Pará e do Maranhão e algumas das suas dinâmicas administrativas internas, nos séculos XVII e XVIII. Saltando para o início do século XX, temos “Quando os seringueiros falam: o trabalho nos seringais e convocações para os combates pela posse do Acre no início do século XX.”. Nesse artigo o autor discute as falas dos seringueiros sobre como chegaram ao vale do rio Acre e de que maneira tomaram parte nas lutas pela posse dessas terras elaborando uma análise narrativa cujo fim é explorar um experimento da micro História. O autor fez uso das fichas historiográficas elaboradas pelo Instituto Histórico e Geográfico do Acre, que foram confrontadas com fontes complementares tais como relatórios governamentais, séries estatísticas e jornais. Segundo o autor, pretendeu-se ampliar os campos de investigações historiográficas sobre uma parte significativa da Amazônia brasileira. Avançando para meados do século XX, temos “Políticas públicas do governo federal no estado do Pará no tempo presente: da SPVEA à Nova República”, nesse trabalho o autor, fazendo uso de fontes oficiais, historiográficas e hemerográficas, traçou uma linha de análise que atravessou, praticamente, a segunda metade do século. Os estudos daquilo que o autor denomina de História regional, análise dos discursos e fontes orais, pretendem contribuir nos estudos sobre os impactos das políticas públicas do governo federal e empresas públicas e privadas no estado do Pará, desde a criação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), passando pelos governos militares (1964-1985) e chegando até a Nova República. As análises dos chamados projetos de colonização aparecem no artigo: “Terra da Promissão: recolonização e natureza na história amazônica.”. nele, o autor busca analisar os projetos de colonização que aconteceram durante o século XIX, em especial na região Bragantina do Pará e, mais recentemente, os projetos de infraestrutura do governo Médici (1969-74). Nessa abordagem comparativa foca-se a construção dos discursos usados nos projetos oficiais de colonização, nos relatos de cronistas, nas propagandas migratórias e em textos jornalísticos, com ênfase na ideia de desenvolvimento e pioneirismo. O artigo “Combates Cosmológicos pelo Direito do Rio na Amazônia Oriental”. Fazendo uso da História Oral, o autor colhe relatos dos moradores da Vila de Umarizal, município de Baião banhado pelo Rio Tocantins, e de moradores da Vila de Santa Isabel, no baixo Araguaia, município de Palestina do Pará, analisando as memórias desses camponeses, ribeirinhos e comunidades quilombolas, elaborando uma crítica cosmológica dos grandes projetos, bem como da produção de quadros compreensivos sobre os processos de ocupação e conformação territorial do Pará. Fechando o dossiê temos o artigo: Amazônia Meridional: Relações Sociedade e Meio ambiente. Impactos Econômicos, Sociais e Ambientais. Nele o autor dirige seu foco para uma análise que busca pontos possíveis de convergência entre aspectos desse complexo processo de reocupação da Amazônia que envolvem, por exemplo, as relações entre os migrantes e a floresta, a busca por uma forma de crescer economicamente e os conflitos entre essas atividades (agropecuárias), a floresta e seus moradores.

Nossa expectativa é a de que as reflexões aqui apresentadas proporcionem novas pesquisa, apontem caminhos para pensar a Amazônia e seu papel no desenvolvimento nacional, sem que isso venha a implicar em prejuízos aos seus moradores, destruição dos recursos naturais ali presentes e integração, entendida como relação horizontal e plural, entre os diferentes grupos de interesse envolvidos nesses processos. O debate sobre desenvolvimento, conservação ambiental, igualdade socioeconômica e política, entre outros temas, tem relevância universal e é certamente necessário em todos os cantos do mundo. Ainda mais que nesse começo de século vemos com inquietação a perda acelerada de diversas conquistas que pareciam consolidadas há décadas, tal como o respeito interpessoal, a diversidade sociocultural, bases mais sustentáveis de produção e consumo, e justiça social e ambiental. A violência crescente e as tendências eleitorais recentes suscitam profundas e desconfortáveis dúvidas sobre a direção do progresso e do jogo democrático. Nesse sentido, dadas suas particularidades e demandas específicas, mas também sua riqueza sociocultural e sócio ecológica, os processos em curso na Amazônia representam um capítulo muito importante da história e geografia contemporâneas. As populações da região percebem e articulam tal complexidade de modo muito agudo e perspicaz, fazendo uso de uma maravilhosa pluralidade linguística e narrativa. Portanto, cabe também aos pesquisadores abrirem olhos e ouvidos, conversar com todos ao redor, interrogar passado, presente e futuro, e fazer aquilo que deve ser sua tarefa primordial: repensar crítica e responsavelmente o mundo de forma a colaborar na sua transformação, buscando justiça e prosperidade plenas.

Referências

COY, M. e KLINGLER, M. Frentes pioneiras em transformação: o eixo da BR-163 e os desafios socioambientais. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol.7, n.1, abril 2014. Disponível em: http: / / www.ppghis.com / territorios&fronteiras / index.php / v03n02 / issue / view / 14 / showToc [Data de consulta em 21 jun 2014].

