Familias y redes sociales. Cotidianidad y realidad del mundo iberoamericano y mediterráneo | Sandra Olivero Guidobono

Este libro abre nuevos caminos en el estudio de las familias y redes. Presenta la oportunidad de discutir un mismo problema en ámbitos históricos diferentes, tanto en Iberoamérica como la Península. Muestra cambios y continuidades, individuos, familias e instituciones, en la vida cotidiana.

Un indispensable trabajo teórico y conceptual es el realizado por Francisco Chacón Jiménez. Es un mérito del libro contener las bases de una discusión de este tipo y poco común en los libros de Historia, pero este capítulo muestra su gran trascendencia. Igualmente, este estudio es valorable por su interdisciplinariedad. No pierde el acercamiento histórico al contemplar fuentes y problemas afines en la historia. El capítulo de Ann Twinam retoma su vitalidad de la historia comparativa. Estudia ámbitos coloniales, además del ibérico, lo que propicia la discusión pocas veces abordada en forma común. El frecuente acercamiento institucional, a base de las normas, es visto desde la vida cotidiana, la ilegitimidad y el mestizaje, lo que muestra lo relativo de las normas y su constante adecuación ante las dinámicas sociales Nuevas perspectivas históricas, sobre las codificaciones sociales, son planteadas por Sandra Olivero Guidobono. Aborda el mestizaje y la ilegitimidad, mostrándolos como un elemento dinamizador de las sociedades en la Era Moderna. Las identidades resultan de su análisis como construcciones socio-culturales. La permeabilidad y las estrategias tomadas permitieron la creación de múltiples identidades, y la posibilidad de encontrar nuevos caminos en el transcurso de sus vidas. Leia Mais

Gênero, sexualidade e redes sociais: a desigualdade social “curtida” e “compartilhada” | Rafael Morato

Genero
Gênero, sexualidade e redes sociais | Detalhe de capa

O livro aqui resenhado foi publicado em 2019, mas as questões que ele nos traz fazem pensar que estamos séculos atrás. Como é possível ainda nos depararmos com o fato de que a nossa sociedade vive para criticar e aprovar a sexualidade e os comportamentos do outro? Estamos na chamada era digital, em que as redes sociais atuam com força e protagonismo nas interações humanas, cada curtida ou compartilhamento feito nesses meios digitais carrega consigo uma carga ideológica muito grande, julgando comportamentos e influenciando opiniões.

Nesse universo de possibilidades que a vida, o corpo humano e as relações sociais nos apresentam, há inúmeras formas de ser e de viver os gêneros e a sexualidade. No entanto, o que se percebe através de redes sociais como o Facebook, por exemplo, é que continuamos nos apegando a críticas pautadas na dualidade, que giram em torno de um modelo de homem e de mulher socialmente construídos, e de uma sexualidade baseada na heteronormatividade, invisibilizando – e muitas vezes condenando – outras formas possíveis de ser e de se relacionar emocional e sexualmente. Leia Mais

No rendilhado do cotidiano: a família dos libertos e seus descendentes em Minas Gerais (C. 1770 – C. 1850) | Sirleia Maria Arantes

No rendilhado do cotidiano
No rendilhado do cotidiano: a família dos libertos e seus descendentes em Minas Gerais (C. 1770 – C. 1850) – Detalhe de capa

A perspectiva da micro-história e das redes sociais vem colaborando de forma categórica na historiografia brasileira sobre a família e ampliando o escopo de conceitos, interpretações e metodologias. Publicado em 2020, o livro No rendilhado do cotidiano: a família dos libertos e seus descendentes em Minas Gerais (C. 1770 – C. 1850), de Sirleia Maria Arantes, representa mais um esforço nessa direção. Em diálogo com a historiografia da família negra no período escravista, Arantes desenvolveu uma complexa análise que conjuga microanálise à demografia histórica, contribuindo para a literatura que discute a experiência de vida familiar de libertos e escravizados em Minas Gerais na virada do século XVIII para o XIX.

