Sociedades Asiáticas na Antiguidade / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2020

O estudo das sociedades asiáticas tem se mostrado um campo fértil e multifacetado. Foi o sinólogo Marcel Granet que apontou, em 1929, a impossibilidade de nos considerarmos especialistas em ciências humanas se nossos currículos continuassem a ignorar dois terços do mundo – ou seja, as civilizações de Ásia, África, Oceania e a América pré-colonial. De certa forma, essa ausência persiste na academia, com exceções pontuais. As iniciativas para estudar esse amplo e vasto “Oriente” tem surgido, com relativo constância, mas sem continuidade garantida. Arnold Toynbee (1986), André Gunder Frank (1998) e Jack Goody (2008) alertaram tacitamente a necessidade de reescrever a história mundial em novos parâmetros, redimensionando a perspectiva eurocentrada; Boaventura de Sousa Santos (2009) propôs, inclusive, que uma nova perspectiva epistemológica precisa desenvolver-se para dar conta de incluir e compreender as culturas americanas, asiáticas e africanas. Nesse sentido, as tentativas de explicar as civilizações orientais, a partir de um instrumental teórico tradicional, tem se mostrado pouco adequadas; e cumpre salientar que o desconhecimento sobre a antiguidade e durabilidade dessas tradições aumenta ainda mais essa lacuna, promovendo uma formação incompleta e restrita.

A iniciativa de formar um dossiê sobre as Sociedades Asiáticas na Antiguidade vem em resposta a essa premente necessidade, apontando caminhos para a pesquisa e para uma verdadeira e autêntica liberdade de pensar e conhecer. Nesse número, pretendemos promover um ponto de encontro entre os mais diferentes especialistas, abrangendo um amplo espaço geográfico e histórico que vai de Israel ao Japão. Nossa intenção é escapar ao Orientalismo, bem denunciado por Edward Said (1998), que homogeniza e estereotipa as culturas asiáticas. Buscamos apresentá-las em sua diversidade, originalidade e antiguidade, revelando aspectos culturais enriquecedores para nossa formação.

A necessidade de reescrever a história

A reescrita de uma história global depende, invariavelmente, do reconhecimento e inclusão das narrativas asiáticas na construção de uma nova cronologia histórica. Um currículo eurocentrado não mais se adéqua, nem se sustenta, diante das necessárias releituras que se impõe a partir de uma nova visão pluridiversa das fases históricas – na qual se destaca a disputa pela questão das origens e das hegemonias. Nesse sentido, a construção das histórias asiáticas (ou orientais), pela academia europeia, nasceu de um processo de exclusão e submissão. Como espaço de disputa genésica, no qual se impunha as visões coloniais e imperialistas do século 19, as civilizações de Ásia e África foram alocadas em segundo plano, servindo a uma hierarquização cultural imaginada, que punha o Ocidente Europeu no centro da estrutura histórica e na estruturação de sua periodização temporal e geográfica. As deformações históricas dessas culturas culminaram no fenômeno do Orientalismo, na já indicada acepção Saidiana. Foi nesse processo que Mesopotâmia, Israel e Egito foram construídos como antecessores préracionalizados da ascensão clássica e filosófica de Grécia e Roma, submetidos a um papel secundário. Em outra direção, Índia e China foram interpretadas como derivações migratórias e estagnadas de longa duração das antigas culturas mesopotâmicas, que persistiam em sobreviver na aurora no mundo contemporâneo (Lacouperie, 1880).

Uma visão diversa, multifacetada e integrada desse mundo antigo tem sido revelada gradualmente em duas frentes: o avanço paulatino das descobertas arqueológicas, que redimensionam nosso entendimento sobre as relações e sistemas materiais na antiguidade, e a construção de novas epistemologias, que agregam as contribuições dos sistemas de saberes não-ocidentais (Santos, 2009). No campo da cultura material, trabalhos basilares como de Amihai Mazar (2001), Finkelstein e Silberman em Israel (2003), Mortimer Wheeler (1968) na Índia ou Kwang Chang na China (1983), apenas para citarmos alguns poucos exemplos, revolucionaram a compreensão do passado dessas civilizações, revelando profundas assimetrias em relação à literatura. Por outro lado, os processos de independência afro-asiáticos, ao longo do século 20, renovaram os discursos de identidade e consciência histórica dos países descolonizados, e estabelecendo um ponto de partida para o resgate das culturas tradicionais (Chesneaux, 1977). Com base nesse renascença cultural, anunciada por Raymond Schwab (1950) e levada a cabo por vários intelectuais, as culturas afro-asiáticas buscaram retomar a posse de suas narrativas, redimensionado-as frente à história mundial. Martin Bernal (1987) mostrou a importância da cultura Egípcia para a formação do mundo grego, assim como Cheikh Anta Diop (1923-1986) reconectou a história dessa civilização com suas raízes africanas; Kavalam Panikkar (1977) e Romila Thapar (1978) ajudaram a renovar a escrita da história indiana e Bai Shouyi (1998) reescreveu a antiguidade chinesa a partir de uma interpretação original e diferenciada das teorias marxistas. Mais recentemente, Liu Xinru (2010), Raoul McLaughlin (2012), Peter Francopan (2019) Jared Diamond (2017) e Yuval Harari (2018) conseguiram incorporar algumas dessas novas leituras em uma narrativa histórica global bastante diferenciada daquela herdada do século 19.

Na dimensão curricular da História Antiga, começa-se gradualmente a contemplar outros espaços, tempos e civilizações, ampliando o escopo das relações culturais e materiais das civilizações ancestrais (Gebara, 2019). Necessário relembrar o esforço ingente de pesquisadores como Ciro Flamarion Cardoso (1942-2013) na área de Egito, Emanuel Bouzon (1933-2006) sobre Mesopotâmia e Ricardo Joppert (1979) na de China antiga, em trazer para o Brasil uma tradição de estudos orientais, produzindo materiais e formando quadros que pudessem superar nossa ausência notável na academia. O resgate das culturais orientais vem a reboque dessa mudança, que se estende há anos, e relevar a necessidade de estudá-las – tanto teoricamente quanto metodologicamente – representa um dos novos desafios epistêmicos para a área (Bueno, 2018). Cumpre salientar, pois, que a construção de um dossiê que expresse a diversidade das culturas não-europeias é saudada como uma iniciativa inovadora, que a revista Nearco abraçou nesse volume.

Apresentando as produções

Na definição das linhas gerais que norteariam a produção desse Dossiê, optou-se por delimitar, como critério fundamental, a avaliação e publicação de estudos que contemplassem culturas fora de um eixo eurocentrado. Por outro lado, a condição temporal de ‘antiguidade’, sincrônica (ou mesmo, anterior) aquela aplicada às culturas ocidentais, serviu de parâmetro para o estabelecimento de abordagens multitemporais e / ou paralelismos. Isso representa abarcar uma grande diversidade de civilizações, num espectro geográfico que vai do Oriente Próximo ao Extremo Oriente; contudo, nos permite apresentar uma série de ensaios especializados já em andamento, que desvelam as possibilidades de pesquisa para esse imenso campo.

Partindo de uma aproximação com os espaços geo-culturais, começamos a apresentação de nossos artigos voltados para o Próximo Oriente. A “antiguidade oriental”, classificação que abarca uma visão integrada da região do Levante e o do norte da África, foi adotada aqui para nortear os critérios de inclusão das pesquisas apresentadas. Em Formas de representação das candaces na cultura material em Kush (I AEC E I EC), de Fernanda Chamarelli, conheceremos mais sobre a presença do poder feminino na região de Kush, exercido pelas Candaces, senhoras ligadas às famílias dominantes locais, que redimensionam para nós as antigas relações de gênero e política. No domínio da história egípcia, Jorge Henrique Almeida nos traz, igualmente, uma contribuição fundamental sobre a obra de Cheikh Anta Diop, pensador africano crucial para uma nova compreensão da história do Egito enraizada nas tradições africanas, renovando tanto as narrativas sobre a egiptologia quanto da epistemologia da história, razão pela qual o ensaio se intitula O que aconteceu na história da ciência: a contribuição de Cheikh Anta Diop. Uma visão multifacetada do Egito resulta das diversas interpretações possíveis acerca dessa civilização, que vivenciou a colonização europeia de sua história.

Dentro do mesmo cenário, as civilizações da Mesopotâmia são examinadas por Priscilla Scoville e Simone Dupla. Essas duas destacadas pesquisadoras proporcionam leituras diferentes da ampla gama de temas que envolvem a história da região. Em Os Cassitas, Scoville apresenta e analisa a pouquíssimo estudada civilização dos cassitas, trazendo uma contribuição inovadora para nossa historiografia de antiguidade; já Simone Dupla, pesquisadora de larga experiência com questões de gênero e sexualidade na Mesopotâmia, nos traz um instigante texto sobre o papel do Sacerdócio feminino na Mesopotâmia, perscrutando as tradições religiosas da região.

Essa visão integrada do ‘antigo Oriente próximo’ nos leva igualmente a Israel, área de intensas disputas narrativas em razão de suas heranças religiosas, epicentro de revoluções no campo das crenças vivenciadas tanto por Ocidente com por Oriente. Janaína Zdebskyi, em seu texto As estrangeiras: registros sobre deusas e mulheres subversivas em excertos bíblicos nos traz uma reveladora pesquisa sobre o papel feminino nas tradições bíblicas, proporcionando uma leitura distinta e alternativa a uma epistemologia histórica androcentrada. Esse artigo dá continuidade a uma série de estudos empreendidos pela autora nesse sentido, consistindo em uma contribuição fundamental para um outro olhar sobre astradições da sociedade vetero-testamentária. Outro texto de escol é proporcionado por um dos maiores conhecedores da História de Israel antigo no Brasil, Josué Berlesi, que investiga a construção da ideia da divindade de Deus em “Javé é um”: apontamentos sobre o processo de construção do monoteísmo no antigo Israel.