COY, Martin e KOHLHEPP, Gerd (Coord). Amazônia Sustentável. Desenvolvimento sustentável entre políticas públicas, estratégias inovadoras e experiências locais. Rio de Janeiro / Tübinger: Garamond / Geographischen Instituts der Universität Tübinger, 2005.

FREITAS, M., FREITAS, M.C.S., IORIS, A.A.R. e CASTRO Jr., W.E. Amazônia. Chiado Editora: Lisboa, 2017.

IORIS, A. A.R. Agribusiness and the Neoliberal Food System in Brazil: Frontiers and Fissures of Agro-neoliberalism. Routledge: London, 2017.

MARTINS, J.S. Entrevista. UOL Notícias. Disponível em: https: / / noticias.uol.com.br / politica / ultimas-noticias / 2018 / 02 / 10 / foi-o-poder-quedesviou-lula-diz-o-sociologo-jose-de-souza-martins.htm Acesso em 15 fev. 2018.

MORIN, E. L’introduction à la politique de l’homme. Seuil: Paris, 1965.

SANTOS, M.; SOUZA, M.A.; SCARLATO, F.C.; ARROYO, M. Fim de século e globalização. São Paulo: HUCITEC, 1997.

SANTOS, M.; SOUZA, M.A.; SILVEIRA, M.L. Território, globalização e fragmentação. São Paulo: HUCITEC, 1998.

Vitale Joanoni Neto – Professor do Departamento de História, coordenador do Programa de Pós-Graduação em História e coordenador do Núcleo de Pesquisa em História.

Antonio A. R. Ioris – Professor (senior lecturer) na Escola de Geografia e Planejamento e diretor do programa de pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade de Cardiff, Reino Unido.


IORIS, Antonio A. R.; JOANONI NETO, Vitale. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.11, n.2, jul / dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

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“Cultura, Modernidade, Cidades” / Tempos históricos / 2016

Em “Marcovaldo ou as estações na cidade”, Ítalo Calvino (1997) [3] convidava os leitores a entrar no universo cômico e dolorido de Marcovaldo, sujeito que experenciava uma estranha relação com a cidade: “semáforos”, “buzinas”, “vitrines”, “letreiros luminosos” ou “cartazes” não detinham a sua atenção; mas uma “folha amarelando num ramo”, “uma pena que se deixasse prender numa telha”, o “buraco de cupim numa mesa” ou a “casca de figo se desfazendo na calçada” jamais escapavam ao seu olhar e crivo.

Por meio desta forma peculiar de apreender o “real”, Marcovaldo buscava “decifrar” a cidade (e até “encontrar-se”) em meio às transformações do mundo moderno. Era como se, para conhecer melhor e com maior complexidade, as múltiplas experiências da cidade, fosse preciso distanciar-se delas, a ponto de, no limite, deixar entrever (revelar?) a “artificialidade”, as “normatizações”, as “convenções”, as “tensões”, os “conflitos” e o “caos” inerentes a vida urbana…

Paradoxalmente, nada mais “familiar” aos olhos de Marcovaldo do que a necessidade de experenciar a cidade ao avesso (o amor pela natureza) ou, como diria Walter Benjamin – na senda do materialismo dialético de Marx – por meio do “estranhamento”, o que, neste caso, colocaria aos sujeitos modernos o objetivo de “varrer a história a contrapelo”.

Este foi, em grande medida, o intento que moveu os organizadores do dossiê e os autores dos artigos abaixo apresentados.

Em “A crônica urbana de São Paulo pela luneta invertida do historiador (1910- 1922)” – singela homenagem ao historiador Nicolau Sevcenko (1952-2014) – Elias Thomé Saliba convida o leitor a adentrar ao universo irreverente e humorístico de um conjunto de cronistas paulistas (Juó Bananére, Iago Joé, Silvio Floreal, Galeão Coutinho, dentre outros) que, por diferentes perspectivas, procuraram representar o processo histórico de urbanização na capital paulista durante a Primeira República. Tratam-se, segundo Saliba, de registros históricos pouco conhecidos e de grande valia para os estudos de cultura urbana, posto que ofuscados pela “metropolização” de São Paulo e a hegemonia do movimento modernista de 1922.

Significativo também para as reflexões sobre cultura, modernidade e experiências urbanas é o tema da medicina e da saúde pública, com destaque para uma visada específica: o incipiente processo de “medicalização” social na cidade entre o último quartel do século XIX e a primeira metade do século XX. É esta a proposta central do artigo “Medicina casera, remedios y curanderos en los inicios de la medicalización de la ciudad moderna. Buenos Aires, 1870-1940”, de Diego Armus, que, ao focalizar a capital argentina, analisa as contradições e os impasses da ciência médica e seus agentes oficiais diante da presença de formas híbridas de medicalização, representadas nos jornais da época pela ação de “curandeiros” e “charlatães”.

De volta ao território brasileiro, mas igualmente preocupada em debruçar-se sobre as interfaces entre cidade, modernidade, modernização e saúde pública, temos o artigo “Santos – porto-cidade: modernização, saneamento e viagem”, de Maria Izilda Santos de Matos. A historiadora busca analisar as transformações e tensões urbanas vividas em Santos – as epidemias e a reforma do porto, as relações entre saneamento e modernização, os projetos urbanísticos – tendo por eixo problematizador as narrativas sobre a cidade existentes nos relatos deixados por viajantes de diferentes nacionalidades que estiveram na cidade portuária paulista, entre a segunda metade do século XIX e as décadas iniciais do século XX, de modo a compreender, de acordo com a autora, os “olhares” e as “representações” sobre a cidade de Santos.

