La Escuela en tiempos de migración: la voz de los actores educativos | D. Castillo, E. Thayer, R. Santa Cruz e C. Gajardo

Luis Eduardo Thayer La Escuela en tiempos de migración
Luis Eduardo Thayer | Imagem: Diario UChile

CASTILLO La Escuela en tiempo La Escuela en tiempos de migraciónLa Escuela en tiempos de migración: la voz de los actores educativos (2019) es una publicación que se enmarca en el proyecto Fondecyt Regular 1161606: “Inclusión y procesos de escolarización en niños, niñas y adolescentes migrantes que asisten a establecimientos de educación básica”. El propósito de esta publicación es analizar el proceso de escolarización de estudiantes migrantes para determinar cuáles son las dinámicas pedagógicas que favorecen su inclusión en el sistema escolar chileno.

La afirmación que abre esta investigación es la siguiente: “Chile es un país de inmigración” (Castillo et al., p. 7). Esta aseveración es corroborada mediante referencias estadísticas que reflejan el incremento de los ciclos migratorios que han afectado a nuestro país, a partir de la década del noventa. Desde entonces, la tasa de extranjeros residentes en Chile evidencia un crecimiento permanente, por ejemplo, en el periodo comprendido entre el censo de 1992 y 2002, la población migrante aumentó un 75%; mientras que en el recuento poblacional de 2012, estos índices se alzaron sobre un 160% (Castillo et al., p. 10). Según los datos que entregó el Instituto Nacional de Estadística en diciembre de 2018, en Chile habitan 1.200.000 extranjeros, es decir, la tasa migrante corresponde al 6,6% de toda la población (Castillo et al., p. 10). Leia Mais

Da cadeira ao banco: escola e  modernização (séculos XVIII – XX) – MAGALHÃES (RHHE)

MAGALHÃES, Justino. Da cadeira ao banco: escola e  modernização (séculos XVIII – XX). Lisboa: Educa;  Unidade de I&D de Ciências da Educação, 2010. 644p. Resenha de: CARVALHO, Bruno Bernardes. Da cadeira ao banco: escola e  modernização (séculos XVIII – XX). Revista de História e Historiografia da Educação, Curitiba, Brasil, v. 3, n. 9, p. 198-204, setembro/dezembro de 2019.

A obra “Da Cadeira ao Banco: Escola e Modernização (Séculos XVIII – XX)”, de autoria de Justino Magalhães, professor catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, é leitura essencial aos pesquisadores da História da Educação. Partindo da metáfora que dá título ao livro, o autor faz uma incursão pelos séculos XVIII ao XX, munido pela erudição que lhe é peculiar. Além do profundo trabalho de pesquisa, o autor nos oferece uma visão sobre a “história da longa duração”, isto é, o processo histórico de constituição da escola e da educação escolar enquanto instituintes e institutos da Modernidade na Europa. Adotando a perspectiva da síntese historiográfica, pela visão ampliada do processo de escolarização, o conjunto de análises e reflexões apresentadas na obra são importantes contribuições à historiografia educacional, pois faz emergir categorias de análise, que servem de aporte para outras investigações, como por exemplo: estatalização; nacionalização; governamentação; regimentação; cultura escrita; e munícipio pedagógico, discutidas em artigos e livros anteriores por Justino Magalhães.

O livro divide-se em três partes: Questões Introdutórias; Parte I – História do Educacional Escolar Português; e Parte II – Da Cadeira ao Banco. A primeira é composta por ensaios que versam sobre a História da Educação, enquanto área de pesquisa, e a escola como objeto historiográfico. Magalhães (2010) ressalta o vínculo existente entre história e educação, e entre educação e sociedade. Coloca em relevo a educação e o educacional escolar como elementos basilares da Modernidade, aqui entendida como o longo ciclo histórico que abrange os séculos XVIII a XX. Também destaca que a escola e a cultura escolar, no desenvolvimento histórico, tornaram-se constitutivas e instituintes da Modernidade, desempenhando papel de relevo na modernização da sociedade e no processo de constituição dos estados nacionais. Nesse âmbito, a educação, e mais especificamente a educação escolar, mediante a generalização da cultura escrita, forneceu as bases de legitimação para constituição e afirmação do Estado em relação à sociedade. Pensada e institucionalizada como forma de regenerar a sociedade via consecução da cidadania, a escola evoluiu assentada no paradoxo modernização-tradição, de preparar o futuro pela reafirmação do passado. Questões que ele procura demonstrar tomando por mote a análise do caso português, objeto do capítulo seguinte. Além deste argumento central, o tópico introdutório contém reflexões sobre a História, a prática historiográfica e a pesquisa em História da Educação, sendo que o autor defende uma perspectiva epistemológica que perpasse diferentes dimensões espaço-temporais: curta, média e longa duração; local, regional e nacional; em escalas micro, meso e macro.

