Questions sur la métaphysique | Jean Duns Scot

A tres años de la aparición del primer volumen de esta nueva edición crítica de las Quaestiones super libros in Metaphysicorum Aristotelis, ha sido publicado el segundo volumen conteniendo los libros IV a VI. También en esta ocasión, el volumen viene precedido por una introducción general de Olivier Boulnois, quien, además, ha traducido el libro IV. La traducción del libro V ha estado a cargo de Ide Lévi, Magali Roques y Kristell Trego, mientras que el libro VI ha sido vertido al francés por Dominique Demange. Los respectivos traductores han presentado cada libro mediante una introducción específica, que adelanta al lector los contenidos desarrollados en el mismo. Leia Mais

Metaphysics and the Existence of God | Thomas O’Brien

En 2017 comenzó una serie de publicaciones denominada Thomist Traditions, dentro de la editorial estadounidense Cluny Media. El editor general de la serie, Cajetan Cuddy, o.p., señala que esta surge de una doble convicción: la incomparable sabiduría del pensamiento de santo Tomás de Aquino y el rol necesario de la tradición tomista como mediación para conocer y apreciar dicha sabiduría. El objetivo de esta serie es la reimpresión de clásicos de la tradición tomista, incluyendo no solo una revisión editorial del texto y nuevas notas explicativas, sino una valiosa introducción al autor y a las cuestiones abordadas. Leia Mais

Questions sur la métaphysique | Jean Duns Scot

No cabe duda de que Juan Duns Escoto (1265/66-1308) es un pensador medieval de primer orden cuya obra, por lo demás, se inscribe en los inicios de un giro en el campo filosófico que, pronunciándose crecientemente en lo sucesivo (como se evidencia, por ejemplo, en las Disputationes Metaphysicae de Francisco Suárez), condujo a un cambio de paradigma en el pensar que se consolidó en la Modernidad. Leia Mais

Metafísica e ética. A filosofia da pessoa em Lima Vaz como resposta ao niilismo contemporâneo – OLIVEIRA (V)

OLIVEIRA, C. M. R. Metafísica e ética. A filosofia da pessoa em Lima Vaz como resposta ao niilismo contemporâneo. Coleção Estudos Vazianos. São Paulo: Loyola, 2013. 295p. Resenha de: RIBEIRO, Elton Vitoriano. Veritas, Porto Alegre, v. 63, n. 2, p. 814-818, maio-ago. 2018.

O livro Metafísica e ética de Cláudia Oliveira, professora de metafísica da FAJE, é fruto de seu doutorado em filosofia na Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma, Itália). Segundo a própria autora, este livro quer explicitar num grande panorama o percurso de Lima Vaz, na intenção de ser “uma introdução à sua proposta de reler a metafísica de Tomás de Aquino à luz da dialética platônico-hegeliana” (OLIVEIRA,2013,p.22). Este panorama, desenhado pela autora tem dois núcleos de atração, a metafísica e a ética na modernidade. Modernidade que Lima Vaz esforçou-se por compreender seus projetos, caminhos, descaminhos, conquistas e desilusões (OLIVEIRA,2013,p.25). Neste esforço, Lima Vaz fez em sua obra uma grande rememoração percorrendo toda a história da filosofia para pensar filosoficamente a existência humana num mundo. Mundo contemporâneo em contínua, rápida e variada transformação.

A pergunta inicial que guia a autora, em sua reflexão é muito interessante. Lima Vaz, em seu pensamento, distanciando-se da filosofia pós-metafísica, no livro “Introdução à ética filosófica 2” afirma: não há ética sem metafísica. A partir daí a autora se pergunta: existe uma relação necessária entre metafísica e ética? Nos termos da autora: “Se, por um lado, para Lima Vaz não há ética sem metafísica, por outro lado, é possívelafirmar que para ele exista metafísica sem ética?” (OLIVEIRA,2013,p.12). Aqui está, em germe, desenhado todo o percurso do livro que vai se desdobrando e encontrando dificuldades a ser analisadas. A primeira é a seguinte: o que Lima Vaz entende por metafísica? A pergunta pela ética, outro núcleo importante da reflexão foi respondida por Lima Vaz em vários livros e artigos, especialmente nos dois volumes de “Introdução á ética filosófica“. Mas, por outro lado, Lima Vaz nunca escreveu um livro de metafísica. Daí podemos perceber o valor da investigação da autora em resgatar a questão metafísica presente no pensamento de Lima Vaz. Ou, filosoficamente, resgatar a compreensão de Lima Vaz desta experiência de abertura ilimitada ao horizonte transcendente, fundamento e origem de toda experiência que o ser humano faz do próprio ser e do próprio agir.

Segundo a autora, Lima Vaz entende a metafísica num duplo sentido: um estrito e outro amplo (OLIVEIRA,2013,p.13). Em sentido estrito, a metafísica é o discurso que explicita diretamente a experiência do Uno. Em sentido amplo, é todo percurso que parte do múltiplo e se dirige ao Uno. Ora, Lima Vaz inspirado em Tomás de Aquino “estabelece a relação necessária entre a ética entendida como ontologia do agir humano e a metafísica entendida tanto em sentido estrito como em sentido amplo” (OLIVEIRA,2013,p.14). É esta relação que a autora busca elucidar. A elucidação tem como pano de fundo duas questões fundamentais sempre presentes no pensamento de Lima Vaz: (1) o problema do sentido da existência e (2) a pergunta a respeito da orientação ética para as ações humanas.

Este percurso elucidativo da autora, acerca do pensamento de Lima Vaz, tem como horizonte de realização a modernidade e a pós-modernidade. Na modernidade o desafio ao pensamento metafísico se configura na primazia da racionalidade técnico-científica e da exacerbação da subjetividade. Na pós-modernidade, o desafio é o avanço do niilismo ético e metafísico que questiona constantemente todas as tentativas de reflexão e ação. Assim, diante disso, a proposta de Lima Vaz é fazer memória do ser a partir de uma releitura dialética da metafísica de Tomás de Aquino. Didaticamente, a autora divide sua investigação em duas partes com três capítulos cada.

A primeira parte tem por título “Um percurso filosófico: ponto de partida, método e opção teórica”. Nela a autora identifica algumas questões importantes que acompanham a reflexão filosófica de Lima Vaz.

Pensar a existência e o agir humanos a partir da situação história é uma delas. A outra é pensar esta problemática a partir da abertura ilimitada ao horizonte transhistórico da Verdade e do Bem. Por isso, o primeiro desafio da autora é pensar a “Modernidade e o Niilismo” (capítulo 1). Neste capítulo, a reflexão caminha na direção de elucidar a interpretação da modernidade de Lima Vaz. Surge um enigma, o enigma da modernidade que tem que enfrentar a racionalidade moderna e a autonomia da razão técnico-científica, que se apresentam como desafios para o nosso tempo. Diante destes desafios o método filosófico de Lima Vaz é o “Método dialético” (capítulo 2). Segundo a autora, para Lima Vaz a dialética é um caminho de reflexão que parte de aporias concretas. Como método, Lima Vaz é devedor da filosofia de Platão e Hegel. Cada um destes filósofos, analisados pela autora em suas reflexões acerca da dialética filosófica em seus contextos, influencia Lima Vaz. Assim, Lima Vaz constrói seu próprio método buscando também, refletindo sobre os dualismos presentes na história, a unidade de sentido tão importante para a filosofia. Finalmente, no terceiro capítulo, a autora busca explicitar a reconstrução que Lima Vaz faz da metafísica tomista. “A opção por Tomás de Aquino” (capítulo 3) faz este trabalho importante de reler os textos sobre Tomás de Aquino; textos escritos por Lima Vaz e publicados ao longo de sua carreira filosófica. Reler e interpretá-los ajudando o leitor a compreender a importância fundamental da metafísica de Tomás de Aquino no pensamento de Lima Vaz.