Ainda nos domínios dos projetos de modernização urbana em cidades-capitais brasileiras, temos o artigo de Fabiano Quadros Rückert intitulado “Porto Alegre e o problema das “materias fecaes”: o serviço de asseio público e a construção da primeira rede de esgoto na capital do Rio Grande do Sul (1879-1912)”. O objetivo do autor é o de explorar os projetos de saneamento e salubridade urbana na capital sul rio-grandense levados a cabo pelo poder público municipal – com especial atenção para os serviços de coleta e descarte dos materiais fecais – por meio de dois “marcos” de intervenção pelas autoridades públicas (prefeitos, vereadores, médicos, engenheiros): o serviço de Asseio Público, em 1879, e a construção da primeira rede de esgoto, em 1912.

No Sul do país, nos tempos das charqueadas, além dos projetos de modernização e saneamento um outro estudo procurou focalizar as transformações sociais e urbanas por intermédio da (re)produção das riquezas numa localidade específica durante o Brasil Imperial: é o caso do artigo ““Entre ricos e pobres””: desigualdade econômica, diversidade ocupacional e estratificação social no Brasil oitocentista: uma análise da cidade de Pelotas-RS (1850-1890)”, de Jonas Moreira Vargas. Como o próprio autor alude, tomando Pelotas como eixo norteador de seu texto, ele procura deslindar a diversidade profissional e a estrutura social de uma cidade (e uma população) que se urbanizava, enquanto mote de análise de um processo articulado de concentração de riquezas e de desigualdades sócio-econômicas.

A então capital do Império, Rio de Janeiro, experienciou processo histórico de modernização urbana que incidiu não apenas sobre os espaços públicos e privados, como, notadamente, nos hábitos, comportamentos e sujeitos considerados “indesejados” que perambulavam por suas ruas. Este último “alvo” é o mote principal do artigo de Monique de Silveira Gonçalves, em “Pelas ruas da cidade: mendicidade, vadiagem e loucura na Corte Imperial (1850-1889)”, que analisa uma das faces perversas deste processo: as práticas violentas e excludentes do Estado e da opinião pública (jornais) de reprimir e ocultar “mendigos”, “loucos” e “vadios” das ruas da cidade em defesa de uma “ordem urbana” ancorada em discursos médicos, com o objetivo de afastá-los da cena pública.

Os projetos de modernização da cidade do Rio de Janeiro nos tempos do Império envolveram também estratégias de regulação e controle do poder público sobre o comércio local. Um dos “problemas” apontados pelas autoridades municipais era a presença das negras quitandeiras, mulheres escravas ou livres, que vendiam gêneros alimentícios pelas áreas públicas do Rio. Tal “problema”, entretanto, desdobrou-se em disputas e conflitos litigiosos pela ocupação destas áreas entre o poder público e a comunidade negra. Esse é o objetivo do artigo de Fernando Vieira de Freitas, “As negras quitandeiras no Rio de Janeiro do século XIX pré-republicano: modernização urbana e conflito em torno do pequeno comércio de rua”, ao abarcar as relações entre modernidade e conflitos na capital imperial.

Com o enfoque na história de africanos e afrodescendentes no Brasil e, em particular, em Curitiba, Paraná, a contar do final da abolição da escravatura, o artigo de Joseli Maria Nunes Mendonça, “Escravidão, africanos e afrodescendentes na “cidade mais europeia do Brasil”: identidade, memória e história pública”, tem por objetivo central desconstruir narrativas sobre a identidade e a memória regional que ocultaram a presença e a participação da população africana / afro-brasileira na produção de outras histórias que também guardam sentido de pertencimento à história regional do Paraná. Para sustentar seu objeto de análise, a autora apropria-se das contribuições teóricas e metodológicas da vertente historiográfica denominada “História Pública”, visando apresentar uma concepção mais democrática de identidade e memória.

Para finalizar, Antônio Gilberto Ramos Nogueira e André Aguiar Nogueira em “Patrimônio cultural do litoral de Fortaleza: os desafios da pesquisa histórica” promovem reflexões metodológicas e discutem experiências sobre tradições e sociabilidades urbanas constituintes do patrimônio cultural de Fortaleza / CE. Partindo do uso e análise de entrevistas, os autores buscam inventariar “práticas culturais e representações sociais”, bem como “lugares”, “memórias” e “personagens” identificados ao processo de modernização do litoral, que fazem parte da história e da memória do lugar – caso das “comunidades praianas” e dos “trabalhadores do mar”, formados por pescadores, portuários, meretrizes, operários, surfistas, pequenos comerciantes e trabalhadores informais.

