Páscoa et ses deux maris. Une esclave entre Angola/ Brésil et Portugal au XVIIe siècle | Charlotte de CastelnauL’Estoile

Este é um livro sobre Páscoa Vieira, uma africana denunciada à Inquisição em 1693 por bigamia. O gesto deu origem a uma investigação que durou sete anos e revela a vida de uma mulher ao mesmo tempo ordinária e excepcional. Páscoa nasceu e viveu em Massangano, uma pequena vila fortaleza situada a 200 km de Luanda, no Reino de Angola, trabalhando como escrava nos campos e nas casas de uma rica família de luso-africanos. Casou-se aos 16 anos com Aleixo, também escravo, com quem teve dois filhos, mortos ainda pequenos. O casal não se dava bem e Páscoa fugia com frequência. Como castigo, seu senhor a vendeu para um conhecido, um notário público (tabelião) residente em Salvador, capital do então Estado do Brasil. Foi assim que Páscoa atravessou o Atlântico pela primeira vez, por volta de 1686, aos 26 anos. Um ano depois, casou-se com Pedro, um africano procedente da Costa da Mina, seu companheiro de escravidão. Tiveram dois filhos. Leia Mais

Après Bergson: portrait de groupe avec philosophe – BIANCO (RFMC)

BIANCO, Giuseppe. Après Bergson: portrait de groupe avec philosophe. Paris: PUF, 2015. Resenha de: SOUZA, Herivelto P. Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.4, p. 141-146, n.1, 2016.

  1. Como se escreve a história (da filosofia)?

Em Après Bergson: portrait de groupe avec philosophe, o pesquisador Giuseppe Bianco apresenta uma versão reduzida e modificada de seu trabalho de doutorado, no qual a recepção da obra de Henri Bergson no pensamento francês contemporâneo — com especial ênfase à “prosa de ideias”, ou seja, ao âmbito filosófico — é exposta de maneira minuciosa e bem documentada, destrinçando e alinhavando os mais diversos fatores que compõem aquilo que se pode chamar de “a herança intelectual” dessa que se tornou uma figura maior do cânone filosófico. O assunto convoca logo de saída questões metodológicas que podem perturbar adeptos de uma historiografia da filosofia mais, digamos, ortodoxa (à la Gueroult ou Goldschmidt), uma vez que experiências intelectuais que deram ensejo a importantes posicionamentos filosóficos são retratados não em sua coerência sistêmica autorreferenciada, mas em meio a teias de relações reconstruídas e analisadas a partir de uma abordagem que retoma instrumentos da história das ideias e da sociologia do conhecimento1 . Uma das conquistas mais evidentes desse tipo de postura é a de se retirar o discurso filosófico de um suposto lugar aquém (primeiro, mais fundamental) ou além (último, mais acabado) de outras formas discursivas, de modo tal que conceitos possam mostrar a amplitude de sua eficácia histórica e teórica. Nesse sentido, é feliz a escolha de submeter o caso Bergson a esse tipo de escrutínio, já que se trata de um autor que mobilizou os mais diversos tipos de reação; e embora possa-se perguntar com qual grande filosofia o mesmo não ocorreu, fato é que o século XX francês foi palco de uma profusão teórica muito significativa, no qual comentário de texto e reflexão original não se apartaram, tendo a obra bergsoniana constituído aí um referencial incontornável. Mas para compreender adequadamente tal cenário, noções como as de autor, obra ou escola não podem não ser problematizadas, pois se não se leva em conta os modos pelos quais são remanejadas em cada caso, perde-se de vista boa parte das nuançadas vicissitudes pelas quais uma experiência intelectual pode mostrar seu impacto, sem que aí esteja pressuposto qualquer resquício de teleologia, o que tornaria inevitável a leitura de que a tal “glória” de Bergson estivera já prenunciada por tal ou qual fator que se queira destacar.

Dessa forma, o estudo de Bianco distanciase também de um tipo de reconstrução que se restringe a interlocuções privilegiadas, aquelas nas quais se tenta mostrar como a influência mais decisiva de um determinado autor é um determinado outro autor. Isso deverá causar uma certa estranheza a quem possa estar muito habituado a algo que se encontra de maneira recorrente em trabalhos de história da filosofia; logo nos primeiros parágrafos do livro explicita-se essa escolha metodológica:

A despeito da problematização de noções como as de autor, obra e de continuum biográfico, introduzida em história intelectual por Foucault, Barthes e Bourdieu, a ideia desacreditada de que a produção filosófica seja redutível a uma performance solitária vinculável a uma subjetividade criadora e cujo objetivo é o de construir uma obra ou um sistema permanece tenaz quando se chega à metodologia realmente utilizada pelos historiadores da filosofia. Nestas páginas, os personagens se comportam diferentemente: eles pensam e falam sempre, para retomar a expressão de Judith Schlanger, “com a boca cheia”. Cada um deles fala em seu nome, mas com a boca cheia das noções, dos conceitos, das torções, das expressões, dos tiques de linguagem, das posturas de outros. Tenta-se assim seguir um programa forte que visa fazer desaparecer, do ponto de vista metodológico, a distinção entre personagens principais e personagens secundários, entre os grandes e os pequenos, entre os indivíduos e os “dejetos’”, para retomar a terminologia de Böll. (BIANCO, 2015: 4)

Qualquer leitor do livro perceberá com qual seriedade o compromisso com tal programa metodológico é seguido, e a que ponto se adensa conceitualmente a imagem do campo intelectual no qual o bergsonismo se inscreve, ou melhor, o campo que o mesmo ajudar a compor, de maneira decisiva.

Temos, portanto, uma história da filosofia cuja temporalidade não é linear, marcada pela regularidade de uma sucessão (de autores, doutrinas, etc.), mas plural, com diferentes escalas ou ritmos, uma temporalidade na qual o surgimento e consolidação de “-ismos” ou de “modas” podem ser postos em confronto com “a história dos programas, das instituições e das disciplinas” (2015: 7). O que muda? Para citar apenas um emblemático exemplo, a opinião um tanto aceita e repetida de que Bergson, até a publicação do livro de Deleuze de 1966, seria um “cachorro morto”, cuja obra sequer era lida ou vista como relevante, pode ser vigorosamente problematizada, se não rechaçada, mostrando-se 1) como antes mesmo de toda a celebração do centenário, em 1959, desde os anos 1940 aliás, obras como A evolução criadora e Matéria e memória já figuravam no programa da agrégation, e que, para professores “como MerleauPonty e Jean Hyppolite, os cursos de agrégation representam uma oportunidade para colocar Bergson em relação a outras correntes filosóficas contemporâneas” (2015: 258); 2) mostrando-se também que, mesmo durante os anos da hegemonia estruturalista, é possível encontrar menções a conceitos bergsonianos no interior de debates centrais. Ora, o livro oferece suficientes elementos de que seria muito mais justo falar em uma espécie de presença subterrânea de Bergson do que em sua ausência ou falta de relevância, pois fica claro que os conceitos bergsonianos foram sempre bastante frequentados e, é claro, muito criticados. Mas alguém ainda acredita que o impacto de uma experiência intelectual, ou a relevância de uma herança conceitual, efetiva-se apenas pela via do elogio? A frequentação de textos filosóficos fornece sem dificuldades exemplos de como, às vezes, quem se pretendeu o mais fiel seguidor tenha acabado por constituir, por assim dizer, um grande deturpador da obra de seu mestre, não porque haja um lastro que possa assegurar uma interpretação unívoca de um texto, mas justamente por causa da ausência da mesma.

  1. Uma aufhebung histórica do bergsonismo?

A reconstrução que o livro apresenta é escandida em três tempos, que segundo o autor correspondem, grosso modo, a três “momentos” da filosofia francesa contemporânea: o do “espírito”, o da “existência” e o da “estrutura”. Contudo, a divisão tripartite do livro não representa uma separação da recepção da obra bergsoniana em fases estanques, ou mesmo progressivas, na medida em que permite acompanhar as diferentes estratégias de apropriação dos diversos aspectos do pensamento bergsoniano. Nessa direção, o livro de Bianco é precioso, pois aspectos inauditos da centralidade do bergsonismo são trazidos à tona, não desacompanhados das referências a aspectos já há muito explorados, com diferentes níveis de aprofundamento: as críticas de Alain e alguns de seus principais seguidores – com destaque para o imbróglio que envolveu a participação francesa na primeira grande guerra -, bem como aquelas dos neokantianos franceses; as dívidas e rupturas dos existencialistas e fenomenólogos franceses; o estruturalismo e o papel de suas teses na rejeição do bergsonismo como uma espécie de psicologismo; a recepção por parte de um pensamento filosófico cristão, bem como a criação da “Sociedade dos amigos de Bergson”; a atenção que as assim chamadas “ciências psi” (psiquiatria, psicologia, psicanálise) deram à guinada introspectiva presente no pensamento bergsoniano; a importância que teve para vanguardas artísticas e literárias; a reviravolta desencadeada pela retomada deleuzeana da filosofia de Bergson. Como se pode vislumbrar, pouco escapa ao olhar atento de Bianco, embora, como já indicado, ele dedique fôlegos diferenciados a cada um desses diversos pontos.