Na segunda parte do livro o foco é a “Filosofia realista da pessoa” de Lima Vaz. Segundo a autora, a filosofia da pessoa de Lima Vaz é uma via alternativa ao niilismo pós-moderno, analisado na primeira parte, o qual Lima Vaz se apresenta como um crítico feroz. Esta filosofia da pessoa vaziana se apresenta como uma proposta de releitura dialética da metafísica de Tomás de Aquino inspirada na estrutura triádica da filosofia do espírito de Hegel (OLIVEIRA,2013,p.17). Ora, sendo aristotélico-tomista, esta filosofia tem um tríplice nivelamento: a pessoa humana, a pessoa moral e a pessoa absoluta. “A Pessoa Humana” (capítulo 4) deve ser interpretada filosoficamente a partir da experiência que cada um de nós faz do próprio ser. Nossa experiência, para Lima Vaz, acontece numa síntese dinâmica entre essência e existência. Nesta síntese, a pergunta fundamental que guia a busca de sentido à vida humana é: quem sou eu? Pergunta inalienável e fundamental para o ser humano e que guia também toda reflexão filosófica. Na busca de uma resposta o ser humano se descobre como ser em ato porque “aquilo que ele é por essência deve tornar-se na existência concreta” (OLIVEIRA,2013,p.18). Assim, neste percurso de indagação o ser humano se descobre como um ser paradoxal, um ser histórico. Mas, também, como não poderia ser diferente para a filosofia de Lima Vaz, um ser aberto ao horizonte transcendental da verdade. Os outros dois capítulos são, evidentemente, desdobramentos deste primeiro. “A Pessoa Moral” (capítulo 5) reflete sobre a pessoa a partir da famosa pergunta aristotélica, apropriada por Lima Vaz em sua filosofia: como convém viver? Pergunta ética por excelência ela quer apontar para a busca de significação da pessoa humana como pessoa moral. Pessoa moral que aponta, segundo Lima Vaz, contra muitas correntes filosóficas contemporâneas, para “A Pessoal Absoluta” (capítulo 6). Este sexto capítulo é o mais exigente na leitura, e para bem apreciá-lo em toda a sua potência é exigido profundos conhecimentos de metafísica, especialmente, metafísica tomista. Neste capítulo, no qual a autora demonstra seus profundos e articulados conhecimentos de metafísica, o caminho é lento e, por vezes, penoso. Diga-se de passagem, como deve ser todo caminho profundamente filosófico. A autora faz dialogar com Lima Vaz, para ajudar o leitor na compressão desta “experiência metafísica do ser absoluto que se constitui como condição de possibilidade da experiência do nosso ser como unidade dinâmica de essência e existência” (OLIVEIRA,2013,p.18), autores como J. B. Lotz (Transzendentale Erfahrung), J. Marechal (Le point de départ de la métaphysique) e J. De Finance (Existence et liberte), entre outros. Neste capítulo, Tomás de Aquino, Hegel e Heidegger são referências constantes na elucidação da experiência metafísica do Absoluto seja pela “via compositionis ou descensos“, seja pela “via resolutionis ou ascensus“. Neste percurso a autora conclui que “ao seguir o personalismo cristão, Lima Vaz também defende que o Absoluto real, afirmando em sua pessoalidade, constitui-se como fundamento último da pessoa humana. A experiência metafísica remete, pois, à experiência religiosa da Pessoa Humana” (OLIVEIRA,2013,p.270). Concluindo, para a autora “a experiência ontológica que fazemos do nosso próprio ser e agir nos remete à experiência metafísica como experiência do fundamento” (OLIVEIRA,2013,p.270).

A conclusão final da autora é de que “toda a filosofia de Lima Vaz deve, pois, ser interpretada a partir do seguinte pressuposto fundamental: ele era um cristão e sua filosofia é uma filosofia cristã. Ela nasce da experiência profunda da abertura radical ao transcendente e pretende ser tematização discursiva dessa experiência radical como resposta ao enigma de um tempo histórico” (OLIVEIRA,2013,p.273). No caso o nosso tempo histórico, onde somos convidados a responder a pergunta fundamental pelo sentido. Pergunta que nos coloca diante da realidade história, diante das aporias do pensamento, diante de nossa própria existência com os outros no mundo. Neste percurso, que parte da experiência ôntica, rumo às experiências ontológica, metafísica e religiosa; somos também nós, convencidos pela filosofia de Lima Vaz que existe uma “íntima ligação não apenas entre ética e metafísica, mas também entre metafísica e ética” (OLIVEIRA,2013,p.279). Portanto, temos aqui uma excelente reflexão filosófica que merece ser lida por todos os que se ocupam com o labor filosófico de alta qualidade em nosso país.

Elton Vitoriano Ribeiro – Professor de Filosofia – FAJE: Faculdade Jesuíta. E-mail: [email protected]

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Pierre Duhem: Entre física y metafísica | Víctor Manuel Hernandez Márquez

This book is structured by seven chapters written by six researchers from three different Universities: Fábio Rodrigo Leite y João Cortese from the Universidade de São Paulo, Brazil; Ambrosio Velasco Gómez from de Universidad Nacional Autónoma de México and Víctor Manuel Hernández Márquez (coordinator), Roberto Estrada Olguín and Roberto Sánchez Benítez from the Universidad Autónoma de Ciudad Juárez, Mexico.

Each of the authors develops their own analytical perspectives around the work of Pierre Duhem (1861-1916). Ambrosio Velasco seeks to show that the contemporary philosophy of science began from a fundamental criticism of the modern conception of scientific rationality proposed by Descartes (in his rationalist version) and by Newton (in his empiricist turn). Velasco contends that Duhem’s contribution to this discussion is to have undermined several myths and dogmas, among them, the Cartesian idea that the rationality of knowledge is based exclusively on strict adherence to certain methodological rules and the Newtonian thought that observation, induction and experimentation are the fundamental procedures of the scientific method. Leia Mais

Metafísicas Canibais-CASTRO-(NE-C)

CASTRO, Eduardo Viveiros de. Metafísicas canibais. São Paulo: Cosacnaifty, 2015. Resenha de: PIMENTA, Pedro Paulo. A permanência da metafísica, pelas lentes de um antropólogo. Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo, v. 35, n.1, Mar, 2016

Desde sua publicação em meados de 2015, o livro de Eduardo Viveiros de Castro vem sendo comemorado por parte significativa da comunidade antropológica brasileira, e por boas razões. Trata-se de mais uma contribuição desse etnólogo à reflexão sobre o estatuto, o papel e a dimensão da antropologia como ciência social que não hesita em assumir também uma dimensão filosófica-vocação essa que muitos, inclusive este resenhista, consideram inerente a ela. É natural, portanto,que também os filósofos se posicionem diante do livro,de preferência sem aderir de antemão ao projeto em que ele se insere ou tampouco rechaçá-lo (só porque esse projeto se imiscui,sem pedir muita licença, nos domínios da filosofia).Desde o título,acertado e provocativo,este Metafísicas canibais tem tudo para alienar uma parcela do mundo acadêmico e cultural pouco afeita a irreverências com a filosofia (há uma razão para isso: volta e meia, ela é constrangida a se explicar, e mesmo a justificar a própria existência – por que filosofia? Por que filósofo? Pergunta que volta e meia se põe, como observava Rubens Rodrigues Torres Filho nos idos de 1974). O leque de referências filosóficas abertamente mobilizadas por Viveiros de Castro, que relê a antropologia estrutural de Lévi-Strauss pelo crivo de Deleuze e Guattari, constitui outro fator, se não alienante, certamente divisor, dada a paixão com que o pensamento destes últimos, atualmente divulgado à exaustão no Brasil, é aceito/rejeitado por leitores que por ele se interessam (num fenômeno similar ao que ocorre com Foucault).Mas, se é verdade que não se pode julgar o livro pelo título, e muito menos pela bibliografia, então não resta dúvida de que a chegada da obra em língua portuguesa (o texto de base surgiu na França em 2009) deve ser comemorada como uma boa-nova, pois não há dúvida de que Viveiros de Castro merece ser lido por todos aqueles que tomam a peito a filosofia e que, nessa condição, certamente receberão a obra criticamente – atitude que, se não me engano, ela mesma reclama de seu leitor.

A primeira coisa que observo é que Metafísicas canibais é um livro original não somente pelas teses que expõe, ou, melhor dizendo, que costura,como também pelo modo como as enuncia.O estilo de Viveiros de Castro é vivamente coloquial,sem nunca se tornar prosaico.O tom de sua voz,pessoal desde as primeiras páginas,não raro inusitadamente confessional, põe o leitor em contato direto com a inteligência do autor, marcada pelo raciocínio rápido, a virada engenhosa, o arremate inesperado, a ironia por vezes sarcástica, nunca desmesurada. Tudo isso, percebe-se logo, é estritamente necessário para a encenação de um balé arriscado, em que a antropologia estrutural e a filosofia contemporânea são os protagonistas. Seria impreciso referir-se à relação entre elas,tal como concebida por Viveiros de Castro,como um diálogo ou interlocução – situação demasiadamente relacionada ao logos que o autor quer descentrar.Trata-se antes de choque,fricção,desencontro, conflito e outras situações próximas do desacerto e da incompreensão, estratégia que as hábeis mãos do encenador julgam a mais conveniente para alargar as perspectivas da filosofia ao mesmo tempo que reforça a posição da antropologia como ciência com ambições filosóficas. Um clima de tensão, que resulta dessa abordagem, perpassa as páginas do livro e garante – o que não é pouco, em se tratando de uma obra com elevadas pretensões teóricas e extensas digressões conceituais-queo interesse do leitor se mantenha o mesmo,do início ao fim.

