Pirating and Publishing: The Book Trade in the Age of Enlightment | R. Darnton

Pirating and Publishing: The Book Trade in the Age of Enlightment es la última obra publicada de Robert Darnton, reconocido historiador estadounidense, publicada por Oxford University Press en 2021. El autor se propone, una vez más, demostrar el poder de los libros y determinar qué lugar ocupaban en la Francia de finales del siglo XVIII. Pero en esta ocasión, pondrá la lupa en los actores, particularmente aquellos que ponían la literatura al alcance de los lectores, cumpliendo el rol de intermediarios: los editores. Continuando con la línea de sus ya conocidos aportes a historia del libro y de la lectura, la obra se presenta como un complemento de A Literary Tour de France: The World of Books on the Eve of the French Revolution, su trabajo previo publicado en 2018 bajo el mismo sello editorial y enfocado en analizar el rol de los libreros y la demanda de literatura para la Francia prerrevolucionaria. Leia Mais

Quatro visões iluministas sobre a educação matemática: Diderot, D’Alembert, Condillac e Condorcet – GOMES (Bo)

GOMES, M. L. M. Quatro visões iluministas sobre a educação matemática: Diderot, D’Alembert, Condillac e Condorcet. Campinas: Editora da Unicamp, 2008. Resenha de: ANDRADE, Mirian Maria. BOLEMA, Rio Claro, v.23, n. 36, p.809-817, ago., 2010.

O livro de Gomes originou-se de seu doutorado2 realizado na Universidade de Campinas, UNICAMP – SP, sob orientação de Antonio Miguel. A estrutura adotada na obra configura-se, grosso modo, em uma introdução seguida de seis capítulos aos quais seguem conclusões e referências bibliográficas.

Na introdução Gomes faz algumas considerações iniciais em relação ao trabalho como um todo, explicitando o que abordará em cada um dos capítulos seguintes. Neste momento esboça elementos para uma ideia sobre as contribuições, à educação matemática, dadas por quatro importantes pensadores das Luzes, a saber: Diderot, D’Alembert, Condillac e Condorcet.

Vinculadas a essas contribuições apontadas pela autora, é que se originaram os títulos dos capítulos, ou seja, cada um desses títulos, de certo modo, sublinha um aspecto considerado importante (talvez o aspecto mais marcante, segundo a leitura de Gomes) da obra de cada um desses “filósofos”3 em relação à Educação e à Educação Matemática4.

O capítulo 1, intitulado “Considerações sobre a educação matemática na França do século das Luzes”, é dedicado à apresentação de um quadro geral da educação na França do século XVIII, buscando fixar o solo em que radicam as contribuições dos quatro iluministas. A referência inicial é a carta 128 do conjunto das Cartas Persas de Montesquieu, cujo conteúdo expressa dois pontos fundamentais relacionados à educação matemática na França àquela época: O primeiro deles transparece no destaque conferido ao matemático, frequentemente denominado geômetra à época, bem como à sua maneira de ver o mundo – é o grande estágio de desenvolvimento atingido pelas ciências e pela matemática, já no início do Setecentos. […] o segundo ponto […] na ordem pedagógica setecentista, o estudo das letras prevalece sobre o das ciências, e a matemática tem pouco espaço. (GOMES, 2008, p. 26-27) A autora refere-se ao expressivo número de publicações na segunda metade dos setecentos, na França, carregadas de reflexão pedagógica que produziram uma diversidade de ideias. Dentre elas, Gomes destaca duas que se configuram como fundamentais à compreensão das concepções (em relação à educação matemática) dos quatro filósofos em questão: “[…] a necessidade de estatizar a educação escolar, é particularmente marcante, como veremos em Diderot e Condorcet” (GOMES, 2008, p. 30) e “[…] a necessidade premente de reformar o conteúdo da educação escolar, com a abertura de um espaço importante para a matemática, está explícita nos escritos dos quatro autores abordados neste trabalho” (GOMES, 2008, p. 30). Ainda, nesse momento, nos são apresentados aspectos gerais da instrução primária e secundária antes da Revolução Francesa. Na França do século XVIII, a educação primária era a escola do povo, enquanto a educação secundária atendia apenas a uma minoria composta pela nobreza e pela elite burguesa.

Dentre os quatro iluministas, Diderot e Condorcet se sobressaem por defenderem uma educação para todos, uma formação na qual a educação matemática possuiria especial importância.

Encerrando este capítulo inicial, a autora discute em linhas gerais o ensino jesuíta e a educação matemática na França. De acordo com Gomes, a Companhia de Jesus investia efetivamente no ensino secundário, dado que o ensino primário não lhe era conveniente – citando Compayre, “tudo se subordina a fé, e a fé do povo não tem melhor salvaguarda do que a ignorância” – e o ensino superior, dito “a alta ciência”, vive de liberdade, o que os jesuítas não poderiam admitir. Maria Laura Magalhães Gomes apresenta, então, um esboço de como eram gerenciadas as questões relativas ao estudo nos colégios da Companhia de Jesus, apontando que, dos quatro iluministas aos quais o foco do livro se volta, apenas D’Alembert não estudou em instituição jesuíta.