A preocupação em ampliar o estudo sobre a experiência familiar negra no contexto escravista, não é recente. Desde a década de 1970, estudiosos caminharam no sentido de repensar a forma que a família escrava aparecia na historiografia brasileira, se atentando a problematizar a visão de relações sociais instáveis dentro e fora do cativeiro e o conceito de patriarcalismo. Nesse sentido, os trabalhos do historiador Robert W. Slenes – especialmente o célebre Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava – teve um papel relevante na renovação das interpretações sobre a família escrava no Brasil, na perspectiva de tomar a família como uma importante estratégia de sobrevivência e preservação das heranças culturais. Pesquisas recentes também avançaram no estudo das estratégias familiares dos escravizados e libertos, colocando ao centro o protagonismo destes atores sociais, se valendo das contribuições da demografia histórica e da micro-história. Os estudos de Cacilda Machado para São José dos Pinhais, Paraná (2008), de Roberto Guedes para Porto Feliz, São Paulo (2008) e de Tarcísio R. Botelho, para Minas Gerais (2007) são apenas alguns dos esforços recentes, além das dissertações e teses não publicadas – como a tese de Isabel Cristina Ferreira dos Reis para a Bahia, no século XIX. Leia Mais

O discurso de ódio nas redes sociais – SANTOS (REi)

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Marco Aurélio Moura dos Santos. www.usp.br/gepim/pesquisadores.

SANTOS M A M O discurso de odio nas redes sociaisSANTOS, Marco Aurélio Moura dos. O discurso de ódio nas redes sociais. São Paulo: Lura Editorial, 2016. Resenha de: BRANDÃO, Clyton. Revista Entreideias, Salvador, v. 9, n. 2, p. 6-68, maio/ago 2020.

A datar de sua popularização no Brasil, no meado dos anos 2000, a internet vem contribuindo, substancialmente, nos comportamentos dos sujeitos que compõem a alcunhada sociedade da informação. Esta, têm desencadeado significativas alterações na produção da economia, da cultura e nos modos de interação social. Esse indicativo reflete na vida contemporânea, na qual as mudanças, desde a modernidade até a contemporaneidade, anunciam transformações no comportamento.

O advento das Redes Sociais Digitais possibilitou a transposição de inúmeras formas de interações interpessoais decorrentes da vida offline para vida on-line. Indivíduos reelaboraram constantemente suas formas de se relacionar com o tempo e o espaço, criando novas maneiras de socialização em rede. A interação permitida pelo uso de dispositivos e as potencialidades das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) tem contribuído para repensar as dinâmicas sociais, de modo que, “[…] pensar a tecnologia, nesta era do pós-digital, significa implicá-la nas táticas e estratégias do poder.” (SANTAELLA, 2016, p. 11)
Assim, a criminalidade não é um fenômeno alheio a essas transformações. Como a rede é um espaço de socialização como qualquer outro, mediado por ações de indivíduos que fazem parte dela, a violação dos direitos humanos também ocorre neste espaço, agora com características sofisticadas por meio das tecnologias.

Por oferecer a ilusão do suposto anonimato e por tornar-se um ambiente de rápida veiculação de mensagens com um grande alcance de público, crimes que já eram executados na vida off-line foram transferidos para a vida on-line. Discursos de ódio e discriminatórios relacionados ao gênero, sexualidade, classe social, posicionamento político e religioso, cor e etnia são uma realidade na rede; estes, são caracterizados por “[…] qualquer expressão que desvalorize, menospreze, desqualifique e inferiorize os indivíduos. Trata-se de uma situação de desrespeito social, uma vez que reduz o ser humano à condição de objeto”. (SILVEIRA, 2008, p. 80)

Nessa contextura, temos o livro O discurso de ódio em redes sociais (2016), fruto de uma dissertação de mestrado defendida no Programa de Mestrado em Direito da Sociedade da Informação das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU/SP). Trata-se de uma obra importante para entender o presente cenário da disseminação do ódio na rede online, assim como suas raízes, conceitos e questões jurídicas.

O livro é composto por cinco capítulos, incluindo introdução e conclusão, no qual o autor retrata os conceitos e elementos acerca do tema, os núcleos do discurso de ódio, o direito a diferença e a identidade e o discurso de ódio, e conclui fazendo uma análise no que concerne a legislação brasileira para crimes de ódio on-line.