Uma das evidências de que estamos diante de um discípulo autêntico e original de Lévi-Strauss é a adoção por Viveiros de Castro de um viés bem determinado,que pauta os diferentes estudos que compõem este Metafísicas canibais, e que poderíamos descrever como um pendor, que se mostra, nas mais densas análises teóricas, para conclusões com consequências vultosas. Efeito notável, que infunde o texto com a promessa de que, atravessadas as páginas mais áridas de teoria propriamente dita, chegar-se-á por fim a um resultado de monta, que diz respeito a muito mais do que a teoria mesma que levou a ele. No caso de Lévi-Strauss,a dissolução da filosofia na etnologia,movimento coerente,que as Mitológicas finalmente executam,com as indicações e esquemas legados ao estruturalismo por Rousseau; no caso de Viveiros de Castro,a absorção mútua de certa filosofia (a de Deleuze e Guattari, mas também a de um Latour) e da única antropologia que no fundo lhe importa,justamente essa que Lévi-Strauss inventou,ao levar a sério as injunções lançadas por Rousseau à razão ocidental.Aqui e ali,trata-se em alguma medida da reforma (ou mesmo da sorte) de um saber ancestral,que,como se sabe,se encontra em plena crise desde o início do século XIX:a própria filosofia.A exemplo de Lévi-Strauss,Viveiros de Castro saboreia a ironia de que justamente um herdeiro dessa mesma filosofia – o antropólogo, logo ele, filho da Ilustração – venha a propor algo como uma reformulação da metafísica, essa “ciência” há muito combalida e desacreditada, porém resistente. É uma ideia irônica, mas que nenhum deles considera despropositada. Com efeito, a filosofia se encontra, tanto para Viveiros de Castro quanto para Lévi-Strauss,no banco dos réus – ou,melhor seria dizer,no leito de morte, tendo caducado em virtude de suas próprias deficiências e limitações (basicamente de perspectiva) e da arrogância que por séculos a fio a levou a ignorá-las. Daí a aliança com Deleuze e Guattari, que se inscrevem num horizonte de reflexão pós-metafísica. É o pano de fundo a partir do qual desponta o conceito central de toda a obra de Viveiros de Castro,ou pelo menos deste livro e do que o precedeu, A inconstância da alma selvagem: o perspectivismo. Um modo de simplificar ao extremo e mesmo banalizar Metafísicas canibais seria dizer que é uma obra de fundamentação filosófico-antropológica do perspectivismo, com vistas a assentar essa nova teoria no centro das reflexões teóricas e métodos de estudo, em campo e no gabinete, adotados pelos estudiosos simpáticos à antropologia estrutural. E mais. Uma vez adotado esse programa, sugere-se, a nova antropologia não somente prescindirá dos serviços dos antigos funcionários do logos como poderá reclamar para si as prerrogativas que um dia couberam a estes, desde Platão. Em suma, teríamos uma ciência que faz algo de fato singular: propõe uma visão de mundo,completa e abrangente.E o faz num movimento dos mais interessantes: a morte da filosofia como evento que traz o renascimento da metafísica, no seio da antropologia.

Sabiamente,o autor se recusa a rebaixar sua empreitada a um inquérito, como se a “história da filosofia” pudesse ser acessada, de repente, sem mais, a partir de um ponto de vista exterior que reduzisse a quase nada as aventuras da razão (e não só dela: entre suas acompanhantes, não esqueçamos aqui a imaginação, tão louvada pelos filósofos que entreviram o advento do saber etnológico).A insuficiência da filosofia,tal como diagnosticada pelo pós-estruturalismo(se me permitem o termo), não será identificada por nenhuma leitura rápida,com nenhum recurso aos antigos manuais que nos brindavam com a triunfante marcha da razão rumo a sua efetivação completa.Ao contrário,e pode-se dizer que quanto a isso Viveiros de Castro se coloca mesmo numa posição privilegiada,em relação àquela de Lévi-Strauss. Enquanto este,em meio a rompantes contra os filósofos,não conseguiu jamais apagar a impressão de que no fundo era um deles (e dos mais raros:um discípulo de Rousseau, talvez o único depois de Kant), nosso autor se dirige à filosofia como quem busca por uma aliada,ciente de que o título desse saber,e daquele que o pratica (filósofo), é um nome geral que recobre muitas ideias particulares, cada uma delas com suas nuances e sutilezas, algumas mais próximas de seus propósitos, outras que, de tão alheias a eles, podem simplesmente ser ignoradas. É uma estratégia inteligente, que contribui muito para o vigor dos argumentos expostos. (E representa um passo importante em relação a A inconstância da alma selvagem, onde o peremptório acerto de contas com alguns clássicos da filosofia era feito com um misto de má vontade e simplificação – Hume um herdeiro da reforma luterana,Kant,obscuro,porém conveniente etc.)

Para compreender Metafísicas canibais e saboreá-lo não é preciso,porém,concordar com esse diagnóstico,apenas embarcar com o autor em sua aventura intelectual, sem necessariamente se comprometer com ela (em sã consciência,ninguém lê Descartes ou Hegel em busca da verdade,mas,via de regra,porque são autores interessantes).É então que surge a questão de saber que sentimentos o livro estaria apto a despertar num leitor oriundo da filosofia que se interessa pela exposição como testemunho de uma vigorosa empreitada intelectual. Tudo depende, é claro, da formação de cada um, de suas leituras, dos filósofos que se está acostumado a frequentar,por assim dizer.Os leitores acostumados à filosofia surgida na França em fins dos anos 1950 não terão dificuldade em extrair muito proveito das páginas de Viveiros de Castro,pois é efetivamente com essa tradição que ele dialoga, inclusive no terreno da antropologia – se pensarmos que em 1966 Foucault encerra As palavras e as coisas saudando a etnologia de Lévi-Strauss como uma das formas legítimas do saber filosófico de nosso tempo (pois o tempo de então é também,em larga medida,o nosso).Mas é claro que nem todos os filósofos são herdeiros de Foucault. E questões inusitadas podem surgir,a partir de uma posição mais distante em relação a tudo isso.

Por exemplo, um leitor de Kant (como este resenhista) poderia observar, já no próprio título do livro, a filiação do projeto de Viveiros de Castro a uma tradição especificamente moderna, que consiste na elevação, a objeto de reflexão filosófica, de um tema raramente estudado antes do século XVIII,e em todo caso tido como de importância marginal: acuriosa permanência da metafísica, a despeito de todos os ataques e contestações sofridos por essa pretensa ciência – ou por esse saber,se quisermos simplificar as coisas.É um tema fascinante:outrora “rainha de todas as ciências”,ela se vê contestada,declara a Crítica da razão pura, por todas as partes. Mas mesmo os céticos, que a rechaçam com mais contundência, concedem a ela algum valor, que seja relativo à configuração específica da razão humana, e logo lhe concedem uma perenidade. É claro que o título cunhado por Viveiros de Castro tem um forte sabor irônico, mas nem por isso é menos sério. Em suas lições no Collège de France,Lévi-Strauss advertia:o canibalismo,estritamente falando,não existe como instituição social. O que seriam então essas “metafísicas canibais”? Precisamente isto, eu arrisco dizer: sistemas de leitura e interpretação, que surgem não da cogitação do indivíduo a respeito do mundo, mas do lugar mesmo que ele ocupa em relação a outros indivíduos, na trama das relações que perfazem isso que por conveniência se chama de mundo, natureza, totalidade, cosmos, gaia etc. Muito se discutiu, na época moderna, acerca dos limites da razão e da possibilidade ou impossibilidade da metafísica como ciência;mas,como alerta Kant, haverá metafísica enquanto houver relação e enquanto essas relações forem concomitantes a ações – ou seja, haverá metafísica enquanto houver seres (não necessariamente humanos) que atuam em consequência de necessidades sentidas, sejam elas transcendentais (Kant), sejam empíricas (Condillac, Rousseau). A esse respeito, cabe lembrar a lição de Lebrun,intérprete de Kant:pode-se esperar pelo fim da metafísica comociência,mas seria uma grande tolice aguardar por sua dissolução como instinto próprio,resultante do fato de que o homem é uma espécie de animal que cogita e pensa abstratamente;logo,sempre haverá uma metafísica, como presença surda e incontornável na constituição de todo e qualquer pensamento ou saber positivo – seja ele abstrato ou civilizado, seja concreto ou selvagem (Lévi-Strauss), seja ainda, como sugere Viveiros de Castro (na trilha de um Iluminismo expandido),animal,vegetal,pós-humano etc.Não custa muito,assim, à antropologia estrutural reiterar algo que o século xviii apenas esboçara: a equivalência entre esses múltiplos sistemas, quanto ao valor da interpretação que eles sugerem (e cada um deles sugere sua própria interpretação como única, verdadeira e necessária, ainda que restrita a um só evento ou fenômeno: logo, como relativa a quem interpreta). Que se afirme a existência de classes reais na natureza;que estas sejam reduzidas a uma síntese da imaginação,que sejam elevadas a princípios transcendentais, dissolvidas e anuladas pela perspectiva de um indivíduo qualquer – em todo caso,articula-se uma visada sobre indivíduos e relações, e é prudente deixar em suspenso qual delas deve ter prioridade ou se seriam mesmo excludentes.