Já na Parte I, História do Educacional Escolar Português, Magalhães procura “reconstituir” a gênese e desenvolvimento da escola  em Portugal, buscando estabelecer a cronologia desenvolvimento do sistema educativo português, tomando sempre em consideração o educacional escolar, como resultante da relação escola-sociedade. O período analisado (séculos XVIII – XX) é caracterizado por ciclos: es-tatalização, nacionalização, governamentação e regimentação. Progressivos e integrativos, cumulativa e lentamente resultaram na institucionalização da escola em Portugal, numa perspectiva da História enquanto processo.

A estatalização compreende o período que vai de 1752 quando Marquês de Pombal assume o poder, até 1820, com a Revolução Liberal do Porto. Compreende, assim, o seguinte feixe de características e processos: a ênfase da escrita como elemento de estruturação e organização do social; a escolarização do ensino e da cultura escrita; a escrita e a escola enquanto condição e instância de civilidade, ou seja, a emergência de “um proto-sistema escolar”, conforme nominado pelo autor, pois com esta estrutura “embrionária” se estabelece o “Subsídio Literário”. Neste cenário a instrução adquiriu centralidade, tornando-se matéria de interesse público, desígnio a ser assumido pelo Estado. Iniciava-se a transfiguração da educação em tecnologia do social, como meio de racionalização da sociedade e do estado nacional.

A partir da implantação do liberalismo em Portugal (1820), o desenvolvimento histórico educacional português promove um processo de nacionalização, já que a ênfase passa a recair na consolidação da nacionalidade portuguesa. A instrução pública acena com centralidade na construção de uma identidade pátria, a escola e a cultura escolar são nacionalizadas, mediante alguns processos a se destacar: a nacionalização curricular; a burocratização da estrutura escolar; a normalização pedagógica; protagonismos das instâncias locais, em especial as paróquias e municípios; adoção e reforço da língua vernácula como base da cultura escrita e da cultura escolar. Escola e nacionalidade caminharam associadas no período em questão, valorizando-se o nacional, as tradições e os valores pátrios, visando a construção de uma portugalidade.

O terceiro período histórico do desenvolvimento educacional português, trabalhado por Magalhães, século XIX, é caracterizado como ciclo em que a educação escolar se estrutura num sentido de maior organização e burocratização. Para Magalhães a escola nacional, além de reconfigurar o sentido do escolar, instala a governamentação, ou a burocratização do educacional escolar, com vistas a modernizar a escola e, por conseguinte, transformar a sociedade. O Estado português assume maior protagonismo na organização da escola, instituindo normas de escrituração escolar, uniformizando o currículo, criando órgãos de governo para inspeção do ensino, ampliando o aparelho pedagógico-administrativo, profissionalizando o magistério, enfim, variadas ações no sentido de conferir uma racionalidade burocrática à educação. Organizando a escola, pretendia-se o ordenamento e a regeneração da sociedade.

Há que se destacar também neste ciclo de governamentação, o papel desempenhado pelos municípios na organização da instrução em Portugal. Muito embora as ações empreendidas pelo governo português indiquem uma centralidade, com o estado nacional promovendo a normatização do escolar, os municípios portugueses contavam com certa porção de autonomia, resultado da descentralização administrativa, constituindo-se como “municípios pedagógicos”, espaços não somente de ação e decisão política, mas territórios essencialmente pedagógicos, educacionais, envolvendo-se diretamente na organização da instrução em seus domínios. É possível afirmar que exista uma autonomia regulada, ou seja, uma descentralização normatizada, em que as instâncias locais contavam com certo grau de autonomia, ao passo que o estado nacional, sobretudo, por meio da inspeção de ensino, normatizava e conferia uma racionalidade burocrática a educação escolar.