No passo de um deslocamento geográfico gradual que agora realizamos, cumpre ainda assinalar a contribuição de Rodrigo Nascimento, Profetismo e Apocalíptica no Zand Ī Wahman Yasn, como uma das raras oportunidades que temos de entrar em contato com o mundo persa antigo, provida por um autor do seleto grupo de estudiosos de Pérsia em nosso país. A análise dessa importante peça da literatura Sassânida envolve conceitos religiosos que consideramos próprios do mundo Judaico-Cristão, mas que se revelam presentes em uma tradição religiosa distinta, com raízes igualmente ancestrais.

A Pérsia esteve intimamente conectada a Índia em função de um fundo cultural comum, derivado das migrações “indo-europeias” – termo de ampla abrangência para designar uma multidão de povos e movimentos migratórios que envolveria a Europa, as planícies do Irã e o norte da Índia. A construção da história indiana, porém, seria permeada por conflitos e hibridismos entre essas vagas de nômades e as populações autóctones que habitavam o subcontinente indiano, gerando sistemas religiosos e filosóficos próprios, que culminariam na formulação do Sanatana Dharma (ou, ‘Hinduísmo’) e de seus derivados, como o Jainismo e o Budismo. Esses sistemas constituiriam o alicerce formativo da civilização indiana, em que as concepções historiográficas tal como conhecemos foram substituídas por uma noção de manutenção das tradições, construindo uma experiência singular de história antropo-religiosa.

Dois textos se apresentam, aqui, promovendo uma releitura dessas tradições antigas da Índia nos dias de hoje. A renomada indóloga argentina Lia de La Vega, diretora da Associação Latino-americana de estudos afro-asiáticos (ALADAA) nos proporciona um instigante artigo, El budismo desde India hacia Sri Lanka: la donación (dana) y sus potencialidades comunitarias para el desarrollo, em que mostra as profundas conexões entre a espiritualidade budista e a construção de uma iniciativa para doação de olhos no Ceilão contemporâneo. Essa experiência revela como o projeto, de cunho médico e social, está permeado por uma discussão importante dos conceitos budistas fundamentais sobre a relação com o corpo. Em caminho similar, João Braatz, em “O Mahabharata”, de Peter Brook: reflexões sobre intermidialidade e “Orientalismo” em uma perspectiva pós-colonial, realiza uma análise da clássica epopeia indiana do Mahabharata e suas versões modernas no teatro e cinema, que trazem a luz um clássico da literatura mundial pouco conhecido no Brasil fora dos meios religiosos. Ambas as exposições de Vega e Braatz nos proporcionam um panorama fascinante da durabilidade das tradições indianas, suas mundivivências recentes e a compreensão de seus valores e ideias.

Em direção ao leste, chegamos agora na China, civilização cuja cultura desenvolveu-se relativamente afastada do eixo que conectava o Médio Oriente e a Índia. Temos a oportunidade, nesse Dossiê, de assinalar a presença de alguns destacados sinólogos de renome internacional, cujas pesquisas enriquecem ainda mais esse trabalho. O primeiro que gostaríamos de apresentar é Bony Schachter, pesquisador brasileiro que atualmente leciona sobre Daoísmo na China, integrando um seleto grupo de docentes estrangeiros habilitados e ensinar nesse país. Seu artigo, Esporte dos deuses: o ritual daoista visto sob uma perspectiva comparativa, nos revela como a antiga filosofia do Daoísmo, surgida em torno do século 6 AEC, transformou-se em um rico sistema religioso, cujas expressões contemporâneas encontram ramificações até mesmo no Brasil. sua preocupação é entender as transformações, os sentidos, significados e metodologias dessa religiosidade em franca expansão no mundo moderno.

O pensamento filosófico chinês antigo é contemplado em outro importante artigo, escrito pela sinóloga eslovena Jana Rosker. Ela é, sem sombra de dúvidas, uma das maiores especialistas deste campo na atualidade, sendo inclusive presidente da Associação Europeia de Filosofia Chinesa, e possuindo dezenas de artigos e livros sobre os mais diversos temas. Para o nosso Dossiê, ela preparou Classical Chinese Philosophy and the Concept of Qi, um texto específico sobre o polissêmico conceito de Qi (energia, vapor, sopro vital, entre outros), imprescindível para o entendimento das teorias filosóficas e médicas chinesas.

No mesmo campo, A “Total War”? Rethinking Military Ideology in the Book of Lord Shang, do eminente pesquisador israelense Yuri Pines nos proporciona uma importante apresentação sobre a questão do pensamento militar na China antiga, presente no livro Shang Yang (ou, O livro do Lorde Shang), clássico da filosofia chinesa muito pouco conhecido no Brasil. Pines tem uma vasta e internacionalmente referenciada produção sobre a história chinesa, voltada principalmente para o período da reunificação chinesa, entre os séculos 4 e 3 AEC.

Como havíamos indicado no início desse texto, uma nova visão do mundo antigo prescinde uma investigação de caráter mais integrador e global. Krisztina Hoppál é uma das mais importantes arqueólogas e historiadoras húngaras em atividade, cujas pesquisas estão voltadas para a comprovação material das relações entre Ocidente e Oriente desde a antiguidade. No ensaio preparado para esse Dossiê, Materials of Eastern origin discovered in the former territory of the Roman Empire, with India and China in focus: examples of direct and indirect interactions from an archaeological perspective, ela examina um conjunto de evidências materiais de origem asiática encontradas nas fronteiras romanas, analisando suas rotas de trânsito e funções simbólicas.

Junto a esse seleto grupo de autores, apresento igualmente um contribuição, China: uma arte para dois mundos, no qual busca-se examinar e compreender o papel da escrita e da pintura e suas relações com as práticas religiosas de evocação durante o período Zhou (notadamente no período dos século 4-3 AEC). A escrita chinesa possui uma estrutura distinta dos sistemas alfabéticos, possuindo implicações especiais para a construção do pensamento simbólico e da racionalização das ideias.

Fechando essa apresentação, Cultura material do Japão no período Kofun: um panorama introdutório, de Larissa Reddit, investiga um tema praticamente inédito no Brasil, relacionado à cultura japonesa: as tumbas do período Kofun, cujo formato e sentido são objeto de ricas discussões acadêmicas. O trabalho de Reddit, Cultura material do Japão no período Kofun: um panorama introdutório é absolutamente inovador, não tendo paralelo em nosso país, e representa uma contribuição significativa para os estudos japoneses desenvolvidos aqui.

A riqueza desse Dossiê resulta da mundiviviência de abordagens possíveis, que mostram os inúmeros pontos de abertura para acessar as civilizações asiáticas. Como podemos notar, os presentes textos resgatam as narrativas dessas culturas, desapropriadas de sua voz, e colocadas em segundo plano, como Jack Goody apontou. Se no Brasil persiste uma atitude arrivista quanto às novas dimensões da escrita histórica, Dossiês como este tornam-se uma ponte indispensável para começar a caminhada em direção aos estudos orientais.

Referências

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CHANG, K. C. Art, Myth, and Ritual: The Path to Political Authority in Ancient China. Cambridge: Harvard University Press, 1983.

CHESNEUAX, J. O retorno do passado tradicional nas jovens nações da Ásia e África. In: SANTIAGO, T. (org.) Descolonização. RJ: Francisco Alves, 1977.

DIAMOND, Jared. Armas, germes e aço. Rio de janeiro: Record, 2017.

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GEBARA, Uiran. ‘Outra história global é possível? Desocidentalizando a história da historiografia e a história antiga’ in Esboços, Florianópolis, v. 26, n. 43, p. 473-485, set. / dez. 2019.

GOODY, Jack. O roubo da História: Como europeus se apropriaram das ideias e invenções do oriente. São Paulo: Contexto, 2008.

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HARARI, Yuval. Sapiens: uma breve história da humanidade. Porto Alegre, L&PM, 2018.

JOPPERT, Ricardo. O alicerce cultural da China. Rio de Janeiro: Avenir, 1979.

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MAZAR, Amihai. Arqueologia na Terra da Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2001.

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TOYNBEE, Arnold. Um estudo da História. São Paulo: Martins Fontes, 1986.

WHEELER, Mortimer. Índia e Paquistão. Lisboa: Verbo, 1970.

André Bueno – Professor Adjunto de História Oriental da UERJ, organizador do presente Dossiê. Aproveitamos o ensejo para agradecer a direção e a comissão editorial do periódico Nearco por oportunizar a realização desse volume, que julgamos necessário e urgente no atual contexto de renovação historiográfica.


BUENO, André. Apresentação. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade. Rio de Janeiro, v.12, n.2, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Pólis, urbs e cidades no Mediterrâneo Antigo / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2019

[Pólis, urbs e cidades no Mediterrâneo Antigo]. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade, Rio de Janeiro, v.11, n.2, 2019. Acessar dossiê [DR]

História, imagem e cinema / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2014

Este número da Revista Eletrônica de Antiguidade NEARCO ratifica o Núcleo de Estudos da Antiguidade (NEA / UERJ) como um lugar de divulgação e produção do saber acadêmico. Nesses dezesseis anos de organização estabelecemos diversas publicações que tiveram a preocupação não somente de publicar artigos de professores renomados, mas de alunos de graduação e de pós-graduação com propostas de trabalhos interessantes e inovadoras.

Estamos na modernidade, ou na pós-modernidade e como historiadores devemos acompanhar as transformações do mundo. Quando divulgamos pesquisas em meios eletrônicos, novas formas de mídia e internet, nós objetivamos estabelecer ações que valorizem o diálogo interdisciplinar que permita ao historiador importar técnicas, teorias, métodos e problemáticas de outras áreas da ciência, contribuindo para uma análise histórica abrangente que proporcione a comunidade científica abordar temáticas associadas à instrumentalização e utilização de novas tecnologias.