Entendendo que o eixo temático deste dossiê atravessa, por diferentes caminhos e perspectivas, os textos aqui apresentados, e que neles podemos reconhecer um conjunto de estudos que procuram “varrer a contrapelo” as diversas experiências de modernidade urbana para apreendê-las e interpretá-las com outros olhos – como os de Marcovaldo, que “estranho à cidade, é o cidadão por excelência” – é que convidamos os leitores a dividir conosco a “estranha familiaridade” de viver a (e na) cidade.

Uma ótima leitura!

Notas

3. A primeira edição italiana da obra é de 1963

Humberto Perinelli Neto – Docente do IBILCE / Unesp / São José do Rio Preto e do Programa Multidisciplinar Interunidades de Pós-Graduação Strictu Sensu “Ensino e Processos Formativos” (UNESP São José do Rio Preto / Ilha Solteira e Jaboticabal). E-mail: [email protected].

Rodrigo Ribeiro Paziani – 2 Docente dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Marechal Candido Rondon. E-mail: [email protected].

Os Organizadores


PERINELLI NETO, Humberto; PAZIANI, Rodrigo Ribeiro. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.20, n.1, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Variações em torno da Modernidade / Em Tempo de Histórias / 2015

Apresentação

É com satisfação que apresento o dossiê – Variações em torno da modernidade. Os artigos resultam de trabalhos de alunos do curso de graduação em História da Universidade de Brasília, apresentados na disciplina História Moderna. Após o término do curso, em 2012, propus aos alunos que aprofundassem o trabalho, sob minha orientação, como participantes do grupo de pesquisa do CNPQ Tradição e Modernidade. Diante do entusiasmo, passamos a nos reunir regularmente para discussões conjuntas e aprofundamento das pesquisas. Desse trabalho, dois resultaram em monografias de graduação e um em pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Iniciação Científica. As reuniões propiciaram um contato produtivo entre alunos da graduação e da pós-graduação.

Além da disciplina obrigatória História Moderna, esses alunos cursaram disciplinas optativas da área, por mim oferecidas, e atuaram como monitores. Ao longo de dois anos, o desenvolvimento intelectual dos alunos foi significativo. E para mim, o acompanhamento dos seus trabalhos foi uma experiência gratificante.

Finalmente, diante de amadurecimento dos textos, pensei ser estimulante para os alunos a publicação do resultado das suas pesquisas. Atualmente, alguns desses alunos estão cursando a Pós-Graduação na Universidade de Brasília outros se preparam para o ingresso neste ano.

Os textos apresentados inserem-se na área de História Intelectual e tratam da diversidade de ideias desenvolvidas na Europa moderna. Todos apresentam uma reflexão baseada na historiografia recente sobre os temas tratados, suscitando novas questões e desdobramentos. A preocupação com o contexto histórico de produção dos autores examinados caracteriza uma opção metodológica no âmbito da reflexão sobre ideias.

Os textos de Eduardo Ubaldo Barbosa – O momento Burke. Notas para a história de um Iluminismo contrarevolucionário –, e o de Pedro Henrique Soares Santos – Adam Smith e a sociedade comercial -, dialogam criticamente com determinadas correntes historiográficas e examinam o pensamento dos autores em seus respectivos contextos histórico-intelectual.

Pedro Eduardo Batista Ferreira da Silva, no artigo James Harrington e a tradição republicana na Inglaterra do século XVII, recupera a tradição republicana inglesa no século XVII.

José Lourenço de Sant’Anna Filho no artigo Inimigos da Luz examina o pensamento do editor do jornal pernambucano A Voz da Religião, padre Tavares da Gama, identificando-o como um representante do pensamento antifilosófico no Brasil oitocentista.

Finalmente, Guilherme Domingues Gonçales, no artigo Iluminismo nos livros didáticos brasileiros, analisa o tema Iluminismo nos livros didáticos brasileiros e sugere o distanciamento dos conteúdos presentes nos livros didáticos em relação às pesquisas acadêmicas.

Dra. Tereza Cristina Kirshner

Universidade de Brasília

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Intelectuais, ciência e modernidade / Intellèctus / 2014

A revista Intellèctus (Uerj), em seu segundo número do volume XIII, dá início a uma nova fase de seu projeto editorial, passando a incluir dossiês temáticos organizados por especialistas convidados, como este que temos o prazer de apresentar sobre o tema “Intelectuais, ciência e modernidade”.

Os artigos que reunimos trazem resultados de pesquisas originais, vinculadas às distintas matrizes no campo da história intelectual, na sua especial interface com a história da ciência. Voltam-se a temáticas como a circulação de ideias e saberes – por meio da formação de redes de interlocução, leituras e correspondência entre intelectuais –, e o surgimento dos espaços formais e informais a partir dos quais, no Brasil e no espaço ibero-americano, de modo mais amplo, se constituíram os campos científicos na modernidade. Leia Mais

Comunicação, Modernidade e Arquitetura / Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade / 2012

Esta obra é mais do que um simples panorama de estudos com a temática Comunicação, Modernidade e Arquitetura que integra o número 8, jan. / jun. de 2012, da Cordis: Revista Eletrônica de História Social da Cidade. Trata-se de um demonstrativo da situação da História e da historiografia contemporâneas, tal como vem sendo feita por estudiosos advindos de diversos horizontes e que partilham um mesmo espírito de amor à pesquisa. Dela emana um ponto de partida que conduz, lado a lado, com a estruturação clássica do século XIX às inovações pertinentes à exploração das novas trilhas da história.