A primeira parte do livro persegue as vias pelas quais se constitui, no cenário filosófico francês dos dois primeiros decênios do século XX, uma polarização entre “intelecção” e “intuição”, ou seja, uma tensão opositiva entre o modo pelo qual os neokantianos retomam o trabalho de fundamentação das condições de possibilidade do conhecimento racional e os efeitos da proposição bergsoniana de um método para a metafísica centrado no acesso intuitivo ao imediato. Em jogo aí está a ressonância das ideias de Bergson e os modos pelos quais elas logo geraram reações críticas muito severas. Entre as primeiras que se configuraram, e que tiveram seu impacto no modo como Bergson foi lido no decorrer do século, merecem destaque da parte de Bianco: 1) o ensino de Alain no Liceu Henri-IV, ao qual estiveram vinculados, entre outros, Canguilhem, Hypollite e Simone Weil; 2) duas frontes dominantes na Sorbonne à época: o neokantismo, proeminentemente impulsionado por Léon Brunschvicg, e a escola durkheimiana capitaneada por Célestin Bouglé; e 3) a tomada de partido em favor da teoria da relatividade por ocasião do confronto da metafísica de Bergson com a física de Einstein, exemplarmente manifesta na obra de Bachelard. O livro defende que essas “três barreiras antibergsonianas […] se combinam e influenciam a elaboração de textos na fronteira entre filosofia e prosa de ideias em um momento no qual a filosofia universitária não oferece perspectiva de carreira aos novos ingressantes.” (2015: 108) Com efeito, trata-se de um conjunto de perspectivas críticas a partir das quais a obra bergsoniana se viu continuamente sob ataque, já que a consideração de que o método da intuição é insustentável — uma vez que acaba por deixar o pensamento sem uma efetiva ancoragem no objeto — tem incidência não apenas epistemológica (impossibilidade de dar conta das condições de possibilidade da objetividade dos juízos), como também ético-política (sem ponto de referência, a razão torna-se refém das paixões, enreda-se em um inaceitável relativismo). Levado a seu ponto extremo, esse psicologismo ressaltado como inerente à intuição redundaria nitidamente em solipsismo: o pensamento bergsoniano padeceria então de todas as desastrosas consequências daí oriundas.

Ao longo de páginas muito estimulantes, a segunda parte do livro aborda a face que o bergsonismo adquire no panorama intelectual do entre-guerras, período decisivo no qual eclode a filosofia existencialista, consolida-se a influência da fenomenologia, sem perder de vista como se movem algumas peças importantes do tabuleiro, como Canguilhem, Lacan ou Jankélévitch. Mas tudo isso aparece precedido pela exploração mais detida dos movimentos argumentativos contidos na peculiar obra de um autor que representou um verdadeiro ponto de referência intelectual: trata-se de Georges Politzer. E isso não apenas por que crítica epistemológica e crítica política encontram aí uma espécie de sintonia perfeita, a ponto de se tornarem inseparáveis, mas sobretudo pela potência conceitual resultante desse embate crítico, com a proposta de que uma psicologia epistemologicamente consistente deveria estar assentada na noção de concreto. Este é um ponto que exige muito cuidado, pois quem conhece a obra de Bergson sabe que a noção de concreto é mobilizada para criticar o modus operandi abstracionista da velha metafísica. Politzer faz tal crítica voltar-se contra o próprio Bergson, e Bianco faz questão de apresentrar detalhadamente o que está em jogo: o cerne da crítica politzeriana reside na leitura de que tudo o que a filosofia da duração consegue fazer é dinamizar um pouco a fixidez das hipóstases da psicologia clássica, uma vez que generalidades sobre o fluxo do tempo em sua dimensão qualitativa não são suficientes para desvencilhar-se daquele realismo criticado. Tomar o qualitativo como princípio de individuação, tendo o fluxo dos dados imediatos do vivido como solo do sentido, seria relegar a experiência concreta do indivíduo no mundo a uma mera espécie de registro introspectivo. Afinal, para Politzer, a clivagem entre prático e especulativo, entre inteligência e intuição, entre espaço e duração dá-se ainda dentro do horizonte realista da metafísica, de modo que a adesão bergsoniana a um dos lados da separação o mantém rigorosamente apartado do concreto.

