Sobre América Latina ¡Viva la Revolución! | Eric Hobsbawm

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Eric Hobsbawm | Imagem: EBC

El libro póstumo de Eric Hobsbawm (1917-2012) ¡Viva la revolución! es una brillante reunión de varios artículos escritos por él sobre la realidad latinoamericana, los cuales fueron compilados y presentados por el historiador Leslie Bethell1 . En el inicio de la obra, la introducción hecha por Bethell destaca la solidez intelectual del autor, pues presenta a Hobsbawm en su dimensión historiográfica en relación con América Latina2 pero también muestra al amigo en las relaciones personales que construyó a lo largo de su vida en Latinoamérica.

El libro contiene treinta y un artículos que habían sido publicados de forma dispersa en distintas revistas de habla inglesa, y que contienen reflexiones sobre sus visitas a distintos países de la región. La primera visita de Hobsbawm fue en 1960 a Cuba y desde entonces se interesó, particularmente, por los movimientos arcaicos de revuelta social que prevalecían en el continente De ahí que en su paso por él se dedicara a registrar a las clases subalternas movilizadas, inmersas en procesos revolucionarios o en momentos de preparación para tal ebullición. Fue por estas razones que el británico definió a Latinoamérica como “el laboratorio del cambio histórico”. Leia Mais

Viva la Revolución: a era das utopias na América Latina | Eric Hobsbawm

Introdução

Falecido em 2012, é (im)possível imaginar qual seria a reação de Eric Hobsbawm à situação atual da América Latina. O historiador “britânico” (nascido egípcio, de pai britânico e mãe austríaca, educado na Áustria, Alemanha e depois Inglaterra) deixou esse mundo quando o nosso continente tinha vários governos ditos ou considerados de esquerda [2]: Kirchner na Argentina, Chavez na Venezuela, Mujica no Uruguai, Morales na Bolívia, Correa no Equador, Rousseff no Brasil e – apesar de ser uma ilha caribenha –, Castro (Raul) em Cuba.

De lá pra cá se viu a volta do neoliberalismo na Argentina de Macri; uma ditadura traidora pelos sandinistas na Nicarágua; um conservadorismo que encontrou seu testa-de-ferro em Bolsonaro, presidente recém-eleito no Brasil; um socialismo em situação de reconsolidação, com a eleição de Miguel Díaz-Canel em Cuba, dando fim ao governo “direto” dos Castro (apesar de Raul ainda estar vivo); outros socialismos que precisam se reinventar pela parte de Morales na Bolívia, Tabaré Vázquez no Uruguai e Nicolás Maduro na Venezuela; e um presidente trabalhista recém-eleito no México, Andrés Manuel López Obrador.

Apesar de ser uma área de estudo pouco explorada (a América latina), Hobsbawm escreveu resenhas e ensaios sobre o continente por um período que abarca quarenta anos. Tal massa de trabalho acabou se transformando em livro póstumo, com um total de 31 artigos. Se fosse vivo até hoje, crê-se que esse recorte de 2012-2018 provavelmente chamaria a atenção do historiador para novos escritos. Como isso não é possível, essa resenha procura trazer a hipótese que a leitura da obra já ajuda a compreender não apenas uma parte da história latinoamericana do século XX, mas fornece igualmente alguns insights de entendimento, e até mesmo fôlego para refletir novas maneiras de encarar tanto o estudo de nosso país e continente, em uma dialética eterna de história “local” e “total” acadêmica, como social para atuação no dia-a-dia em sociedade.

Portanto, fazer resenha de um livro que é uma colcha de retalhos – além de póstumo – é desafiador e fadado a um fracasso parcial. Por conta da falta de uma “tese central” no livro, perder-se-ia muito tempo explorando as várias temáticas estudadas por Hobsbawm. Esse texto, deste modo, vai focar em dois pontos: a relevância da leitura do livro e os limites que ele traz.

A obra

Editado em 2016, sob o título Viva la Revolución: On Latin America, o livro foi traduzido para o Brasil em 2017 com um título mais chamativo e “propagandístico”: Viva la revolución: a era das utopias na América Latina. Apesar da manutenção da abertura original, o subtítulo já merece dois avisos (deixar-se-á o segundo para ser a conclusão): o primeiro é que a obra não pode ser considerada “uma das Eras” da coleção de Hobsbawm; e imagina-se que esse subtítulo fora utilizado se baseando (os editores) no conhecimento do Historiador no Brasil pela sua “tetralogia” [3]. Todavia, pode-se dizer que os artigos inseridos nessa coletânea ajudaram a encorpar alguns argumentos – e capítulos – de duas “Eras”, apesar do livro da América Latina se inserir no corpo cronológico da Era dos Extremos. Mas, para um leitor atento, Hobsbawm não escreveu “apenas” as “Eras”. Seu interesse sobre a América Latina apareceu em sua primeira obra Rebeldes Primitivos (1959), como depois em Bandidos (1969), e voltou com Pessoas Extraordinárias (1998).

No caso de Era dos Extremos, não foram gratuitos, por exemplo, os usos de expressões como “Suíça da América Latina” para o Uruguai (HOBSBAWM, 1995, p.115) e “candidato a campeão mundial de desigualdade econômica” para o Brasil (HOBSBAWM, 1995, p.397), que podem ser vistas em Viva la Revolución. Nessa mesma esteira de raciocínio, dois artigos são “copia-e-cola” mais ou menos costurados das “Eras”: O capítulo “A Revolução Mexicana” saiu de trechos da Era dos Impérios, enquanto o “A Revolução Cubana e suas consequências” adveio da Era dos Extremos. A “reciclagem” de textos não é apenas das “Eras”. Outro, também, é uma costura de trechos de Bandidos, enquanto dois estão presentes em Rebeldes Primitivos, dois em Pessoas Extraordinárias e um de Tempos Interessantes. Em suma, de 31 artigos, 8 são provenientes de outras obras, ou seja, 23 artigos são completamente inéditos no Brasil.