Partindo desse pressuposto, a Revista NEARCO publica alguns artigos oriundos da XI Jornada de História Antiga da Universidade do estado do Rio de Janeiro que abordou o tema “História, imagem e cinema”. Os trabalhos publicados discutem assuntos que complementam ou ampliam o que alguns livros tratam de forma mais generalizada. Assim, ao divulgarmos tais pesquisas históricas procuramos enriquecer, ampliar o debate, propor novas metodologias e potencialidades originadas do senso crítico dos pesquisadores.

Boa Leitura!

Maria Regina Candido – Professora Doutora.

Junio Cesar Rodrigues Lima – Professor Mestre.


CANDIDO, Maria Regina; LIMA, Junio Cesar Rodrigues. Editorial. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade, Rio de Janeiro, v.7, n.2, 2014. Acessar publicação original [DR]

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XIII Jornada de História Antiga – Temas, Fontes e Métodos / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2013

História Antiga no Brasil – perspectivas sobre temas, objetos e pesquisa

Mediante os estudos recentes sobre a produção brasileira, da área de História Antiga, foi possível notarmos uma ampliação deste campo histórico nas universidades públicas e privadas. Ao dialogarmos com os escritos do pesquisador Pedro Paulo A. Funari, na coleção de textos didáticos Repensando o Mundo Antigo, nº47-2005, podemos indicar que para além da formulação de textos em nosso idioma, também houve um crescimento das traduções de documentos históricos e de publicações estrangeiras, o que possibilitou o acesso para muitos estudantes.

Em nossas concepções, a referida ampliação ocorreu devido a elementos como: o uso da internet para pesquisas de livros, artigos, e podemos acrescentar o próprio acesso as documentações conservadas no exterior. Também chamamos atenção para o aumento da massa crítica interessada em Antiguidade, que seria oriunda de espaços como a indústria cinematográfica e os periódicos infanto-juvenis (quadrinhos) com temáticas relacionadas com o mundo antigo.

Apesar do grande desenvolvimento da História Antiga, em terras brasileiras, nós ainda enfrentamos alguns entraves nas produções científicas. Assim salientamos que em muitos casos, assumimos uma posição mais de consumidores da produção estrangeira, do que produtores de publicações na área. Contudo, as pesquisas nacionais existentes têm nos mostrado um trabalho de total qualidade e que está atenta a reflexões teóricas e metodológicas aplicadas ao documento, a partir de suas problemáticas. Segundo Fábio Faversani, em Entrevista para o Jornal Philía nº32 – 2009, há uma necessidade no Brasil de que os profissionais de História Antiga comecem a valorizar as produções nacionais e também se leiam. O historiador citado assinala que a utilização da historiografia brasileira, nos cursos de graduação, não se iguala ao quantitativo de livros que são elaborados, pelos especialistas nacionais. Faversani nos convoca a superarmos tais obstáculos, a fim de fomentarmos os debates de forma enriquecedora, inserindo os nossos estudos na prática de ensino e pesquisa.

A partir de tais reflexões mencionadas surgiu a oportunidade de estabelecermos uma parceria entre o Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas da UFRJ, o NEA / UERJ e o POIEMA / UFPel para a elaboração de um evento sobre ensino e pesquisa em História Antiga. Ratificamos em nosso escrito, que o trabalho coletivo entre os centros de pesquisa é uma iniciativa fundamental para o desenvolvimento acadêmico no Brasil. Assim a XIII Jornada de História Antiga – Temas, Fontes e Métodos da UFPel foi desenvolvida, em um clima de comprometimento e fraternidade entre os integrantes, no período de 21 a 23 de janeiro de 2013.

A publicação, neste volume da NEARCO / 2013.2, apresenta os textos resultantes de comunicações realizadas durante a jornada, assim coroa com êxito os objetivos que levaram a selar nossa cooperação nesta edição da jornada, sendo, certamente, a primeira de várias outras experiências de cooperação acadêmica a serem desenvolvidas entre estes grupos.

No dossiê podemos verificar artigos como o de Alessandra Serra Viegas, com o texto O amor de Aquiles: de quem é o coração do herói mais belo da Ilíada de Homero? Pátroclo ou Briseis? A autora convida a todos os leitores para revisitarmos a Ilíada de Homero, a fim de refletirmos sobre os diversos níveis que integravam as relações interpessoais no período Arcaico da Hélade e analisarmos os processos sócioculturais helênicos como o da Philía. Outro texto que podemos ressaltar é o de Carolyn Souza Fonseca da Silva, que chama atenção para uma temática tão cara as sociedades ocidentais, que é a democracia, através do artigo Sólon na democracia e na cidadania de Atenas no século VI a.C.. Silva objetiva analisar a figura de Sólon e os pressupostos democráticos da sociedade grega, em especial a pólis ateniense, que atuava sob a alcunha do princípio da isonomia – termo precursor da democracia e que representava a igualdade perante a lei.

Ainda nos estudos helênicos podemos contar com a contribuição de Alair F. Duarte, em Uma análise sobre os cultos religiosos e a projeção do poder marítimo ateniense através do porto do Pireu no século V a.C.. O autor destaca a área portuária do Pireu na pólis dos atenienses, como um lugar cosmopolita no V séc. a.C. Na região havia culto para divindades locais e estrangeiras, assim como a circulação de navios e pessoas de diversas etnias mantendo uma intensa interação sociocultural. Agregamos ao nosso dossiê os estudos desenvolvidos por Jussemar W. Gonçalves e Matheus Barros da Silva, em a Tragédia Grega e o Político. Os pesquisadores apontam que o Teatro Grego no decorrer do V século a.C., retratou em cena questões que diziam respeito à pólis.

Como o século V a.C. foi um momento histórico de grandes transformações na Hélade, podemos lançar olhares sobre outras regiões. O artigo de Luis Filipe Bantim de Assumpção intitulado O discurso de Xenofonte e o processo de formação na Esparta Clássica contribui para os estudos atuais sobre a historicização da sociedade espartana. Sendo assim, Assumpção analisa o discurso de Xenofonte acerca do processo de formação espartano, por meio das críticas e comparações que o mesmo estabelece com a sociedade ateniense do V século a.C.. Ao passarmos para os estudos do século IV a.C. podemos somar as pesquisas elaboradas por Fabio Vergara Cerqueira e Eduarda Peters, com o texto Mulheres em Atenas, no século IV a.C. O testemunho do Contra Neera, de Demóstenes. O presente texto discorre sobre a vida de algumas prostitutas e concubinas que se tornaram famosas pelos bens e prestígio que conquistaram em Atenas, e objetiva, através de relatos da época, demonstrar como era a vida de então, especialmente da mulher do período e de seu papel na sociedade.

O dossiê também conta com a colaboração de Otávio Zalewisk, com o artigo Literatura helenística com roupagem judaica: o caso da Carta de Aristeas a Filocrates. O artigo nos apresenta os processos de interações culturais entre gregos e judeus no período que ficou conhecido como helenístico. Marcello de Albuquerque Maranhão, em Recuperando historiadores fragmentários: o problema da recuperação da História da Sicília grega em Timeu demonstra aos historiadores possibilidades de análise sobre documentos históricos fragmentários, como no caso dos escritos de Timeu.

Agregamos ao grupo de textos que visa problematizar o campo teórico aplicado aos estudos helênicos, o artigo A sociologia do conhecimento como suporte metodológico para uma análise da tessitura sociopolítica de Sociedades Antigas de Luis Fernando Telles D`Ajello. A partir das propostas de Berger e Luckmann, D’ Ajello trata desta área do conhecimento como um plano metodológico para a compreensão da construção social da realidade. Outra análise importante que integra nosso dossiê foi sobre a guerra, no artigo elaborado por Fabio Vergara e Ricardo B. da Silva, A guerra na política grega, formas de combate e constituições políticas na Grécia Antiga. Os autores salientam que a guerra é e foi um importante definidor cultural, e, nesse aspecto, veremos no texto como as constituições políticas das principais póleis gregas foram influenciadas pelo caráter guerreiro de suas sociedades.

O evento contou com contribuições no campo dos estudos romanos, como os que foram elaborados por Deivid Valério Gaia e Diego Rosa em Análise da fonte Commentarii de Bello Gallico, de Julio Cesar. Neste artigo foi abordada uma visão sócio-política sobre o processo de expansão romana pela região da Gália transalpina, além das expedições pela costa sul da atual Inglaterra e através das margens germânicas do rio Reno entre os anos 58 a.C e 51 a.C. com base em uma interpretação da obra “Commentarii De Bello Gallico” (Em português, “Comentários sobre a Guerra Gálica”), escrita pelo próprio César durante esta campanha. Ainda sobre os estudos envolvendo a figura do cidadão romano, Júlio César, podemos ressaltar a participação no dossiê de Kassia Amariz Pires, Adriana Mocelim de Souza Lima e Etiane Caloy Bovkalovski com o artigo A Vida de Júlio César sob a visão de Plutarco e Suetônio (século I d.C.). O artigo apresenta uma comparação dos escritos de Plutarco e Suetônio sobre a vida de Júlio César. As autoras analisaram através de fontes, os discursos dos pensadores clássicos e apresentaram estudos atuais sobre a composição de seus livros.

Marcos Antonio Collares nos brinda com uma preciosa reflexão teórica aplicada aos estudos romanos, com o texto História Antiga e documentação textual: considerações sobre temas e contextos-formas. No referido artigo, Collares tece algumas considerações sobre a constituição de temas e no trato com os mais diversos documentos textuais legados da Antiguidade. Quanto ao Império Romano no século IV d.C. coube aos pesquisadores Deivid Gaia e Gustavo S. Ribeiro, produzir o texto intitulado os Aspectos econômicos na obra “A Vida de Santa Melânia”: o impacto das doações. O objetivo do artigo foi o de analisar o contexto histórico, onde Santa Melânia, a Jovem, viveu. Procurando compreender a situação complexa em que se encontrava a sociedade romana no século IV d.C., os autores apontaram suas primeiras impressões sobre os impactos econômicos causados pelas volumosas doações feitas por Melânia durante suas viagens pelo Mediterrâneo. Como fonte, os mesmos recorreram à biografia de Santa Melânia, a Jovem, escrita por um homem chamado Gerontius durante o século V d. C.