Com isso, ficam ressaltadas, de certo modo, algumas das influências educacionais originárias – tanto desses pensadores quanto de uma significativa parcela da sociedade da época – que seriam, no correr da história, questionadas e reformuladas pelos iluministas.

O capítulo segundo, “Diderot e o sentido político da educação matemática”, é dedicado ao estudo da obra de Denis Diderot (1713 – 1784).

Para esse pensador – como já ressaltado no próprio título do capítulo – a educação é um fato primordial para a vida individual e social do indivíduo, direito de todos, de acordo com os méritos e as capacidades de cada indivíduo: para Diderot, portanto, a educação (e veremos que também a educação matemática) é elemento de uma agenda política.

Diderot é considerado o principal editor da Enciclopédia (obra emblemática do iluminismo francês) ainda que usualmente, nas citações, ele apareça como companheiro de D’Alembert. Em 1775 Diderot responde à solicitação da imperatriz da Rússia, Catarina II, enviando-lhe o projeto para a constituição de uma universidade no qual é visível o lugar privilegiado dado à educação matemática.

Um exame da Explicação detalhada do sistema de conhecimentos humanos – texto da Enciclopédia cuidadosamente analisado por Gomes – mostra a proposta de Diderot e D’Alembert quanto à localização da matemática na divisão geral dos conhecimentos humanos, sendo portanto esse exame um ingrediente fundamental para compreendermos a posição de Diderot em relação à matemática. Para ele “o objeto da matemática é a quantidade, um abstrato que os sentidos exteriores percebem; a partir dessa percepção, o Entendimento produz o conhecimento pela reflexão” (GOMES, 2008, p. 53).

Na organização dos estudos proposta por Diderot no Plano de uma Universidade, o enciclopedista exercita suas crenças sobre a educação matemática, que defendiam o conhecimento matemático como instrumental e formativo. A importância do aspecto formativo é notada no texto das Primeiras noções sobre as matemáticas para uso das crianças, obra inacabada que atenderia à execução do Plano. Essa potencialidade da matemática é evidenciada quando Diderot refere-se à geometria que, segundo ele, é a mais simples das lógicas. Para Diderot, o estudo das matemáticas, junto à alfabetização, deveria necessariamente ser acessível a todos, do primeiro ministro ao camponês: todos deveriam saber ler, escrever e contar.

Em relação ao aspecto prático/instrumental, percebe-se que a prioridade da educação matemática é justificada no projeto de Diderot pelo bom funcionamento da sociedade. A autora interpreta o papel desses dois aspectos matemáticos (formativo e instrumental) como constituintes essenciais de seu projeto pedagógico. Apoiada em Dolle, Gomes afirma que, para Diderot, a essência da organização política é a educação.

Duas passagens, segundo a autora, ilustram de modo claro as principais ideias de Diderot em relação à aprendizagem matemática, a saber: “Como quer que seja, segue-se que as matemáticas puras entram em nossa alma por todos os sentidos, e, portanto, que as noções abstratas nos deveriam ser bem familiares” (GOMES, 2008, p.79), um excerto das Adições à Carta sobre os surdos e mudos, e “Saber geometria ou ser geômetra são duas coisas muito diversas. É dado a poucos homens serem geômetras; é dado a todos aprender a aritmética e a geometria”. (GOMES, 2008, p. 79), excerto do Plano de uma Universidade. Finalizando o segundo capítulo, a autora discute as indicações metodológicas de Diderot em relação ao ensino de matemática.

O terceiro capítulo, cujo título é “D’Alembert e a epistemologia da matemática como base da educação matemática”, é dedicado ao estudo do iluminista Jean Le Ronde D’Alembert (1717 – 1783). Para Gomes, fontes ricas para conhecermos o pensamento desse iluminista em relação à educação matemática são os verbetes da Enciclopédia e o Ensaio sobre os elementos da Filosofia. Estudando esses textos, a autora afirma que é possível constatar dois componentes fundamentais das reflexões desse filósofo: D’Alembert situa Bolema, Rio Claro (SP), v. 23, nº 36, p. 809 a 817, agosto 2010 813 a fonte de todo conhecimento na experiência (concordando com Locke) e acredita que existe uma ligação entre todos os objetos de nosso conhecimento, e pensa a geometria como sinônimo da matemática, ainda que não deixe de, em seus escritos, atribuir importância à álgebra.

Duas questões são tomadas como centrais para a compreensão das idéias de D’Alembert: sua posição de, tendo como base o pensamento de Locke, defender a matemática como um conhecimento tributário da experiência; e sua concepção sobre o conhecimento matemático ser e funcionar como uma cadeia de verdades (no que D’Alembert reflete harmonia com concepções cartesianas).

Nas linhas desse capítulo, Gomes nos deixa perceber que a matemática participava – de modo essencial e com destaque – do quadro de conhecimentos de D’Alembert: para ele, deveria ser facultado a todas as pessoas o acesso ao conhecimento elementar da matemática. Sobre as indicações para a educação matemática, a autora nos mostra que, em D’Alembert, o principal instrumento para a instrução científica (particularmente a educação matemática) é o livro-texto.