Com isso, Metafísicas canibais reforça o convite, que já fora feito indiretamente pelo autor em A inconstância da alma selvagem e diretamente em conferências (que eu saiba,não publicadas por escrito) para que os filósofos sejam lidos do mesmo modo como quem se encontra diante da enunciação de uma concepção de mundo essencialmente alheia ao senso comum (teórico ou não) de cada um – experiência com que o etnógrafo/etnólogo se depara o tempo inteiro, se estiver aberto ao que a experiência, direta ou indireta, tem a lhe oferecer. Assim como seria uma perda de tempo deslocar-se até o Alto Xingu ou a Itanhaém apenas para reforçar o que os manuais de outrora e de hoje dizem sobre “povos primitivos”, de que valeria abrir as páginas de um Espinosa ou de um Aristóteles, se é apenas para confirmar o que cada um tem na cabeça e toma como verdades intocáveis a respeito do que é relevante ou não para o atual debate filosófico? É preciso conceder a um filósofo que parece falar e pensar como nós, e que parecemos compreender, a possibilidade de que aquilo que ele diz seja uma articulação estranha, de verdades cujasimplicações nos escapam, que, para ser compreendidas, exigiriam realmente algo como um descentramento de nossa razão, uma abertura tal que levasse a considerar cada sistema filosófico como a expressão de uma singularidade completa quanto ao modo de pensar.É preciso,em suma, que a ideia de uma razão ocidental seja posta em suspenso, para que a filosofia associada a essa alcunha venha a ressurgir em todo o seu esplendor e riqueza. Aceita essa premissa, na verdade bastante sensata, e silenciosamente em operação na melhor historiografia filosófica (como a de um Deleuze ou de um Lebrun, como nas leituras de um Foucault), fica difícil falar, sem mais, em logos e em razão ocidental. Por mais que os filósofos da tradição compartilhem de certos pressupostos,seriam estes suficientes,como se costuma pensar,para sustentar a unidade dessa entidade rarefeita,a razão ocidental,diante do peso e da força das singularidades de cada um? Pensamento selvagem ou pensamentos selvagens? Daí a pertinência do título escolhido por Viveiros de Castro, que fala em metafísicas, não em metafísica: se é verdade que esta morreu,com a revolução kantiana ou com a Revolução Francesa,pouco importa aqui,sua posteridade é igualmente irrecusável.Encontram-se metafísicas por toda parte – das ciências da natureza às da linguagem, da medicina à economia,da história à política e,é claro,em toda filosofia que se preze (mesmo nas pós-metafísicas, que pretendem atravessar a antiga ciência).Com as ciências humanas não é diferente,e uma lição silenciosa de Metafísicas canibais é esta: basta que se ignore ou, pior, se faça pouco da presença de uma metafísica num saber positivo qualquer para que este adquira, inadvertidamente, as feições de uma metafísica única, centralizada, pronta para suprimir a pluralidade de saberes, possíveis e existentes, às voltas com as condições de possibilidade de sua efetivação como saberes.

A sugestão que se depreende da leitura de Viveiros de Castro para a compreensão da reflexão filosófica em relação com a historicidade da própria filosofia é tão mais pertinente quando se pensa que o próprio Deleuze, cuja obra perpassa as páginas desse livro, foi antes de tudo um exímio leitor de Hume (1953), Nietzsche (1962), Kant (1963), Espinosa (1968) e Leibniz (1986). Essa série de livros pode inclusive ser vista como uma espécie de mitologia filosófica do autor, teia de referências sobre a qual repousa sua própria reflexão – ela mesma,mais um capítulo das mitológicas filosóficas que vislumbrei aqui, a partir de Metafísicas canibais. Em vista disso, uma frustração que o leitor de cabeça filosófica poderá eventualmente experimentar ao percorrer as páginas de Metafísicas canibais é a relutância mostrada pelo autor sempre que tem diante de si a possibilidade de explorar as sendas percorridas por Deleuze em sua historiografia (indissociável de sua filosofia). É o caso, por exemplo, de uma sugestão feita por Viveiros de Castro, porém não explorada, de que o perspectivismo teria afinidades com a monadologia de Leibniz. Parece indubitável que, se uma abertura como essa fosse aproveitada, o livro seria bastante diferente, embora não necessariamente melhor. Em todo caso, fica a tentação de pensar o que seria esse outro livro, que um leitor entusiasmado de Leibniz (ou de Borges) poderia inclusive supor como realmente existente – correlato metafísico, determinação complementar da mônada que é o Metafísicas canibais que temos diante de nós. (Seria esse livro aquele a que o autor se refere nas páginas iniciais – o anti-Narciso?) A etnologia de Viveiros de Castro,ousada e sugestiva, deixa assim no leitor a impressão de ser um pensamento que se estrutura à maneira do organismo leibniziano – totalidade encerrada em si mesma, máquina vital cujas partes remetem a determinações infinitas de uma substância una (cujo equivalente, no plano da exegese crítica, seria a tradição antropológico-filosófica, em constante evolução, que serve de pano de fundo ao autor).

Como toda mônada,essa se encerra em si mesma no mesmo movimento em que se abre para outras,e o leitor de filosofia tirará proveito do modo como Viveiros de Castro se posiciona em relação à tradição estruturalista e seus desdobramentos;e quem sabe se,estimulado por esse embate, não mergulhará (ou se perderá?) nos escritos de Clastres, Descola, Ingold, Sahlins, Strathern, Wagner e tantos outros que aí comparecem – incluindo, evidentemente, o saber dos “povos da selva”.É um enfrentamento estimulante,conduzido por um pensador que se põe à altura de uma corrente de pensamento para a qual sua própria obra vem contribuindo, pelo menos desde Araweté: os deuses canibais (1986).Sem mencionar que é impossível não retornar,ainda uma vez,ao Lévi-Strauss de Opensamentoselvagem e das Mitológicas – ponto de partida e de retorno de Viveiros de Castro, em sua etnografia bem como em sua própria “metafísica” (aqui já com as devidas aspas).Essa (re)descoberta de fontes poderá inclusive reforçar esta indagação, a que a leitura do livro progressivamente dá corpo:e quanto aos limites dessa metafísica tão singular, que, na pena de Viveiros de Castro, pretende contestar a metafísica clássica? Não estariam eles na articulação discursiva,na formulação dos conceitos,na leitura e interpretação das fontes, orais, escritas, simbólicas – enfim, numa certa presença, talvez incontornável,daquela racionalidade que tanto incomoda e que se pretende superar? Se essa indagação tiver sentido, o livro de Viveiros de Castro se mostrará também,entre muitas outras coisas,como uma confirmação da atualidade de Kant e de Nietzsche. E, nessa exata medida, poderá ser inscrito numa mitologia que, felizmente para todos nós, não parece dar sinais de esgotamento.

Pedro Paulo Pimenta– Professor do Departamento de Filosofia da USP.

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Desconstruir a metafísica? – AUBENQUE (FU)

AUBENQUE, P. Desconstruir a metafísica? São Paulo: Edições Loyola, 2012. Resenha de: ENGLER, Maicon Reus. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.14, n.3, p.242-245, set./dez., 2013.

A publicação das conferências de Pierre Aubenque, ministradas durante os anos em que dirigiu a Cátedra de Metafísica Étienne Gilson (1997-1998), representa sem dúvida um acontecimento digno de nota no meio acadêmico brasileiro. Isso porque esse livro, conquanto despretensioso, tem o mérito de ir de encontro a duas tendências que parecem ser as dominantes nos estudos atuais de metafísica: a primeira, que toma a superação desse “estilo” de pensamento como um fato histórico irrevogavelmente assentado e que viceja tanto entre pós-modernos quanto entre filósofos analíticos; e a segunda, que continua a desenvolver pesquisas sobre metafísicas do passado sem levar em conta as críticas lançadas contra tal empreendimento e, mais do que isso, sem pretender qualquer modificação do presente estado de coisas. O primeiro polo desdenha o estudo histórico por si mesmo e crê que a filosofia deva tratar primordialmente de temas do presente. Esforçam-se os seus ontólogos por abarcar as conquistas da física quântica e da neurologia, julgando que a ciência moderna tornou obsoletas as reflexões sobre o ser, ao passo que os estudiosos de ética e de política, temendo a tirania de uma razão absoluta, proclamam que aquilo que fazem “não é metafísica”, declaração que por si só os exime de outras reflexões sobre esse problema. O segundo polo, por sua vez, vive num nicho temporal confortavelmente isolado, no interior do qual o pensamento de um filósofo desfruta de autonomia e relevância intrínsecas, sem que quaisquer mudanças históricas minorem o possível valor de suas ideias. Para esses estudiosos, o escrutínio da história apresenta-se como algo neutro e objetivo, que não é afetado pelo que se passa no tempo presente e que tampouco o afeta. Eles tomam as divisões acadêmicas da filosofia como secções próprias do pensamento, embora a sua preocupação para com a história devesse impedi-los de cometer tal erro. Assim, para usar de uma imagem, pode-se dizer que, de um lado, estão os intelectuais que vivem na crista da onda histórica e que, como a água da superfície, também se agitam e deixam levar pelas marés mais sutis e os ventos mais caprichosos; de outro, temos os intelectuais que vivem muito abaixo da superfície e que não têm a pretensão de agir sobre ela, tampouco acreditando que algo vindo de cima possa incomodar o seu paciente trabalho de escafandrista. Aparadas as arestas do excesso que toda tipificação ideal acarreta, esses parecem ser dois veios claramente identificáveis na filosofia hodierna, quando se tenta pensar a questão da superação da metafísica.

Conhecido por outras obras que já se tornaram clássicos da filosofia – como os estudos sobre a ética e sobre a metafísica de Aristóteles –, Aubenque tem a vantagem e a autoridade para “nadar” entre esses dois extremos e, de modo dialético, propor aproximações, releituras e guinadas de inegável alcance teórico. Ao primeiro grupo acima, sugere que a metafísica é algo que sobrenada à tentativa de superá-la, porquanto tal tentativa seja apenas mais um dos vários projetos que brotam de seu interior; ao segundo, mostra que o exame de um pensador do passado pode alterar a nossa apreciação dos mais candentes problemas do presente, ademais de estar inegavelmente conectado com o que se passa em nossos dias. O livro propõese a investigar de forma sucinta um projeto que medrou na segunda metade do século XX e, aparentemente, não oferece nenhuma resposta clara para a pergunta que levanta em seu título (p. 9); contudo, ao longo de suas páginas sobressai-se a tese susodita de que a superação da metafísica é um projeto nascido da própria metafísica, que já se fazia presente em Aristóteles (p. 9), e que possui, portanto, apenas a aparência de iconoclastia (p. 11).

