Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil | Ivana Jinkins, Kim Doria e Murilo Cleto

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Examinar processos sócio-políticos “à quente”, em meio ao desenrolar das tramas, é um desafio posto aos historiadores dedicados ao chamado Tempo Presente, campo do conhecimento ainda alvo de fortes críticas, desconfianças e de sua própria precariedade, pois os que incursam nele podem estar munidos de perspectivas construídas anteriormente ao “agora”, mas desprovidos do conhecimento profundo sobre detalhes mais recentes. Embora Marc Bloch tenha, desde o século passado, comprovado que o presente pode e deve ser investigado pelos profissionais da história, ao desvelar as razões pelas quais, segundo ele, a França sucumbiu tão rapidamente ao nazismo em 1940 no seu icônico A Estranha Derrota, ainda existe resistência, dentro e fora do ofício, em reconhecer essa possibilidade e esse dever. Leia Mais

Marcha contra o saber: o golpe militar de 1964 e o AI-5 na Universidade de São Paulo | C. Giannazi

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Marcha contra o saber, título mais eloquente não poderia ser dado para uma obra cujo foco é entender os impactos causados pelo regime militar no sistema universitário brasileiro. O livro é resultado da dissertação de mestrado1 de Carlos Giannazi, defendida em 1995 na Faculdade de Educação da USP. Sua motivação ao realizar a pesquisa foi a de levar à compreensão de como a ditadura transformou os setores da educação em inimigos privilegiados. A obra está dividida em prefácio (escrito por Vladimir Safatle), introdução, dois capítulos e conclusões. Algo que merece atenção é que os capítulos não possuem títulos definidos e carregam uma variedade de subtítulos sobre os casos que aconteceram durante o período abordado.

Giannazi reflete sobre os efeitos das arbitrariedades do regime para que não caiam no esquecimento e que suas consequências não continuem se prologando em silêncio na sociedade brasileira. Lançado em 2014, ano de 50 anos do Golpe de Militar, a obra permite que o leitor entenda que o saber se configura como um elemento de poder. Demonstra que não apenas as Ciências Humanas tinham sido constituídas como inimigas da ação da Ditadura, mas que o espectro das atitudes desta era muito maior, atingindo diversas áreas e setores educacionais. Leia Mais

O golpe de 1964 e suas reverberações em Santo Antônio de Jesus | Cristiane Lopes da Mota

Nos últimos anos o Brasil vem passando por uma série de mudanças políticas e manifestações públicas pedindo o retorno da ditadura ou de governos militares. Ainda que estarrecido com tais ações, estes acontecimentos nos permitem refletir e produzir novos estudos sobre o tema e pensar como estes estão chegando ao dito grande público.

Nessa perspectiva, lançado em 2016, resultante de sua dissertação defendida em 2013 na Universidade Estadual da Bahia (UNEB), o estudo da historiadora Cristiane Mota, O golpe de 1964 e suas reverberações em Santo Antônio de Jesus, traz significativas contribuições para se pensar o quanto o período influenciou diretamente na conjuntura política e social do município baiano referido, além de uma reflexão sobre nosso atual momento político. Leia Mais

A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964 | Daniel Aarão Reis, Marcelo Ridenti e Rodrigo Patto Sá Motta

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A obra A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964 traz uma compilação de artigos escritos por profissionais de diversas áreas do conhecimento, tais como História, Sociologia, Economia, Ciência Política e Relações Internacionais, a respeito da ditadura civil-militar (1964 a 1985). Seu lançamento ocorreu em 2014, há exatos cinquenta anos do golpe militar acorrido em 1964. O ano de 2014 foi marcado por inúmeros eventos organizados por universidades e outras instituições em que se buscou refletir sobre o período do regime militar no Brasil e seus impactos na formação da moderna sociedade brasileira, em termos políticos, culturais, econômicos e sociais2.

Em meio a todo esse contexto de debate e reflexão sobre a ditadura civil-militar foram publicados vários trabalhos sobre o tema, entre eles, a obra do jornalista Carlos Chagas, A ditadura militar e os golpes dentro do golpe: 1964-19693 e a coletânea de artigos Ditadura: o que resta da transição, organizada pelo sociólogo Milton Pinheiro4. Leia Mais

Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988 | Daniel Arão Reis

Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense em “Ditadura e democracia no Brasil”, faz um passeio pela História política do país, dialogando sobre a gênese da ditadura e o frágil processo de construção da democracia, como se fora uma fina camada de gelo, prestes a rachar diante de momentos de impacto ou pressão social.