Isso não retira o mérito do livro. Ao contrário, demonstra tanto uma espécie de desmistificação em torno de um caráter eurocêntrico que pode pairar em torno de Hobsbawm — por sua preferência pela França e Inglaterra, presente na Era das Revoluções, bem como a Europa e Estados Unidos na Era do Capital e Era dos Impérios, e Estados Unidos e União Soviética na Era dos Extremos. O que se tem com a leitura de Viva la Revolución é a característica de uma história global que se interliga a todo o momento a partir de uma perspectiva “total”. Apesar de, em termos “escritos”, no papel, a América Latina figurar como coadjuvante ou sem muito espaço em vários livros e coletâneas, Hobsbawm sabia da importância do estudo do continente americano para uma melhor compreensão da história do mundo, principalmente no século XX. Não é à toa que, em vários artigos, o historiador “britânico” chama a atenção ao caráter displicente dos europeus em relação aos assuntos latino-americanos.

E que assuntos eram esses?

Vale dizer de início que, diferente das outras “Eras”, Hobsbawm não escreveu visando criar em um futuro uma obra com gavetas. O pesquisador não separou de maneira deliberada os temas da Política, Economia, Língua, Classes Sociais, Arte, Religião, Ciências etc. Portanto, tem-se o primeiro “limite” do livro de Hobsbawm: a circunscrição de temas. Esses variam, especialmente, nas temáticas dos camponeses, revolução política, industrialização e reforma agrária. Ou seja: a ideia de “progresso” (economia feudal versus industrial), de luta de classes (camponeses, bandidos, guerrilheiros socialistas e comunistas versus oligarcas, hacienderos, coronéis, latifundiários e ditadores estatais) e a disputa entre ideologia Capitalista e Socialista (influências do imperialismo norte-americano versus vários socialismos – cubano, leninista-stalinista e maoísta) perpassará todo o livro. Qualquer semelhança com as temáticas centrais das outras quatro “Eras” não é mera coincidência.

Esses temas invocam também a perspectiva historiográfica e ideológica de Hobsbawm. O capítulo 8, “Elementos feudais no desenvolvimento da América Latina”, é o que deixa mais latente suas reminiscências teóricas que transitavam entre o marxismo dito “estruturalista” e eurocêntrico, provenientes de leituras de obras como A Ideologia Alemã e Manifesto do Partido Comunista, além de a nova oxigenação metodológica, principalmente a partir das leituras dos Grundrisse e do filósofo italiano Antonio Gramsci (HOBSBAWM, 2011, 12-15). Mesmo não levando ao pé da letra o uso do conceito “feudal” e “feudalismo”, Hobsbawm não deixou de perceber o estilo de vida agrária na América Latina, e utilizou os termos muito mais como uma denúncia de “anacronismo” social e econômico de países que queriam se mostrar modernos e em vias de industrialização. Sua crítica era no sentido que, enquanto existissem relações de poder massacrantes entre os donos de terras e haciendas, e camponeses pobres e índios na América, era quase impossível levar a sério as tentativas de políticas burguesas que as classes citadinas e políticas queriam promover.

Porém, não há nos capítulos dos livros nenhuma tentativa de leitura estrutural vulgar em relação às sociedades. Vale dizer: se a América Latina não era “feudal” propriamente dita, também não o era “moderna”, com suas classes burguesas e proletárias bem “divididas” ou organizadas como na Europa desde finais do século XVIII. O próprio termo “classe” é quase inexistente no livro. Hobsbawm preferiu ainda diluir as camadas dominantes em políticos, hacienderos, oligarcas, empresários, grandes comerciantes; e as subalternizadas em camponeses, bandidos, operários de minas, mendigos, vagabundos, guerrilheiros etc. O historiador demonstrou finesse em analisar com cuidado as relações entre os diferentes grupos sociais nos momentos de traçar alianças ou explodir revoltas. Mesmo depois de várias décadas de apreciações, Hobsbawm continuaria receoso em dividir facilmente os estratos sociais americanos, optando por um exame mais inteligente no capítulo 30, Nacionalismo e nacionalidade na América Latina, publicado originalmente em 1995.

Cabe agora apresentar algumas “críticas”. Uma em especial é a falta de dois estudos que provavelmente Hobsbawm deve ter escrito, mas que não figuram na seleção da obra: arte e religião. Pensa-se que, apesar de referências a literatura de Gabriel Garcia Marquez e a Bossa Nova brasileira, é triste não ter uma análise, seja ensaística ou mais detalhada, em relação à arte latino-americana. A Bossa Nova tem um capítulo só dela, mas de apenas quatro páginas. Sua existência pode se dar pelo especial interesse que Hobsbawm tinha no “jazz brasileiro”, uma vez que sua paixão pelo Jazz norte-americano rendeu um livro, e lá também fez referência à Bossa Nova (HOBSBAWM, 2016). No quesito “Arte” (cinema, pintura, literatura, música, teatro etc.), sabe-se que o autor não era nenhum leigo. Seu livro (também póstumo) Tempos Fraturados dá mostra do fôlego e do tamanho de conhecimento e análise crítica que o historiador tinha e que a todo o momento era exposto em resenhas, artigos e conferências (HOBSBAWM, 2013). Nessa mesma linha de raciocínio, apesar da existência de algumas pontuações sobre a Igreja Católica, o leitor sente falta de colocações sobre os diferentes papéis dessa instituição, fosse por meios reacionários, ou por meios revolucionários. O máximo que aparece são alguns comentários mais ácidos à Igreja, chamando-a de Medieval (levando em consideração o que foi escrito acima sobre o caráter “feudal” da América Latina), e mais resguardados aos progressistas da Teologia da Libertação.

O tema da reforma agrária deve ser lido com cuidado. Em muitos momentos Hobsbawm se mostra esperançoso com os rumos que tomavam as revoltas camponesas na América Latina. Ao mesmo tempo, via com intensa desconfiança a maneira como a Reforma Agrária era administrada pelo Estado, principalmente aquele que se encontrava “longe” da população que ele julgava entender e atender. Allende no Chile e os Militares no Peru sofrem um misto de esperança e críticas severas de Hobsbawm. Julga-se que o “cuidado” da leitura sobre esse tema no livro Viva la revolución deve ser salientada por conta do tratamento que o historiador vai dar ao mesmo assunto nas suas quatro “Eras”.