Por fim, o quarto ciclo histórico caracterizado pelo autor, a regimentação, define um período de vínculo e condicionamento entre escola e regime político. Trata-se de uma aproximação, ou mesmo de uma fusão entre os ideais do regime político instituído e a educação, entre a escola e o Estado. A escola é literalmente regimentalizada, ou nas palavras de Magalhães (2010), tem-se a “prevalência do Estado, arrastando e arrestando a escola para si” (p.349), uma aliança entre escola e regime com vista ao progresso do país. O período de regimen-tação abrange tanto a República quanto o Estado Novo em Portugal1. Durante o período republicano a tônica recai em republicanizar a escola, a fim de se republicanizar o país. Fundem-se neste sentido os ideais de cidadania, republicanismo, nacionalismo, patriotismo. A escola republicana objetivava formar o cidadão republicano, o homem novo. A escola emerge neste período consolidada enquanto tecnologia do social, como meio de ordenação e progresso da sociedade. pela via da escolarização pretendia-se a regeneração do social. E no que se refere ao chamado Estado Novo em Portugal, tais concepções são ainda mais acentuadas durante a administração salazarista: reforça-se a ideologização do ensino, com forte apelo cívico-nacionalista. Conforme metáfora do autor, “do velho se fez novo”, o Estado Novo se apropria da regimentação do educacional republicana, reincidindo sobre o teor nacionalista.

Na Parte II da obra, “Da Cadeira ao Banco”, o autor retoma os quatro ciclos históricos apresentados na seção anterior, agora tomando por argumento central a cultura escolar e seu processo histórico de constituição. Somente aí temos claramente apresentado o conceito presente na metáfora da “Da cadeira ao Banco”: assim como a criança, que ao entrar na escola levava consigo sua própria cadeira, e ao passo de seu desenvolvimento intelectual ascendia à bancada e à mesa central, a escola enquanto instituição social, também pode ser entendida metaforizada num processo de crescimento, que perpassa segundo o autor, dois séculos de história. Nesta parte da obra a cronologia não é mais o ponto principal da análise, mas sim os aspectos gerais e mais profundos que caracterizam o desenvolvimento da escola em sua relação intrínseca com a sociedade. Magalhães destaca que: “O processo de passagem da cadeira ao banco/ bancada espelha a evolução da instituição escolar, no plano interno e na sua relação com a sociedade (…)” (p. 414).

Da cultura escolar em Portugal, instituída historicamente e instituinte do social, são indicados os vetores centrais do processo de constituição do escolar em Portugal: a universalização da escola e da cultura escrita ao longo destes dois séculos; a escola concebida como como tecnologia do social, via de legitimação e consolidação do Estado-Nação; o paradoxo escolar de construção do futuro pela preservação da tradição, ou em outras palavras, a contradição escolar de pretensamente fornecer os meios de regeneração e progresso da sociedade, mediante a reafirmação de valores pátrios e da tradição; o crescente processo de regulamentação e burocratização do educacional escolar, aliado as ideologias dos regimes políticos; o caráter essencialmente educacional da Modernidade, na estreita e complexa relação existente entre modernidade, cultura escrita, escola, cidadania e estado-nação. Em linhas gerais, esta segunda parte da obra cristaliza a concepção de que a cultura escrita como meio, e a escola como centro, caracterizam a Modernidade enquanto processo civilizacional, destacando a relevância e o significado histórico do processo de escolarização como instância de modernização da sociedade portuguesa.

Importante mencionar que o autor dedica um capítulo especial para análise da realidade educacional brasileira, demonstrando inclusive diálogo fértil com pesquisadores brasileiros. Empreendendo uma análise comparada, analisa os ciclos históricos do educacional no Brasil, tomando por base as mesmas categorias do caso português: estatalização, nacionalização, governamentação e regimentação. Dentre outras questões, Magalhães (2010) destaca o papel desempenhado pelos municípios na organização da instrução primária brasileira, apontando para uma municipalização da instrução.

Numa inapropriada síntese, dada a complexidade e profundidade da obra em tela, aos que se interessarem pela leitura e pelo vai-vém “Da Cadeira ao Banco”, será possível ter uma melhor compreensão da relação existente entre escola, sociedade e Modernidade. Enquanto tecnologia do social a escola é instituto e instituinte, fator de modernização. À imagem da criança que adentra à escola com sua cadeira, somos conduzidos pelo autor, que espelhando a ação do mestre nos insta a aprofundar nosso entendimento sobre o processo de escolarização, tomando nosso lugar na bancada ao centro da sala.

Notas

1 A implantação da República em Portugal data de 1910, enquanto o Estado Novo tem sua origem em 1926, perdurando até 1974, sendo também este último período denominado de salazarismo.

Bruno Bernardes Carvalho – Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (Brasil). Contato: [email protected].