Ora, a leitura politzeriana será fortemente empregada por diversos autores que, mesmo antes do impacto do estruturalismo na filosofia e nas ciências humanas, criticarão incisivamente Bergson por todo seu descrédito com respeito às capacidades da linguagem em dar conta do objeto do pensamento. Ela será ainda uma ferramenta preciosa nas mãos de autores como Lacan, Foucault e Althusser, quando cada um, a seu modo, posicionar-se contra uma tendência ecletista na psicologia. Para Lacan, por exemplo, será ocasião de responder a uma série de críticas recebidas, as quais ele rotula, em 1935, como “intuicionismo bergsoniano”, colocando em relevo as consequências irracionalistas do mesmo. Por outro lado, o livro acompanha a série de mediações teóricas que levam a uma virada na avaliação da filosofia de Bergson por Canguilhem, o qual, enquanto jovem alainista, seguia de perto as críticas de seu mestre, mas que retorna mais tarde ao textos bergsonianos, encontrando neles elementos importantes para pensar as relações entre técnica e ciência sobre o pano de fundo de uma consequente reflexão filosófica sobre o vivente.

A leitura canguilhemiana não será desprovida de consequências para as formas pelas quais Bergson será lido em seguida. Ao lado daquela empreendida por autores como Jean Hyppolite, Raymond Aron ou Paul Ricœur, os quais tinham como uma questão central a história, a terceira parte mostra como a noção de vida é importante para a crítica do humanismo como resquício de uma metafísica a ser abandonada, problema que o pensamento francês articula a partir do influente texto heideggeriano de 1947.

Mas eis que a trama de reconstituição teórica da herança intelecutal bergsoniana enfim trata da “criança monstruosa” resultante da leitura à contrapelo realizada por Gilles Deleuze. Aqui, temos ocasião não apenas de ponderar elementos do percurso formativo que permitiram a configuração desse modo muito peculiar de se debruçar sobre a história da filosofia, como também – e, com isso, alcançamos talvez o ponto alto do livro – somos colocados em presença de uma articulação teórica decisiva a partir da qual da noção de diferença advirá uma espécie de centro de referência para a vindoura constelação conceitual deleuzeana, que se estabiliza, por assim dizer, com Diferença e Repetição. Destaque-se a atenção dedicada a escavar a gênese desse problema a partir de dois textos aparentemente menores, mas que ganham uma importância inaudita quando inseridos no desenvolvimento da produção teórica deleuzeana: a resenha de um livro de Hyppolite sobre Hegel e o artigo sobre a concepção de diferença em Bergson. Se Deleuze elogia o esforço interpretativo de Hyppolite em desvincular o sistema hegeliano de uma impostação antropológica, em favor da ontologia como dimensão mais fundamental, seu confronto com o bergsonismo o fará ressaltar aí essa passagem como já algo acabado, isto é, como uma filosofia cujos conceitos nos permitem pensar a diferença em si mesma, em sua imanência ao real, e não a partir de um quadro de projeções que a prenderiam, na experiência e, consequentemente, em certo regime de pensamento, como um sistema fixo de oposições. Ora, a operação deleuzeana é muito hábil em elevar a problema central esse tema da diferença, que, a rigor, “é totalmente ausente da obra de Bergson” (2015: 293), sem que se trate, no entanto, de uma imposição arbitrária à mesma: afinal, uma tal “singular perversão do bergosnismo” (2015: 296) envolve mostrar como a intuição pode ser rigoroso “método de compreensão do real” (2015: 298), uma vez que a consistência do real é durativa, isto é, “se diferencia imediamente consigo mesma” (2015: 301).

Ainda que por menções breves, mas sem jamais cair em generalizações grosseiras, Bianco deixa registrado como o confronto com Bergson será profícuo e se estenderá até o final do percurso intelectual de Deleuze, o qual coincide com os últimos decênios do século XX, do qual o livro nos fornece um panorama sucinto, com ênfase no papel do bergsonismo dentro do debate entre Deleuze e Badiou acerca da teoria das multiplicidades.

  1. Experiência ou conceito?

Ao fim da leitura surge uma estranha impressão de ter passado por todo um livro sobre o bergsonismo sem se deparar com qualquer citação do próprio autor. O curioso é que não se deve esperar do livro um comentário textual de Bergson, pois seu propósito é reconstruir os diversos modo de apropriação de uma obra em um determinado contexto histórico. Assim, possíveis críticas de que tenha faltado entrar no mérito da análise textual dos argumentos são descabidas na medida em que isso foge ao escopo do estudo. De fato, como o próprio autor aponta logo de saída, o livro não é bergsoniano. Mas não conter análise e citações de Bergson parece estratégico, pois permite tornar manifesta uma certa “ausência do autor” que coloca em relevo as modalidades discursivas de apropriação que justamente configuram a complexa feição de determinado autor.