Deixando de lado as três primeiras, mais caras aos finais do século XVIII e todo o século XIX, cabe chamar atenção à Era dos Extremos, em que Hobsbawm analisou a reforma agrária da Rússia e China. Em ambos os casos o historiador soltou críticas vorazes à maneira como os planos de agricultura e reforma agrária foram levados a cabo pelas duas potências comunistas. Fazer uma análise comparativa seria interessante para estudos futuros de quem se interessa pela temática.

Outro ponto em especial são as temporalidades e recortes geográficos dos escritos. Saber diferenciar “espaço e conjuntura” é essencial para não se perder em análises generalizantes sobre o livro. Pode-se dizer que o historiador escrevia de maneira mais profícua de acordo com os abalos socioeconômicos e políticos que apareciam vez ou outra no continente americano. O grosso dos artigos se concentra na temporalidade de 1959 (com a edição de Rebeldes Primitivos) e vai até 1977, mas com especial vantagem entre 1963-1973. Na década de 80, Hobsbawm escreveu um em 1986 e os trechos sobre a revolução mexicana em Era dos Impérios, de 1987. Depois, só voltou a dar atenção pós-Era dos Extremos, com um artigo em 1995 e outro em autobiografia de 2002 [4]. Soma-se a tudo isso a heterogeneidade de veículos e motivações para escrever algo sobre a América Latina. Os textos são de artigos de jornais, conferências acadêmicas, artigos de revistas científicas, capítulos de livros organizados por terceiros e capítulos de livros autorais já mencionados, e ainda as famosas resenhas críticas que o autor fazia para a New York Review of Books.

Além dos motivos de queda de escritos nos anos 80 e 90, ressalta-se a falta de interesse do historiador com outras localidades do continente. Pouco foi dito sobre o Uruguai, Paraguai, Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela e até mesmo Brasil (tirando o tema dos camponeses bandidos-justiceiros de Lampião e sua passagem por Recife em 1963). Em contrapartida, Chile, Colômbia e Peru recebem especial atenção. Cuba e México aparecem menos, mas com força, provavelmente por conta de suas revoluções. Entretanto, a temática da revolução cubana (sua influência prática e ideológica sobre vários estratos sociais no restante do continente) dilui-se em todo o livro. Pode-se até mesmo arriscar a dizer que a revolução Cubana é uma das chaves principais para começar a estudar a América Latina continental da segunda metade do século XX, uma vez que ela ajudou a atrair as influências Soviética e Maoísta, bem como dos Estados Unidos.

Conclusão

Pode-se dividir a conclusão em duas partes. Apesar do termo “conclusão” estar errado, imagina-se que dois pontos dos escritos devam ser salientados.

O primeiro é o paralelo entre uma ideia de Hobsbawm e a do historiador brasileiro Caio Prado Jr. O segundo, ao falar do Brasil na época de colônia, colocou que “devemos abordar a análise da administração colonial com o espírito preparado para toda sorte de incongruências” (PRADO JR., 2011, p.320). Com uma visão da América Latina, Eric Hobsbawm (2017, p.56) chegou a um insight mais amplo:

No entanto, quando se começa a pesquisar sobre a América Latina, descobre-se imediatamente um obstáculo ainda maior do que a simples ignorância. Pelos nossos padrões – não apenas britânicos, mas, se quiserem, norte-americanos ou mesmo russos – e nos termos em que em geral analisamos os fenômenos políticos, a região simplesmente não faz sentido.

O segundo ponto é o retorno do que se falou no início desse texto em relação ao uso do termo “utopia”. Apesar do apreço de Hobsbawm em relação a Cuba pós-revolucionária, ao Chile de Allende, aos movimentos camponeses no Peru e na Colômbia, passando pelo banditismo social em México e Brasil, a leitura completa da obra demonstra que não havia, nem no historiador, e muito menos de maneira bem trabalhada naquelas sociedades estudadas, o que seria uma “utopia”. De fato, todos esses assuntos acima mencionados invocam a luta de classes, os descontentamentos políticos e socioeconômicos, os conflitos culturais e as inúmeras tentativas de mudanças (da guerrilha aos governos reformistas de esquerda e até mesmo militares, como o caso do Peru) que visassem uma sociedade melhor, mais igualitária e justa. No entanto, a escolha do subtítulo pela editora brasileira deixa o caráter ambíguo: 1) as utopias socialistas já se foram e agora temos que nos contentar com a vitória do neoliberalismo e do capitalismo encabeçado pela meritocracia do cada-um-por-si-e-ninguémpor-todos, alimentado pela concepção de livre-mercado a partir de um Estado Mínimo subalterno a interesses de empresas e governos estrangeiros? 2) será que estamos passando por uma nova fase que deve entender – a partir do estudo frio e racional – a “era das utopias” para não mais idealizar um passado que no papel e na teoria é revigorante, mas que na atual situação não se encaixa mais de maneira acrítica e que deve, portanto, ser reformulado para outros caminhos de ação?[5]

Eric Hobsbawm não era afeito a profecias e cuidava de fazer suas análises de maneira bem fundamentada para evitar escorregões e comentários mais apaixonados (HOBSBAWM, 2000). Ao fechar o livro, o leitor não terá respostas ou “linhas de ação” para traçar planos de mudança ou “revoluções”. Entretanto, estudar o “fracasso” de várias tentativas servirá como aprendizado tanto da história como da própria filosofia política (BERMAN, 2008, p.172-191; THOMPSON, 1987, p.13; BENJAMIN, 2016, p.9-20). Por outro lado, o impacto de sempre aprofundar o estudo da história do continente americano também surtirá efeito. Entretanto, o pesquisador “britânico”, fazendo jus à sua formação, deixou latente seu método de análise dialética onde as histórias da América Latina se conectam entre si e com o os outros continentes, nunca se sobrepondo (evitando, assim o provincianismo apaixonado), nem se subalternizando (impedindo a chamada “síndrome de vira lata”), mas sempre se retroalimentando – sem a ingenuidade de pôr na balança todo o mundo em pé de igualdade nos aspectos do poder. Seus artigos servem, portanto, para um mergulho mais aprofundado na nossa necessidade de não procurar um “homem latino-americano”, mas um latino-americano livre dos colonialismos, das explorações, e das desigualdades sociais. A ideia é antiga, presente igualmente no discurso do poeta chileno Pablo Neruda (2010, p.505) na entrega de seu Prêmio Nobel de Literatura, em 1971:

Nuestras estrellas primordiales son la lucha y la esperanza. Pero no hay lucha ni esperanza solitarias. En todo hombre se juntan las épocas remotas, la inercia, los errores, las pasiones, las urgências de nuestro tempo, la velocidade de la historia. Pero, qué sería de mí si yo, por ejemplo, hubiera contribuido em cualquiera forma al pasado feudal del gran continente americano? Cómo podría yo levantar la frente, iluminada por el honor que Suecia me ha outorgado, si no me sintiera orgulloso de haber tomado una mínima parte en la transformación actual de mi país? Hay que mirar el mapa de América, enfrentarse a la grandiosa diversidad, a la generosidad cósmica del espacio que nos rodea, para entender que muchos escritores se niegan a compartir el pasado de opróbio y de saqueo que oscuros dioses destinaron a los pueblos americanos.

Notas

2 Ou progressistas para os intelectuais frustrados, mas esperançosos; ou pequeno-burgueses para os críticos de esquerda; ou, ainda, populistas de esquerda para os críticos da direita; ou, ditaduras comunistas para a extrema direita que ainda revive a “guerra fria”.

3 Seriam elas: a era das revoluções; a era do capital; a era dos impérios; a era dos extremos.

4 A cronologia ficaria da seguinte maneira: 1959, 60, 62, 63(4), 65, 67, 68, 69(4), 70(2), 71(3), 73(3), 74, 76, 77, 86, 87, 94, 95, 2002. E um inédito, sem data.

5 Crítica parecida também já era esboçada por Edward Thompson (1978, p.207-208) contra o “stalinismo” na América Latina e na Índia.

Referências

BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da História. In: ______. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.

BERMAN, Marshall. Aventuras no marxismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

______. Como mudar o mundo: Marx e o marxismo, 1840-2011. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

______. Tempos Fraturados. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

______. História social do Jazz. São Paulo: Paz e Terra, 2016.

______. Viva la revolución: a era das utopias na América Latina. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

HOBSBAWM, Eric; POLITO, Antonio. O novo século. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

NERUDA, Pablo. Discurso de Estocolmo. In: ______. Antología General. Lima: Real Academia Española. Asociación de Academias de La Lengua Española, 2010.

THOMPSON. Edward. A miséria da teoria, ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

Alex Rolim Machado – Doutorando em História pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).


HOBSBAWM, Eric. Viva la Revolución: a era das utopias na América Latina. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. Resenha de: MACHADO, Alex Rolim. Os filhos das Revoluções: a América Latina na Era dos Extremos. Aedos. Porto Alegre, v.11, n.25, p.609-616, dez., 2019.Acessar publicação original [DR]

Tempos fraturados: cultura e sociedade no século XX | Eric Hobsbawm

Uma leva de acadêmicos brasileiros no século XX e interessados na produção inglesa sobre a História Social certamente se depararam com a comparação de que os integrantes da New Left e, em especial, Edward P. Thompson, estariam mais próximos da abordagem cultural do que Eric Hobsbawm que, graças a seu engajamento e continuidade no Partido Comunista pós-1956, priorizava uma vertente mais economicista e política em suas análises. As opções do mercado editorial brasileiro e as formas de difusão das obras no interior das instituições de ensino superior também contribuíram para essa visão. Acredito que a maioria de nossos pesquisadores pouco saiba dos escritos de Hobsbawm voltados à questão cultural, tendo o jazz como principal problemática de estudo. Talvez por isso, obras como Pessoas extraordinárias: resistência, rebelião e jazz e A história social do jazz não tiveram grande repercussão nos cursos e em trabalhos acadêmicos. Leia Mais

Tempos Fraturados: cultura e sociedade no século XX – HOBSBAWM (FH)

HOBSBAWM, Eric. Tempos Fraturados: cultura e sociedade no século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 358p. Resenha de: SCHOLZ, Jonathan Marcel. Faces da História, Assis, v.1, n.1, p.225-21, jan./jun., 2014.

Em primeiro de outubro de 2012, o campo dos estudos históricos e da intelectualidade, de maneira geral, foi abalado. O falecimento do eminente historiador marxista Eric J. Hobsbawm silenciava uma das vozes mais lúcidas e críticas que o século XX havia conhecido. Aos 95 anos, Hobsbawm deixava o legado de inúmeras análises e investigações – expressas em farta produção intelectual – para uma possível compreensão da sociedade ocidental dos últimos séculos.

Após uma carreira profissional repleta de clássicos da historiografia – basta lembrarmos a tetralogia das Eras, a História Social do Jazz, Sobre história etc., – sua última elaboração intelectual foi projetada em Tempos Fraturados. Publicado no Brasil em 2013, o livro, composto por 22 textos produzidos entre 1964-2002, de algum modo, completa sua obra. Dividido em quatro partes1, Hobsbawm diz, no prefácio, que “este livro é sobre o que aconteceu com a arte e a cultura da sociedade burguesa depois que essa sociedade desapareceu com a geração pós-1914, para nunca mais voltar” (2013, p. 09).