Seu livro discute as periodizações e memórias utilizados pelo senso comum e por historiadores sobre o período governado por generais, tecendo comentários provocadores e de aguda análise, sobre os diferentes sujeitos relacionados aos processos políticos brasileiros e seu envolvimento em uma multiplicidade de questões, muitas das quais, controversas. Leia Mais

1964: o golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil | Ângela de Castro Gomes

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Os historiadores Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira trazem a publico um livro emblemático, 1964: o golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil, no ano em que meio século se passou daquele 31 de março. Por meio de uma escrita que captura o leitor desde as primeiras páginas, rapidamente se é tomado por uma curiosidade crescente sobre o relato seguinte, o passo seguinte, a negociação, o cenário. Como a mirar um caleidoscópio, os eventos são narrados alternando temporalidades e espacialidades articulados a um grande domínio das informações bibliográficas e documentais. E não poderia ser diferente, a obra é resultado de uma vida de pesquisa e escritas de livros e artigos, de dois historiadores que muito produziram sobre essa temática e esse período. O enorme conhecimento sobre a documentação e a bibliografia relacionada à temática e ao período é elemento decisivo que potencializa essa capacidade de pensar a arquitetura da escrita em seus múltiplos vórtices de efeitos de verdade.

O livro narra um curto período da história política do Brasil: da crise da renúncia de Janio Quadros, em agosto de 1961, até o golpe civil militar de 1964. No entanto, as dimensões sociais, econômicas e culturais se entrelaçam à narrativa quer no detalhamento das lutas sindicais e de setores da sociedade civil, quer nas tensas negociações das estratégias econômicas, quer nas campanhas da UNE e de defensores de uma reforma educacional ampla, entre outros aspectos abordados. Leia Mais

1964: documentos para uma história / Boletim do Tempo Presente / 2014

Apresentação

O Golpe de 1964, sua natureza e suas características básicas, começa somente agora, cinquenta anos depois do ocorrido, a ter sua história reconstruída de forma rigorosa e diversificada. Logo após o fim do Regime, entre 1984 e 1985, proclamada a “Nova República” por Tancredo Neves (em 1984), “vencidos” e “vencedores” concordavam em um ponto: “virar a página da História”. Tratava-se, ou ocultava-se, sob tal fórmula, de uma permissão e um desejo de “esquecer” os vinte anos de arbítrio, de autoritarismo e censura, pontuados por torturas, mortes e desaparecimentos. Para os “vencidos” estes vinte anos teriam sido necessários, e um dever patriótico, para o reordenamento do país em face da corrupção, inépcia administrativa e de “comunização” das instituições nacionais. Ao longo do tempo, a ordem destas premissas da “Revolução de 1964”, serão reequilibradas, ora com ênfase na “inépcia” (em especial João Goulart, o presidente deposto em 1964), ora com maior acento na “comunização” do país. Ante a dificuldade de focar com objetividade cada um destes “princípios fundadores” do Regem-me de 1964, muitos dos seus atores buscaram no chamado “clima da Guerra Fria” (como em “O Globo”, em 31 de março de 2014), a explicação plausível para a interrupção de um governo constitucional e eleito democraticamente. Esmiuçar, documentar, testar, criticar tais “hipóteses” seria voltar a 1964, tratar-se-ia de “revanchismo” ou “reescrever” a História, afirmariam seus defensores. Aqui, esqueciam-se exatamente a natureza do procedimento básico do historiador: voltar ao passado, reexaminar os fatos, questionar as razões estabelecidas e criticaras fontes.

Para os “vencedores”, por sua vez, em sua ampla maioria em 1984, “esquecer” o passado recente era um artificio fundamental para garantir a própria continuidade do processo democrático, evitando o risco de ruptura presente na possibilidade de levantar as responsabilidades pela ruptura democrática de 1964, pelas torturas e desaparecimentos e pela inépcia administrativa e corrupção, em especial nos últimos anos do regime (dívida externa, obras superfaturadas, conflitos de interesses, etc.).