O ponto básico da proposta de educação matemática de D’Alembert reside na elaboração de livros didáticos que exponham esses conteúdos de acordo com as diretrizes que ele propõe. Essa tarefa não é simples: D’Alembert revela-se muito insatisfeito em relação aos textos de matemática de sua época e critica fortemente seus autores por não considerá-los à altura do empreendimento que realizam. […] para D’Alembert, não é o professor quem entregará ao educando o conhecimento pronto: os textos devem fornecer muito material a ser pensado, pois só existe aprendizagem pelo esforço da própria mente. (GOMES, 2008, p. 153).

No quarto capítulo do livro, “Condillac e o prisma cognitivo da educação matemática”, por sua vez, seguem as discussões em torno do filósofo Étienne Bonnot Condillac (1714 – 1780). Segundo Gomes, o objeto essencial dos trabalhos de Condillac é o conhecimento humano, o método por excelência é o analítico, e os fundamentos centrais de sua obra provêm dos trabalhos de Newton e de Locke. Duas parecem ser as principais diferenças entre Locke e Condillac: a primeira delas é que, no filósofo francês, há uma radicalização do sensacionismo; a segunda refere-se ao papel desempenhado pelos signos nas operações mentais (para Locke a linguagem é instrumento, enquanto que para Condillac o papel dos signos está na própria formação do pensamento refletido).

Para tecer relações entre a obra de Condillac e a Educação Matemática, Gomes abre três frentes: na primeira, aborda as concepções desse iluminista em relação à aritmética, expondo a importância dada por ele aos signos e seus usos; na segunda, traz à tona a visão de Condillac em relação à álgebra – quando Gomes afirma que tudo o que Condillac valoriza na matemática é exatamente o que Diderot frequentemente rejeita –; e, por fim, na terceira das frentes, Gomes apresenta as concepções do filósofo francês em relação aos conhecimentos geométricos.

A apresentação e discussão de algumas considerações epistemológicas e pedagógicas de Condillac, relativas à educação matemática, encerra o capítulo: como D’Alembert e Diderot, Condillac também valoriza a matemática como um conhecimento essencial à formação humana.

O último dos quatro iluministas a ser estudado por Gomes é Jean- Antoine-Nicolas Caritat, o Marquês de Condorcet (1743 – 1794), a quem a autora dedica o quinto capítulo de seu livro. Em “Condorcet e a educação matemática na instrução pública”, sabemos que foi ele, dentre os quatro filósofos abordados, o único que viveu para conhecer a Revolução Francesa. Gomes refere-se a Condorcet como uma figura ilustre na matemática, na filosofia e na educação, além de brilhante político e intelectual do século das Luzes. Por alguns é chamado de “o último dos iluministas”, por outros, como um dos principais – se não o principal – divulgadores da Enciclopédia ao século XIX. Baseada em trabalhos de historiadores da Matemática, Gomes destaca o pioneirismo de Condorcet em um campo denominado por ele mesmo como “matemática social”. Na história da Filosofia, esse pensador é destacado pelo Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano que, segundo a autora, é seu testamento filosófico, uma síntese histórica dos progressos da humanidade. Em Condorcet, é possível notar a influência de Voltaire principalmente no que tange ao combate à Igreja e à luta em favor da tolerância.

Na sequência do capítulo – que, como os demais, é riquíssimo em informações e precioso nas interpretações – Gomes tece considerações quanto à visão de Condorcet sobre a educação matemática. Para tanto, ela focaliza as concepções e propostas desse pensador elaboradas, antes da Revolução Francesa, em seu plano de instrução pública, e o seu manual de aritmética (Meios de aprender a contar com segurança e facilidade) composto visando o mesmo Plano e, portanto, faz parte das diretrizes de um projeto para a França Revolucionária. Para esse filósofo, o conhecimento matemático está entre os que mais podem contribuir para a formação humana, e o que é mais necessário ao cidadão. Condorcet, assim como Diderot, crê que toda criança precisa saber contar e medir. Para ele, as ciências abstratas adequadas para uma criança são a aritmética, a geometria e a álgebra e sua proposta é favorável a fazer recomendações aos professores sobre a aprendizagem, ao invés de meramente oferecer livros às crianças.

Gomes apresenta e discute também o “informe” de Arbogast – um antecedente do manual de aritmética de Condorcet –, as doze lições de aritmética, os conteúdos do manual, bem como as dimensões didáticas, metodológicas e psicológicas desses materiais. Para finalizar tal capítulo, a autora expõe uma síntese da educação matemática na concepção desse iluminista iniciada com um paralelo em relação às concepções dos demais pensadores por ela tratados.