Partindo de uma série de palestras realizadas em festivais, artigos e resenhas de livros publicados em revistas especializadas, Hobsbawm admite, no prefácio, que metade do conteúdo da obra era inédito, ao menos em inglês. Percebe-se que a própria construção do livro é diferenciada porque o primeiro item chamado de “Manifestos” é uma seção distinta à dos quatro eixos centrais do livro. Sendo considerado uma introdução às temáticas trabalhadas na obra, o intelectual marxista se debruça sobre a questão da efetividade dos manifestos atualmente. Significativos e impactantes nos séculos XIX e XX, os manifestos assumiam a forma de grandes declarações coletivas. Com a revolução tecnológica, os manifestos são, para Hobsbawm, marcados pela fluidez e caráter individual. Contendo características esparsas e confusas, perderam seus principais idealizadores de outros tempos, os partidos políticos e os movimentos sociais.

Construindo sua narrativa com o rigor e a estética que marcaram sua erudição ao longo das décadas, deve-se dizer, inicialmente, que os quatro eixos centrais da obra possuem íntimas relações temáticas. São afins e se complementam, pois são atravessadas por dois fios condutores que são a questão do desenvolvimento capitalista e a constituição da cultura burguesa na sociedade ocidental. Desse modo, amarradas por esses eixos condutores, a obra foi capaz de abarcar uma diversidade de questões e assuntos.

Tratando e entrelaçando temas políticos, sociais e/ou culturais que vão do século XIX ao XXI, nota-se que Hobsbawm, mantendo-se fiel a sua interpretação marxista, considera que a premissa do livro se insere na crítica ao paradigma capitalista, já que acredita que o desenvolvimento do capitalismo, como a própria lógica da civilização burguesa, estavam destinados a destruir seus alicerces. Por consequência, é nesse aspecto, por exemplo, que se inserem as análises de “tempos fraturados” sobre o rumo das manifestações das artes, ou, ainda, da tecnologia e da ciência.

Nesse campo prognóstico do estudo das artes, Hobsbawm afirma que, na falta de profetas profissionais, o historiador, que é o especialista do passado, pode se aventurar pelo campo da futurologia, porque o passado, o presente e o futuro formam um continuum absoluto (2013, p. 27). Ressaltando que o historiador estaria apto a se posicionar sobre o futuro, Hobsbawm abre margem para críticas, pois entra numa seara delicada para os historiadores, que estão convencionados, em grande medida, a examinar o passado e não o futuro. Vale ressaltar, aliás, que a ideia de futuro ou de porvir são características centrais da obra. Tratando principalmente das artes e da ciência, Hobsbawm dialoga com as possibilidades e incertezas do amanhã.

Notando que as artes, atualmente, mantêm uma dependência com a revolução tecnológica, o intelectual defende que o progresso da computação não acabará com o livro, bem como o cinema, o rádio, a televisão e outras inovações tecnológicas não o fizeram. Quanto à música, Hobsbawm se resume a dizer que vivemos num mundo saturado dela. Os sons nos acompanham por toda a parte. Para ele, “A sociedade de consumo parece achar que silêncio é crime” (2013, p. 32). Elaborando, em última instância, uma crítica contra com a revolução tecnológica e a sociedade de consumo, o autor considera que os próprios conceitos tradicionais de arte e cultura estão se tornando obsoletos.

À medida que trata de temas candentes da sociedade contemporânea, Hobsbawm vai justificando a ideia de tempos fraturados. Investigando um panorama amplo como, por exemplo, as consequências da alta mobilidade das pessoas (viagens, turismo, imigrações) para a cultura no mundo globalizado, o intelectual verifica a possibilidade de enfraquecimento das culturas hegemônicas. Dialogando com o multiculturalismo, o autor vai destacar a internacionalização de muitos aspectos culturais, como a culinária ou o futebol.

Ressalta, ainda, a necessidade de um programa educacional viável e que garanta certo universalismo de informações e valores culturais. Ao lembrar que o turismo transcende a experiência cultural e está se tornando importante para a economia global, Hobsbawm explica o fator econômico por trás do grande “negócio da cultura” e destaca que a cultura, quando se torna símbolo de identidade nacional ou estatal, possibilita frequentes e obscuras relações entre a política, a cultura e o mercado. Nesse rol, torna-se importante pensar que “[…] a cultura simplesmente não tem grande importância nas questões de política interna, como bem o demonstra o valor gasto pelo governo federal dos Estados Unidos nas artes e humanidades, em comparação com o valor gasto nas ciências” (2013, p. 68). Porém, deve-se ressaltar que a cultura, na forma de artes e alta cultura, possuem um significativo prestígio. Isso porque as elites dos países democráticos procuram consolidar seu status social fazendo doações para institutos e organizações culturais.

É na interconexão e no domínio de tantos temas atuais, sobretudo nessa parte inicial, que se percebe o vigor e a versatilidade intelectual de Hobsbawm. Trazendo à tona uma análise historiográfica com o característico viés marxista, a primeira seção da obra é uma reflexão muito recente e que se diferencia por seu estilo de escrita e ousadia científica das análises tradicionais dos historiadores. Consideramos que essa seção inaugural é muito peculiar na produção da obra, possivelmente em razão de ser originada de palestras realizadas em festivais artísticos.

Na parte II: “A cultura do mundo burguês”2, Hobsbawm inicia o capítulo construindo uma instigante análise sobre a emancipação política e cultural dos judeus. Analisando os impactos das contribuições judaicas, a partir do iluminismo, nas áreas das ciências, em geral. Hobsbawm salienta, além da referência aos talentos de origem judaica, a relação de “amor e ódio” destes com a Alemanha. Segundo ele, perante o êxodo e o extermínio dos judeus, durante o nazismo, a Alemanha teve decretado o fim de sua hegemonia linguística no mundo, com a língua alemã deixando de representar a língua da modernidade e das publicações eruditas que todos os acadêmicos precisavam ler.

No prosseguimento da parte II, várias temáticas ligadas pelo vínculo entre burguesia e cultura são trabalhadas. Chama-se a atenção para o debate interdisciplinar suscitado em “Destinos Mitteleuropeus”, no qual Hobsbawm vai falar do perigo que o uso de termos geográficos pode acarretar ao discurso histórico. Investigando as particularidades históricas e variantes do conceito de “Europa Central”, o autor conclui que, como termo político, é inaceitável, já que insinua, historicamente, preconceitos raciais, linguísticos e exclusões étnicas.