Ora, tal feição é o resultado de textos em confronto com textos, e a nitidez dela dependerá de como esse entrelaçamento textual é apreendido. Ora, Bianco sabe muito bem que a trama aí é bem intrincada, na medida em que os textos não são apenas unidirecionalmente voltados para Bergson, mas se atravessam e dialogam entre si, extrapolando a referência ao autor privilegiado pelo recorte. E se há todo o esforço de dar conta das relações entre eles, em certas ocasiões alguns elementos poderiam ser mais explorados, como o papel de Koyré no contexto das críticas epistemológicas, ou mesmo nomes como Ruyer e Simondon, que não apenas eram leitores atentos de Bergson, mas tiveram uma parcela não negligénciável de importância para autores bem mais conhecidos como Canguilhem, Deleuze e Lacan (no caso do primeiro). Não se trata, é claro, de apontar tal ou qual aquela referência faltante, e sim de ressaltar em que medida o assunto é complexo, dada a profusão de experiências intelectuais originais em jogo, e de como a tarefa de realizar um retrato consequente é muito mais árdua do que pode parecer.

De qualquer forma, o livro não se destina apenas a quem quer conhecer melhor o contexto histórico de recepção da filosofia bergsoniana, mas deverá interessar bastante a pesquisadores dedicados a compreender o aparato conceitual da mesma, na medida em que tais conceitos são empregados em problemáticas diversas. Particularmente rico é o lugar atribuído a Bergson na oposição, tornada famosa por Foucault, entre experiência e conceito, pois Bianco dedica uma seção a mostrar, retomando o que já havia analisado de maneira mais demorada anteriormente2 , como tal oposição é incapaz de dar conta do que representou o bergsonismo, tanto em uma insidiosa influência subterrânea, quanto em seu recente interesse renovado para discussões muito próximas de problemas científicos.

Conta-se que o Prof. Bento Prado Jr. costumava dizer, acerca da filosofia francesa contemporânea, que todo mundo havia lido Bergson. Com este livro de Bianco podemos compreender melhor o como e o porquê daquela afirmação.

Notas

1 Na Introdução várias páginas são dedicadas às devidas considerações e justificativas metodológicas, nas quais as escolhas de certos instrumentos e objetos de análise é explicada — como, por exemplo, a forma pela qual textos bergsonianos são introduzidos na composição de programas, disciplinas, discussões, etc. Do ponto de vista de alguém interessado na minuciosa reconstrução sistemática da obra de um autor, tais justificativas podem não parecer convincentes de saída. Cabe ressaltar, no entanto, que o desenvolvimento do livro deixa bastante claras as dinâmicas de funcionamento do “campo filosófico” relevantes para o assunto, aí inclusas suas tensões e transformações em um período de muita reviravolta política e efervescência cultural, de modo que o “retrato de grupo” resultante possui uma notável densidade histórica, com a devida descrição da trama teórica envolvida.

2 Cf Bianco, G. Experience vs. Concept? The Role of Bergson, in Twentieth-Century French Philosophy, in: The European Legacy, vol. 16, n. 7, p. 855-872, 2011.

Herivelto P. Souza – Professor do Departamento de Filosofia UnB.

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Pour l’histoire des relations internationale | Robert Frank

Publicada, em 2012, pela Presse Universitaires de France, a obra do renomado professor Robert Frank, herdeiro da Escola Francesa, é um manifesto em defesa da História das Relações Internacionais. A revolução da disciplina, feita por Renouvin e Duroselle, na primeira metade do século XX, transformou a história diplomática em um estudo mais amplo, analisando forças que vão além dos documentos oficiais e abrangem as relações entre os povos e as sociedades. Na visão do autor, apesar dessa revolução, a disciplina ficou com uma imagem negativa e anacrônica, pois permaneceu identificada à antiga história linear das chancelarias. Dessa forma, o historiador francês de origem judia e escocesa, escreveu este livro de referência, um verdadeiro manual, em que compila as principais evoluções desenvolvidas na Escola Francesa de Relações Internacionais desde seu surgimento até os dias atuais.