Diderot, defensor incansável da instrução pública, laica, gratuita e para todos os filhos de uma nação, afirmou a necessidade de começar o ensino pela matemática no Plano de uma universidade. D’Alembert, no Discurso preliminar da Enciclopédia, iniciou pela matemática a abordagem dos conhecimentos humanos, e insistiu na necessidade de que os livros elementares fossem escritos pelos cientistas mais eminentes. Condillac sublinhou em seus trabalhos o valor cognitivo da matemática, propôs reformas terminológicas sobre os nomes dos números de modo a evidenciar a analogia, fez o elogio da linguagem matemática, praticamente confundiu a álgebra com o método filosófico da análise.

Condorcet, o último representante da filosofia iluminista francesa, pertenceu a um tempo que lhe possibilitou, como matemático e político, empreender ações concretas no sentido da realização dos ideais científicos e pedagógicos de seus antecessores (GOMES, 2008, p. 297).

Gomes aponta outras similaridades entre as ações e intenções desses iluministas e encerra este capítulo afirmando que “Condorcet teve a oportunidade de ir além do trabalho de doutrinação no sentido de atribuir à educação matemática um lugar privilegiado no combate em favor da autonomia, da igualdade e do aperfeiçoamento do homem” (GOMES, 2008, p. 300- 301). A autora interpreta a obra de Condorcet – morto em 1794, quando fugia da perseguição sanguinária do regime do terror, num momento em que seu Plano para a instrução pública, posteriormente substituído por outras propostas, nem mesmo havia sido votado em assembleia – como uma das derradeiras expressões da filosofia iluminista da França do século XVIII.

O capítulo sexto do livro de Gomes é dedicado a considerar a educação matemática na França pós-iluminista. Resultado das contribuições desses quatro filósofos das Luzes, a Matemática torna-se, ainda que por pouco tempo, uma das principais disciplinas escolares. A partir da apresentação e da discussão dos Ensaios sobre a história do ensino de matemática, particularmente na França e na Prússia, um trabalho do pesquisador alemão Gert Schubring, a autora faz apontamentos sucintos em relação à situação da educação matemática em diversos períodos da história da França, como o da Convenção Nacional (1792 – 1795), o do Diretório (1795 – 1799), do Consulado (1799 – 1804), do Império napoleônico (1804 – 1814) e o da Restauração (1814 – 1848).

Ao concluir seu livro, Gomes afirma que, em síntese, os quatro iluministas por ela tematizados, apesar de divergirem em vários aspectos, sempre tiveram como ponto comum e princípio a luta pela prioridade da educação matemática na instrução. Salienta um aspecto fundamental que, dentre eles, diferencia Diderot: a defesa do método analítico, que fundamenta a defesa da mesma abordagem em D’Alembert, Condillac e Condorcet. Ressalta a crença de Diderot, Condillac e Condorcet na possibilidade de que toda criança pode – e deveria – ter acesso aos conhecimentos matemáticos e recorda a defesa de D’Alembert, Diderot e Condorcet quanto à responsabilidade dos professores que trabalham com a educação matemática e a importância dos livros elementares, cujos autores deveriam ser intelectuais eminentes.

Gomes afirma que não parece adequado concluir seu trabalho sem se referir, mesmo que rapidamente, ao pensamento de Rousseau, manifestado principalmente no Emílio ou Da educação, obra relevante e de grande repercussão no pensamento pedagógico após o século XVIII. Os quatro iluministas e Rousseau – nos assegura a autora – partilham das concepções sobre aprendizagem por meio da experiência dos sentidos mas, no entanto, a visão de Rousseau diverge demasiadamente da dos demais quanto às concepções metodológicas e psicológicas sobre a educação matemática que amparam suas propostas.

Gomes, por fim, considera a complexidade de seu tema de estudo e afirma que não teve a intenção de esgotá-lo: espera ter apresentado, em seu livro, uma contribuição à história da educação matemática e, especialmente, à história da educação matemática brasileira.

Nas páginas anteriores tentei sintetizar – a partir de minha leitura específica – o trabalho de Gomes. Uma angústia constante acompanha, entretanto, meu esforço de resenhista: a impressão de sempre estar deixando algo para trás, de sistematicamente estar negligenciando aspectos importantes, de não comunicar minimamente a riqueza que a autora expressa em seu livro.

Os capítulos são maciços de informações e interpretações extremamente relevantes e bem tecidas, o que torna complexa a intenção de resumir e transmitir ao leitor uma idéia de tudo o que Gomes aborda. Aos interessados na história da educação matemática e suas cercanias, recomendo fortemente a leitura da íntegra do trabalho. Trata-se de um texto de leitura agradável e de um notável exercício de análise e interpretação.

Notas

2 Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000297451>.

3 “O termo philosophes” – afirma Gomes – “com que se auto-intitularam os intelectuais da Ilustração na França, caracteriza não um filósofo no sentido tradicional – um metafísico – , mas antes um pensador engajado, progressista, que luta contra o fanatismo e a intolerância, que defende a razão e as luzes, que mobiliza seu espírito crítico especialmente contra a Igreja católica e a monarquia absoluta” (GOMES, 2008, p. 105) .