Em seguida, focando questões específicas sobre a consolidação da cultura burguesa durante fins do século XIX e início do XX, Hobsbawm vai discutir, sob a ótica das relações sociopolíticas, o papel cultural das mulheres burguesas, a ligação das classes médias europeias com a “Art Noveau” e, ainda, o legado deixado pela cultura burguesa. Tratando de diversas abordagens, Hobsbawm investiga desde o poder que o Estado detinha sobre a cultura e a história, como verifica a mudança do papel concebido às mulheres na virada do século XIX para o XX. Procurando abarcar vários aspectos da civilização burguesa, Hobsbawm demonstra sua capacidade de historicizar os eventos e de englobar objetos díspares, contribuindo para ampliar os conhecimentos por meio do diálogo com várias perspectivas de história. Seja na interdisciplinaridade com a geografia ou no entrecruzamento com a história de gênero, o intelectual marxista desenvolve uma reflexão que, certamente, possibilita uma maior compreensão da influência que a sociedade burguesa exerceu no Ocidente.

Na parte III da obra, “Incertezas, ciência, religião”, é proposta uma série de reflexões que abordam as relações entre a ciência, a intelectualidade, a religião e a arte com o poder. O título da seção, inclusive, evidencia a amplitude de assuntos tratados. Em “Preocupar-se com o futuro” o autor vai sondar a questão das emoções na história. Evidenciando os problemas relacionados à subjetividade destes sentimentos, Hobsbawm afirma que buscar o “estado de espírito” de uma época não serve para análise ou como estrutura de narrativa para os historiadores. Além das emoções não serem estáveis e homogêneas, existe uma complexidade em descrever como as coletividades, ou mesmo os indivíduos, compreendem ou concebem a noção de futuro, pois as pessoas têm percepções diferentes sobre o mesmo período temporal. A iminência de uma guerra ou de um novo governo, por exemplo, possibilita variados sentimentos da população. Não existe uma homogeneidade de emoções e sensibilidades no povo que autorize a se falar em um suposto “estado de espírito”. Explorando um tema multifacetado, Hobsbawm contribui, enfatizando, que a busca de sentimentos na história, sendo um método simplista, é um caminho seguido por alguns literatos, mas não é o adequado para as interpretações dos historiadores.

Na mesma perspectiva, o autor esboça comentários sobre a ciência. Tratando da relação de cientistas (do setor de química e ciências biológicas) com a política, o autor desloca-se para uma área desconfortável e que, frequentemente, não estimula os historiadores. Em “Ciência: função social e análise do mundo” Hobsbawm explora a vida e as contribuições científicas do fundador da moderna biologia molecular, John Bernal. Inserindo o personagem/objeto em seu lugar social, Hobsbawm mostra como o deslocamento da para a vida de um ativista político que colocou a lealdade ao partido comunista (e a ligação com o stalinismo) acima da consciência científica.

Em “Os intelectuais: papel, função e paradoxo”, o autor concentra a atenção na trajetória do papel social dos intelectuais. Notando uma crise de valores e perspectivas no século XXI, no qual se abandonou a velha crença no progresso global da razão e da ciência, Hobsbawm se questiona “Como pode a antiga e independente tradição crítica dos intelectuais dos séculos XIX e XX sobreviver numa era de irracionalidade política, reforçada por suas próprias dúvidas sobre o futuro?” (2013, p. 234). À vista disso, como se nota, o papel representado na sociedade pelos intelectuais e cientistas também foi preocupação do historiador marxista em “tempos fraturados”. Estabelecendo um paralelo entre cientistas que se posicionaram de modo político e público na década de 30, Hobsbawm pensa, posteriormente, sobre a atuação do intelectual e cientista no século XXI. Ou seja, exercendo uma erudição apurada, Hobsbawm incorpora, dialeticamente, a questão dos cientistas em duas temporalidades distintas, observando que os cientistas/intelectuais do século XXI se diferenciam de seus homólogos do século XIX porque vivem num período de incertezas políticas e descrenças ideológicas.

De acordo com a abrangência de temas inqueridos, em “A perspectiva da religião pública” é delineada uma análise sobre a religião enquanto força política. Pensando no contraponto entre a crescente secularização e a ascensão de ideologias radicais (direitistas) dentro da religião na segunda metade do século XX, como o protestantismo carismático e o islamismo tradicional. Hobsbawm considera que a democratização da política revelou o embate entre a religião de massas e os governos laicos. Adentrando na análise de uma esfera (religião) que normalmente não é o foco central de suas investigações, Hobsbawm a considera em razão dos vínculos mantidos entre diferentes sistemas religiosos e os Estados no século XXI, pensando nos efeitos sociais de suas aproximações e distanciamentos.

Nos artigos finais da terceira parte retorna-se a problemática da arte. No capítulo dezoito, “Arte e Revolução”, Hobsbawm estabelece uma ligação contínua entre artistas de vanguarda com os partidos de extrema esquerda. Focalizando a atuação dos artistas na Rússia revolucionária, o autor reconhece os atritos existentes entre a vanguarda e o partido comunista, o qual, sob a tutela de Stalin, submetia, progressivamente, o referido grupo ao poder soviético. Na mesma perspectiva, “Arte e poder” discute as relações sociopolíticas (historicamente construídas) por meio desses dois eixos. Afirmando que a arte é usada para reforçar o poder dos governantes e de Estados desde o Egito antigo, Hobsbawm investiga as demandas básicas que o poder costuma fazer à arte, situando o recorrente confronto público entre Estados e artistas. Por consequência, lembrando que no período entre guerras, Hitler, Stalin e Mussolini mantinham um ferrenho controle sobre as artes, o intelectual verifica que houve um declínio de realizações culturais em tais países.