A obra está organizada em cinco grandes partes que, ao longo de trinta capítulos e 756 páginas, escritas com a colaboração de vinte e um autores, analisam as transformações na História das Relações Internacionais. A disciplina foi profundamente renovada pelo contato com outras ciências sociais e desenvolveu vasta diversidade de métodos e abordagens. Uma das preocupações principais do livro é analisar a relação entre a construção das democracias europeias e a evolução dos sistemas internacionais a partir do século XIX. O autor demonstra que medidas democratizantes, como a implantação do sufrágio universal, não foram acompanhadas de semelhante processo de democratização na política internacional, que, até a I Guerra Mundial, continuou sob o comando restrito de chefes de governo e de gabinetes diplomáticos, passando ao largo dos parlamentos e da opinião pública. Leia Mais

Les troubles du langage et la communication chez l’enfant | Laurent Danon-Boileau

Laurent Danon-Boileau es profesor de Lingüística en la Universidad París Descartes, París V, Sorbonne e investigador del CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique, Francia). Al mismo tiempo, trabaja como psicoanalista y terapeuta, colaborando en el Centro hospitalario Alfred Binet en París. Es autor de numerosas obras en colaboración y se especializa en el ámbito de los trastornos del lenguaje y el autismo. La obra Les troubles de la communication chez l’enfant, editada en francés por PUF (Prensas Universitarias de Francia), aporta precisiones sobre la diferenciación de nociones tales como Trastornos del lenguaje y trastornos de la comunicación. Este texto cobra actualmente una gran importancia para educadores, terapeutas, especialistas en trastornos del lenguaje y particularmente para especialistas de la comunicación, ya que entrega una visión actual y renovada de la clasificación de las diferentes patologías del lenguaje, su posible diagnóstico y eventual tratamiento. A través del texto, Danon-Boileau hace referencia principalmente a la necesidad de renovar las metodologías de análisis y diagnóstico de casos ligados a estos tipos de patologías. Paralelamente, propone una estrategia de terapia que movilice el interés del niño por el intercambio comunicativo y le provoque ganas de compartir, tomando en cuenta en dichas estrategias la dimensión emocional. El autor pone énfasis en la diferenciación de la clasificación de los trastornos del lenguaje y los trastornos de la comunicación, pues a través de la praxis ha observado que, durante mucho tiempo, no ha existido una línea que delimite claramente los procesos evaluativos y de reconocimiento de dichos desórdenes en el campo del diagnóstico y tratamiento. Leia Mais

Anatomie des passions | François Delaporte

Resenhista

Marlon Salomon – Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás.

Referências desta Resenha

DELAPORTE, François. Anatomie des passions. Paris: PUF, 2003. Resenha de: SALOMON, Marlon. Uma história racionalista das emoções. História Revista. Goiânia, v.9, n.2, p.319-329, jul./dez.2004. Acesso apenas pelo link original [DR]

Les manuels de pédagogie. 1880-1920 – ROULLET (CC)

ROULLET, Michèle. Les manuels de pédagogie. 1880-1920. Paris: PUF (Education et For- mation), 2001, 187p. Resenha de: HEIMBERB, Charles. Le cartable de Clio – Revue romande et tessinoise sur les didactiques de l’histoire, Lausanne, n.1, p.212-214, 2001.

Tiré d’une thèse de doctorat en sciences de l’éducation, l’ouvrage de Michèle Roullet sug- gère fortement, et à juste titre, de distinguer les intentions exprimées par les théories péda- gogiques et les réalisations concrètes en la matière. Etudiant un corpus de manuels pédagogiques utilisés dans les écoles normales françaises du tournant du siècle, il donne à voir l’état de ces « vérités moyennes » qui per- mettaient alors d’aboutir au brevet d’ensei- gnement primaire. Il rend également compte de la naissance officielle de deux sciences humaines complémentaires, la psychologie et son corollaire pratique, la pédagogie.

Alors que l’on a assisté récemment à une sorte de réhabilitation partielle des manuels scolaires, Michèle Roullet rappelle qu’ils ont souvent donné lieu à un trop-plein d’infor- mations lié au souci de leur auteur de faire bonne figure auprès de ses pairs. Et qu’ils ont été vertement dénoncés pour leur faculté d’éliminer les contradictions et de produire un discours consensuel, lisse et conforme. Or, ces caractères se trouvent encore accentués dans les manuels qui ont pour objectif de former des enseignants.

L’étude des avertissements ou préfaces de ces ouvrages montre que leurs auteurs déclarent volontiers n’avoir pas écrit un manuel ; c’est dire qu’ils se méfient a priori de cet outil prescriptif. En outre, des récits historiographiques portant sur la pédagogie sont souvent la forme masquée d’une légiti- mation des intentions du présent, de véritables histoire-écran procédant d’une téléologie justificative qui est peu productrice de sens. L’histoire est ainsi le vecteur d’une véritable leçon de choses, elle est mise au service de la pédagogie républicaine, mais elle n’est guère encline à démontrer la com- plexité des problèmes affrontés et des évolutions engagées.