Encerramos o dossiê através do artigo História e Egiptomania de uma pirâmide em Caxias do Sul (1984-2006) de Wellington Rafael Balem e Cristine Fortes Lia. O trabalho analisa traços culturais da antiguidade egípcia re-significados em um edifício piramidal de Caxias do Sul, RS, ao longo de seus usos. Trata-se de uma réplica, reduzida em escala, da pirâmide de Quéops, que sediou o Centro de Pesquisas Metafísicas (1984-1996) e a Rosacruz, AMORC (1997-2006). A temática aborda-se à luz da egiptomania.

Além do dossiê ainda expomos em nossa edição, a contribuição de três artigos na sessão de temas livres. Desta forma apresentamos o texto de Fábio Feltrin de Souza intitulado de O paradoxo do tempo nas Histórias de Heródoto. Souza propõe uma aproximação com a filosofia e a sofística dos séculos V e IV, investigando o que considerou como “desvio operado no pensamento grego” e a emergência de uma experiência do tempo, em que chronos e aion, dessacralizados, passaram a conviver de maneira paradoxal. Outra participação que devemos destacar neste volume é a de Andréia Tamanini, com o artigo Livia para os íntimos: imagem e estratégia sobre camafeus. A autora frisa que a análise dos camafeus busca observar as transformações que as representações de Livia sofreram desde a vitória sobre Marco Antônio e Cleópatra, e a subsequente instituição do principado, até a morte da imperatriz. Desta forma Tamanini aponta para uma crescente “divinização” da imagem de Livia, que foi subsumida numa tipologia iconográfica que vai do que chamaremos da mater mundi à imperatrix aeterna.

No que tange as práticas mágicas no Império Romano, o NEARCO apresenta o artigo de Luis Augusto Schmidt Totti em A magia em um texto técnico agronômico da Antiguidade Romana: o Opus Agriculturæ, de Paládio. No artigo o autor apresenta algumas receitas expostas por Paládio, denominadas de remedia, para a proteção da propriedade rural e da horta contra pragas e fenômenos climáticos, como o granizo e os nevoeiros.

Em suma os editores deste volume ratificam a necessidade do trabalho em conjunto para o desenvolvimento do campo histórico no Brasil. O ato de caminhar em conjunto em nossa área de estudo, nos propiciará ir mais longe do que se ficarmos isolados. Uma boa leitura a todos

Carlos Eduardo da Costa Campos – Docente e o coordenador da área de Estudos Romanos do Curso de Especialização em História Antiga e Medieval da UERJ. O mesmo integra o corpo de docentes do Curso de Especialização em Educação, Patrimônio e Cidadania – CEPEC / SP. Campos é membro do Núcleo de Estudos da Antiguidade, coordenando a área de atividades de extensão e publicações. Campos também atua como pesquisador do membro do grupo Arq. Histórica / UNICAMP e Atrium / UFRJ.

Deivid Valério Gaia – Professor de História Antiga na Universidade Federal de Pelotas e doutorando em História Econômica e Social pela École des Hautes Etudes en Sciences Sociales – Paris, sob a orientação de Jean-Michel Carrié (dir. E.H.E.S.S.), Jean Andreau (E.H.E.S.S) e de Norberto Guarinello (USP) em cotutela com a Universidade de São Paulo.

Fábio Vergara Cerqueira – Professor Associado do Departamento de História da Universidade Federal de Pelotas, atuando nas disciplinas de História Antiga. Na mesma universidade, integra o Programa de Pós-Graduação em História e o Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural. Atua ainda como membro do Polo Interdisciplinar de Estudos do Mundo Antigo, do Laboratório de Estudos da Cerâmica Antiga, do Laboratório de Antropologia e Arqueologia, do Museu Etnográfico da Colônia Maciel. Editor da publicação “Cadernos do LEPAARQ. Textos em Antropologia, Arqueologia e Patrimônio”. Bolsista Produtividade CNPq.

Maria Regina Candido – Professora associada da área de História Antiga da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A mesma integra o Programa de Pós-Graduação da UERJ e o Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UERJ. Candido atua como coordenadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade, o Curso de Especialização em História Antiga e Medieval da UERJ e o Curso de Especialização em Educação, Patrimônio e Cidadania – CEPEC / SP.


CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa; GAIA, Deivid Valério; CERQUEIRA, Fábio Vergara; CANDIDO, Maria Regina. Editorial. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade, Rio de Janeiro, v.6, n.2, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Teatro no Mundo Antigo / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2018

TEATRO EN EL MUNDO ANTIGUO: POSIBILIDADES Y RECEPCIÓN

En estos días la noticia reflejada en la prensa mundial de que profesores españoles de lenguas clásicas, latín y griego, tomaron las calles en protesta por la poca atención brindada a la enseñanza de la lengua de los antiguos helenos en los institutos de enseñanza preuniversitaria, pone de nuevo ante la consideración de todos un viejo problema que data de las reformas en la enseñanza del siglo XIX y el debate entre la llamada universidad literaria y la científica, pero que se aguzó en el siglo XX con el acelerado desarrollo de las ciencias y las técnicas y, por ende, con la necesidad de ofrecer una enseñanza que prepare al niño, al joven, para hacer frente a sus circunstancias.

Ya por entonces José Martí, prócer de la independencia cubana y figura descollante de las letras latinoamericanas, al tiempo que defendía la búsqueda de una integralidad favorecedora de la formación no solo de “hombres de ideas” sino de “hombres de acto” (1975:10, 235), prestos a enfrentar los requerimientos de la vida moderna, recordaba que, sin embargo, no debía olvidarse los valores que enaltecen al ser humano, la enseñanza humanística que tenía su punto de partida en la Antigüedad grecorromana. A diferencia de muchos de sus contemporáneos que volvían sus ojos al pasado en busca de la belleza perdida, para Martí el estudio del pasado era una medio para comprender mejor la vida presente “sin esa ‘niebla de familiaridad’ o de preocupación que la anubla para los que vamos existiendo en ella” (15, 365), y en definitiva un medio para proyectarnos hacia el futuro.

Ya a principios del siglo XX otro ilustre antillano, Pedro Henríquez Ureña, a quienes sus contertulios del mexicano Liceo de la Juventud, entre quienes figuraba el joven Alfonso Reyes, consideraban el Sócrates del grupo, observaba -luego de la renovadora visión de la Hélade aportada por Federico Nietzche, los entonces recientes descubrimientos arqueológicos y literarios así como las teorías antropológicas originadas en esa época- que “desde el Renacimiento hasta nuestros días… no transcurre cuarto de siglo sin que en la Europa intelectual se suscite la cuestión helénica” (1960: 159) y que “enterrada la Grecia de todos los clasicismos hasta la de los parnasianos, había surgido otra, la Hélade agonista, la Grecia que combatía y se esforzaba buscando la serenidad que nunca poseyó” (1960: 294).

Fue en 1908 cuando Henríquez Ureña recurre a la dramaturgia para dar expresión a tales ideas y escribe su única obra teatral “El nacimiento de Dionisos” con la que pretende ofrecer una muestra de cómo debió ser la tragedia antes de Esquilo y consagrar mediante la apelación a los dioses griegos y su carga significativa los valores que hacía propios y necesarios para salir de la sensación de ahogo que por entonces sentían los jóvenes de su entorno, en medio de los acuciantes problemas no solo de México, sino en mayor o medida de toda el resto de la llamada “Nuestra América” por José Martí que comprendía desde el Río Grande hasta la Patagonia.

Con esa pieza teatral Henríquez Ureña se unía tempranamente, aun sin proponérselo, a los dramaturgos que también en distintos países europeos buscaban no representar sino cuestionar su entorno social. Al igual que los trágicos griegos que hacían de los mitos de todos conocidos los asuntos de sus piezas, puesto que no les interesaba presentar los hechos sino buscar y reflexionar sobre las causas y consecuencias, los modernos dramaturgos recurren a versiones de las tragedias clásicas en una medida inusitada en relación con los siglos anteriores, e igualmente esta tendencia se abrirá paso desde mediados de siglo en el teatro latinoamericano, marginado por críticos, estudiosos y aún por su propio público.

Me gusta recordar como ilustrativa de lo antes expresado la anécdota contada por el crítico Rine Leal sobre la reacción del público que asistió en 1947 al estreno de Electra Garrigó, escrita por Virgilio Piñera en 1941 y que en la actualidad se considera como la obra fundacional del teatro cubano contemporáneo. Fue entonces calificada por alguno de los indignados espectadores de “escupitajo al Olimpo” (1967: 203) pues ni complacía a quienes esperaban una pieza apegada a los cánones de la tragedia ática ni a quienes reclamaban un teatro nacional y, al ver los vestuarios y los personajes, acusaban al autor de mimetismo y evasión. Sin embargo, las versiones de Antígona, Electra, Medea y de otras tragedias, y aun de algunas comedias áticas, han sido numerosas no solo en las décadas finales del siglo XX sino también en los lustros transcurridos de la centuria actual, aunque con diferencias marcadas en la forma de recepción, al tiempo que han contribuido a romper los estrecho límites localistas y proyectar la reflexión sobre el propio entorno con una perspectiva más amplia.

También desde fines de la pasada centuria las versiones latinoamericanas han comenzado a interesar a estudiosos de distintos ámbitos y se han publicado libros y actas de congresos que recogen estudios no solo sobre el teatro sino sobre la tradición o recepción clásica en general, aunque no por ello se ha dejado de cuestionar la enseñanza de las humanidades ni ha dejado de tener vigencia aquel decir de que los autores clásicos son de todos conocidos pero que nadie los lee y, habría que agregar, ocupan cada vez menos espacio en los planes de estudio de los distintos países.