O primeiro capítulo trata da história crítica da metafísica elaborada por Étienne Gilson e comenta algumas posturas que esse intelectual compartilhava com Heidegger. Aubenque mostra que Étienne pensava o ser como a um juízo pressuposto por todos os demais juízos; logo, o ser não era um conceito, mas tinha a função de dar as condições de possibilidade de toda a objetivação e, destarte, fazer com que os entes existissem (p. 13-14). Como Heidegger, Gilson teria percebido que o erro recorrente da metafísica consistiu em tentar falar do ser, ao mesmo tempo em que o substituía por algum ente privilegiado; em vez de metafísica, elaborava-se assim uma ontoprotologia que tratava do Uno, de Deus, do Bem, do mundo ou do Homem. Para Gilson, esse processo realizava a essencialização da existência e lembrava os movimentos antevistos pelo diagnóstico heideggeriano, de acordo com o qual a maneira de proceder da metafísica ontoteológica levava ao esquecimento do ser e a sua redução à entidade (p. 20). A divergência entre os dois autores estaria na cura que propõem a esse “mal”: enquanto que Heidegger visava sair da metafísica através da poesia, do mito e da mística, pelo menos em uma das fases de seu pensamento, Gilson acreditava que era possível superá-la a partir de seu interior (p. 21). Esse tema retorna no segundo capítulo, onde Aubenque traz à baila filósofos como Platão e Aristóteles e explica como eles, não obstante as respostas que deram ao problema, já tinham percebido o passo em falso do pensamento que substitui o ser pelo ente e cai, assim, nas teias da ontoteologia (p. 27). O capítulo concentra-se mais em Aristóteles e estuda as suas respostas para a pergunta sobre o ser, bem como a sua dificuldade de erigir uma ciência sobre algo que não era propriamente um gênero e, pois, desrespeitava uma condição básica de sua concepção de ciência (p. 29). Aubenque defende que Aristóteles tentou criar uma ciência dos princípios e causas supremas e, com isso, transformou a metafísica ora em hiperfísica, ora em teologia. A partir das suas respostas, os autores medievais teriam usado o conceito de analogia para falar dos demais entes em relação ao ente supremo, popularizando uma metafísica baseada em diversos graus de ser (proporcionalidade). Assim, a doutrina de São Tomás de Aquino sobre a analogia teria sido o principal fator para o esquecimento da diferença ontológica na história do Ocidente (p. 38).

No terceiro capítulo, o autor aborda a superação neoplatônica da metafísica, levada a termo através da proeminência conferida ao Uno. Segundo Aubenque, o fato de ser impossível que o Uno receba quaisquer predicados, estando acima das categorias, torna-o imune à posição de um superente que tomaria o lugar do Ser (p. 43). Seria um erro dos intérpretes modernos crer que o Uno seja um substituto para o Ser; na verdade, Plotino usaria de metáforas inteligíveis para assinalar aquilo que nem ao menos é real, dado que esteja acima do Ser (p. 44). Tampouco seria o Uno o primeiro motor imóvel, uma vez que também não é possível atribuir-lhe causalidade (p. 46). Com o pensamento sobre o Uno, em suma, Plotino teria tentado fugir do afã de substituir o Ser por um superente. Essa problemática continua a ser discutida no quarto capítulo, que elucida as reflexões de Heidegger em torno da superação da metafísica. Heidegger, como se sabe, foi o responsável pela crítica da metafísica ontoteológica, que se esquece da pergunta pelo sentido do ser e passa a questionar qual seria o ente mais ente de todos (p. 49). O autor ilustra também o sentido da Destruktion empregada por Heidegger, que consistia na remoção das camadas de pensamento solidificadas pela tradição, camadas essas que faziam da pergunta pelo sentido do ser algo evidente (selbstverständlich) (p. 53). Apesar de Heidegger possuir um apreço pela ideia de “origem”, o qual será depois criticado por Derrida em virtude de suas conotações metafísicas, ele não estaria interessado, com essa destruição, num retorno aos gregos, como pensaram alguns de seus adversários, mas na tentativa de remover os pilares da tradição ontológica do Ocidente, dentro da qual o ser, sendo desde sempre apreendido como presença, não pôde aparecer como acontecimento ou temporalidade extática (p. 56-57). No começo, o peso de Nietzsche sobre Heidegger tê-lo-ia levado a pensar que esse processo de entificação do ser começara com Platão; com o tempo, todavia, ele teria admitido que ele já estava presente em Parmênides, por conta de sua tese de que o ser e o pensar são a mesma coisa (p. 58).

O quinto capítulo comenta a proposta de desconstrução da metafísica ensaiada por Derrida, a qual seria, na visão de Aubenque, a mais radical de todas (p. 61). Derrida teria percebido que não se pode ao menos dizer que a metafísica é falsa, uma vez que os critérios de verdade e falsidade vigoram em seu interior e são ainda, pois, critérios de índole metafísica. Destarte, baseando-se na libertação da escrita do logocentrismo, um acontecimento do século XX cujo epifenômeno é a linguística estrutural (p. 63), Derrida proporia o usufruto da liberdade de sentidos no interior dos textos, sem a pressuposição de um sujeito como substrato ou de um significado transcendental e primeiro (p. 65). Esse trabalho seria desempenhado pelo “conceito” de differánce, a verdadeira alavanca da desconstrução. Sem ser um princípio ou uma hipóstase, a differánce seria a maneira de manter sempre aberta a possibilidade do pensamento, tal como ocorre no âmbito da escrita, que também não tem começo nem fim, não remete a um significante último e se dirige, ao contrário, a significantes indefinidamente disponíveis (p. 66-67). O projeto de Derrida consistiria, assim, numa subversão interna dos conceitos da metafísica, ou, para utilizar a metáfora de Aubenque, na destruição de uma casa que usasse o material procedente do desabamento dessa mesma casa (p. 69). Essa abertura indefinida para o questionar, que não pretende chegar a lugar algum, recorda a leitura que o próprio Aubenque faz da Metafísica de Aristóteles, leitura essa que perpassa o último capítulo do livro, o qual, em forma de questão, discute uma possível volta ao pensamento do Estagirita. Junto de suas respostas ontoteológicas, que fariam do ser ora um hiperente, ora o próprio Deus, Aristóteles teria tentado criar uma ciência cujo escopo era discutir o ser enquanto ser, reconhecendo de antemão que ele não se exprime de um só modo e tampouco constitui um gênero (p. 78). Não obstante conferisse sentido primordial à substância, Aristóteles não reduziria o ser a ela, dando uma resposta catalográfica que faria jus à polissemia do ser e à exuberância de seus acidentes (p. 80). O sentido focal da ousía também não seria um dado pronto, mas algo a ser buscado continuamente pelos pensadores; como a substância não é um gênero, o projeto da metafísica seria desde o seu início, portanto, reconhecidamente aporético e dialético, apresentando assim a primeira forma de sua autossuperação. Para Aubenque, esse é o verdadeiro sentido da preposição “metá” que nomeia essa “ciência”: a ideia de que a metafísica inclui em seu desenvolvimento a sua própria superação e deve dirigir-se sempre para além de si mesma (p. 82).

O livro ainda dispõe de um apêndice onde Aubenque, sem tencionar qualquer exaustão, fornece alguns princípios hermenêuticos para a elaboração de uma história crítica da metafísica. De acordo com sua visão, a história da metafísica é diferente da história da filosofia em geral; ela é, na verdade, a história das pré-compreensões do sentido do Ser. Contudo, segundo a tese de Heidegger, a história dos diferentes lógoi sobre o Ser é a própria história do Ser (p. 86), de modo que a metafísica e a sua história se confundem. Por conseguinte, não há pura historiografia e tampouco pura filosofia, como comentado acima. Ademais, Aubenque julga que a questão do esquecimento seria outra categoria indispensável em tal estudo, dado que o ser se oculte ao mesmo tempo em que se revela. Ele seria mais um dos mecanismos da metafísica que deveriam ser autonomizados e isolados para melhor compreensão (p. 92). Por fim, conviria que fossem deixados de lado os contextos em que as metafísicas surgem e a tese historicista de que elas são um efeito do seu tempo, para evidenciar que, ao revés, cada metafísica gera o seu tempo, no sentido de que possui influência determinante sobre os mais variados âmbitos, como o político, o artístico, etc. (p. 93-95).

Assim, o apêndice fornece algumas teses fundamentais sobre como se deve olhar para a história da metafísica. Como dito no início, o livro de Aubenque vem em boa hora e pode contribuir para que se aprofundem as discussões e linhas de pesquisa sobre metafísica no meio acadêmico brasileiro. Nesse sentido, ele desempenha papel similar a outros livros que propõem novas leituras da modernidade e contemporaneidade baseados em estudos de autores antigos. Apesar de alguns lapsus attentionis1, a tradução de Aldo Vannucchi é fluida e de agradável leitura, contribuindo ainda mais para que se aprecie a importância da obra.