De fato, a História não está alheia às profundas mudanças que ocorrem em outras Ciências. Como dizia Jacques Le Goff, são os novos problemas e as novas abordagens que inovam e enriquecem os setores tradicionais da História.

Admitimos de sua leitura que, a partir da escolha de um objeto de estudo já se supõe uma interpretação interior e anterior, gerada pelo nosso interesse do presente. Observamos, assim, que não lidamos com dados puros, mas com uma fragmentação da nossa maneira de ver o universo. Sabemos também que a linguagem em que assinalamos e apontamos um dado será a própria linguagem com que o interpretaremos. Isso nos encaminha ao reconhecimento de que, desde o anseio de saber e de encontrar as formas de apreendê-lo, a nossa intenção de pesquisa reparte-se em duas direções diversas.

A primeira delas está ligada ao real, ao apreender o objeto, ao conhecimento e aos limites e definições do campo investigativo e do que desejamos explorar. A segunda delas revela o nosso tipo de resposta ligado à nossa contribuição, com base nos instrumentos e nos procedimentos a que recorremos para atingir os nossos fins.

Como fonte dessa escolha, cada autor endossa os meios de exploração próprios ao objeto de estudo escolhido. O estilo de cada um desses trabalhos, o seu discurso e os seus objetivos, resultaram na relação entre a sua própria identidade com a pesquisa, suas fontes escolhidas, e a força de vontade para a sua execução. Isso gera, como consequência, um fortalecimento de resultados refletidos no prazer dos resultados, frutos da exploração e da descoberta. Cada um deles, ao reler o produto de suas análises e reflexões pode voltar ao seu plano original, e mesmo sentir o aflorar de novas questões e incertezas. É que as investigações feitas por eles, despertam a curiosidade do historiador em cada um, deixando transparecer, no trabalho concluído, um passado discernível, seus esboços, modelos e versões precedentes até a versão final.

Nas leituras escolhidas para esses escritos, observa-se, ainda, a proximidade da palavra que lemos e, um conjunto de palavras que são precisas, e nos falam do que desejamos conhecer. Os artigos, num total de quinze, se mantêm em seus domínios próprios de interesse, mas em seu conjunto, testemunham o esforço feito pela manutenção da unidade temática.

Fabio Ares, no artigo intitulado Barrio de Montserrat: territorio tipográfico (1780 y 1871), analisou aspectos da imprensa na Argentina, mais especificamente na cidade de Buenos Aires. Patrícia Vargas Lopes de Araújo e Thiago Henrique Mota Silva, por meio do texto denominado Rústicos e civilizados: representações da sociedade, do espaço e do homem mineiro, problematizaram os escritos de José João Teixeira Coelho e de Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos.

Luiz Aloysio Mattos Rangel, em Entre livros e televisão: ambiguidades históricas em Fahrenheit 451, tratou das indeterminações históricas a partir da análise da obra de ficção científica Fahrenheit 451, do escritor norte-americano Ray Bradbury. Manuel Coelho Albuquerque, no escrito chamado História, arte e atitude educativa: tensões étnicas e políticas, preocupou-se com as concepções tradicionais a respeito dos indígenas e em como as artes, em geral, podem se alimentar de falsas concepções, como a inevitabilidade do desaparecimento desse povo.

Zélia Jesus de Lima, em Arte de rua na cidade de Salvador (BA): a imagem do negro articulada com a mídia, analisou o papel desempenhado pelos elementos visuais, operando no discurso da arte, focalizando pormenorizadamente a presença do negro baiano nos campos religioso e cultural. Leandro Patricio Silva, no artigo Conflitos entre o Leão e a Baiana em torno da sombrinha: o frevo duplicado e a afirmação da pernambucanidade (1979-1986), discutiu a afirmação da identidade pernambucana na primeira metade da década de 1980 por meio dos conflitos gerados no campo discursivo de Pernambuco em face da apropriação do frevo pelos baianos.

Jucélia Bispo dos Santos, através do escrito intitulado Espaços públicos e construção de discursos: o Pelourinho como expressão da baianidade, ateve-se em analisar alguns discursos que estiveram presentes no processo de restauração deste espaço citadino, ocorrido entre 1992-1993. Bárbara Maria Caldeira e Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti, coautoras do artigo História e Fotografia: do protótipo daguerreótipo ao papel de fonte visual no planejamento didático, problematizam a relação entre História e a Fotografia com o objetivo de discutir a importância da imagem como documento e fonte histórica representante do século XX e, portanto, facilitador do processo ensino-aprendizagem na construção e na identificação dos alunos como sujeitos históricos e culturais.

Elizangela Patrícia Moreira da Costa e Vanessa Fabíola Silva de Faria, no escrito intitulado Atitudes linguísticas de migrantes sulistas em Mato Grosso: um estudo em Sinop, verificaram as tendências nas atitudes linguísticas que migrantes sulistas manifestam em relação às variedades linguísticas mato-grossenses, e, ainda, se o falar sinopense apresenta características consideradas típicas do falar mato-grossense. George Araújo, no trabalho denominado Transformações urbanas, migração, imigração e “questão social” em Montevidéu entre fins do século XIX e começos do século XX, relacionou as transformações urbanas, a migração interna, a imigração e a questão social desta cidade, articulando-as com a história do movimento operário latino-americano em Montevidéu entre fins do século XIX e começos do século XX.