Sin embargo, es obvio que el mundo antiguo sigue suscitando interés, pues como decía Henríquez Ureña la cuestión helénica se plantea con cierta periodicidad y cabe preguntarse, por ende, cómo se presenta en los inicios de este nuevo siglo. Una posible respuesta se desprende de los estudios presentados en esta revista en torno al teatro del mundo antiguo, sus posibilidades y recepción. En primer lugar habría que destacar la multiplicidad de miradas, no solo porque el hecho teatral se aborda desde distintas disciplinas y métodos de análisis, sino también por la convergencia de investigadores procedentes de diversos países y que ejercen como profesores en universidades de Brasil, Argentina, Cuba, Venezuela, España y Gran Bretaña.

El teatro como lugar de representación se convierte en punto de partida para búsquedas históricas, sustentadas en recientes hallazgos arqueológicos, los cuales ofrecen explicaciones sobre lo que anteriormente se consideraba excepcional -la estructura de teatro asentado en Thorikos, por ejemplo-, al tiempo que en su replanteo ofrecen posibilidades de reflexión sobre la tiranía de Pisístrato como patrocinadora del hecho teatral; al tiempo que las consideraciones sobre el papel de las liturgias, sus características y condicionamiento social, pero en particular el pago de los gastos de representación o coregia, hacen reparar cómo las diversas hetaírias atenienses podían aprovecharse, mediante el sufrago de los gastos concernientes al corego, para que los dramaturgos presentaran temas favorecedores a sus intereses. A la vez, la proyección de figuras sociales como la del campesino en obras de Eurípides y Aristófanes colabora a comprender las mudanzas sociales experimentadas en la época. Las piezas de este trágico también son punto de partida para la distinción de las modalidades asumidas por Dioniso en su manifestaciones como entidad divina y de los rasgos distintivos de su thiasos, ilustrado en las cerámicas de la época, e igualmente se examina la percepción de la profecía y el éxtasis provocados por Apolo y por Dioniso, con sus diferencias y puntos de contacto, a través de la adivina Casandra en los textos de Esquilo y Eurípides.

El análisis lingüístico del discurso de personajes de la comedia de Menandro advierte cómo las diferencias en el habla de los interlocutores en función de su sexo, posición social o situaciones de comunicación exigen a los traductores un especial cuidado, al tiempo que contribuye a perfilar la sociedad ateniense de la época. El vínculo con la filosofía sirve para subrayar el modo en que el tirano en Sófocles conlleva una catarsis social; mientras que textos tomados de la patrística ilustran sobre la interdicción de los espectáculos teatrales a partir de premisas originadas en el Imperio, pero también por la consideración en torno al cuerpo que se explicita en tales documentos.

El análisis literario y sus posibilidades para una mejor comprensión de los textos trágicos, los cuales no por las centurias transcurridas han sido siempre entendidos de forma adecuada, se demuestra al develar cómo interacciona el coro con los protagonistas en dos momentos de intercambio lírico de la Antígona de Sofocles; mientras que la recepción actual de la antiguas tragedias se presenta en cuanto a la indagación de las razones que explicitan cómo el personaje de Agamenón, importante pero siempre secundario en las obras conservadas de la Antigüedad grecorromana, adquiere una importancia inusitada para los dramaturgos contemporáneos españoles, quizás como respuesta, se me ocurre pensar, a la súplica del Agamenón Garrigó de la Electra de Virgilio Piñera cuando clamaba: “¡Pero, decidme, os suplico, decidme!, ¿Cuál es mi verdadera tragedia? (…) ¡Una tragedia! Yo vivo una tragedia y se me escapa su conocimiento” (2002: 19). Indagación dentro de la propia dramaturgia a la que se suma la recepción actual de una Antígona entre gente de pueblo en Perú a quien la violencia ejercida durante el fujimorismo había negado el derecho de enterrar a sus muertos y, tal como Ismene, se atuvo al silencio; de modo que la puesta de la versión trágica del colectivo teatral Yuyachkani, después de no menos de veinticinco centurias del estreno de la tragedia sofoclea en el teatro de Dioniso en Atenas, alcanza igual resonancia. La Hélade agonista, de la que hablara el dominicano Henríquez Ureña, sigue presente.

Resalta, pues, en el conjunto de artículos aquí reunidos la importancia de un enfoque multidisciplinario, tan acorde con los reclamos de la investigación actual; pero, sobre todo, sin importar el punto de visto seleccionado, prima el hecho de que en todas las propuestas no solo se busca una mejor comprensión del pasado, sino se procura iluminar nuestro presente, tal como en su tiempo subrayara José Martí al precisar aquello de que: “No desdeñemos lo antiguo…” (15, 365).

Elina Miranda Cancela

Referências

HENRÍQUEZ UREÑA, P. (1960), Obra crítica, México, F.C.E.

LEAL, R. (1967), En primera persona, La Habana, Instituto del Libro.

MARTÍ, J. (1975), Obras completas, La Habana, Ed. Ciencias Sociales.

PIÑERA, V. (2002), Teatro completo, La Habana, Ed. Letras Cubanas.


CANCELA, Elina Miranda. Editorial. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade, Rio de Janeiro, v.10, n.2, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Periodização histórica – debates e questionamentos / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2013

 Como historiadores nos deparamos com um problema constante em nosso ofício: explicar determinadas periodizações históricas, para contextualizarmos o objeto de pesquisa. Como profissionais que lidam com o homem no tempo e no espaço devemos ter em mente que uma categorização temporal é o produto de um lugar social específico, o qual visa elaborar um discurso de normatização para que os eventos passados possam ser inteligíveis as necessidades atuais. Deste modo, o presente dossiê intitulado de “Periodização histórica – debates e questionamentos”, da Revista NEARCO 2013.1 pretende lançar novos olhares para os recortes temporais, afim de desnaturalizar tais sistematizações, que em muitos casos passam por despercebidas. A empreitada foi árdua, contudo como diz um antigo provérbio: caminhando sozinho podemos chegar em algum lugar, contudo caminhando em conjunto chegaremos mais longe. De tal forma recorremos aos nossos parceiros de longa data para formularmos esta publicação, que comemora os nossos quinze anos de democratização do saber a sociedade. As temáticas contidas nesta edição perpassam pelas demarcações históricas da Antiga Mesopotâmia, passando pelo período denominado de Antiguidade Tardia e findando com o recorte intitulado de Medievo.

A pesquisadora Katia Pozzer explicita que no mundo antigo, diferentes sistemas de contagem do tempo foram utilizados, segundo as regiões e a época. Os gregos, por exemplo, contavam os anos a partir da primeira olimpíada, os romanos a partir da fundação de Roma. No que tange aos habitantes do Oriente Próximo, os mesmos se referiam aos anos dos reinados de seus soberanos ou aos nomes de seus dignitários. O calendário das civilizações antigas era baseado no ritmo das atividades agrícolas e religiosas e era marcado por intervalos de tempo naturais, dados pelo deslocamento do sol no horizonte, pelo ciclo das colheitas e pelo movimento da lua. Assim a autora pretende analisar o calendário mesopotâmico, o qual era composto de um ano solar, com meses lunares e de um dia solar. Já o Prof. Dr. André Bueno visa em seu artigo problematizar a questão da relação entre tempo e história na China Antiga. Bueno para dar conta de sua proposta se utiliza dos textos de Confúcio (-551 a -479) e Sima Qian (-145 a -85), que são considerados como os dois principais fundadores da historiografia chinesa. O trabalho do autor, além de inovador, nos possibilita conhecer sobre um importante campo, que ainda apresenta certa escassez de produção no Brasil.

As nossas análises sobre as periodizações também envolveram outras regiões orientais como da Antiga Índia. O texto produzido pelo Prof. Dr. Edgard Leite foi direcionado nos convida a desenvolver algumas questões teóricas sobre os problemas de periodização da Índia antiga. O referido pesquisador nos aponta as dificuldades que envolvem a comparação com processos históricos fundadores que são verificados no Ocidente, assim o mesmo destaca o papel da Revolução Neolítica no entendimento das grandes transformações estruturais na história. Além da Índia Antiga, os nossos escritos buscaram refletir eventos que envolveram a sociedade Persa. Em virtude do exposto recorremos ao Prof. Dr. Vicente Dobroruka que analisou a apocalíptica persa. Assim o referido estudioso frisa em seu artigo os diferentes usos das periodizações históricas num apocalipse persa conhecido como Zand-i Wahman Yasn (ZWY). Em sua proposta enfatiza-se que ao longo do apocalipse citado são utilizadas matrizes diferentes dos temas tradicionais dos metais, das idades do mundo e dos impérios mundiais.

Ao nos direcionarmos para os estudos que envolvem a sociedade helênica buscamos o apoio da Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido. A referida helenista focou em seu artigo nos estudos que envolvem o período entre 1200 a 800 antes de nossa era, cujo resultado foi à emergência da polis. O período ora é identificada como Idade do Bronze, Tempos obscuros, Idade Media dos gregos ou simplesmente Dark Ages pela historiografia anglo-americana. Os pesquisadores afirmam que o termo se deve ao “retrocesso cultural” e econômico que ocorreu na região helênica como ausência da escrita, dificuldade em estabelecer assentamentos e assim como a perda dos contatos e rotas comerciais no Mar Egeu. Sendo assim, a autora almeja analisar os termos junto a historiografia, além de expor como o conceito tem sido aplicado, os seus possíveis significados e criticas junto aos pesquisadores helenistas. Complementando os estudos helênicos, nosso dossiê contou com a participação do pesquisador Luis Filipe Bantim de Assumpção. O autor salienta que as periodizações são sistematizações acadêmicas passíveis de um processo de historicização. Desse modo, o mesmo objetiva analisar a maneira como as periodizações históricas de “Arcaico, Clássico e Helenístico” foram desenvolvidas para dar conta das especificidades existentes nas sociedades helênicas.