Na introdução, Santos faz uma análise entre o ciberespaço e o discurso de ódio. Ele prossegue afirmando que as TICs, apesar de não ter utilizado esta denominação, possibilitou inúmeras maneiras de disseminação de informações entre sujeitos de lugares e culturas diferentes, formando, assim, uma “cultura participativa”. (JENKINS, 2009, p. 30) Contudo, mesmo a rede online sendo fomentadora no que tange a projeção de conhecimento dos indivíduos, também é um ambiente

“[…] fértil para a ampliação de aspectos conflituosos de realidade palpável e do relacionamento social, como o ódio e todas suas manifestações”. (SANTOS, 2016, p. 8)
No capítulo um, Santos discute os conceitos e elementos do discurso de ódio nas redes sociais na sociedade da informação. Ele faz um levantamento histórico e do pensamento filosófico para mostrar que “o ódio não é uma questão nova na sociedade”. (SANTOS, 2016, p. 23)

Continua a afirmar que para o entendimento desses discursos presentemente, é fundamental trazer àtona a discussão a respeito da natureza do mal. Para tal, apresenta definições de Freud (século XX), Arendt (1999), Glucksmann (2007) e Brugger (2007), no que tange o ódio e o mal desde a idade média até os dias atuais.

Para fundamentar o ódio, o autor traz André Gluscksmann citado por Santos (2016, p. 20) que declara:

[…] o ódio existe, todos nós já nos deparamos com ele, tanto na escala microscópica dos indivíduos como no cerne de coletividades gigantescas. A paixão por agredir e aniquilar não se deixa iludir pelas magias da palavra. As razões atribuídas ao ódio nada mais são do que circunstâncias favoráveis, simples ocasiões, raramente ausentes, de liberar a vontade de simplesmente destruir.

Através da definição de Gluscksmann, Santos relata que caracterizar o discurso de ódio é uma tarefa difícil, pois este pode aparecer de forma implícita ou explícita; isto é, a intenção do agressor pode aparecer de maneira clara e objetiva ou subliminar.

Ao refletir sobre o mal, mas precisamente sobre a “banalidade do mal” (ARENDT apud SANTOS, 2016); o autor chega a conclusão de que o mal na atualidade se tornaria algo cotidiano, como um ato qualquer, ou seja, algo banal e disponível a todos, “[…] uma vez que o processo tecnológico atual denominado ‘sociedade da informação’, não parece a priori, ser capaz de romper com a in¬tolerância enraizada nas relações humanas, muito pelo contrário, parece apontar para a ‘banalidade do mal’”. (SANTOS, 2016, p. 26)

Ainda no capítulo um, Santos apresenta outros três conceitos: identidade e diferença – através dos estudos de Lévi-Strauss (2010) e Hall (2011); análise do discurso, trazendo as contribuições de Foucault; e redes sociais a partir das definições de Castells (2005) e Recuero (2012).

O conceito de redes sociais aparece sob a ótica de Recuero (apud SANTOS, ano, p. 114) que define como: “[…] agrupamentos humanos, constituídas pelas interações, que constroem os grupos sociais. Nessas ferramentas, essas redes são modificadas, transformadas pela mediação das tecnologias e, principalmente, pela apropriação delas para a comunicação”.

Nesse sentido, entende-se que as redes sociais são interações interpessoais que já existiam antes do surgimento e popularização da internet e, após o advento das TICs, foram reformuladas e modificadas, transformando-se em redes sociais digitais.

No capítulo dois, o autor traz os conceitos de intolerância, preconceito e violência, além de trazer uma abordagem jurídica acerca do discurso de ódio, perpassando pelos estudos em relação a dignidade da pessoa humana.

O conceito de intolerância vem frequentemente associado ao preconceito, tornando-os, assim, “conceitos vizinhos”, que podem ser definidos como atitudes de hostilidade nas relações pessoais, destinada contra um grupo inteiro ou contra indivíduos pertencentes a ele, e que preenche uma função irracional definida dentro da personalidade. Apresenta-se também a concepção de “intolerância selvagem”, de Umberto Eco (apud SANTOS, 2016, p. 131), que é caracterizada com raivosa, descontrolada, inexplicável e impulsiva, ficando nivelada a irracionalidade.