4 “Embora na atualidade a expressão ´educação matemática´seja usada com diversos significados, entre os quais se sobressai o de um campo de investigação científica, utilizo-a no contexto histórico a que este trabalho se refere, a França do século XVIII, para designar o ensino de matemática em uma perspectiva mais ampla, isto é, como algo indissociável de seus múltiplos aspectos: epistemológicos, políticos, éticos, pedagógicos, históricos, filosóficos, metodológicos, psicológicos, sociais, culturais, teleológicos, axiológicos etc.” (GOMES, 2008, p. 21)  

Mirian Maria Andrade – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista – UNESP/Rio Claro. E-mail: [email protected]

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Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês – KOSELLECK (RBH)

KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Tradução de Luciana Villas-Boas Castelo-Branco. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999. Resenha de: MAGALHÃES, Marionilde Dias Brepohl de. Revista Brasileira História, São Paulo, v.21, n.42, 2001.

Obra de fundamental importância para o conhecimento da dinâmica interna do Iluminismo e da gênese do mundo burguês, Crítica e crise, publicada na Alemanha em 1953, é traduzida somente agora em língua portuguesa. Pretendendo desvendar a natureza do mundo contemporâneo, a obra pode ser lida também como importante contributo à Teoria da História.

Koselleck propõe-se a demonstrar como a Filosofia da História, produção intelectual elaborada no século XVIII, não apenas justificou a ascensão da burguesia, como também inaugurou uma nova percepção do mundo, do mundo em crise, algo que se estende desde a Revolução Francesa até a Guerra Fria. Esta percepção do mundo é elaborada através da Filosofia da História, que cria a prospectiva utópica.

Nesta tese, o autor procurará associar análises relevantes da produção intelectual do XVIII, sem fazer, contudo, uma História das Idéias (Geistgeschichte). O movimento das idéias lhe interessa apenas na medida em que desvele o incidente político. Interessam-lhe menos as genealogias ou as formas do pensamento organizado, e mais sua evidência política.

Seu tema versa sobre os filósofos das Luzes antes da revolução, seus atos e pensamentos, independentemente de serem eles pensadores eruditos ou meros autores de panfletos anônimos. Interessa-lhe destacar seus denominadores comuns: a abordagem heurística, que visa a elucidar a ligação entre a utópica filosofia da história e a revolução desencadeada em 1789, que reside na conexão pressuposta entre crítica e crise (p. 13).

Segundo ele, a conjuntura a partir da qual surgiram as Luzes não explica as mudanças ocorridas no século XVIII. O que mudou foram as circunstâncias: o Estado estava se enfraquecendo na França, e por isso, em que pese o monarca continuar a decidir soberanamente, ele pareceu submeter-se às Luzes. No entanto, o Estado Absolutista permanece intacto até a Revolução Francesa1.

A crítica dos iluministas provocou a crise na medida em que o senso político lhes escapava. O espírito burguês do século XVIII transformou a História em um processo. Ao soerguerem como que um tribunal da razão, as Luzes passam a chamar às falas a Teologia, a História, a Arte, o Direito, o Estado e a Política. E, interessante, os filósofos das Luzes aplicaram o método divino à história (condenação/salvação). Submete-se o plano da salvação divina às Luzes.

Neste processo de secularização, o plano da salvação se torna o plano do futuro, moralmente justo e conforme a razão. Mas a moral (ética cristã secularizada) é estrangeira à realidade dada, e vê na ordem política uma determinação heteronômica que embaraça sua autonomia. Por isso, a salvação secularizada (doravante concebida como progresso) só pode se concretizar no futuro, pois a crítica é impotente diante das instituições estabelecidas. Por isso a história se reveste de uma perspectiva utópica.

Dois fatos importantes marcaram o início e o fim do Absolutismo: as guerras religiosas e a Revolução Francesa.

Na França, onde o Estado consegue muito cedo subjugar as guerras religiosas por meio de uma ação racional (pela política, porquanto o Estado logra eliminar todas as demais instituições autônomas em seu favor), constrói-se, de forma mais evidente, a doutrina da razão de Estado.

A razão de Estado pressupõe que a política pode ser tratada fora das considerações morais. Esta se desenha pela percepção de que as guerras religiosas são fruto da intolerância e da liberdade do povo para escolher entre esta ou aquela verdade moral.

Para que a paz seja estabelecida faz-se necessário, pois, que o soberano suprima a liberdade do povo em nome da própria paz.

Barclay2, já em 1605, confrontou o monarca com a seguinte alternativa:

Ou restituis a liberdade ao povo, ou lhe assegureis a paz interior, pela qual o povo sacrificou sua liberdade (…) Se o monarca admitisse oposição, sem dívida se libertaria de responsabilidades, mas carregaria a culpa por todas as agitações que nascessem da intolerância (…) ou fazia que todos se curvassem ou ninguém se submeteria (p. 22).

Mas não há, nestes escritos, a idéia de perda total da liberdade. A liberdade deve ser vivenciada no mundo interior. Nesta esfera, é o indivíduo mesmo que se julga, no refúgio de seu eu. Já o seu eu exterior é julgado pelos que dominam. Quem quer externar o que sua consciência diz, morrerá. Logo, a consciência é algoz de si mesma, pois é ela quem provoca a guerra religiosa.