No que tange ao recorte histórico denominado de República Romana, nosso dossiê teve como autora a Prof.ª Dr.ª Claudia Beltrão da Rosa. A especialista argumentou que a periodização tradicional dos estudos históricos é um modelo que, como todos os modelos, deve existir em benefício da análise e da interpretação dos dados, e não o contrário. Logo, a autora frisa que algumas questões sobre a pertinência do modelo monarquia / não monarquia para o estudo da religião romana na “República”, assim como o período denominado de republicano necessitam ser estudados pelos pesquisadores, a fim de contextualizar seu objeto de pesquisa. Além dos escritos de Claudia Beltrão da Rosa, os pesquisadores Gilvan Ventura da Silva e Carolline da Silva Soares foram vitais nas análises que envolvem a periodização romana. Assim o artigo de Silva e Soares é voltado para refletir os limites e possibilidades dos conceitos mais comuns utilizados para definir o sentido das transformações operadas no Império Romano a partir da morte de Cômodo (192), transformações estas que culminaram na redefinição do sistema imperial romano e, do ponto de vista da longa duração, na sua gradual desagregação à medida que avança o século V.

Ao nos depararmos com a periodização da sociedade islâmica recorremos ao estudioso Ian Morris, o qual indica que as sociedades que formavam o império islâmico emergiram na Antiguidade Tardia. Para o autor a fragmentação política e espiritual de tal área imperial ocorreu entre c.700-950, o que decididamente constituiu as comunidades medievais sob comando das dinastias islamizadas. Seguindo pela perspectiva cronológica chegamos aos escritos da historiadora Renata Rozental. As reflexões da autora são voltadas para a formação de consciências históricas entre os judeus da Idade Média. Desta forma, Rozental salienta que a memória apresenta-se como instrumento narrativo e configura-se como parte da nova identidade judaica entre os séculos XIV-XVI. Neste estudo é possível perceber o uso social do tempo como campo legítimo de estudo do historiador.

Além das sociedades mencionadas podemos ressaltar pesquisas como as de Dominique Vieira Coelho dos Santos e Renan Marques Birro, que analisam respectivamente a sociedade Céltica e Nórdica, as quais o modelo de periodizações históricas tradicionais não são apropriados para as suas especificidades culturais. Dominique Vieira Coelho dos Santos apresenta uma reflexão acerca do modo pelo qual os historiadores produzem suas narrativas sobre os celtas a partir da construção de formas e periodizações. Logo, o artigo convida ao leitor a repensar as periodizações e seus usos, além de contribuir para novas perspectivas sobre a História da Irlanda. No caso de Renan Birro, o mesmo destacou que a utilização de temporalidades (ou eras) para o Estudo da Europa Nórdica (compreendida sem limites muito estritos como os atuais países Nórdicos, o Leste da Alemanha e o Leste Europeu) foi empreendida como um exercício didático para simplificação dos estudos e detecção de tendências artístico-estilísticas, culturais, sociais e tecnológicas durante a Antiguidade e o Medievo. Todavia, Birro ressalta que os avanços da Arqueologia, de estudos comparativos e micro-analíticos tem pulverizado esse panorama conforme a observação minuciosa de regiões específicas. Assim, o autor se propõe realizar uma breve retrospectiva até a quase reinvenção das palavras “Viking” e “Era viking” no contexto do nacionalismo, pós-colonialismo e na busca de identidade da Inglaterra vitoriana no século XIX e seus usos através das últimas centúrias.

Quanto ao aspecto teórico o dossiê conta com os estudos do historiador João de Oliveira Ramos Neto. O referido autor apresenta de forma introdutória as concepções de tempo histórico em Durval Muniz de Albuquerque Júnior, François Hartog, Reinhart Koselleck, Antoine Prost, José Carlos Reis e Paul Ricoeur, propondo um breve debate entre eles na tentativa de compreender a relação do historiador com o tempo que oscila entre a concepção natural e a concepção filosófica. No artigo são tratados temas e conceitos como calendário, estrutura, conjuntura, fato histórico e regime de historicidade.

Além do dossiê, a revista apresenta a sessão de artigos livres que contém a produção de Jorge Durbano. O presente artigo visa debater sobre as funções institucionais e administrativas que um cidadão ateniense no período clássico deveria executar para o acesso e manutenção de seu cargo na polis de Atenas. Além do referido texto, a revista NEARCO também expõe a resenha efetuada por Guilherme Keller Fragomeni da obra Medeia- Mito e Magia, de autoria da helenista Maria Regina Candido. O referido trabalho visa apresentar os principais pontos que constituem o livro sobre um dos personagens históricos mais debatidos na história.

Em suma, o conselho editorial da Revista NEARCO deseja a todos uma boa leitura!

Carlos Eduardo da Costa Campos – Membro do Núcleo de Estudos da Antiguidade, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na linha de pesquisa: Religião, Mito e Magia no Mediterrâneo Antigo. O mesmo atua como docente do Curso de Especialização em História Antiga e Medieval, CEHAM – UERJ. E-mail: [email protected]

Maria Regina Candido – Docente associada em História Antiga e coordenadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A mesma atua como membro da coordenação do Curso de Especialização em História Antiga e Medieval, CEHAM – UERJ e como Professora do Programa de Pós-Graduação em História da UERJ e do Programa de Pós-Graduação em História Comparada, da UFRJ.


CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa; CANDIDO, Maria Regina. Editorial. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade, Rio de Janeiro, v.6, n.1, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Práticas religiosas no Mundo Antigo / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2012

Neste dossiê perpassaremos pelos caminhos da religião, do mito e a magia na Antiguidade. Poderíamos afirmar que os referidos temas foram abandonados com o advento da modernidade, confirmando, assim, a famosa teoria da secularização; ou que as narrativas míticas e as práticas da magia se esvaíram do mundo em meio ao processo de desencantamento? A temática religião, mito e magia, são inerentes as sociedades humanas desde os primórdios da humanidade e permanece no cotidiano de inúmeros grupos sociais nos séculos XX e XXI como resultado de uma busca por certezas as quais a Ciência demonstrou certa incapacidade de explicação.

Na Antiguidade, é perceptível a ação do sagrado regendo diversas etapas da vida dos indivíduos. O Dossiê: Práticas Religiosas no Mundo Antigo objetiva conceder a comunidade acadêmica e aos demais interessados em História Antiga, através do diálogo interdisciplinar, a possibilidade de desvendar como as práticas religiosas nas sociedades egípcia, judaica, romana e grega serviram como cenário histórico-sociológico para o desenvolvimento das relações políticas, econômicas e sociais entre indivíduo e sociedade, alterando em alguns casos as relações culturais entre as diversas sociedades mediterrâneas.

O Dossiê dessa edição apresenta dez artigos produzidos por historiadores e pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento. O primeiro deles se trata de uma produção do Prof. Mestrando Alex Aparecido Costa da Universidade de Maringá. Costa aborda o tema “Aspectos da divinização do príncipe na concepção pliniana” objetivando analisar alguns aspectos relativos ao culto imperial e à divinização dos imperadores romanos durante o Alto Império a partir da análise do Panegírico de Trajano de Plínio, o Jovem. Segundo ele, condição especial para a divinização dos imperadores era a posse do imperium, um poder recebido do deus Júpiter e que estava presente no pensamento romano para indicar uma força capaz de criar e ordenar, agindo sobre a realidade de acordo com a vontade de seu detentor. Na obra de Plínio, diz Costa, o imperador é apresentado como um legado do deus, encarregado de administrar o mundo enquanto Júpiter governa o céu.

O segundo artigo do Dossiê, “De Thot a Hermes Trismegisto: o Egito antigo e o hermetismo árabe” foi desenvolvido pela Profª. Drª. Cintia Prates Facuri da Universidade de São Paulo. Facuri procura demonstrar o modo como ocorreu a transmissão dessa lenda e de seus conhecimentos, com enfoque principalmente na formação do Hermes árabe e o papel por ele exercido, levando em conta o estatuto desse material no mundo e no pensamento árabe.

Em terceiro lugar, orientado pela Profª. Drª. Cláudia Beltrão da Rosa da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Jhan Lima Daetwyler apresenta o artigo “DEAE SVLI MINERVAE: os pedidos de justiça à deusa das águas medicinais”. Nele Daetwyler faz uma abordagem das interações religiosas romano-bretãs na Britannia romana, tratando mais especificamente das práticas religiosas vinculadas aos defixiones bretões encontrados na nascente do templo de Sulis Minerva, buscando compreender o modo de vida dos grupos humanos no passado.

No quarto artigo do Dossiê: Práticas Religiosas no Mundo Antigo, o Prof. Ms. João Batista Ribeiro Santos do PPGH-UERJ aborda o tema “As fontes epigráficas e as antigas narrações judaicas da origem mediterrânea do antigo Israel”. Ribeiro Santos coloca as narrações mais antigas da Bíblia hebraica sobre os eventos fundadores do povo de Israel em diálogo com os testemunhos materiais, apresentando sua hipótese de que existiu um povo israelita no final do segundo milênio a. C. e uma dinastia davidica no início do primeiro milênio a. C., e que esse povo manteve relações diplomáticas e períodos de guerra com os países da Transjordânia pelo predomínio na terra de Canaan.

Após o artigo de Ribeiro dos Santos, encontramos o trabalho do Prof. Mestrando José Provetti Júnior da Unioeste, na qual o autor discute sobre “A alma na Hélade”. Nele Provetti Júnior investiga o conceito de alma na Hélade, em especial na filosofia présocrática, enquanto conceito que encerra em si os princípios da teoria do conhecimento e da criatividade científica dos primeiros físicos, responsáveis pela reedição do modo discursivo mítico da palavra eficiente para o modo discursivo racional da palavra representação, instaurando nova concepção e equipagem teórica adequada às novas tecnologias provenientes da reintrodução da escrita, possibilitando assim, o que o filósofo da ciência Karl R. Popper indica como o “resgate” da inventividade crítica dos primeiros tempos da Filosofia e sugere a superação da exclusividade do método indutivo criado por Aristóteles e endossado posteriormente por Francis Bacon como paradigma irrefutável do fazer ciência.