Maiara Juliana Gonçalves da Silva, no texto Natal sob o olhar do O Olofote: cenas urbanas na cidade em 1919, analisou as imagens textuais produzidas a respeito das cenas urbanas veiculadas no jornal literário-humorístico O Olofote. Cinthya Luarte Magdaleno, no artigo denominado Privatizar para modernizar: la dinámica agraria en la ciudad de México (1950-2010), mostrou como durante a urbanização e a modernização da cidade do México iniciou-se um processo paralelo de privatização das terras comunais.

Geraldo Barbosa Neto, em A história contada com pedra, areia e imagens: a representação do descobrimento português no litoral potiguar e o monumento do padrão de posse conservado na Fortaleza dos Reis Magos, em Natal (RN), intentou mostrar, por meio de uma análise do vestígio material de um padrão de pedra português e da construção de um cenário histórico para contextualizá-lo, como se criou uma representação do descobrimento do litoral potiguar. Almir Félix Batista de Oliveira, no trabalho intitulado O que se preservou em João Pessoa ou de quando a arte e a arquitetura definem o patrimônio cultural de uma cidade, ateve-se em mostrar como a arte e as formas arquitetônicas foram essenciais para a formatação do patrimônio preservado na cidade de João Pessoa, que é a capital do Estado da Paraíba.

E, finalizando o item Artigos, Henry Albert Yukio Nakashima, em estudo chamado Mesquita: entre a arte e o divino, analisou a relação das artes com as mesquitas, focalizando em especial a cidade de São Paulo, mais particularmente o caso da primeira mesquita a ser inaugurada na América Latina, que data do final da década de 1920 nesta urbe.

Já no item Pesquisas, há dois escritos. Paulo Victor Albertoni Lisboa e a sua orientadora de Iniciação Científica, Amnéris Maroni, no texto chamado O pensamento selvagem e a psicologia infantil: uma crítica à tradição ocidental, detiveram-se em analisar alguns elementos que acusam a fertilidade do diálogo especificamente no tratamento do pensamento selvagem e da psicologia infantil dos autores Claude Lévi-Strauss e Maurice Merleau-Ponty. Por fim, Priscilla Perrud Silva e a sua orientadora de graduação, Zueleide Casagrande de Paula, em A antiga estação ferroviária de Londrina (1946-1950): linguagem arquitetônica do Ecletismo, empreenderam ações para estudar as linguagens arquitetônicas mescladas em meio à plasticidade da Arquitetura Eclética que constitui o edifício que atualmente abriga o Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss.

Para concluir, acredito que, mesmo para quem queira pensar em termos de estruturas mais profundas, bem além dos efeitos que cercam toda a matéria verbal, aqui apreendida neste número da Revista Cordis, não se poderá deixar de verificar, sob qualquer pretexto, os momentos mais fortes de intensidade e evidência aqui dispostos com tanta integridade, anunciando a beleza da heterogeneidade dos escritos.

Fortaleza- CE, junho de 2012

Luciara Silveira de Aragão e Frota

Conselho Editorial


FROTA, Luciara Silveira de Aragão e. Apresentação. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade, São Paulo, n. 8, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão: da Antiguidade à Modernidade / Politeia: História e Sociedade / 2010

O presente dossiê, pautado pela perspectiva comparada, partilha do esforço de vincular a temática da escravidão a processos históricos e a contextos sociais multi-temporais e espaciais. Sob o prisma de variadas abordagens, tem a chance de lançar luz sobre pontos de contato e de diferenciar experiências sociais no tempo e no espaço e, nesse sentido, apontar para novas questões de estudos.

Jovens e veteranos pesquisadores, oriundos de diferentes instituições, apresentam, sob perspectivas próprias, artigos lastreados por fontes diversas, modulados com sobriedade e imaginação histórica, como é próprio ao mister do historiador. Esses artigos originam-se, em sua maioria, de estudos mais extensos e meticulosos e evidenciam, com vitalidade, a atualidade do tema, renovado por preferências e opções pessoais, mas, sobretudo, abordagens que se atêm aos sujeitos históricos e à trama de seu cotidiano. São análises que, ao considerar as sutilezas das relações sociais, desvendam processos que estariam invisíveis de outro modo.

Este dossiê garante um mosaico amplo e rico em alternativas para pensarmos a escravidão por ângulos e abordagens atentos às suas singularidades, às possíveis aproximações, ao confronto de fontes e de ideias. Reserva-se ao leitor o contato com experiências sociais interpretadas em seu movimento histórico, que se recusam a generalizações, numa postura historiográfica que assume cada vez mais importância e interesse entre nós. Este rico painel é aqui apresentado em forma de artigos e entrevista.