La nouvelle science de l’éducation se pré- sente alors comme parfaitement rationnelle, elle est considérée comme le fruit d’une évo- lution linéaire vers le progrès. Elle manie pourtant les affirmations contradictoires avec une certaine légèreté et cache mal les limites critiques de ses propositions. En outre, elle a recours à des termes qui seront repris plus tard par Jean Piaget : l’accommo- dation et l’adaptation permettraient par exemple aux maîtres d’ajuster les contenus à présenter en classe pour faire en sorte qu’ils puissent être bien assimilés par les élèves. Ce qui implique alors une grande responsabilité de ces maîtres quant à choisir les différents contenus de leurs leçons.

Affirmant une rationalité libératrice, la nouvelle science pédagogique s’appuie notamment sur les procédés de l’induction et de la déduction pour concrétiser ses pro- pos, en insistant surtout sur l’induction qui obilise davantage l’observation que la démonstration. Elle va du particulier au plus général et suppose en tout cas de croire que tout objet s’inscrit dans un ordre stable qu’il s’agit de retrouver; que tout dépend de lois générales puisque tout ce qui arrive a une fin. Quant à la psychologie qui est mobilisée auprès des futurs enseignants, elle se veut avant tout rationnelle et suscep- tible d’affirmations fortes, mais en laissant toutefois la place à des dynamiques plus individuelles.

La plupart des manuels s’ouvrent sur le thème de l’éducation physique et affirment ainsi la nécessité d’éduquer le corps. Quant à l’éducation intellectuelle proprement dite, elle doit partir du jeu et d’activités concrètes pour permettre à l’enfant de faire des expé- riences. Mais elle doit surtout, au nom de la quête du juste milieu, privilégier le dévelop- pement de la Raison et contenir celui de l’imagination dans de justes proportions. Cela dit, l’école républicaine insiste surtout sur l’éducation civique et morale qui forme la volonté plutôt que le jugement. Or, la séparation de l’Eglise et de l’Etat en matière d’écoles publiques consiste d’abord à les ins- crire dans le climat intellectuel positiviste alors dominant. Toutefois, la laïcisation sco- laire est marquée par une forte ambiguïté et c’est souvent un discours religieux qui est tenu en réalité sous l’apparence de la rationa- lité. L’usage très fréquent de mots à caractère religieux – « vocation», « apostolat », etc. – pour évoquer le champ scolaire en témoigne largement. Ainsi, jusque-là, l’éducateur pen- sait que l’éduqué ne devait pas être façonné sur son propre modèle parce qu’il avait déjà reçu une autre empreinte divine. Désormais, c’est un Dieu rationalisé qui laisse les hommes devenir ce à quoi il les aurait prédestinés, ce qui justifie beaucoup mieux leur inégalité.

Mais cette conception nouvelle place les dis- cours des pédagogues dans le champ de l’idéologie. En d’autres termes, l’éducation morale de l’école républicaine vise à former des hommes libres, mais libres de se sou- mettre à la Raison ; elle est donc inculcatrice.

Les méthodes pédagogiques qui sont déve- loppées sont aussi très révélatrices. On trouve déjà à cette époque des formules comme « apprendre à apprendre » ou des éloges de la méthode active. Mais, encore une fois, l’autonomie qui est ici recherchée consiste d’abord en une capacité de maîtriser ses désirs et de vouloir développer pleine- ment ses connaissances. Elle est d’ailleurs conçue comme devant progresser sous l’in- fluence décisive et la conduite déterminée du maître. En outre, il s’agit davantage de valo- riser l’effort que le tâtonnement, une expé- rience objective qu’une démarche subjective de recherche. Enfin, l’effort et le plaisir devraient pouvoir se conjuguer dans le cadre d’une pédagogie qui évitera les difficultés inutiles et tiendra compte de la marche natu- relle de l’esprit.