Maicon Reus Engler – Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: [email protected]

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Fluxus Indagine sui fondamenti della metafisica e della física di Avicena, LIZINNI (V)

LIZINNI, Olga. Fluxus. Indagine sui fondamenti della metafisica e della física di Avicena. Bari: Edizioni di pagina, 2011, 679p. ISBN 978-88-7470-123-0. Resenha de: OLIVEIRA e SILVA, Paula Oliveira e. Veritas, Porto Alegre v. 57 n. 2, p. 216-220, maio/ago. 2012.

Olga Lizinni apresenta nesta obra uma análise da Metafísica do Livro da Cura (Kita b al-Sifa ) de Avicena, rastreada à luz do conceito fundamental de fluxo (fayd). Arabista e Doutora em Filosofia, Lizzini preparou, juntamente com Pasquale Porro, a primeira edição italiana da Metafísica de Avicena (Ed. Trilingue: árabe, latim, italiano. Milão 2002; 22006). A obra que publica agora sobre o conceito de fluxus (fayd) é reveladora de uma análise feita a partir do conhecimento intrínseco da língua árabe. É a partir do trabalho filológico que Lizzini desbrava a centralidade do conceito de fluxus quer na Metafísica de Avicena, quer em outras obras do filósofo árabe.

Essa volumosa obra de Lizzini está dividida em cinco capítulos, aos quais se seguem dois Apêndices, uma Bibliografia, um Índice de lugares citados e, finalmente, um Índice de autores. O capítulo primeiro, Fluxo, fluir, fazer fluir – fayd, fayada n, ifa da (p. 27-87), expõe as “primeiras notas sobre a terminologia do fluxo”. Trata-se de um levantamento de ocorrências do termo quer nos textos neoplatônicos traduzidos para o árabe pelo círculo de Al-Kindi (Plotiniana árabe: respectivamente a obra Teologia pseudo-aristotélica, a Epístola sobre a Ciência Divina e os Ditos do Sábio Grego; Procliana árabe: Elementatio Theologica e Discurso ou Livro do Sumo Bem), quer nas obras de autores que precederam Avicena, nomeadamente Al-Kindi e Al-Farabi, recolhendo ainda algumas primeiras observações sobre o tratamento aviceniano de fluxus.

O Capítulo 2 parte da definição de fayd dada por Avicena no Livro das definições (Kita b al-Hudu d), para evidenciar o alcance metafísico do termo e as questões que lhe são subsequentes. O termo fluxo é empregue para referir a procedência do mundo em relação ao Primeiro Principio ou para dar conta das aporias, de âmbito lógico-linguístico e ontológico, que envolvem essa procedência. O absoluto primado do Primeiro e a Necessidade da sua existência limitam desde logo a sua dizibilidade e compreensão. Por isso, tratar dos atributos de Deus significa considerar a derivação do mundo e, inversamente, qualificar a emanação de algo a partir de Deus implica necessariamente adscrever atributos ao próprio Deus. Escreve Lizzini: “Qualunque predicazione che vada al di là della mera esistenza di Dio implica il mondo e con esso il flusso che gli dà origine; la predicazione degli attributi divini finisce così per coincidere con lo stesso flusso”(p. 94). A questão é a de saber de que modo é possível a predicação de Deus e se esta é de fato uma predicação dele ou do que flui a partir dele. Dada a inefabilidade absoluta de Deus, Avicena considera que o silêncio, mais do que o discurso negativo ou afirmativo, é a resposta coerente ao problema da predicação do divino. A relação do Necessariamente Existente com o mundo coloca-se não a partir do próprio Primeiro, mas a partir da procura da razão última da relação que todos os existentes têm entre si. Ora, a temática do fluxo é operativa na metafisica aviceniana, precisamente para compreender essa relação. Trata-se de uma relação irrecíproca, sem correlação: “ È al interno di questo orizzonte dottrinale che le relazioni possano andare ascritte al Necessariamente Esistente: pensate como non costituenti l’essenza del Principio e rispetto ad essa esterne, esse sono causate dall’essenza del Principio e le sono posteriori, come posteriori al Primo è lo stesso flusso d’essere che da Esso si origina” (p. 97). A ideia de fluxo é por conseguinte central na compreensão da relação de Deus com o Mundo, do problema aviceniano da emanação, da identificação dos modos do existente, da instauração do mundo ou da resolução do problema da sua origem, para a compreensão da identidade de Deus e dos existentes e para o estabelecimento da diferença ontológica. Essas são, em síntese, as grandes questões sob as quais a análise do conceito de fluxo e a sua operatividade no sistema aviceniano pretende lançar luz. No que diz respeito ao Livro das Definições, conclui a autora, três são os aspectos desta doutrina que aí se evidenciam: a necessidade do fluxo, o seu caráter ontológico e o seu carácter hierárquico (p. 109). Essas características serão explicitadas e os seus conteúdos serão determinados na Metafísica do Livro da Cura. Nesta obra, a relação é analisada em termos de causalidade e, de modo particular, a partir da diferença entre o Existente Necessário e o Possível. Partindo da consideração aviceniana do fluxo como “causalidade comunicável” (p. 114), a autora explana três temas centrais da metafísica aviceniana: a relação necessidade-possibilidade (p. 114-146); a relação essência-existência (p. 147-157) e a relação de providência, no horizonte do conceito de “utilidade” em que Avicena a inscreve (p. 193-223). Lizzini leva a cabo uma verdadeira exposição da ontologia aviceniana: a noção de fluxo serve-lhe aqui de ponto de partida, mas as questões são discutidas em um horizonte que ultrapassa a delimitação do conceito em causa. A análise sobre a relação entre necessidade e possibilidade mostra bem a função heurística que essa disjunção assume na ontologia aviceniana, concretamente na concepção do existente causado (necessário por outro) e da sua relação com o Necessariamente existente. Completa essa análise o esclarecimento da estrutura ontológica do existente entre essência e existência, da diferença entre ambos os princípios e do primado da essência sobre a existência. Um último apartado do Capítulo II é dedicado à delimitação do termo fluxo: “ci usa soltanto a proposito del Creatore e delle Inteligenze” (p. 224-234). Desse modo, a autora introduz as temáticas dos três capítulos seguintes, nos quais trata respectivamente o problema do “agir divino” (Capítulo 3), a emanação do mundo sublunar (Capítulo 4) e finalmente o fluxo no mundo natural ou físico (Capítulo 4).

O Capítulo 3 analisa o primeiro momento do fluxo, isto é, a emanação do existente possível a partir do necessário, mostrando como para Avicena “la causalità del Primo non è né per volontá né per elezione, ma perchè al Primo deve essere attribuito un atto assoluto (…) per il quale neppure il termine di ‘instaurazione’ puè essere acolto senza essere redifinito” (p. 235-236). A questão em análise é a do modo de emanação das Inteligências e dos existentes a partir do Primeiro Principio ou, como nota a autora, a da resposta aviceniana à ideia teológica de criação. Nesse âmbito, discute o preciso conceito de creatio ex nihilo em Al-Kindi e em Al-Farabi (p. 248-257) e a sua limitação na ontologia emanacionista de Avicena (p. 257-270), bem como a erradicação de toda a consistência ontológica operada pelo filósofo árabe com respeito à noção de nihil. Dessa análise evidencia-se a concepção de Avicena de instauração, como aquela que corresponde a um poder absoluto de constituir algo no ser, cuja causa é o Primeiro Principio, sem qualquer mediação por um lado (é absoluto) e sem qualquer intencionalidade por outro (é necessário). Nos dois apartados que completam esse capítulo, Lizzini analisa a dimensão ética da instauração (a emanação a partir do supremo bem ou a necessária difusibilidade dele, e o lugar possível para a consideração da vontade no Primeiro) e a dimensão noética do mesmo. Fica assim delineada a mundividência aviceniana, nos seus fundamentos ontológicos, éticos, noéticos, com base na operatividade de noção de fluxo. Nos Capítulos 4 e 5, Lizzini analisa respectivamente o devir do mundo sublunar e o fluxo no mundo físico. No que se refere ao mundo sublunar, evidencia a condição universal do fluxo e a particularidade do mundo e analisa os elementos de conciliação entre ambos, com base no modo como Avicena considera a relação entre os princípios constituintes do existente – matéria e forma – e o modelo de causalidade que lhe está subjacente. Admitindo o caráter receptivo da matéria com relação ao princípio formal – e por conseguinte admitindo a necessidade do fluxo –, Avicena considera, contudo, que a forma não tem causalidade exclusiva, com relação à matéria (p. 378). Avicena revê o esquema causal aristotélico, dando lugar à intervenção de um “princípio separado” de causalidade vertical (p. 381). Nessa estrutura de causalidade e na interdependência entre fluxo e influxo se inscreve a cosmologia aviceniana determinista e a explicação para o mal, temas analisados no final deste capítulo (p. 451-483) e ainda o longo do capítulo quinto e último, bem como a sua relação com a questão do acaso (p. 514-542). O Capítulo 5 analisa a concepção aviceniana de natureza. Ao introduzir de uma causalidade celeste ou de um princípio “oltre che naturale” no processo de derivação das formas a partir do Primeiro, Avicena pretende abarcar no conceito de natureza toda a realidade, mesmo aquela que pode ocorrer de modo “supranatural”. Com base na análise desse conceito amplo de natura (tabıa) a que se segue o apartado sobre o lugar do acaso, do determinismo e do influxo no âmbito da Física de Avicena, encerra-se a parte expositiva desta obra. Seguem-se dois Anexos. O Anexo I Terminologia contém um léxico que esclarece um conjunto de termos implicados no campo semântico da noção de fluxus (fayd), tais como emanar e influir (p. 546-570) e criação, instauração e produção (p. 570-581). O Anexo II Tavola delle opere(p. 583-595) disponibiliza uma cronologia das obras de Avicena, deter-minada com base em uma investigação exaustiva das fontes disponíveis, cujo objetivo é resolver as ambiguidades que se verificam sobre esse assunto. A obra contém ainda uma Bibliografia, subdividida em I. Fonti ed edizioni utilizzate (para as obras gregas; obras gregas e do Pseudo-Aristóteles em tradução árabe; obras latinas e obras filosóficas e teológicas árabes; e II. Leterattura secondaria (repertórios bibliográficos sobre o corpus aviceniano, Dicionários e Estudos). Finalmente, a obra apresenta um conjunto de índices de autores (antigos; árabes, hebreus, persas e sírios; autores de áreas medievais e modernos; especialistas).