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A invenção do recreio escolar: uma história da escolarização no estado do Paraná (1901-1924) – MEURER (RBHE)

MEURER, S. S.. A invenção do recreio escolar: uma história da escolarização no estado do Paraná (1901-1924). Curitiba: Appris, 2018. Resenha de: MORAES, L. C. L., GOMES, L. do C., & MORAES E SILVA, M. O lugar da educação das sensibilidades e dos sentidos – apontamentos sobre o livro A invenção do recreio escolar: uma história de escolarização no estado do Paraná (1901-1924). Revista Brasileira de História da Educação, 19. 2019.

A obra A invenção do recreio escolar: uma história de escolarização no estado do Paraná (1901-1924) foi publicada no ano de 2018 pela editora Appris. Escrita pelo professor Dr. Sidmar dos Santos Meurer, tal obra trata-se da pesquisa realizada por ele durante o mestrado, desenvolvido na linha de história e historiografia da educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O autor apresenta aos leitores um livro que tem o propósito de colocar os recreios escolares no Paraná, no início do século XX, como objeto de investigação histórica. Para alcançar tal intento, a obra divide-se em apresentação, prefácio, introdução, duas partes principais compostas de três subtítulos cada, tópico conclusivo e, ao fim, um capítulo dedicado à apresentação das fontes primárias da pesquisa.

Sidmar Meurer graduou-se em educação física pela UFPR em 2005, obteve título de mestre em Educação pela mesma universidade em 2008 e defendeu seu doutoramento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2019. O autor é professor assistente no setor de educação da UFPR, atuando na formação de professores e no âmbito da pesquisa, no qual faz investigações sobre escolarização, história da educação, história da escolarização, história da educação dos sentidos e das sensibilidades e história da educação do corpo.

A apresentação, registrada pelo próprio autor, complementa-se pelo prefácio, escrito pelo professor Dr. Marcus Aurélio Taborda de Oliveira, o qual foi orientador de Sidmar Meurer durante a graduação, o mestrado e o doutorado e atualmente é docente titular do departamento de ciências aplicadas à educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da UFMG. No prefácio, Taborda de Oliveira reconhece as contribuições e qualidades do trabalho realizado pelo seu orientando, indicando a

importância da obra para o campo da história da educação. Cabe destacar que as ponderações levantadas, tanto na apresentação quanto no prefácio, trazem à tona a pretensão da obra como um todo, que é fazer com que o leitor reflita sobre o fenômeno social da escolarização, mais especificamente sobre a história do recreio no Paraná na temporalidade de 1901 a 1924.

A introdução traz como premissa o olhar e o cuidado do autor ao manusear as documentações das instituições de ensino. Esse tipo de procedimento possibilitou a construção da narrativa de sua investigação, a qual, conforme enfatizado pela própria autoria, apresenta preocupações com as práticas e ações típicas da ambiência escolar, que ainda não eram uma problemática para os estudos de uma historiografia mais tradicional da educação. Com o intuito de embasar o entendimento do leitor sobre o trato com as fontes, Meurer explora trechos dos relatórios de docentes, apresentando inúmeras interpretações e potencialidades desses exemplares. O autor potencializa tais fontes em diversos momentos, manifestando as peculiaridades do período, da escola e dos comportamentos, o que acaba por auxiliar a responder e/ou alimentar um debate sobre os diversos elementos que contribuíram para a consolidação dos recreios nas escolas paranaenses no início do século XX.

A parte I, intitulada ‘Justificativas pedagógicas para os recreios escolares; expectativas sociais para a escola primária’, inicia-se com o subtítulo ‘Forjar a ‘alma’, descansar o ‘espírito’, fortalecer o corpo: a educação como empreendimento moral, intelectual e físico’, que trata das pretensões tanto dos professores quanto dos políticos para com as implementações e reformas do ensino primário, além de enfatizar como surgem os denominados ‘recreios’ e/ou ‘intervalos’. Para realizar tal feito, o autor utilizou-se de relatórios de docentes, disponíveis no Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná/DEAP-PR, provenientes de diversos lugares do Paraná, deixando explícitas as metamorfoses das ideias sobre o entendimento do que e de como seria a escola primária em um período de republicanização, a qual deveria prezar por uma educação do físico, do intelecto e da moral e cívica, surgindo, então, a intenção de desenvolvimento integral do aluno.

A autoria aponta que nesse período existia certa confusão de significados e propostas em relação aos recreios. Afinal, eram atribuídos tempos distintos em cada instituição e o espaço (jardins, salas de aulas, quarto, pátio) e os exercícios implementados (gymnastica, respiração, canto, declamação) também variavam. Na sequência de seus argumentos, o autor indica que o tempo do recreio foi adequando-se às demandas que o ensino primário em reforma procurava, ou seja, a um projeto de escolarização que proporcionasse conhecimentos úteis a uma vida ativa e prática.