O sexto artigo do Dossiê foi desenvolvido pela Profª. Doutoranda Liliane Cristina Coelho – “Arquitetura doméstica e uso dos espaços: o exemplo da vila de trabalhadores de Akhetaton”. Segundo a autora, não é correto afirmar que toda cidade egípcia surgiu em função de um templo, mas a importância de um deus local é facilmente perceptível pela presença de pelo menos um local de adoração em cada assentamento urbano. Cristina Coelho pretende a partir do estudo das Estelas de Fronteira de Akhetaton – uma cidade erigida na região conhecida atualmente como El-Amarna, a estreita relação existente entre o indivíduo e sua cidade e, consequentemente, com o deus associado à localidade.

Em seguida, sendo orientado pela Profª. Msª. Ana Paula Magno Pinto da Universidade Gama Filho, Marco Aurélio Neves Junior trata do tema “Mito egípcio da criação do mundo – Versão Heliopolitana”, objetivando mostrar o quanto a religião e a mitologia do antigo Egito e da humanidade pode ser belas e tentar explicar os diversos termos de religião, aplicadas ao antigo Egito e mostrar que esta civilização poderia não ser politeísta no sentido da palavra que entendemos hoje, ensinando conceitos de religião como monoteísmo, politeísmo, monolatria, henolatria.

O oitavo artigo do Dossiê: Práticas Religiosas no Mundo Antigo se trata de uma ação conjunta dos professores Orestes Jayme Mega, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva e Lennon Oliveira Matos. Os autores abordam o tema “Arqueologia mítica: um breve esboço sobre a importância de abordagens mitológicas na arqueologia”, esboçando as inquietações levantadas à Arqueologia que se pratica sem a preocupação de se estabelecer diálogos mais profundos com outras fontes além da cultura material. Os autores defendem um maior uso dos mitos e da ciência da mitologia comparada, além da psicologia analítica, como fontes importantes de reflexões que podem se revelar de grande auxílio na interpretação do registro arqueológico.

Em seu artigo “A religiosidade dos construtores de tumbas no Egito antigo”, Rennan de Souza Lemos, orientado pelo Prof. Dr. Ciro Flamarion Cardoso estuda a religiosidade dos antigos egípcios do Reino Novo (c. 1550-1070 a. C.), com base no material escavado em dois sítios arqueológicos do período: a Vila dos Trabalhadores em Amarna e a vila de Deir el-Medina. Segundo ele, esta última abrigou, durante a maior parte do Reino Novo, os encarregados da construção e decoração das tumbas reais no Vale dos Reis, na parte ocidental de Tebas, enquanto a Vila dos Trabalhadores em Amarna possivelmente serviu para o mesmo propósito: abrigar os trabalhadores responsáveis pela construção e decoração das tumbas real e da elite na parte oriental de Amarna.

No penúltimo artigo do Dossiê, Renato Nunes Bittencourt analisa as críticas de Giorgio Colli sobre a interpretação nietzschiana acerca da tipologia valorativa do princípio apolíneo – expressão de uma experiência ética e religiosa caracterizada pelo rigoroso respeito pela justa-medida, em seu trabalho “Apolo de duas faces”. E, finalmente, concluindo o Dossiê: Práticas Religiosas no Mundo Antigo publicamos o artigo da Profª. Doutoranda Sandra Ferreira dos Santos do PPGArq-UFRJ, intitulado como “A magia para o amor e para a fertilidade no mundo grego”. A autora utiliza os katadesmoi para postular que a prática da magia no mundo grego pretendia, em especial, vingar uma ofensa ou proteger o seu realizador, mas, também, era empregada com finalidades amorosas e para propiciar a fertilidade – ou, ao contrário, a contracepção. Segundo ela, o estudo dessas fontes pode nos trazer novos olhares sobre as relações sociais neste período da História. Nesta edição da Revista Eletrônica de Antiguidade Nearco também publicamos outros artigos de interesse da comunidade científica e demais interessados em História Antiga, além de uma resenha do livro “Escrita e Poder na Antiguidade”.

Concluímos que o mundo foi e permanece sendo um entrelaçado de tradições, superstições, magia e religiões as quais impregnam os indivíduos e as comunidades nas suas formas de pensar e agir. Essa visão esclarece como a magia fazia parte do cotidiano romano e de outras sociedades. Notamos que pensar em superioridade da religião sobre a magia é esvaziar todo o contexto social que a prática mágica possuía. Um dos principais desafios na atualidade é justamente o de compreender o espaço da magia na sociedade e as motivações dos indivíduos, para recorrem a elas. Em suma, como o antropólogo Bronislaw Malinowski, nos apontou a relação homem-religião-magia são elementos existentes desde a Antiguidade e se encontram imbricados nas mais diversas sociedades (MALINOWSKI, 1948:01).

Referências

MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, Ciência e Religião. Tradução de Maria Georgina Segurado. Rio de Janeiro: Edições 70, 1948.

MAUSS, Marcel e HUBERT, Henri. Ensaio Sobre a Natureza e a Função do Sacrifício. In; Ensaio de Sociologia, 2º ed., São Paulo, Perspectiva, 2001.

Carlos Eduardo Campos (UERJ)

Junio César Rodrigues Lima (UERJ)

Maria Regina Candido (UERJ)


CAMPOS, Carlos Eduardo; LIMA, Junio César Rodrigues; CANDIDO, Maria Regina. Editorial. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade, Rio de Janeiro, v.5, n.2, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Germanos, da Antiguidade ao Ano Mil / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2012

“Em minha opinião, os germanos são indígenas (…) incontaminados por casamentos com outras nações” Tácito, Germânia, 98 d.C.

Há várias décadas os povos germânicos estão sendo reavaliados pelos acadêmicos europeus. Em vez de apenas serem pensados como os bestiais causadores da derrocada do Império Romano, ou de outro lado, como primitivos e bucólicos habitantes das florestas num contexto quase romântico, as atuais perspectivas exploram suas particularidades enquanto inseridas numa dinâmica de transformações que afetaram todo o Ocidente. Nem bons, nem maus, os germanos são fundamentais para se entender o novo tipo de mundo que teve início entre a Antiguidade Tardia e a Idade Média: “as sociedades ditas bárbaras têm uma cultura e as que se chamam civilizadas adquirem uma à custa de esforços, para o melhor ou para o pior”, [3] considerou Paul Veyne, enquanto que para Peter Burke “O declínio do Império Romano não deve ser considerado a derrota da cultura pelo barbarismo, mas um choque de culturas (…) Por mais paradoxal que possa parecer a expressão, houve uma civilização dos bárbaros”.[4] Essa reabilitação, por certo, vem colocando também alguns problemas metodológicos e investigativos, como a questão de identidade entre as diversas etnias, a ponto de alguns pesquisadores questionarem uma pretensa unidade lingüística e cultural entre estes povos (a etnogênese) e sua contrapartida, o referencial étnico criado a partir de Roma. A arqueologia neste sentido vem sendo decisiva, concedendo a possibilidade de se contrastar e ou examinar as fontes clássicas com novas perspectivas, indo muito além dos referenciais da interpretatio romana.

Em nosso país, uma nova geração de germanistas vem sendo formada, tanto de pessoas advindas das áreas de História e Letras, mas também de Filosofia e Artes, de pesquisadores vinculados aos estudos classicistas quanto medievalistas e orientalistas. Os principais centros de pesquisas, a exemplo da maioria das investigações envolvendo Antiguidade e Medievo, ainda são essencialmente situados no eixo São Paulo e Rio de Janeiro, mas com articulações por todo o país. Em especial, o grupo Brathair há cerca de dez anos vem promovendo estudos, publicações e eventos na área, mas atualmente o interesse está sendo ampliado também para os tradicionais laboratórios, núcleos e centros de investigações históricas e arqueológicas. Ressalta-se aqui a criação de grupos novos, como o NEVE, Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos, de caráter interinstitucional, do qual o dossiê apresenta a participação de seis membros.

A presente coletânea é uma mostra das mais recentes investigações sobre os povos germanos, com trabalhos de pesquisadores de diversos locais do Brasil, e proporcionado gentilmente pela equipe do NEA, Núcleo de Estudos da Antiguidade, vinculado à UERJ, que coordena a revista NEARCO.

O primeiro trabalho é de autoria de Ciro Flamarion Cardoso (UFF), um dos grandes nomes da pesquisa em História Antiga de nosso país. Seu artigo, A interpenetração da cosmogonia religiosa com a história entre os escandinavos, investiga como o imaginário religioso nórdico era estreitamente conectado ao mundo social e material, questionando a tradicional separação sócio-espacial entre deuses e homens nas sociedades antigas.

Em seguida, temos o artigo Os fiordes e as serpentes: definindo espaços guerreiros na saga de Óláf Trygvasson, de Pablo Gomes de Miranda (UFRN / NEVE), que tem como objetivo estudar a relação mantida entre os escandinavos da Era Viking com os meios hídricos das regiões onde habitavam, articulando o delineamento de um espaço próprio da cultura guerreira.

Munir Lutfe Ayoub (PUC-SP / NEVE) é autor do próximo artigo, Um breve debate sobre os primeiros contatos e a formação da Islândia, no qual examina a historiografia e as controvérsias sobre a colonização escandinava na ilha da Islândia, durante a Alta Idade Média.

Encerrando a coletânea, outro estudo sobre a Islândia, desta vez atentando para o processo de cristianização através das fontes literárias: Islândia no ano mil d.C.: uma análise segundo o Islendigabók, de Renato Marra Moreira (UFG / NEVE).