A entrevista é uma contribuição valiosa e inestimável do historiador norte-americano e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Robert Slenes. Com disposição, entusiasmo e zelo, o professor Slenes reflete sobre os caminhos percorridos em sua trajetória historiográfica e pessoal. Atento aos meandros que envolvem o ofício de historiador, expõe compreensões teórico-metodológicas – sempre explicitadas em seus trabalhos – e indica trabalhos nascidos de profícuas pesquisas, muitos deles já publicados, e que são cuidadosamente apresentados ao final de sua entrevista. É um registro histórico que tivemos a sorte de colher e pelo qual somos profundamente gratos.

José Ernesto Moura Knust, mestrando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), abre a seção de artigos deste dossiê com o texto “Escravidão rural no final da República Romana: a De Re Rustica de Varrão” em que examina, no Tratado sobre as coisas do campo – escrito pelo erudito romano Marcos Terêncio Varrão, no final do século I a.C. –, relações entre senhores e escravos, em especial a autoridade de escravos em posição de chefia e a promoção de atitudes entre os escravos que visavam favorecer aos senhores. Ao analisar estratégias de controle dos escravos refletidas no referido Tratado, o autor nos transporta para a escravidão rural da Roma Antiga e identifica alguns de seus traços na escravidão americana. Para tanto, ancora-se no conceito de sociedade escravista do intelectual norte-americano Moses Finley.

O segundo artigo, “As guerras servis da Sicília”, é uma colaboração de Sônia Regina Rebel de Araújo, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ao tratar das circunstâncias históricas que envolveram duas revoltas de escravos na Sicília entre 135 e 101 a. C., Sônia Rebel evidencia o alcance da resistência escrava na Roma Antiga. Seu texto se orienta por abordagens teóricas de Moses Finley e Keith Bradley e de dois grandes historiadores brasileiros, Sidney Chalhoub e João J. Reis. Com isto, busca demonstrar “como o entrelaçamento dos estudos sobre a escravidão na Antiguidade e nas Américas pode ser produtivo, profícuo, para os estudiosos deste importante tema”. Para a autora, “o diálogo entre os aportes teóricos de historiadores da escravidão nas Américas e no Brasil, como João Reis, Chalhoub e Genovese, e os historiadores da Antiguidade, revelou-se útil, na medida em que aspectos da resistência dos escravos na modernidade revelaram-se instigantes para a análise dos movimentos sociais dos escravos no mundo romano”.

Em seguida temos o artigo “Escravo, servo ou camponês? Relações de produção e luta de classes no contexto da transição da Antiguidade à Idade Média (Hispânia, séculos V- VIII)”, de Mário Jorge da Motta Bastos, professor da UFF. O autor considera que as grandes transformações que se verificaram nas sociedades ocidentais a partir do século X resultaram de um conjunto mais amplo de processos, que se desenvolveram no longo intervalo que separa a Antiguidade e o Medievo. Para Bastos, “sociólogos, economistas e historiadores, conjugando empenho e engenhosidade dedutiva, tentaram desvelar uma realidade fugidia, fugaz em suas expressões, envolta pelas brumas de uma documentação limitada em número e fundamentalmente normativa em sua natureza”.

O quarto artigo resulta da parceria entre os professores Ocerlan Ferreira Santos e Washington Santos Nascimento, ambos vinculados às atividades do Museu Pedagógico da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), campus de Vitória da Conquista, sendo o último, doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Em artigo intitulado “Dimensões da vida escrava na Imperial Vila da Vitória nos últimos anos da escravidão (1870- 1888)”, tratam da escravidão no “Sertão da Ressaca”, mais especificamente, na Imperial Vila da Vitória, atual Vitória da Conquista. Por meio de pesquisa em fontes inéditas, examinam dinâmicas que envolveram as relações entre senhores e escravos nos últimos anos da escravidão, levando-os a concluir que “o que se percebe nos últimos anos da escravidão na então Imperial Vila da Vitória é uma profunda dinâmica envolvendo a população escrava com a construção de arranjos de sobrevivências que provavelmente permaneceram após a abolição da escravatura”. É mais um estudo que se soma aos esforços da pesquisa sobre a escravidão sertaneja, que emerge de uma disposição muito tenaz de pesquisadores que “descobrem” arquivos e organizam documentos, enriquecendo em várias direções a abordagem do tema.

O quinto artigo, “Entre a morada e a roça: escravidão no Recôncavo Sul da Bahia, 1850-1888”, decorre de estudos e pesquisas desenvolvidos por Alex Andrade Costa, Mestre em História Regional e Local pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), campus V – Santo Antônio de Jesus. O autor agrega novos enfoques à escravidão no Recôncavo Sul da Bahia ao analisar a mobilidade e a autonomia na vida cotidiana de escravos de pequenas e médias propriedades rurais, identificando formas de sobrevivência próprias de escravos lavradores. Alex Costa mostra que aquela parte do Recôncavo abrigou relações entre senhores e escravos com traços muito próximos da escravidão no sertão baiano. Numa perspectiva comparada, recorre à historiografia da escravidão para expressar aproximações de análises: “como a historiografia tem demonstrado, o conflito aproximou-se muito do ato de negociar, às vezes convivendo juntos numa mesma ação com um duplo significado”.