Tratando-se da definição de violência, ele traz o texto da Lei nº 11.340/2006, em seu Art. 7, que define as formas de violência:

A violência física, ou seja, a que ofenda a integridade ou saúde corporal; a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto estima ou que causa prejuízo e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; a violência sexual; a violência patrimonial, e ao final a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL apud SANTOS, 2016, p. 243).

Desse modo, compreende-se que a violência pode ser expressada e sofrida em diversas esferas internas e externas aos sujeitos, podendo ser um produto da natureza, no sentido de que é intrínseca à humanidade; e, para outros, um produto da história, que não é, portanto, natural ao homem.

No capítulo três, Santos aborda a diversidade cultural humana. Para ele, o debate acerca da diferença cultural entre as sociedades que compõem o mundo, a partir das concepções de (STRAUSS apud SANTOS, 2016), demonstra a impossibilidade de avaliar e julgar sociedades com base em instrumentos utilizados em outras sociedades, de forma que somente a própria sociedade poderia refletir sobre si mesma, julgando-se e avaliando-se. Ainda segundo o autor nenhuma cultura possuiria critérios absolutos que permitissem a realização de distinções entre os conhecimentos, crenças, artes, moral, direito, costumes, aptidões ou hábitos dos seres humanos de outras culturas, podendo e devendo fazer tais distinções, contudo, quando se tratasse de suas próprias manifestações culturais.

Nas conclusões, Santos ratifica que os crimes relacionados ao ódio, na esfera off-line e on-line, se transformaram numa questão estatal e sua repreensão reflete a preocupação quanto a influência deste fenômeno na vida social das coletividades.

Assim, não há como considerar os indivíduos como totalmente iguais e situados num espaço tempo fixo, uma vez que o respeito à condição humana aponta para a diversidade da própria condição humana. Ademais, o discurso do ódio se volta contra a diversidade humana, fere a atual Constituição Federal e, sobretudo, esgarçam a segurança na internet.

Referências
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.

SANTAELLA, Lucia. Temas e dilemas do pós-digital: a voz da política. 1. ed. São Paulo: Paulus, 2016. v. 1.

SANTOS, Marco Aurélio Moura dos. O discurso de ódio nas redes sociais. São Paulo: Lura Editorial, 2016.

SILVEIRA, Sérgio Amadeu; PRETTO, Nelson de Luca. (org.). Além das redes de colaboração: internet, diversidade cultural e tecnologias do poder. Salvador: Edufba, 2008.

Clyton Brandão – Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]

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Tristes por diseño. Las redes sociales como ideologia | Geert Lovink

Con un estilo narrativo que nos interpela como usuarios de redes y plataformas, en Tristes por diseño…, Geert Lovinkrealiza un llamado a la consolidación de los estudios sobre Internet que quiten el dominio disciplinar a las escuelas de negocios y geeks reproductores de los esquemas de Silicon Valley. El libro consiste en una exploración de posibles alternativas de organización ante los modelos de redes actuales, a partir de un osado diagnóstico en el cual la realidad social es comprendida como una hibridación entre medios portátiles y la estructura psíquica de los usuarios. ¿Cómo liberarnos del nihilismo de las plataformas y hacer que lo social tome el mando dentro de las redes sociales?, ¿cómo escapar de la identidad de consumidor?, ¿cómo construir una identidad colectiva en las redes?, son algunas de las preguntas que traman este trabajo. Leia Mais

The First Phone Call from Heaven – a novel – ALBOM (V)

ALBOM, Mitchell David. The First Phone Call from Heaven – a novel. New York: Harper Collins Books, 2014. 324p. Resenha de: KRISCHKE, Paulo J. A ambiguidade das redes sociais na dominação oligopólica. Veritas, Porto Alegre, v. 65, n. 1, p. 1-4, jan.-mar. 2020.