Já o segundo subtítulo, intitulado ‘A escola primária como instituição cardeal da sociedade paranaense: quando um projeto de escolarização pretende ser motor de mudança social’, baseia-se em dois conjuntos de fonte: os relatórios de autoridades do ensino paranaense e a revista A escola. A autoria apoiou-se em tais materiais para contextualizar o período de reforma do ensino primário, que deveria ser alicerçado de acordo com a tríade da formação física, intelectual e moral dos alunos. A preocupação apresentada nos documentos sobre a educação gratuita e universal, bem como a formação de indivíduos conscientes, aborda tópicos relevantes para se refletir sobre o processo de organização escolar, a relação entre educação e política e as questões relacionadas ao papel utilitário da educação.

Para esmiuçar esse amplo repertório de colocações, Meurer apresenta algumas referências na área da história da educação, destacando as contribuições de Marta Carvalho, numa perspectiva interpretativa de documentos das instituições de ensino, atribuindo à escola a preparação de mão de obra, e de Mirian Jorge Warde, que chama atenção para a ampliação do sentido e a função dada à escola, indo ao encontro de um entendimento de que a ação reguladora da instituição está mais associada à construção de hábitos, desenvolvimento de comportamentos e sensibilidades humanas. Diante dessas duas concepções, o autor apresenta fontes que favorecem a posição levantada por Mirian Jorge Warde.

O autor menciona que, para explicitar sua percepção, foram acionados os trabalhos de Jean Hérbrard, que tratam da escola francesa, e conceitos de ‘ferramentas mentais’, de Lucian Febvre. Com base em tais concepções, Meurer indica que a escola do período de republicanização desejava produzir maneiras de sociabilidades e construir conjuntos de sensibilidades e espírito prático que poderiam levar a sociedade a um suposto progresso. Os recreios surgiram como parte desse projeto de construção de sensibilidades, vistos como uma prática útil e necessária.

Em ‘Os recreios escolares e a ‘marcha do ensino’: por uma escola ‘moderna’, ‘útil’ e ‘atraente’’, última fração da primeira parte da obra, sobressaem-se resquícios do material empírico utilizado, que contém, além dos citados anteriormente, artigos do jornal A República, trecho da revista Pátria e Lar e um texto do médico José Maria de Paula. Contudo, o autor lembra que a escola era alvo de críticas oriundas dos segmentos médicos, pedagógicos e políticos, sobretudo por apresentar um ensino marcado pela memorização de conteúdo sem praticidade. A desaprovação mais eminente, constatada por Sidmar Meurer, relaciona-se à falta de cientificidade no ensino. Essa discussão repercutiu na racionalização de uma rotina escolar mais estruturada da qual o recreio fazia parte, contando, nesse momento, com o apoio de pressupostos pedagógicos para ser legitimado.

Todavia, o autor, analisando os discursos médico e pedagógico, indica que os médicos culpabilizam os professores pela pouca aproximação do ensino com aspectos científicos. Muitos dos relatórios traziam breves declarações que englobavam nomes influentes no âmbito pedagógico, como Spencer, Pestalozzi, Froebel, Rousseau e Locke, demonstrando pelo menos uma ligação e/ou uma tentativa com tópicos mais científicos para serem abordados na escola, como psicologia, ciências naturais e higiene. Meurer reconhece ainda que os documentos analisados apontavam que o público infantil apresentava especificidades que deveriam ser levadas em consideração no processo de ensino na escola primária paranaense.

A segunda parte do livro, intitulada ‘Dispositivos de institucionalização e normatização dos recreios escolares. Tempos, espaços e modos de proceder’, apresenta o quarto subtítulo, denominado ‘Da conformação dos espaços, um lugar para recrear – os pátios de recreio’. Para adentrar os espaços que se constituíram durante o período, o autor retoma as noções e os significados de recreios e/ou das formas de se recrear que foram encontradas na pesquisa. Tais significações apresentam uma ligação com a modernização do ensino, porém, sem pertencer ao currículo escolar formal, utiliza-se de um momento pedagógico, constituído por atividades de canto, exercícios de ginástica e desenhos. Meurer chama atenção para que se entenda o processo de mudança nos recreios como um movimento não linear. Além disso, o autor dá sentido de institucionalização ao recreio, pois, com o passar do tempo, aquele se diferencia de outros componentes escolares.