Encerrando a seção de artigos temos o “Historiografia sobre o negro, a escravidão e a herança cultural africana na Bahia”, apresentado pelo professor Erivaldo Fagundes Neves. Revela-se ali uma espécie de cartografia da historiografia da escravidão e dos estudos sobre o negro na Bahia. Um amplo painel, que destaca temas, fontes e metodologias presentes nesses estudos.

Como se antevê, são estudos que possibilitam comparações pontuais, enriquecem campos conceituais e ampliam a nossa compreensão das experiências históricas. Também evidenciam o papel chave do “ato de comparar” como um exercício metodológico inerente ao exercício da prática historiadora.

Gostaria, por fim, de externar gratidão e reconhecimento aos colegas que colaboraram com todo o trabalho desta publicação. Em especial, ao professor Luiz Otavio de Magalhães (Uesb, editor de Politeia), que acolheu a proposta do dossiê e acompanhou cuidadosamente a sua edição. Às professoras Gabriela Reis Sampaio e Wlamyra Albuquerque (Universidade Federal da Bahia), aos professores Fábio Joly (Universidade Federal de Ouro Preto), Alexandre Galvão e Márcia Lemos (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), que compuseram a comissão científica e se empenharam no convite a colegas, alguns deles aqui presentes. Como toda publicação da revista Politeia, espera-se que esta edição possa nutrir debates e apontar boas perspectivas para a pesquisa nas humanidades.

Maria de Fátima Novaes Pires – Professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) E-mail: [email protected]


PIRES, Maria de Fátima Novaes. Apresentação. Politeia: História e Sociedade. Vitória da Conquista, v. 10, n. 1, 2010. Acessar publicação original [DR]

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Imagens da modernidade: arte, fotografia e tecnologia / Estudos Ibero-Americanos / 2005

O presente número da revista Estudos Ibero-Americanos tem em vista publicar uma série de ensaios que focalizam as “Imagens da modernidade: arte, fotografia e tecnologia”. Os autores analisam a imagem a partir de diferentes olhares, considerando a modernidade, as ideologias do modernismo, as práticas culturais e os avanços científicos e tecnológicos como fios condutores dos processos de interpretação das mesmas. Como esses ensaios são efetuadas por historiadores da arte e da cultura, as imagens são tratadas não apenas por suas representações enquanto fenômenos positivos, mas levando em conta os seus aspectos estéticos e os diálogos que os artistas estabelecem entre si ou entre distintas categorias artísticas, em diferentes momentos históricos. Os diálogos entre pintores ou destes com fotógrafos e a cultura visual em geral fornecem também outros subsídios para a interpretação das imagens e suscitam novas questões. Fora esses aspectos de caráter metodológico assinalados, os estudiosos têm ainda o objetivo de considerar a espacialidade e a temporalidade da imagem, fazendo conexões com fenômenos próprios ao momento em que ela foi concebida e com outros tempos históricos com os quais ela se relaciona.

A imagem na arte moderna exige do historiador um longo processo de reflexão a respeito das questões internas e externas à mesma, visto que essa é resultante de múltiplos saberes, nos quais se confrontam, de forma interdependente, diferentes campos de conhecimento, o imaginário do artista, a cultura visual e as práticas próprias da sociedade em que ele vive. As imagens da modernidade são fecundas, pois evidenciam as suas mudanças de estatuto, bem como expressam as teorias com as quais elas são produzidas. Com isto, elas são resultantes do cruzamento de vários domínios do saber do mundo moderno, associados à memória, ao imaginário, à sensibilidade, às convicções pessoais e práticas culturais.

A inserção da fotografia no elenco de ensaios tem a finalidade de explicitar a sua importância na contemporaneidade, o impacto tecnológico exercido e a construção de novas percepções de mundo que esta evidencia, sobretudo, a partir da sua produção mecânica no século XIX e, mais recentemente, com a imagem numérica. Com isto, visa-se destacar a importância da cultura visual como fator significativo a ser considerado no processo de interpretação da imagem pelo historiador. Conforme Jean-Claude Schimit, todas as imagens interessam ao pesquisador, pois todas têm razão de ser, exprimem e comunicam sentidos, são dotadas de valores simbólicos e se prestam aos mais distintos usos.1

Este número da revista apresenta ensaios mais teóricos relativos à tradição / modernidade das imagens pictórica e fotográfica e a outros estudos que se pautam em análises de casos, que se estendem da pintura à arquitetura. Eles fogem das metodologias tradicionais da História da Arte, que trabalhou durante muito tempo com abordagens idealista, formalista e positiva, trazendo novos enfoques e problemáticas, bem como da História Cultural que identificou a imagem enquanto documento visual enquanto representação do real.

Nota

1. POIRRER, Philippe. Les enjeux de l’histoire culturelle. Paris: Seuil, 2004. p. 310.

Maria Lúcia Bastos Kern – Professora Doutora.

Cláudia Musa Fay – Professora Doutora.

Coordenadoras


KERN, Maria Lúcia Bastos; FAY, Cláudia Musa. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v.31, n.2, dez., 2005. Acessar publicação original [DR]

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Cultura e modernidade / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2003

REZENDE, Antônio Paulo de Morais; GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.21, n.1, jan / dez, 2003. Acesso apenas pelo link original [DR]

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