Esta distinção entre vida exterior e vida interior faz com que se rompa a relação responsabilidade/ culpabilidade, constitutiva da consciência. Os súditos não tinham mais responsabilidade, apenas culpabilidade. A responsabilidade passou a ser apanágio do soberano.

Entretanto, para que o soberano domine, necessário se faz agir com eficácia: não lograr manter a paz é o limite de seu próprio poder. Por isto, necessita acumular poder, elaborar regras e jogos que só ele conhece e que não podem ser conquistados pela moral.

As guerras religiosas influenciaram decisivamente a Teoria Política de Hobbes. Ele funda uma antropologia individualista, ao afirmar serem para o homem bem problemáticos os vínculos sociais, políticos e religiosos, pois ele tende, inexoravelmente, ao apetite e à fuga, ao desejo e ao medo. Trata-se, pois, de uma teoria da guerra civil, donde se justifica a importância do Estado: o Estado de guerra pertence à natureza humana; a paz só existe enquanto esperança e desejo… (p. 27). Já a razão não precisa da moral, pois substitui a moral na política, porque a moral é definida pela religião, e como há muitas religiões, os valores se conflitam. Afinal, quando os presbiterianos e independentes evocam a graça teológica, trata-se apenas da expressão de sua paixão (p. 29).

A pretensão das seitas, para Hobbes, de julgar entre o bem e o mal, não leva à paz, mas é fonte do próprio mal. Isto se deve não apenas à vontade de poder que atiça a guerra civil, mas também à referência a uma consciência que não tem apoio exterior. A consciência moral não é causa da paz, mas da guerra.

Ao separar consciência e ação, Hobbes introduz o Estado sob o aspecto de instância, que exclui a moral de suas repercussões políticas, pois o interesse público e o ato de legislar do soberano são a autoridade e não a verdade. E submete também o Direito ao Estado, porquanto o Direito, por sua vez, está ligado aos interesses sociais e esperanças religiosas. Por esta razão, também o Direito tem de se sujeitar à autoridade do rei.

O Estado torna-se então o Deus mortal. Mais do que isto: torna-se um automaton, a grande máquina (p. 33). Ele assegura, protege, prolonga a vida dos homens. Mas como mortal, ele pode se esfacelar e fazer a sociedade cair no estado da natureza — o que levaria a uma nova guerra civil. Portanto, o Estado tem de fazer de tudo para assegurar a obediência de todos.

É a partir desta clivagem que o homem se parte em dois, uma metade privada e a outra pública, e suas convicções passam a ser vivenciadas no secreto — in secret free.

A dicotomia entre homem simples e homem público é constitutiva da gênese do segredo. As Luzes dilatarão pouco a pouco o foro interior da convicção, mas toda a pretensão ao que revelava domínio do Estado ficava necessariamente envelopada com o véu do sagrado.

A neutralização da consciência pela política favorece a secularização da moral. Mas o arrefecer da religiosidade é fatal para o Estado, porque os temas tradicionais vão ser reeditados de forma secularizada. Quando se esquece as origens do Estado (guerra civil), a razão de Estado aparece como imoral por excelência. Com o fim das guerras de religião, o Estado será portanto encarado como uma pessoa moral que, independentemente da Constituição (católica ou protestante), Monarquia ou República, vê-se face a face com outros Estados. Neste território, a um só tempo existencial e político, os filósofos das Luzes debruçam-se sobre si mesmos. Seu ponto de partida é o foro interior, que vai se dilatando até que se crie como que um segundo espaço público. Gradativamente, esta dilatação atingirá o próprio Estado.

Para John Locke, que viveu num país em que o parlamento já exercia bastante influência sobre o Estado, há três sortes de leis:

A Lei divina, que regulamenta o que é pecado e o que é dever (The divine law the mesure of sin and duty); a Lei civil, que regulamenta o crime e a inocência (The civil law the mesure of crimes and innocence), ou seja, a lei do Estado, ligada à coerção cuja tarefa consiste em proteger o cidadão; em terceiro lugar, a lei especificamente moral, que arbitra sobre o vício ou a virtude, que é revelada pela opinião pública (p. 50).

Uma vez que não é autorizada pelo Estado, a opinião pública só existia secularmente nos clubes, cafés e salões, onde as pessoas transitavam e emitiam seus juízos — não legislavam diretamente, mas a força de seu julgamento autônomo residia na censura, donde a necessidade de publicizá-la.

É neste contexto que se compreende o movimento intelectual de Locke que, ao interpretar a lei filosófica como opinião pública, investe politicamente no foro interior da consciência humana — subordinada por Hobbes à política do Estado. Para Locke, as ações públicas não devem estar submetidas apenas ao Estado. Por isto, ele trespassa a restrição existente no Absolutismo, porquanto a moral não se limita ao eu interior, mas afronta o Estado.