Assim, para “vencidos” e “vencedores”, em 1985, o “esquecimento”, expresso de forma lapidar na Lei da Anistia de 1979 e sua reafirmação pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, construía-se no próprio fundamento da nova democracia. Importava, desta forma, em deixar para trás os fatos característicos e a própria natureza da ditadura, evitando que os bolsões “sinceros, mas radicais” do regime, colocassem em risco a nova e frágil democracia.

Da mesma forma, a composição das elites dirigentes da “Nova República”, em especial a chamada “Aliança Democrática” – formação dos partidos com Frente Liberal, ex-ARENA e ex-PSD, partido, até então, de apoio à Ditadura; PMDB, a liderança de oposição ao Regime de 1964 e sua dissidência, o PSDB, entre outros – impunha necessariamente um limite ao processo de revisão da História e de estabelecimento de responsabilidades. Assim, nomes fundamentais da Ditadura, começando pelo novo presidente, José Sarney (1930), e os condestáveis da Nova República, como Antonio Carlos Magalhães (1927 – 2007), Marco Maciel (1940), entre outros, tinham sido figuras de proa da Ditadura. Como estabelecer responsabilidades de um regime, quando a própria “Nova República”, era uma herança, e sob certa forma – como no protagonismo de vários atores – uma continuidade do regime decaído?

Desta forma, explicar-se-ia a longa, e sempre incompleta, transição do Brasil para a democracia. Um regime de transição tutelado, onde os próprios militares assumiriam papéis fundamentais na direção, ritmo e extensão da democracia – desde Ernesto Geisel (1907 – 1996) e sua abertura “lenta, gradual e segura” até o papel fundamental do general, e ministro, Leônidas Pires Gonçalves (1921), na presidência José Sarney (1985 – 1990). Por tais razões, a democratização do país e de suas instituições (a alta burocracia do Estado, as polícias, o sistema tributário e judicial, entre outros) foi parcial e a continuidade de práticas do tempo da Ditadura – como a tortura, os sequestros e desaparecimentos, o desprezo pelas necessidades populares – mantiveram-se para além de 1984, exemplificando-se numa linha reta entre os casos de sequestro, tortura e desaparecimento de Stuart Angel e Rubens Paiva até o Caso Amarildo.

Uma consequência lateral, mais absolutamente fundamental, da política de “esquecimento” foi a destruição dos documentos sobre o Regime de 1964. Os arquivos militares, e de órgãos de informação, foram aparentemente, destruídos. Contudo, a implantação da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão Nacional “Memórias Reveladas”, bem como a atuação do Arquivo Nacional, no governo Dilma Rousseff, resultou, até o momento, na identificação, levantamento e produção – via depoimentos – de milhares de documentos que revelam, largamente, os traços marcantes da natureza do Regime de 1964.

Na oportunidade dos 50 Anos do Golpe de 1964, a pesquisa universitária pode, em fim, produzir um número significativo de novos trabalhos, inéditos, sobre a Ditadura. Assim, novos livros, trataram das instituições do regime, do apoio civil, do papel da Igreja, da mídia, da imprensa, da universidade, da política externa e da economia, dos partidos e o perfil de vários atores do período. Trabalhos de Daniel Aarão Reis Filho, Jorge Ferreira, Marcos Napolitano, Carlos Fico, Rodrigo Patto Sá, Herbert Klein, Angela Castro Gomes, Lilian Schwartz, Marco Antonio Villa, entre outros e em chaves explicativas bastante diversificadas (além de um extenso esforço de reedições), abriu o caminho para uma releitura de 1964.

A Revista de História do Tempo Presente, visando marcar os 50 Anos do Golpe de 1964, decidiu-se pela publicação de alguns documentos significativos sobre o período, demonstrando a relevância da documentação disponível e ampla possibilidade de revisão do fenômeno histórico da última ditadura brasileira.

Francisco Carlos Teixeira Da Silva – Titular de História Moderna e Contemporânea/UFRJ/UCAM. Membro da Comissão Nacional Memórias Reveladas.

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