Entretanto, a disponibilidade de recursos para se investir em um espaço para os recreios era escassa e o movimento de instalações de grupos escolares, com o intuito de modernizar o ensino paranaense, acabou por ganhar força, surgindo como novo modelo para o processo de organização de um sistema público de educação. A Escola Xavier da Silva, primeiro grupo escolar do Estado do Paraná, teve relatórios de seus docentes frequentemente analisados pelo autor, visto que a instituição buscou realizar uma ampla reforma educacional, revelando preocupação com espaços específicos para os recreios, o que a tornou um exemplo a ser seguido. Foi somente em 1915, com o Código de Ensino, que ocorreu a normatização do recreio com seu respectivo espaço, recuado para as laterais e para os fundos das estruturas, que deveria seguir parâmetros de higiene e ser arborizado e composto de flores. Por fim, o autor demarca que os fatores e desejos que compunham esse espaço foram racionalizados, priorizando-se os aspectos higiênicos e estéticos, vistos como potencializadores da percepção dos alunos, que dispunham de esperada espontaneidade e intuição imprescindíveis para a modernização do ensino.

O quinto tópico, intitulado ‘Da contagem e demarcação do tempo de recrear – a passagem dos ‘intervalos’ ao ‘recreio’’, trata especificamente da delimitação temporal para os recreios. Uma fonte bastante explorada pela autoria, nessa parte do livro, foi o Código de Ensino do Estado do Paraná de 1915. Documento este que apresentava inúmeros elementos para se pensar a organização escolar, desde o controle temporal das atividades até as determinações de séries graduais do ensino. Mesmo com todos os pontos colocados por essas normatizações, que tinham o propósito de dar caráter mais educativo e disciplinar às escolas, poucas eram aplicáveis às outras instituições escolares. Com todo esse processo de mudanças e anseios por ‘inovações’, conforme enfatiza o autor, tentou-se, no modus operandi da época, constituir um conjunto de sensibilidades em relação ao tempo (otimizado) na escola a partir do pleito legal.

Por fim, no último subtítulo do livro, denominado ‘Modos de proceder na escola – os recreios como rotina escolar’, analisou-se o recreio sob a perspectiva dos modos de comportamento e das funções dos envolvidos nesse determinado tempo e espaço que salvaguardavam sua distinção perante os demais componentes curriculares. Ao se entender que todo espaço com a aglomeração de pessoas denominava-se ‘recreio’, passou-se a prescrever ações que diferenciavam os ‘recreios’ dos períodos de entrada e saída das aulas. As novas significações produzidas em relação a esses intervalos visavam atender às demandas fisiológicas e psicológicas dos alunos, além de enfatizar uma noção de recompensa pelo desempenho obtido nas atividades escolares. Abria-se também uma lacuna para que se utilizasse essa gratificação como castigo, apoiando-se na privação deste quando fosse necessária. Posteriormente, o recreio passou a tratar-se também de um espaço-tempo apropriado para a realização da merenda/alimentação.

Ao retomar alguns trechos dos relatórios, o autor enfatiza que os recreios passaram a conter uma disciplina diferenciada da exigida em sala de aula, consistindo em um ordenamento não silencioso, permitindo brincadeiras, atividades espontâneas e a concentração de todas as classes em um único espaço e tempo, sob a fiscalização dos agentes das instituições. Porém, conforme constata o autor, nada tem a ver com a disposição e o desenvolvimento da liberdade e autonomia do aluno, visto que todos os elementos constitutivos do recreio se unem para a formação de sensibilidades e na racionalização de um sistema que permite a aquisição de um ethos almejado.

Por último, em ‘Palavras finais – Pensar a escola e sua organização a partir de seus processos e práticas’, o autor faz ponderações sobre a sua pesquisa, apresentando reflexões para a área da educação. Diante disso, suas considerações finais apresentam aportes teóricos de filósofos como Michel Foucault e Theodor Adorno e dos historiadores Edward Thompson e Cristopher Hill. Um eixo importante do livro, que é válido mencionar, reporta-se à diversidade dos materiais empíricos, utilizados na construção da narrativa do livro, fazendo com que as fontes guiassem as análises que foram distribuídas nas partes e que conseguiam embasar ao leitor o contexto relacionado à temática principal, além de responder às problemáticas evocadas antes de assinalar os saberes e sentidos mobilizados pela oferta dos recreios num projeto de escolarização paranaense.