Quem decide? Instância moral dos cidadãos ou a política do Estado? Ou os dois em conjunto? A lei moral não pode exercer poder, mas sim influência política indireta.

Neste círculo (da crítica) encontrar-se-ão os burgueses arrivistas, os protestantes perseguidos, os sábios, eclesiásticos progressistas, militares de alta patente, magistrados, atores que constroem um segundo domínio, compreendido por Koselleck como o reino da crítica.

A estratégia deste novo domínio público (que é ao mesmo tempo privado) é semelhante à dos maçons, que pretendiam traçar planos racionais para a felicidade da vida social. Afinal, os maçons mesclam poderes místicos da igreja e polícia secreta do Estado, ao que associam ainda um terceiro poder — a censura.

No reino da crítica, ainda não se pretende destruir o Estado; quer-se viver como iguais entre si, à parte do Estado, sem hierarquias. O segredo é a garantia de sua proteção: A liberdade secreta se torna o segredo da liberdade. A outra função do segredo é a de propiciar a coesão entre os irmãos. Nasce aí uma nova elite, denominada humanidade, que sente ser seu dever servir a este novo mundo.

A quem eles obedeciam? Ao desconhecido, pois o seu superior era invisível. Logo, quem detinha mais segredos sobre as organizações, detinha mais poder.

Os maçons, aos seus próprios olhos, queriam fazer o bem, mas encontravam obstáculos, quais fossem: a divisão do mundo entre homens e Estados divergentes, a hierarquia social e as religiões em conflito.

Por esses motivos, a crítica permanecia obediente ao Estado, devendo os progressistas limitarem-se ao espírito das ciências3.

No entanto, à medida que a crítica da razão torna todos iguais, inclusive o soberano, ela reduz todos os homens à condição de cidadãos. E se todo cidadão é igual, todo poder é abuso de poder, e o rei absolutista é um usurpador.

Por outro lado, tanto quanto o rei, os críticos transformam-se em tiranos de sua própria argumentação, ou seja, têm de ser igualmente criticados. Para Kant, no reino da crítica com seus segredos, a política pareceu retomar as funções do Estado com seus arcanos. Não é mais a crítica que se substrai do Estado; ela quer estender seu reino tão soberanamente, que são os Estados e as Igrejas que parecem fechar-se diante do julgamento da crítica, para se submeterem a ela. A crítica adquire tanta segurança que chega a tachar o Estado e a Igreja de hipócritas. Se o Estado não se submete à razão crítica, ele só tem direito a um respeito dissimulado. Em síntese, o politicum da crítica não se caracteriza pelo falado, mas por separar o Estado de seu reino.

O dualismo entre o reino da moral e o reino da política permitiu abrir um horizonte apolítico (ser a favor ou contra), primeiramente contra as religiões, e gradativamente contra o Estado. Graças a este pensamento dualista, a nova elite adquiriu uma consciência de si original, a saber, um grupo de pessoas que como representantes e como educadores de uma nova sociedade tomam posição dizendo não ao Estado Absolutista e à Igreja.

No momento em que as Luzes negam o Estado Absolutista, a história fica em aberto e, assim, se enuncia a crise4.

Na Alemanha, observa-se clara percepção da tensão entre moral e política, o que deveria provocar a cisão entre Estado e sociedade5. Todavia, nesta região, a burguesia é fraca e minoritária, logo, as sociedades secretas são ferrenhamente perseguidas e colocadas fora da lei. Diz-se delas que são um Estado dentro do Estado, que se trata de uma conspiração jesuítico-maçônica, acima dos Estados soberanos, para destruí-los, a eles e às igrejas. O que os incita a pensar nestes pequenos grupos como tão poderosos, com uma força catastrófica? A Filosofia da História, vista como grande ameaça, pois iria substituir a religião pela moral.

Os maçons, segundo Leibniz,

aparecem no lugar de Deus. Assim como Deus só age de maneira oculta, fornece ser, força, vida e razão sem deixar-se perceber, os irmãos das lojas também têm que encobrir seu segredo, pois na opacidade de seus planos reside a bondade, a sabedoria e o sucesso do grande projeto (p. 115).

Para Leibniz, os maçons queriam abolir o Estado, sem violência, simplesmente minando-o gradativamente.

Ainda, a Filosofia da História, para Leibniz, legitima a arte moral e produz o homem novo, deus na terra que quer dirigir a história (p. 116), mas não o fará pela violência, e sim pela vontade.

Göchhausen, um militar prussiano, maçon, mas lacaio do rei, assim denuncia os iluministas:

A razão, aparentemente, irá criar um território sem fronteiras e instaurar a era da frugalidade espiritual, física e política no país de fria abstração; mas, de fato, só haveria duas condições toleráveis: a classe que governa e a classe que é governada (p. 119).

Dadas estas perseguições, a revolução não se desenlaça na Alemanha, mas na França. Neste país, a crise se inicia com Turgot, Ministro de Estado oriundo das Luzes, censor moral que entra na cena pública. Para conter a revolução, defendia ser necessário criar-se um Estado cesarista, com um espaço para os liberais. Colocava-se contra os parlamentos e contra o rei.