Na parte final (IV) “De arte a mito” dois artigos completam a obra. Primeiro, “O artista se torna pop: Nossa cultura em explosão” é uma reflexão sobre a influência e intervenção – a qual, consequentemente, engendra perigos – que o progresso tecnológico exerce nas artes contemporâneas. Afirmando que aceitar a sociedade industrial não significa aprová-la, Hobsbawm se pergunta como podemos melhorar o que é produzido pelo movimento cultural. Finalizando a obra, “O caubói americano: um mito internacional?” é uma análise sobre as (re) apropriações que a figura do caubói impulsionou na cultura e na sociedade estadunidense. Indicando que os caubóis refletem os mitos e as realidades das sociedades a que pertencem, Hobsbawm percebe que o personagem americano, absorvendo a tradição original do Oeste, possui uma dupla função de conteúdo social, que representava primeiro, o ideal de liberdade individualista, quando no fechamento das fronteiras, e, segundo, a defesa do americano nativo branco, anglo-saxão e protestante. Hobsbawm encerra afirmando que o caubói reinventado como mito, sobretudo pelo governo Ronald Regan, revela, além de um legado perigoso de segregação e racismo anti-imigrante, o âmago de uma sociedade ultraindividualista.

Portanto, a obra final de Eric J. Hobsbawm expressa o espírito crítico e elucidativo de uma intensa carreira intelectual. Apesar de se constituir em um desafio avaliativo, já que reúne temas tão díspares, mas que são ligados nevralgicamente pelas noções de desenvolvimento capitalista e revolução tecnológica, a obra é uma coletânea de textos que trata da complexidade sociopolítica que o século XXI representa para a humanidade. Constituindo-se, também, enquanto uma história do tempo presente, “tempos fraturados” combina elementos inéditos (reflexão sobre as artes na atualidade) com objetos clássicos da obra de Hobsbawm (burguesia e questões políticas). Levantando novas questões, como a da influência dos judeus, do uso de termos geográficos na história ou do caubói estadunidense, o autor desvela novas possibilidades de estudo, que dão uma originalidade característica à obra.

No entanto, deve-se reiterar que, devido à estrutura do livro, que amalgamou artigos heterogêneos, muitas vezes derivados de palestras, e que foram escritos em diferentes momentos da carreira de Hobsbawm, a obra não conta com um espaço específico para as considerações finais. As conclusões do autor, que assumem características de apontamentos sugestivos, são elaboradas de maneira individualizadas ao final de cada texto.

Por fim, vale ressaltar que sua última produção contribui para o amadurecimento da historiografia contemporânea que trabalha, principalmente, com as questões da arte e da cultura. Mostrando um rol de possibilidades temáticas, Hobsbawm sinaliza que a história, apesar da investigação convencional do passado e das possibilidades de prognosticar o futuro, sempre parte das preocupações do presente. Desse modo, reforçando sua influência marxista em suas interpretações históricas, “Tempos fraturados” é digno do peso historiográfico que Hobsbawm exerceu e representou na intelectualidade ocidental durante o período que ele chamou de “breve século XX”.

Notas

1 Nomeadas como: 1 – Manifestos; Parte I: “A difícil situação da ‘cultura erudita’ hoje”; Parte II: “A cultura do mundo burguês hoje”; Parte III: “Incertezas, ciência, religião”; Parte IV: “De arte e mito”.

2 Parte composta de sete artigos. São eles: “Iluminismo e conquista: a emancipação do talento judeu depois de 1800”; “Os judeus e a Alemanha”; “Destinos Mitteleuropeus”; “Cultura e gênero na sociedade burguesa europeia de 1870-1914”; “Art Noveau”; “Os últimos dias da humanidade” e “Herança”.

Jonathan Marcel Scholz – Graduado em Licenciatura Plena de História pela Universidade Estadual do Centro – Oeste – UNICENTRO, Guarapuava-PR. Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail: [email protected].

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How to Change the World: reflection on Marx and Marxism | Eric Hobsbawm

Nesse último livro de Eric Hobsbawm, antes de sua morte, o historiador inglês aborda um tema muito caro para ele: Marx e o(s) marxismo(s). O livro é uma coletânea de textos escritos entre 1956 e 2009 sobre o impacto do pensamento de Marx depois de sua morte em 1883, portanto não é uma história do marxismo no sentido usual. Hobsbawm procura demonstrar como o pensamento de Marx ainda é importante para nos ajudar a compreender o mundo atual e o século XXI. O livro se divide em duas partes, sendo que a primeira (8 capítulos) aborda Marx e Engels e a segunda (8 capítulos) aborda o marxismo pós-Marx, discutindo apenas Antônio Gramsci especificamente.

O primeiro capítulo intitulado ‘‘Marx Hoje’’, Hobsbawm discute como Marx ainda é relevante hoje e que não pode ser visto como um ‘‘homem de ontem’’ nem ser relegado à lata de lixo da História. O autor apresenta como Marx era interpretado ao longo do século XX com base em três fatos: a divisão entre países em que a revolução era possível e estava na agenda de certos partidos e outros em que não estava; a bifurcação da herança marxista entre revolucionários e reformistas; e o colapso do capitalismo do século XIX pela ‘‘Era da Catástrofe’’ (o período entre as duas Guerras Mundiais). Com o colapso da URSS, em 1991, o marxismo ficou desacreditado, mas o autor salienta como Marx ainda tem força nos aspectos de pensador econômico, historiador e analista social (vale lembrar que Marx é tido como um dos pais da Sociologia). Leia Mais

Globalização, Democracia e Terrorismo – HOBSBAWM (CTP)

HOBSBAWM, Eric. Globalização, Democracia e Terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Tradução de José Viégas. Resenha de: SILVA, Karla Karine de. Sobre a Globalização, a Democracia e o Terrorismo. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n. 01 – Outubro de 2010.

Em seu mais recente livro, Globalização, Democracia e Terrorismo (Tradução José Viegas. São Paulo: Companhia das Letras Ed. 2007, R$ 36,00), o historiador egípcio Eric Hobsbawm reúne uma coletânea de palestras e conferências pautadas em alguns dos temas mais atuais da contemporaneidade. Dividida em dez capítulos, sua obra analisa fatos e situações focadas principalmente nos séculos XX e XXI. Hobsbawm aborda diferentes e relevantes problemas, como os impérios hegemônicos estabelecidos por Estados Unidos e Grã-Bretanha e suas diferenças; o fim da Guerra Fria e suas conseqüências; a democracia em suas diversas particularidades; o terrorismo, esta novidade apenas aparente na geopolítica, a crescente violência e seus deslocamentos de eixos; a expansão do Império norte-americano. Todos os escritos são permeados por discussões sobre guerra, paz, segurança, nacionalismo, globalização, economia e ordem pública. Há também considerações significativas sobre o futebol, relacionado com criatividade a alguns dos temas mencionados.