Esse extenso e denso volume de Lizzini revela a competência da autora enquanto arabista e especialista em Avicena, e é o resultado de uma imensa investigação realizada em torno da metafísica aviceniana, em todos os domínios: levantamento de fontes, abordagem histórico-filológica e genética dos conceitos implicados (fluxus e os referentes ao mesmo campo semântico), recolha da literatura secundária desde os inícios do século 20 até à literatura mais recente, leitura e comentário das principais teses em debate e das posições dos especialistas na área, sobretudo dos mais recentes.

A dispensação, em Anexo, dos instrumentos lexicais e a cronologia para a obra de Avicena, junto com as edições críticas e traduções disponíveis, são dois instrumentos de trabalho que, em domínios diferentes – conceitual e bibliográfico –, facilitam a continuidade da investigação nessa área. Este estudo esclarece a identidade e a originalidade da filosofia de Avicena e permite compreender melhor as influências por ele sofridas do pensamento grego tardo-antigo e a assimilação das teses de Avicena por parte dos medievais no Ocidente. É sem dúvida uma obra de referência incontornável no estudo da gênese e estrutura da filosofia de Avicena e da sua influência na Idade Média ocidental.

Paula Oliveira e Silva – Instituto de Filosofia. Universidade do Porto.

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Metafísica do sofrimento do mundo: o pensamento filosófico pessimista – REDYSON (V-RIF)

REDYSON, Deyve. Metafísica do sofrimento do mundo: o pensamento filosófico pessimista. João Pessoa: Editora Idéia, 2009. Resenha de: SANTOS, Marcelo. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.1, n.1, p.160-162, 2010.

Tratar de um modo de pensar pessimista é tarefa que exige, além de ampla  erudição, um peculiar entusiasmo. O pessimismo metafísico esmiuçado pelo professor  doutor Deyve Redyson, do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade  Federal da Paraíba, nas páginas de seu livro Metafísica do sofrimento do mundo: o  pensamento filosófico pessimista, evoca um filosofar livre de ranços tradicionalistas e  ‘manualescos’. Nesse sentido, pensar o aspecto péssimo da existência humana no  mundo é encarar o desafio do transcendental e do ôntico, olhando pelo prisma de uma  categoria filosófica que vem se mostrando extremamente poderosa, principalmente após  a contraproposta de Schopenhauer ao parecer otimista de Leibniz acerca de nossas  vivências e de nosso mundo. Contudo, o livro em questão buscou expressões  pessimistas já na sua gênese grega e perpassou as épocas da filosofia de uma maneira  crítica e direta, isto é, não se deteve, senão naquilo que era indispensável e digno de  nota. De Lichtenberg e Leopardi, a Unamuno e Cioran, nenhum grande vulto do  pensamento foi deixado de fora, no que tange à temática do presente discurso que aspira  decifrar o enigma do mundo a partir do sofrimento universal, examinando o sentido  trágico da existência e a filosofia debruçada sobre a dor. De fato também este livro  surge como o primeiro texto sobre os autores pessimistas em conjunto, antes os que  pretendiam estudar o pessimismo filosófico teriam que vasculhar as obras dos referidos  autores e neste livro podemos visualizar um conjunto de textos que dão uma boa  introdução ao tema, além de apresentar uma bibliografia ampla sobre o assunto em  língua alemã, inglesa e espanhola.

Mas, porque o mundo sofre e o quê é sofrer? Como conceituar a dor, esta  suprema positividade num mundo que tenta inutilmente negá-la? São questões que se  apresentam no livro.

Como se pode notar, o leitor terá pela frente exposição clara de uma  problemática fulcral da filosofia de todas as épocas. Contudo, não deverá olvidar-se de  que, a clareza, neste caso, não implicará em mero utilitarismo prático, uma vez que o  assunto pode ser um tanto paradoxal, estratosférico, impalpável e indigesto para muitos.

Talvez, sobre isto, dispararia Nietzsche: filosofia é para espíritos ruminantes. No  melhor sentido deste ruminar, somos incitados aqui a nos informar melhor sobre o  assunto e a refletir sobre o sentido do sofrer que salta do texto e que pode nos atingir de  cheio, que sai do meramente literal, formal e acadêmico e pode nos inquietar.

Felicidade, salvação, liberdade, deixar de sofrer! Mas como, sem recorrer a  vivências estritamente ritualísticas, religiosas e espiritualistas? O modo pessimista de  filosofar pode parecer cruento, duro, insípido, desértico e os filósofos evocados nesta  obra podem, igualmente, parecerem monstros aterradores da maldade, escritores sem  prazer e sem coração. Isto, numa primeira abordagem, caso se trate de leitor ainda pouco  acostumado ao estilo desafiador dos vários pensadores chamados ao debate aqui, alguns  ainda “marginais” ou pouco famosos. Contudo, o mais importante jamais deixará de  estar em evidência ao longo do texto, isto é, a matéria central, a “massa crítica”: uma  ciência de primeiros princípios, neste caso, ciência do sofrimento universal, ciência que  independe de cálculos e de aparelhos para auferir graus, repetições do mesmo fenômeno  e/ou coisas afins.

Não será exagero constatar que o livro supera a proposta inicial de fazer um  apanhado histórico-filosófico representante das inúmeras significâncias do pessimismo,  pois o texto se conecta a outras áreas de especulação que consideram a dolorosa  condição humana na existência, a saber: psicologia, antropologia teológico-filosófica e  de aspectos sociológicos daquela condição.

Em um pano de fundo tão péssimo, o desespero surge ameaçador e como que  inevitável. Com ele assomam o sentimento de angústia e a iminência do niilismo. A  moral tradicional é afrontada e os fundamentos éticos de uma visão de mundo ótimo e  iluminado pela razão são ridicularizados em várias vozes, em diversos estilos de  escrever filosofia trágica, pensamentos que denunciam a decadência do homem em seu  mundo ilusório de opiniões e perspectivas turvadas pelo engodo de Maia.

Por fim, a morte desponta como o grande prêmio ao fim de uma existência sob  o sol, mas, paradoxalmente sombria. Como se o filosofar in toto, fosse incapaz de  superar sua natureza de nada saber e nada ser além de preparação para o fim dessa vida  de andanças do pó sobre o pó, nessa infinitude sempre amparada pela finitude de todo e  de cada homem doente.

Resenhar uma obra que já foi muito bem introduzida de forma sumária por seu  autor pode soar como um correr atrás do vento. Por isto, estas palavras pretendem tão  somente destacar alguns nuances mais atrativos, pinçar alguns aspectos do rico material  constituinte da Metafísica do Sofrimento do Mundo de modo a, sem ser repetitivo e sem  antecipar grosseiramente as inúmeras passagens surpreendentes e reveladoras, dar o tom  específico e uma prova do teor filosófico atual e relevante que o pessimismo metafísico  vem propondo crescentemente ao pensamento e ao mundo contemporâneos, isto é, uma  proposta de como enfrentar a vida de forma desperta e amadurecida, rejeitando  “filosofias” infantilizadas e fórmulas ilusórias de viver e de morrer imerso na eterna  consciência de rebanho.    Quem encara intermitentemente o pior estado de coisas, com naturalidade  saberá como ninguém fruir, ainda que fugazmente, qualquer melhoria fortuita. Portanto,  filosofia pessimista, pessimismo bíblico, pessimismo metafísico, pessimismo prático,  pessimismo absoluto e melancolia, são exemplos de categorias filosóficas que devem  ser examinadas com cautela ao logo do texto do professor Deyve Redyson, de modo a  não incorrer o leitor em pré-conceituações sempre desfavoráveis à salutar e prudente  reflexão filosófica que este livro propõe.

Marcelo Santos – Mestre em Filosofia – UFPB.

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Metafísica do sofrimento do mundo: o pensamento filosófico pessimista – REDYSON (V-RIF)

REDYSON, Deyve. Metafísica do sofrimento do mundo: o pensamento filosófico pessimista. João Pessoa: Editora Idéia, 2009. Resenha de: SANTOS, Marcelo. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.1, n.1, p.160-162, 2010.