Mitchell David Albom é escritor premiado, jornalista, roteirista, dramaturgo, radialista e músico dos Estados Unidos. Seus livros já venderam mais de 39 milhões de cópias em todo o mundo. Cinco de seus bestsellers focalizam os dilemas humanos das relações com a morte. Ele estudou literatura na Universidade de Detroit e, nessa cidade, iniciou sua carreira como jornalista e escritor. Nela, também patrocina três clínicas de atendimento a famílias de baixa renda, e outras obras de assistência social, além de uma clínica do mesmo tipo nas Filipinas Outro dia lendo um romance dos Estados Unidos (bestseller do The New York Times) sobre como a internet está ampliando (ambiguamente) a dominação oligopólica nos meios de comunicação, constatei que o livro dá um exemplo de como Brasil está presente nesse processo desde muito tempo. O livro de Mitch Albom The first phone call from heaven (New York: Little Brown Book, 2014, 182p.) menciona o conhecido (e pouco comentado) incidente quando Dom Pedro II interagiu com Alexander Graham Bell na feira internacional no primeiro centenário dos EUA, Philadelphia, 1876, sendo essa a primeira autoridade a experimentar fascinado uma mensagem telefônica de seu suposto inventor – que logo patentearia o presumido invento, apoiado nesse respaldo público oficial. Albom menciona, a seguir, os vários inventores que tentavam a patente do telefone na época, mas foram suplantados por esse apoio imperial brasileiro; Dom Pedro fez essa experiência acompanhando a comissão de juízes que premiou o melhor invento da feira.

Não por acaso, Dom Pedro era também celebrado naquele tempo como a única cabeça coroada da “Tríplice Aliança” (Brasil/Argentina/Uruguai), na guerra da década anterior que dizimara a sangue-frio quase a totalidade da população masculina do Paraguai (1864-1870), ao mesmo tempo que cruelmente enganava com falsas promessas de liberdade os vastos contingentes de escravos de seu próprio exército e da marinha do Brasil. É claro que toda essa crueldade sanguinária e mistificação autoritária combinam bastante com o clima político que temos vivido nestes últimos tempos no Brasil e no mundo. Contudo, cabe ao pensador restaurar a ambiguidade usual dos fatos, processos e instituições, para que os desvios e exageros de cada época e lugar possam ser devidamente avaliados, compensados, eventualmente corrigidos e no futuro evitados preventivamente. Pois, afinal de contas, nem todos são enfermos de sadomasoquismo em busca da autodestruição e do martírio; e a mais fervente religiosidade e misticismo podem também cultivar a tolerância, a ajuda mútua, e a solidariedade entre diferentes culturas, religiões e grupos sociais.

Mas, esse romance recente sobre as mídias sociais nos EUA denuncia com eficácia o amplo conluio entre interesses e agências públicas e privadas, na promoção conjunta dessas “fake news” religiosas e político-sociais que contaminam e manipulam o senso comum. Seu tema central é a controvérsia nacional e internacional que se estabelece em uma pequena cidade, típica do meio-oeste americano, com repercussões no noticiário das redes de televisão, quando vários cidadãos locais relatam receber do “além túmulo” chamadas telefônicas de parentes próximos já falecidos, trazendo mensagens tranquilizadoras sobre seu convívio no paraíso na presença de Deus, demais antepassados, anjos etc. A opinião pública favorável que recebem de todas as partes, veiculada pela grande mídia, gera um afluxo monumental de turistas para a cidade, que passa a exigir comprovação oficial sobre a veracidade dessas mensagens “do além”.

Tal comprovação promete ser obtida em um “showmício” com milhares de participantes no estádio de esportes da cidade, quando novas mensagens do mesmo tipo serão recebidas em sequência, em “viva voz” pelos vários destinatários dos falecidos (e na presença dos vários pastores e sacerdotes locais). Sem querer estragar o suspense de desfecho desse romance, digamos apenas que o FBI surpreende ao final invadindo uma fazenda das proximidades, onde um ex-agente seu, especializado em espionagem como “hacker”, consegue recriar e transmitir no anonimato, as vozes desses “falecidos” aos destinatários… Sem dúvida, um desses destinatários se dedica a revelar por sua conta e risco toda a fraude dessa tramoia – com apoio do delegado da polícia local (também ele um dos destinatários das “mensagens” originais).

A mensagem do livro, em suma: todos podemos (mesmo as autoridades) ser enganados legitimamente, mas entre nós, às vezes, surgem indivíduos paladinos da justiça, capazes de enfrentar a corrupção generalizada – mesmo quando esteja disfarçada/manipulada pela religião ou pela ordem pública.