La question du langage pédagogique est enfin analysée par Michèle Roullet dans ce contexte particulier où l’inductivisme sug- gère une toute-puissance de la description. Or, en confondant cette description avec l’exhortation morale, on risque de ne plus comprendre les métaphores utilisées par les pédagogues anciens. Ainsi la métaphore pédagogique risque-t-elle de n’être plus réduite qu’à une prétendue lecture de la réa- lité et l’injonction morale confondue avec une représentation du fonctionnement psy- chique. Les pédagogues qui s’expriment dans ce corpus de manuels destinés à de futurs enseignants aimeraient certes bien pouvoir ddévelopper leur propre langage, mais ils n’en sont pas vraiment capables et se méfient par- fois du caractère peu rationnel de la méta- phore. Leur langage procède tout de même d’une profusion d’informations, d’un usage marqué de métaphores horticoles autour de la notion de germination (une « naturalisa- tion des phénomènes psychologiques », selon l’expression de Michèle Roullet), d’assertions particulières qui sont répétées inlassable- ment, de la référence à des noms illustres, d’un usage multiplié des adjectifs, le tout s’orientant vers l’affirmation d’un certain modernisme. Cette rhétorique abuse de for- mules qui suggèrent l’innovation des choix autant que la neutralité des faits sur lesquels ils se fondent. Mais elle reste encore, à cette époque, plutôt hésitante et modérée.

Cette étude est très intéressante, mais elle n’échappe pas complètement aux défauts d’une histoire de l’éducation qui pourrait être mieux contextualisée. Par exemple, le court chapitre sur l’éducation physique aurait pu se référer à la fois à l’hygiénisme de la société de la fin du XIXe siècle et à son militarisme croissant dans la perspective nationaliste alors dominante. Et il aurait été utile de définir davantage ce fameux « moment Compay» qui est convoqué tout au long de l’ouvrage non pas seulement à travers ce qu’il a apporté à l’évolution de la pédagogie, mais aussi en interrogeant son et très enrichissant. Elle nous invite à la fois à nous méfier des usages publics – et téléolo- giques – de l’histoire de l’éducation et à prendre bien conscience de ce que pourrait être la force critique d’une véritable histoire qui affronte la complexité et les inévitables contradictions des discours pédagogiques. De ce point de vue, elle nous rappelle que certaines options font partie depuis fort longtemps de l’éventail des intentions nova- trices des pédagogues. Et qu’un certain lan- gage de l’innovation peut être observable à travers le temps, comme une sorte d’inva- riant (« les mots, des invariants qui évoluent » nous dit une belle formule utilisée à la page 154), mais sans avoir beaucoup d’effet. Elle nous incite aussi, en insistant sur le poids des mots et le sens de leur utilisation, à nous inspirer des contradictions, des tâton- nements et des modes de pensée des péda- gogues anciens dont elle a étudié les ouvrages pour appréhender avec un sens cri- tique plus appuyé certains discours pédago- giques d’aujourd’hui. Ainsi nous interpelle- t-elle sur le sens réel d’un engagement pédagogique qui reste évidemment néces- saire, mais qui gagnerait à être bien plus rigoureux, notamment pour ce qui concerne son langage et sa rhétorique. Ce qui consti- tue un beau défi.

Charles Heimberg, Institut de Formation des Maîtres (IFMES), Genèveorigine et sa fonction dans le cadre des   mutations de la société de l’époque, du tournant du siècle et de la Troisième République française, en rapport notamment avec les deux principales catégories de finalités sco- laires, d’ordre économique et politique.

La lecture de l’ouvrage de Michèle Roullet représente finalement un exercice fort utile et très enrichissant. Elle nous invite à la fois à nous méfier des usages publics – et téléolo- giques – de l’histoire de l’éducation et à prendre bien conscience de ce que pourrait être la force critique d’une véritable histoire qui affronte la complexité et les inévitables contradictions des discours pédagogiques. De ce point de vue, elle nous rappelle que certaines options font partie depuis fort longtemps de l’éventail des intentions nova- trices des pédagogues. Et qu’un certain lan- gage de l’innovation peut être observable à travers le temps, comme une sorte d’inva- riant (« les mots, des invariants qui évoluent » nous dit une belle formule utilisée à la page 154), mais sans avoir beaucoup d’effet. Elle nous incite aussi, en insistant sur le poids des mots et le sens de leur utilisation, à nous inspirer des contradictions, des tâton- nements et des modes de pensée des péda- gogues anciens dont elle a étudié les ouvrages pour appréhender avec un sens cri- tique plus appuyé certains discours pédago- giques d’aujourd’hui. Ainsi nous interpelle- t-elle sur le sens réel d’un engagement pédagogique qui reste évidemment néces- saire, mais qui gagnerait à être bien plus rigoureux, notamment pour ce qui concerne son langage et sa rhétorique. Ce qui consti- tue un beau défi.

Charles Heimberg – Institut de Formation des Maîtres (IFMES), Genève.

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