A título de apontamentos finais, observa-se que a leitura da obra convida o leitor a repensar no desenvolvimento dos recreios no Paraná, além de possibilitar aos interessados na história da educação e das sensibilidades que tenham um material qualificado para embasar novos estudos, visto que o livro é amparado numa abordagem historiográfica que facilita a realização de futuros trabalhos com tais características, constituindo-se, portanto, em uma leitura atrativa para pesquisadores interessados na temática da escolarização e dos diversos processos de educação do corpo.

Referências

Meurer, S. S. (2018). A invenção do recreio escolar: uma história de escolarização no estado do Paraná (1901-1924). Curitiba, PR: Appris.

Letícia Cristina Lima Moraes – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

Leonardo do Couto Gomes – mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

Marcelo Moraes e Silva – professor doutor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

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Escolarização, culturas e instituições: escolas étnicas em terras brasileiras | Terciane Ângela Luchese

A organizadora da obra é professora da graduação e da pós-graduação, nos Programas de Pós-graduação em História e em Educação da Universidade de Caxias do Sul. Além disso, ela é líder do grupo de pesquisa História, Educação, Imigração e Memória (Grupheim2), no qual os integrantes têm especial interesse no campo da História da Educação e a marca da presença de diferentes grupos étnicos, seus processos de escolarização e as culturas escolares. A presente obra apresenta resultados de pesquisa tanto de integrantes do Grupheim quanto de pesquisadores convidados, estabelecendo assim uma profícua interlocução com múltiplas perspectivas acerca do tema proposto para trabalho: as escolas étnicas instituídas no Brasil, com ênfase na escolarização, culturas e instituições escolares. Os capítulos apresentados têm como marco inicial o momento de intensificação das massas imigratórias italianas no Brasil, fim do século XIX e marco final a década de 1940 quando do fechamento das últimas escolas étnicas em decorrência do acirramento da nacionalização de ensino.

A obra é composta por nove capítulos, antecedidos pelo prefácio escrito pelo reconhecido pesquisador Angelo Trento, publicado na íntegra em duas línguas: português e italiano. A apresentação ficou sob a responsabilidade da organizadora da obra Terciane Ângela Luchese. Ao final do livro encontram-se ainda as informações sobre os autores, situando o leitor sobre os contextos em que se inserem cada pesquisador. Leia Mais

A liturgia escolar na idade moderna – BOTO (RBHE)

BOTO, Carlota A liturgia escolar na idade moderna. CAMPINAS, SP: PAPIRUS. Dóris Bittencourt Almeida Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil, 2017. Resenha de: Almeida, D. B. A liturgia escolar na Idade Moderna. Revista Brasileira de História da Educação, n.18(48) 2018.

“A escola é a sua existência. E, portanto, a escola é sua história […] para pensar na escola que desejamos, é necessário meditar na escola que recebemos” (p. 23). É a partir dessas palavras que Carlota Boto faz um convite ao leitor a ingressar em outra temporalidade e aprofundar os conhecimentos acerca da constituição do processo de escolarização, como fenômeno social que marca os séculos XVI e XVII, no continente europeu.

Ao mobilizar uma vasta quantidade de autores, clássicos e contemporâneos, a autora produz um texto que contempla dois atributos: densidade teórica e generosidade acadêmica. Preocupada constantemente em didatizar, a pesquisadora, aos poucos, mas em um crescente, esclarece ao leitor como emerge na Europa um novo modelo de escola, “[…] com uma fisionomia própria, que a diferencia de suas antecessoras” (p. 21). O livro destina-se a todos os interessados em história da educação, sobretudo, a estudantes e professores, envolvidos com o ensino/aprendizagem/pesquisa nesse campo de conhecimento.

Ainda na introdução, apresentam-se, para além dos objetivos, preceitos teóricos e metodológicos presentes na obra, como se pode notar na referência a Norbert Elias, no sentido de aproximar o discurso pedagógico à construção de um modelo civilizador europeu, entre os séculos XV a XVII. Metodologicamente, o texto se constitui por meio de revisões bibliográficas, estudo de textos de autores clássicos no período estudado.

O livro está dividido em seis capítulos, inicia pela reflexão acerca do contexto europeu renascentista que fomentou o advento do livro impresso e a constituição de um conceito moderno para a infância. Na sequência, uma discussão acerca do processo civilizador, engendrado na Europa, atrelado a uma nova concepção que se delineava referente à educação escolarizada. Nesse sentido, tematiza-se o pensamento pedagógico, preconizado por Erasmo, Montaigne, Vives e Comenius, considerando-se as afinidades entre todos eles. Por fim, apresentam-se os colégios jesuíticos e as escolas lassalistas, emblemas de muitos preceitos da educação escolar, dos quais somos herdeiros.