A ficção das histórias sobre “cowboys”, espiões e suspense policial, ficção científica etc. é de grande utilidade para avaliar o momento político, e as questões que afetam a preocupação das pessoas, e a moralidade pública e privada no âmbito do senso comum. Desde a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, temos visto profundas mudanças políticas internacionais, geralmente, caracterizadas por estratégias conservadoras e reacionárias, também em países da Europa e da América Latina. Com isso, as ciências humanas nem sempre percebem a ambiguidade que caracteriza esse processo. As obras de ficção costumam ser mais abertas que a reflexão jornalística ou científica, no sentido de que devem circular em um sentido mais amplo, de promoção do entretenimento entre grande número de consumidores dos bestsellers internacionais. Esse objetivo revela, muitas vezes, mudanças sutis na compreensão dos expectadores, que chegam, às vezes, a reforçar tendências maiores pré-existentes no plano subconsciente – tais como motivações de resistência e de inconformidade que podem eventualmente ganhar legitimidade concreta.

Esse romance sobre a ambiguidade das redes sociais e o controle oligopólico da política é inovador em muitos sentidos: questionando, por exemplo, a onipre­sença da religião e a onipotência auto­ritária na vida das pessoas; denunciando (outro exemplo) o auto­ritarismo das agências de vigilância e

de controle militar nas esferas federal, regional e local; 3. revelando, também, principalmente, a vulnerabilidade das instituições es­tatais e dos meios de comunicação à invasão brutal e à esperta manipulação de dados pelos “hackers” individuais, criminosos, violadores, empresários e aventureiros de toda espécie.

Mas, a convergência fabricada entre as motivações morais/religiosas e a legitimidade autoritária já têm sido, muitas vezes, denunciadas antes, geralmente, sem muito sucesso – desde as invectivas de Sócrates/Platão contra a nefasta, mas persistente influência dos sofistas. Mesmo a ênfase das obras de um John Rawls ou de um Jürgen Habermas sobre o sentido plural, e às vezes, contraditório, das bases da legitimidade democrática nos países do Ocidente, tem sido negligenciada frequentemente, seja por sua “ingenuidade antropocêntrica”, “pretensão evolucionista”, ou “ilusão presentista” (como querem as críticas radical-feministas ou as dos chamados “pós-modernos”.

Habermas (1975, p. 76) é quem classicamente tem exposto essa lacuna, desde as crises de legitimidade dos anos 1960: As estruturas motivacionais necessá­rias para a sociedade burguesa estão apenas incompletamente refletidas nas ideologias burguesas. As sociedades capitalistas sempre foram dependen­tes de condições culturais limítrofes que elas não podiam reproduzir por si mesmas; elas se alimentavam parasi­tariamente dos resquícios da tradição.

É importante enfatizar nesse ponto que Habermas utiliza os conceitos de tradição e de modernização no contexto dos estudos históricos sobre cultura e sociedade realizados pela “Escola de Frankfurt” – e, portanto, desde um ponto de vista inteiramente diferente da abordagem formal estrutural-funcionalista. O conceito de Habermas de ordem ou subsistema de legitimação foi construído a partir de sua ênfase na relação necessária entre legitimidade e “verdade de crença” (i.e., seu fundamento básico de legitimação na ordem motivacional). Ele afirmou sua posição em uma crítica das bem conhecidas tendências do funcionalismo estrutural a assimilar o conceito de legitimação de Weber àqueles de legalidade e adjudicação da lei.

[…] Se as decisões de acatamento obri­gatório são legítimas, isto é, se elas po­dem ser tomadas independentemente do exercício concreto de coerção e ameaça manifesta de sanções, e podem ser regularmente implementadas mes­mo contra os interesses dos afetados, então elas devem ser consideradas como o cumprimento de normas acei­tas. Essa irrestrita validade normativa se baseia na suposição de que a norma poderia, se necessário, ser justificada e defendida contra a crítica. E essa supo­sição não é, por sua vez, automática. É a conseqüência de uma interpretação que admite o consenso e que tem uma função moralmente reconhecida […] (HABERMAS, 1975, p. 101).

As ambíguas relações da tradição com a modernidade, entre a religião, a política oficial e as linguagens da ficção e a da vida comum, devem ser continuamente reexaminadas, para seguir adiante em nossa trajetória.