Ao finalizar o dossiê, congratulamos a equipe do NEA pelo espaço, antevendo que o futuro das pesquisas germânicas antigo-medievais em nosso país é muito promissor, seja pela presença cada vez maior de interessados, quanto no amplo diálogo que os centros universitários consolidados podem proporcionar para que o debate e a pesquisa sejam sempre o espírito que move os acadêmicos, independente das instituições que pertençam. Boa leitura!

Notas

3. VEYNE, Paul. História da vida privada: do império romano ao ano mil. Vol. 1. SP: Cia das Letras, 2009, p. 404.

4. BURKE, Peter. Variedade de história cultural. SP: Civilização Brasileira, 2006, p. 246.

Johnni Langer – Pós-Doutor em História Medieval pela USP, professor da UFMA. Coordenador do NEVE, Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (www.nevevikings.tk). E-mail: [email protected]

Luciana de Campos – Mestre em História pela UNESP. Membro do NEVE, Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos e NEMIS, Núcleo de Estudos de Mitologias (http: / / gruponemis.blogspot.com). E-mail: [email protected]


LANGER, Johnni; CAMPOS, Luciana de. Editorial. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade, Rio de Janeiro, v.5, n.1, 2012. Acessar publicação original [DR]

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História, gênero e sexualidade / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2011

O texto do historiógrafo romano Tito Lívio, Ab Urbe Condita, é conhecido por sua extensão e pelo detalhismo de sua narrativa, a qual descreve em minúcias as batalhas lutadas pelos fundadores da cidade de Roma e pelos seus cônsules.

No livro XXXIX, contudo, percebe-se uma mudança de tema. Não que os detalhes tenham diminuídos – eles estão lá, presentes, ajudando a compor o enredo de seu autor. Todavia, sem fugir à sua pretensão de narrar a história pátria, Lívio quase compôs um suspense que prende a atenção do seu leitor até seu desenlace final.

Tito Lívio escrevia sobre a década de 180 AEC, plena fase de expansão militar que levaria a dominação latina a circundar todo o Mediterrâneo, e nos introduz ao contexto daquela sociedade: decaída por causa da ostentação importada. “O luxo das nações estrangeiras penetrou em Roma na esteira do exército da Ásia: foi ele quem introduziu na cidade os leitos adornados de bronze, os tapetes preciosos, os véus e os tecidos delicados” [2]. Junto com os tapetes e tecidos finos, chegaram do Oriente bens imateriais, como novas religiões, uma das quais apresentou ao cônsul seu problema quando bateu em sua porta um rapaz chamado Públio Ebúcio, “filho de um cavaleiro romano, tendo perdido o pai e, em seguida, os tutores, fora educado pela mãe, Durônia, e pelo segundo marido desta, Tito Semprônio Rútilo (…) que desempenhara a tutela de modo a não poder de forma alguma prestar contas, procurava desfazer-se do pupilo ou mantê-lo sob sua dependência por meio de um laço suficientemente forte. A única forma de corrompê-lo seria iniciá-lo nas bacanais” [3].

Em conluio com o marido, a mãe do jovem Ebúcio pediu-lhe que se mantivesse casto por alguns dias, para que pudesse iniciá-lo nos cultos báquicos em resposta a uma promessa feita, levantando suspeitas numa outra personagem, Híspala, “uma cortesã famosa, liberta (…) muito acima do ofício que desempenhara quando escrava e no qual, após sua manumissão, persistira por necessidade” [4]. Esta ex-escrava, vizinha do jovem, era sua amante, teve um acesso histérico quando soube dos planos de Durônia e relatou o que vira, quando jovem, numa dessas cerimônias de iniciação: festins orgiásticos com toda sorte de obscenidades, inclusive o estupro de jovens rapazes, cujos gritos eram abafados pelos sons de instrumentos musicais.

Tivesse o jovem acedido ao desejo materno e participado de tais rituais, estaria desonrado para o resto da vida e não poderia livrar-se da influência do padrasto – não se concebia um cidadão romano que tivesse representado, já adulto, o papel passivo numa relação sexual.

Vários são os primas através dos quais o historiador pode abordar este trecho do Ab Urbe Condita – o econômico (a disputa pelos bens de um herdeiro endinheirado); o jurídico (os direitos de tutelagem, por exemplo, estabelecidos já na Lei das XII Tábuas); da política (o cônsul e seu papel na administração da cidade) ou da cultura (a inserção de práticas helenísticas no contexto romano). A todos estes, porém, podemos acrescentar pelo menos mais um: a história do corpo. Nas palavras de Peter Gay:

“O historiador profissional tem sido sempre um psicólogo (…) ele opera com uma teoria sobre a natureza humana; atribui motivos, estuda paixões, analisa irracionalidades e constrói o seu trabalho a partir da convicção tácita de que os seres humanos exibem algumas características estáveis e discerníveis, alguns modos predizíveis, ou pelo menos decifráveis, de lidar com as suas experiências. (…) No início da década de 40, Marc Bloch assinalou a obrigação do historiador de explorar o que chamou de ‘as necessidades secretas do coração’ dos homens” [5].

O corpo e suas interpretações sociais: eis o campo onde os estudos transdisciplinares vêm inserindo o conhecimento históricos nas últimas décadas. O corpo, “o ausente da linguagem, o local do desejo e da infelicidade (…) e os historiadores, renovando os votos de Michelet, partiram para a pesquisa da própria vida (…), a ‘carne e o sangue da história” [6]

O corpo, e como consequência as relações entre os seres humanos, foi desnaturalizado. Não é um dado inquestionável. É, antes, o local primeiro da escrita da história, pois as percepções de gênero são “desenvolvidas e alimentadas por diversos mecanismos do meio social” [7], e tais locais são, claramente, objeto do olhar historiográfico.

No exemplo liviano que dá início a esse texto, diversos locais de produção da história são inscritos no corpo dos seus personagens, “sede do desejo, ele fundamenta a expressão desse desejo. Toda palavra é desejo, toda palavra vem do corpo” [8]. A mãe que, apaixonada, permite-se agir contra o próprio filho em prol do companheiro; a amante que, mais uma vez movida pelo desejo, revela ao jovem Ebúcio os horrores do culto báquico (e o faz rompendo o voto de silêncio imposto a todos os participantes).

A honra de Ebúcio, e sua manutenção o permitiria assumir em breve a herança legada pelo pai, é o foco central dessa narrativa. Sim, o jovem mantinha relações com uma cortesã; todavia, ressalta Lívio: “a vizinhança ensejara relações (…) que não prejudicavam a reputação do jovem” [9]; o verdadeiro risco residia na perspectiva de representar o papel passivo numa relação homossexual: “terríveis bramidos, ruídos de instrumentos, sons de címbalos e tímpanos afogavam os gritos do pudor ultrajado (…) de início suportaria todas as infâmias e depois as exerceria contra outros” [10]. Tais situações requerem “respostas inovadoras” daquele que a elas se achega para produzir História, e neste sentido “não só o gênero é visto como uma construção cultural, mas também o sexo” [11]. Ou nas palavras de Olwen Hufton, “uma gender history que se interessa pelo processo de definição tanto do masculino como do feminino” [12].

O debate sobre diferentes papeis sociais é questão central, não apenas da academia, mas da sociedade como um todo, e o conhecimento histórico não poderia abster-se de tal debate. Para Jonathan Ned Katz [13], é tema essencial e bastante debatido nas relações humanas, enquanto Michel de Certeau [14], ao abordar o lugar da História e do historiador na sociedade, afirma que não se pode isolar os pensadores do espaço em que vivem; antes, eles devem imiscuir-se no meio social sentir as preocupações e opressões de seu tempo, e produzir trabalhos que representem a sociedade na qual estão inseridos, numa epistemologia da história comprometida com o contexto social que a gerou.

Notas

2. LÍVIO, Tito. Ab Urbe Condita Libri, vol. V, livro XXXIX, cap. 6. São Paulo: Paumape, 1990, , p. 284, 285.

3. LÍVIO, Tito. Ab Urbe Condita Libri, vol. V, livro XXXIX, cap. 9. São Paulo: Paumape, 1990, p. 287.

4. LÍVIO, Tito. Ab Urbe Condita Libri, vol. V, livro XXXIX, cap. 9. São Paulo: Paumape, 1990, p. 288.

5. GAY, Peter. Freud para historiadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 25, 26.

6. REVEL, Jacques; PETER, Jean-Pierre. O Corpo. IN LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. Novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p.141.

7. SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2005, p. 168.

8.REVEL, Jacques; PETER, Jean-Pierre. O Corpo. IN LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. Novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p.145.

9. LÍVIO, Tito. Ab Urbe Condita Libri, vol. V, livro XXXIX, cap. 10, p. 288. São Paulo: Paumape, 1990.

10. LÍVIO, Tito. Ab Urbe Condita Libri, vol. V, livro XXXIX, cap. 10, p. 289. São Paulo: Paumape, 1990.

11. SILVA, Andreia Cristina Lopes Frazão da. Aproximações historiográficas ao medievo: teorias, métodos e técnicas da História das mulheres e dos estudos de gênero. In ZIERER, Adriana; XIMENDES, Carlos Alberto. História Antiga e Medieval: cultura e ensino. São Luís: Editora UEMA, 2009, p. 99.

12. HUFTON, Olwen. Mulheres/Homens: uma questão subversiva. In BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique. Passados recompostos: campos e canteiros da História. Rio de Janeiro: UFRJ, FGV, 1998, p. 247.

13. KATZ, Jonathan Ned. A invenção da heterossexualidade. Rio de Janeiro; Ediouro, 1996.

14. CERTEAU, Michel de. A operação histórica. In LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976, p. 17-48.

José Maria Gomes de Souza Neto – Professor de História Antiga de Universidade de Pernambuco.

 


SOUZA NETO, José Maria Gomes de.  A honra de Ebúcio: história, gênero e sexualidade. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade, Rio de Janeiro, v.4, n.2, p.6-10, 2011. Acessar publicação original [IF].

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