Tratar de um modo de pensar pessimista é tarefa que exige, além de ampla erudição, um peculiar entusiasmo. O pessimismo metafísico esmiuçado pelo professor doutor Deyve Redyson, do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, nas páginas de seu livro Metafísica do sofrimento do mundo: o pensamento filosófico pessimista, evoca um filosofar livre de ranços tradicionalistas e ‘manualescos’. Nesse sentido, pensar o aspecto péssimo da existência humana no mundo é encarar o desafio do transcendental e do ôntico, olhando pelo prisma de uma categoria filosófica que vem se mostrando extremamente poderosa, principalmente após a contraproposta de Schopenhauer ao parecer otimista de Leibniz acerca de nossas vivências e de nosso mundo. Contudo, o livro em questão buscou expressões pessimistas já na sua gênese grega e perpassou as épocas da filosofia de uma maneira crítica e direta, isto é, não se deteve, senão naquilo que era indispensável e digno de nota. De Lichtenberg e Leopardi, a Unamuno e Cioran, nenhum grande vulto do pensamento foi deixado de fora, no que tange à temática do presente discurso que aspira decifrar o enigma do mundo a partir do sofrimento universal, examinando o sentido trágico da existência e a filosofia debruçada sobre a dor. De fato também este livro surge como o primeiro texto sobre os autores pessimistas em conjunto, antes os que pretendiam estudar o pessimismo filosófico teriam que vasculhar as obras dos referidos autores e neste livro podemos visualizar um conjunto de textos que dão uma boa introdução ao tema, além de apresentar uma bibliografia ampla sobre o assunto em língua alemã, inglesa e espanhola.

Mas, porque o mundo sofre e o quê é sofrer? Como conceituar a dor, esta suprema positividade num mundo que tenta inutilmente negá-la? São questões que se apresentam no livro.

Como se pode notar, o leitor terá pela frente exposição clara de uma problemática fulcral da filosofia de todas as épocas. Contudo, não deverá olvidar-se de que, a clareza, neste caso, não implicará em mero utilitarismo prático, uma vez que o assunto pode ser um tanto paradoxal, estratosférico, impalpável e indigesto para muitos.

Talvez, sobre isto, dispararia Nietzsche: filosofia é para espíritos ruminantes. No melhor sentido deste ruminar, somos incitados aqui a nos informar melhor sobre o assunto e a refletir sobre o sentido do sofrer que salta do texto e que pode nos atingir de cheio, que sai do meramente literal, formal e acadêmico e pode nos inquietar.

Felicidade, salvação, liberdade, deixar de sofrer! Mas como, sem recorrer a vivências estritamente ritualísticas, religiosas e espiritualistas? O modo pessimista de filosofar pode parecer cruento, duro, insípido, desértico e os filósofos evocados nesta obra podem, igualmente, parecerem monstros aterradores da maldade, escritores sem prazer e sem coração. Isto, numa primeira abordagem, caso se trate de leitor ainda pouco acostumado ao estilo desafiador dos vários pensadores chamados ao debate aqui, alguns ainda “marginais” ou pouco famosos. Contudo, o mais importante jamais deixará de estar em evidência ao longo do texto, isto é, a matéria central, a “massa crítica”: uma ciência de primeiros princípios, neste caso, ciência do sofrimento universal, ciência que independe de cálculos e de aparelhos para auferir graus, repetições do mesmo fenômeno e/ou coisas afins.

Não será exagero constatar que o livro supera a proposta inicial de fazer um apanhado histórico-filosófico representante das inúmeras significâncias do pessimismo, pois o texto se conecta a outras áreas de especulação que consideram a dolorosa condição humana na existência, a saber: psicologia, antropologia teológico-filosófica e de aspectos sociológicos daquela condição.

Em um pano de fundo tão péssimo, o desespero surge ameaçador e como que inevitável. Com ele assomam o sentimento de angústia e a iminência do niilismo. A moral tradicional é afrontada e os fundamentos éticos de uma visão de mundo ótimo e iluminado pela razão são ridicularizados em várias vozes, em diversos estilos de escrever filosofia trágica, pensamentos que denunciam a decadência do homem em seu mundo ilusório de opiniões e perspectivas turvadas pelo engodo de Maia.

Por fim, a morte desponta como o grande prêmio ao fim de uma existência sob o sol, mas, paradoxalmente sombria. Como se o filosofar in toto, fosse incapaz de superar sua natureza de nada saber e nada ser além de preparação para o fim dessa vida de andanças do pó sobre o pó, nessa infinitude sempre amparada pela finitude de todo e de cada homem doente.

Resenhar uma obra que já foi muito bem introduzida de forma sumária por seu autor pode soar como um correr atrás do vento. Por isto, estas palavras pretendem tão somente destacar alguns nuances mais atrativos, pinçar alguns aspectos do rico material constituinte da Metafísica do Sofrimento do Mundo de modo a, sem ser repetitivo e sem antecipar grosseiramente as inúmeras passagens surpreendentes e reveladoras, dar o tom específico e uma prova do teor filosófico atual e relevante que o pessimismo metafísico vem propondo crescentemente ao pensamento e ao mundo contemporâneos, isto é, uma proposta de como enfrentar a vida de forma desperta e amadurecida, rejeitando “filosofias” infantilizadas e fórmulas ilusórias de viver e de morrer imerso na eterna consciência de rebanho. Quem encara intermitentemente o pior estado de coisas, com naturalidade saberá como ninguém fruir, ainda que fugazmente, qualquer melhoria fortuita. Portanto, filosofia pessimista, pessimismo bíblico, pessimismo metafísico, pessimismo prático, pessimismo absoluto e melancolia, são exemplos de categorias filosóficas que devem ser examinadas com cautela ao logo do texto do professor Deyve Redyson, de modo a não incorrer o leitor em pré-conceituações sempre desfavoráveis à salutar e prudente reflexão filosófica que este livro propõe.

Marcelo Santos – Mestre em Filosofia – UFPB.

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Transformative Learning: Educational Vision for the 21st Century – O’SULLIVAN (CSS)

O’SULLIVAN, Edmund. Transformative Learning: Educational Vision for the 21st Century. Toronto: University of Toronto Press, 1999. 304p. Resenha de: LEMISKO, Lynn Speer. Canadian Social Studies, v.37, n.2, 2003.

In his book Transformative Learning, Edmund O’Sullivan has brought a deeply moving and deeply thoughtful vision to the discourse of educational reform. Rather than simply offering a critique of the modernist meta-narratives that have shaped education since the Enlightenment, O’Sullivan offers up a new grand narrative, or mythic vision, which he argues is necessary if we are to educate for the survival and sustainability of our planet. In so doing, he bravely ventures along a pathway that many postmodern and critical theorist angels fear to tread.

Drawing upon scholarship from an exceptional variety of disciplines including history, metaphysics, anthropology, biology, eco-philosophy, cosmology, political theory, feminist theory, psychology, chaos theory, and physics, O’Sullivan describes and critiques modernity and the current mantras of globalization. He then shapes a narrative vision which he hopes will be of sufficient power and complexity to orient people for effective action to overcome environmental problems, to address the multiple problems presented by environmental destruction, to reveal what the possibilities are for transforming these and to reveal to people the role that they can play in this project (p. 182). In shaping this comprehensive cosmology, O’Sullivan does not offer particular and specific suggestions for educational practice. Instead he invites readers to reflect deeply upon the personal and cultural perspectives that have and are driving educational efforts and to envision the shape of education if the cosmology he elucidates were to become our guiding narrative.

While postmodernist critiques are typically deconstructive and express grave concerns about the construction of new grand narratives to replace the old, O’Sullivan posits that without a comprehensive reconstructive cosmology humans are left without a positive transformative vision to guide future action. In his narrative, the universe story, O’Sullivan proposes that three interrelated basic tendencies operate in the universe at all levels and all the time. These tendencies are: differentiation, which is a creative force that brings with it the burden of being and becoming, different from everything else in the universe (p. 223); subjectivity, which includes the idea that all things in the universe have, at least in latent form, the capacity for sentience and, therefore, should be considered as living, spontaneous and sentient [entities] that can be addressed in intimate terms (p. 192); and, communion, which embraces the notion of the deep and relational quality of all reality (p. 192). O’Sullivan’s grand narrative, then, encompasses a vision that not only includes all humans in all their wonderful diversity and uniqueness but also includes all of the natural world and universe. This is a compelling narrative because it is framed by ideas that enable us to honour and encourage both the individual and the collective, the human and not human.

Although O’Sullivan’s tracing of the historical roots of the present age is somewhat linear and simplistic, his analysis of present trends and dominant ways of thinking is both comprehensive and insightful. Using a plethora of recent scholarly studies he develops a well-documented and fascinating synthesis of ideas. Although the density and abstractness of the metaphysical ideas is challenging, this rich and complex work should be on the reading list of all educators, including practising teachers, administrators, graduate students, and university professors. In fact, this book offers intriguing insights for all who ponder the future of humanity and our planet.

Lynn Speer Lemisko – Faculty of Education. University of Saskatchewan. Saskatoon, Saskatchewan.

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