Referências

ALBOM, Mitch. The First Phone Call from Heaven – a novel. New York: Harper Collins Books, 324 p.

CHILTON, Stephen. Situando o pós-modernismo na perspectiva do desenvolvimento moral-cognitivo, Civitas, Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, n. 2, v. 2, p. 285-292, 2002. Tradução de Paulo Krischke. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2002.2.102 HABERMAS, Jürgen. Legitimation Crisis. Boston: Bea­con Press. Trad.: Thomas McCarthy, 1975.

RAWLS, John. 1992. A Justiça como Eqüidade: uma concepção política, não metafísica. Lua Nova, Re­vista de Cultura e Política, São Paulo, CEDEC, n.25, p. 25-59. Tradução de Regis Andrade. ttps://doi.org/10.1590/S0102-64451992000100003

Paulo J. Krischke – Pesquisador Sênior do CNPq, Professor colaborador no PPGICH da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, Florianópolis, SC, Brasil), e ex-professor visitante na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Recebeu recentemente recursos da Secretaria Estadual de Cultura de Santa Catarina para publicar suas memórias do exílio no Chile, Canadá e Europa – que serão divulgadas em dramaturgia a comunidades populares da Grande Florianópolis, pelo centro cultural “Transformando pela Prática”, do Rio Vermelho. Endereço para correspondência: Paulo J. Krischke Universidade Federal de Santa Catarina Campus Reitor João David Ferreira Lima Caixa Postal 476, Trindade, 88040-900. Florianópolis, SC, Brasil

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O poder na aldeia. Redes sociais, honra familiar e práticas de justiça entre os camponeses italianos (Brasil-Itália) | Maíra Ines Vendrame

René Gertz, um dos maiores estudiosos da imigração e da colonização alemã no Rio Grande do Sul, recentemente elaborou uma catalogação e, com isso, tornou disponível on line a bibliografia científica editada no Brasil sobre seu principal objeto de pesquisa. Foram catalogados sobre o tema da imigração e colonização alemã em torno de 3750 publicações. iii

É muito provável que, se alguém se esforçasse para compilar uma bibliografia sobre a imigração e colonização italiana no estado do Brasil Meridional, o resultado seria análogo, ou o elenco de produções, quem sabe, ainda mais extenso. Frente a uma produção que poderíamos, sem dúvida, definir como “inacabada”, como fez alguns anos atrás Matteo Sanfilippo, referindo-se àquela relativa à emigração italiana tout court num único biênio iv, é justificável portanto perguntarmo-nos o que mais possa existir de um livro, como esse de Maíra Ines Vendrame, aprofundando un caso singular de estudo – o da Colônia Silveira Martins – num campo já amplamente discutido da historiografia, ou o que se pode dizer ainda da história da imigração italiana no Rio Grande do Sul? Leia Mais

Os sentidos do impresso | Simone Antoniaci Tuzzo

Os sentidos do impresso são explorados de modo minucioso e atual neste livro, que apresenta um ângulo analítico dos jornais impressos, tensionando-os com a realidade dos meios digitais. A obra é uma evolução investigativa sobre opinião pública calçada nas lógicas do jornal impresso dentro do panorama contemporâneo, executado pela professora Dra. Simone Antoniaci Tuzzo. Trata-se ainda do quinto volume da coleção Rupturas metodológicas para uma leitura crítica da mídia, desenvolvido pelos Programas de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG e Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Dentro desse projeto, uma série de investigações foi executada no Laboratório de Leitura Crítica da Mídia, aglutinando reflexões em trabalhos apresentados e publicados, na experiência de sala de aula e no próprio intercâmbio da autora, que se mudou para Portugal durante uma etapa da pesquisa para agregar mais propriedade ao olhar subjetivo desenvolvido. A elaboração das reflexões foi, assim, fruto de quatro anos de trabalho intensivo e dedicação às etapas sugeridas pelas próprias inquietações, desencadeadas ao longo do processo metodológico. A autora esclarece, logo na apresentação, que foi a partir desse processo cumulativo e gradativo de conhecimento e das próprias assimilações adquiridas em cada etapa que as questões foram se delineando e formando a rota do trabalho que compõe o livro. Leia Mais