Turgot, como Hobbes, defendia o Absolutismo esclarecido. Logo, o rei só tinha legitimidade quando suas leis se assentassem no direito moral, sem o que perderia sua autoridade. Ao operar uma divisão dualista entre a moral e a política, Turgot elide

a questão concreta de saber onde e como o direito moral e o poder coincidem, o que equivale a uma forma política de uma ordem moral de Estado… Se para os absolutistas a subordinação da moral à política era o princípio de ordem que colocou um fim à guerra civil e impediu que ela se reacendesse, para Turgot, esse princípio transformou-se no facho que a inocentava, pois, para Turgot, submeter a consciência à política não é evitar a guerra civil, mas fomentá-la. Opor-se à voz da consciência é ser sempre injusto, é justificar a revolta e dar lugar ao tumulto (p. 125).

Com este reconhecimento, Turgot prepara a cena para a revolta.

Rousseau, o primeiro dos democratas modernos, apresenta-se com a seguinte questão: A condição de liberdade é que cada um só obedeça a si mesmo. O monarca não representa a vontade da sociedade, esta é representada pela vontade geral. Mas esta vontade geral, que é agora soberana, é entretanto invisível. Se todos são soberanos, a sociedade é estatizada. Mas esta totalidade racional só o é em aparência, pois cada cidadão só adquire liberdade quando participa da vontade geral, mas como homem ele não sabe quando e como seu eu interior coincide com esta vontade geral, pois o homem individual se engana, enquanto a vontade geral nunca pode se enganar.

Para não permitir o engano, impõe-se a correção das vontades, que é concretizada com a ditadura. A ditadura se diferencia do Absolutismo porque nela se integra o eu interior, e não apenas o eu exterior (ou seja, há que se transformar as ações em convicções). Para tanto, como nem todos os cidadãos conhecem a vontade geral, precisam de guias que criem a identidade entre a moral e a política — com vistas a mostrar o bom caminho. O reino da opinião pública de Rousseau se torna ideológico. O censor público transforma-se em chefe ideológico. Entretanto, ele não pode demonstrar que está mandando, ele tem de dissumular, como nas sociedades secretas.

A ditadura ideológica da virtude desaparece atrás da máscara da vontade geral. Mas porque é instável, impõe-se, ao lado da ideologia, o terror. Daí resulta a desagregação da ordem. Logo, a autoridade não é só ela imoral, mas transforma toda a sociedade em imoral, porque mesmo o homem esclarecido tem de ser hipócrita.

A inocência moral leva à desobediência, que leva à revolta, que resulta na guerra civil. A crise significa então o tribunal da moral, onde vencerá o despotismo ou a justiça.

Este paradigma pode ser evidenciado em Raynal — que enxerga na independência dos Estados Unidos a oposição entre velho e novo mundo; o velho, déspota, o novo, da inocência moral6. Quem triunfa naquele país é a verdade moral dos oprimidos. Ou seja, é com a guerra e com seus meios violentos que se inicia o tempo em que a virtude e o vício se separam. Raynal conclama à revolução em nome da Filosofia da História; crise e Filosofia da História estarão doravante intimamente ligadas.

Com estas constatações, Koselleck conclui que a incerteza da crise se identifica com a certeza do planejamento da história utópica. Esta provoca aquela, e vice-versa; as duas juntas perpetuam o processo que os intelectuais burgueses abriram contra o Estado Absolutista. A burguesia usurpa o poder com a má consciência de um moralista que crê que o sentido da história é o de tornar dispensável o poder. A utopia como resposta ao Absolutismo abre assim o processo dos Tempos Modernos. Porque, de resto, com Tom Paine, a vitória da revolta norte-americana deu-se pela verdade moral, e na França revolucionária, pela política…

Notas

1 Com esta afirmativa, o autor se afasta das interpretações que entendem as idéias como responsáveis pela revolução. Se elas o foram, não foram seus atores que estiveram à frente do movimento (p. 19 e ss.).

2 Humanista e jurista, Barclay tinha em vista o Estado Absolutista; suas idéias foram acompanhadas de perto por Richelieu.

3 A institucionalização da crítica se dá, num primeiro momento, de forma dissimulada, pelo e no teatro ou pela e na literatura. O resgate do drama tem este sentido, de oposição de forças diametralmente opostas: razão/ revelação, liberdade/ despotismo, natureza/ civilização, comércio/ guerra, moral/ política, decadência/ progresso, luz/ trevas.

4 Koselleck toma de empréstimo o termo crise, tal qual ele é empregado por Rousseau, como uma doença do corpo.

5 À época do Sturm und Drang (Tempestade e ímpeto), primeira fase do Romantismo, também compreendido como Romantismo Ilustrado.

6 Segundo Koselleck, em Raynal, a inocência moral deixa de ser pensada como antecessora no tempo do Absolutismo, e é projetada no presente, geograficamente — o oprimido dos Estados Unidos contra a Europa despótica.

Marionilde Dias Brepohl de Magalhães – Universidade Federal do Paraná

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