Eric Hobsbawm nasceu em Alexandria, em 1917, e educou-se na Áustria, na Alemanha e na Inglaterra. Historiador contemporâneo, recebeu o título de doutor honoris causa em universidades de diversos países. Lecionou até se aposentar no Birkbeck College, da Universidade de Londres, e posteriormente na New School for Social Research, de Nova York. Publicou no Brasil obras como Era dos Extremos (1995), Ecos da Marselhesa (1996), Sobre História (1998), O Novo Século (2000) e Tempos Interessantes (2002).

Embora não deixe de mencionar exemplos sobre guerra, globalização e terrorismo em um punhado variado de países nos cinco continentes, as conferências selecionadas para o livro concentram-se nas políticas norte-americana e britânica. Hobsbawm deixa claro sua crítica e contrariedade ao expansionismo do governo de George W. Bush (2000-2008). O historiador põe em perspectiva comparada os fenômenos que fizeram desses países – EUA e Inglaterra – grandes impérios, ao mesmo tempo em que apresenta suas diferenças. Tratando-se da Grã-Bretanha, centro da economia mundial no século XIX, Hobsbawm explica que suas pretensões expansionistas eram, e são, sobretudo comerciais. Dos anos 1800 até a primeira metade do século XX, o império britânico era o maior exportador de produtos manufaturados, ainda detentor de uma força naval incomparável e, embora tenha encontrado um forte concorrente tecno-industrial (EUA) no século seguinte, reestruturou-se no mercado investindo ainda mais em instituições financeiras, bancos e exportação de capitais.

Os EUA também têm um vasto mercado-mundo tecno-industrial e sua frota aérea não enxerga concorrentes. Entretanto, sua política externa expansionista pautada em parte na exportação do chamado “modelo americano de ser”, e mais incisivamente pela ocupação militar de países mais fracos, valendo-se da ideologia que Hobsbawm classifica de “uma missão imperial (…) a implicação messiânica da convicção fundamental de que sua sociedade livre é superior a todas as demais e está destinada a tornar-se o modelo global”, difere em muito dos ideais britânicos de superioridade. O reconhecimento de seus limites e da não interferência nas políticas internas dos países “ocupados” economicamente pela Grã-Bretanha, impedem-na de cair na megalomania messiânica americana.

A ênfase que Hobsbawm confere às discussões sobre as hegemonias norte-americana e britânica se justifica pelo fato de que, diante das crises mundiais, – principalmente as que emergiram com o fim da “Guerra Fria” – apareceram pequenos Estados independentes e internamente conflituosos. Isto facilitou o acesso de grupos terroristas a armamentos mais sofisticados, aumentou da violência e inflacionou as guerras civis (as guerras larvais em “países sem importância” para os falcões do exército americano são o melhor exemplo disto). O mundo Pós-Guerra Fria experimentou histerias diante de catástrofes (aquecimento global), pandemias (AIDS, gripe aviária) e viu, pela TV e Internet, a ascensão da propaganda do terrorismo. Por isto, o historiador afirma que é urgente a necessidade que os povos têm de um sistema governamental que interfira positivamente como agente promotor da ordem global. Seriam os EUA, potência mundial militar e tecnológica, tal agente? Esta questão permeia toda a obra do autor, especialmente os capítulos seis a oito.

O conceito atual de democracia-liberal, muito distante dos seus ideais originais, tem sido desculpa para as “intenções” messiânicas americanas. O autor ressalta que esta proposta estadunidense não resolve os problemas, tampouco está ali o modelo de governo a ser seguido pelas nações do mundo. As diferenças culturais, as necessidades de cada povo e as variadas concepções de mundo dentro das culturas, elegem qual modelo de governo adéqua-se melhor aos problemas das diversas sociedades.Neste sentido, a ânsia de um governo adequado às necessidades de um grupo ou a resposta a algum tipo de imperialismo, tem alimentado a crescente onda de terrorismo. A análise de Hobsbawm sobre os agentes do terror e os elementos que lhe dão embasamento é provocativa. Ele considera que este não se concentra em grupos ativistas específicos como, por exemplo, ETA, IRA, Al-Qaeda, Hamas, Al Fatah, Jihad Islâmica da Palestina, Hezbollah, Tigres Tâmeis, Partido dos Trabalhadores do Curdistão etc., mas acentuadamente está presente em Estados (autoritários ou liberais), nas suas táticas de coerção e “controle”.

Em suma, Globalização, Democracia e Terrorismo traça vividamente um painel do cenário político internacional analisando a situação mundial e os problemas mais agudos com que nos confrontamos atualmente. Mais do que uma mera apresentação da situação mundial, o autor deixa claro sua oposição às intervenções armadas como desculpa para resolver questões internacionais. Condena fortemente as pretensões imperialistas e hegemônicas, aceleradoras da violência e, sobretudo, demonstra sua preocupação com o colapso no qual o mundo se encontra atualmente. Em época de guerras, falências e forte crise econômica, uma obra como esta pode nos auxiliar a observar de maneira crítica as ondas rápidas dos acontecimentos no tempo presente.

Karla Karine de Jesus Silva – Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe. Bolsista PIBIC/CNPq. Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente – GET.

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Tempos interessantes. Uma vida no século XX – HOBSBAWM (RIHGB)

HOBSBAWM, Eric. Tempos interessantes. Uma vida no século XX. São Paulo: companhia das Letras, 2002. Resenha de: RODRIGUES, Lêda Boechat. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.164, n.418, p.219-223, jan./mar., 2003.

Lêda Boechat Rodrigues – Sócia emérita do IHGB.

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