Em termos contextuais, a autora demonstra as condições que permitiram a emergência da modernidade europeia. Discute a relação entre escola, Reforma Protestante e cultura escrita. Importa lembrar que um dos princípios da Reforma Protestante era a leitura das Escrituras, que não mais passaria pela clivagem de qualquer mediador. O advento da cultura impressa também imprimiu alterações em relação aos modos de apreender o mundo, por meio de crescente formação de novas comunidades leitoras. O aumento de leitores, atrelado ao desenvolvimento da cultura impressa, paulatinamente, teve profunda ressonância no modelo de escola que se instituía, tendo em vista que o ensino se colocava entre duas práticas: a oralidade, herança do passado medieval, e a escrita, que representa a modernidade.

Ainda sobre o cenário europeu, o livro reconhece as inter-relações entre a gênese do capitalismo comercial, princípios de secularização e regulação de costumes. Todas essas são evidências que conduzem a uma maior privacidade nos estilos de viver, afetando diretamente os conceitos de família nuclear e os entendimentos que se tinha a respeito da criança. Mesmo ainda não se conhecendo em profundidade as singularidades da criança, percebiam-se suas diferenças em relação aos adultos e essas percepções inscrevem-se nesse ambiente da Europa dos séculos XVI e XVII.

Nessa perspectiva, enfatiza-se que a família moderna não dispunha de instrumentos para educar, sozinha, as gerações mais jovens. A escola, como instituição educativa, constitui-se como lugar intermediário entre família e escola, legitima-se e passa a ser solicitada pelas populações de diferentes países da Europa, a ela caberá “[…] instruir, formar, educar” (p. 21). E é assim que, em vários países da Europa, multiplicaram-se os colégios, assumindo significados distintos na modernidade. No passado, entre os séculos XIII e XIV, eram espécies de asilo para estudantes pobres, mantidos, sobretudo, por ordens religiosas. No início do século XV, passam a ter caráter formativo, mantendo um rigoroso sistema disciplina, aliando instrução e moralização, tendo como referências a proteção à criança, por meio do isolamento do convívio comunitário.

Constituída sobre dois pilares, ensinar saberes e formar comportamentos, a nova escola tem na produção de civilidades um eixo forte de sustentação, atrelado ao movimento humanista que se fortalecia a partir do século XVI, valorizando as individualidades, em um processo singular de secularização da vida humana. Assim, à educação, em uma perspectiva moderna, cumpriria produzir, transmitir e reproduzir determinado padrão cultural e intelectual das pessoas, por isso a importância do refinamento dos costumes, atrelado a determinado modo de ser europeu. É possível dizer que a cultura da escola moderna do Ocidente é imediatamente conectada ao processo civilizador.

De acordo com Boto, “[…] há uma pedagogia da escrita na Renascença” (p. 80), o reconhecimento das especificidades da criança faz emergir os manuais de civilidade, desde o século XVI que circulavam em larga escala, prescreviam e regravam os cuidados com essa infância, até então praticamente desconhecida, sob a máxima “[…] educar os filhos, torná-los civis” (p. 85). Entretanto não passa despercebido pela autora o fato de que, apesar do alargamento da ideia de infância, apenas algumas crianças serão atingidas por tal sentimento, filhas de nobres e burgueses, “[…] havia outra criança, aquela que é identificada ao povoe para a qual não há proteção” (p. 51).

Inúmeros foram os tratados que, sob o gênero de civilidade, tiveram lugar na produção impressa. O tratado de Erasmo, A civilidade pueril, foi o primeiro texto da era moderna dirigido às crianças, diretamente voltado à formação civil e às boas maneiras e que evidencia o surgimento da moderna sensibilidade social da infância.

Outro pensador a quem é dado destaque no livro é Montaigne. Entre seus postulados, condena o fato de o ensino das atitudes estar secundário em relação ao ensino de outros saberes. Sobre a didática de seu tempo, afirma que o aprendizado precisaria ter significados, “[…] saber de cor não é saber” (p. 81), a competência livresca, para ele, pode servir de ornamento, mas não de fundamentos. Defende a importância de um preceptor, destacado pela civilidade, mais do que por sua competência intelectual.

Na sequência, a autora inclui o pensamento de Vives, um dos poucos humanistas a se preocupar com a formação dos comportamentos e da instrução na perspectiva do ensino coletivo. Este acreditava no valor intrínseco das práticas de escolarização, quando a maior parte dos humanistas ainda condenava o ensino coletivo como algo que corromperia os costumes.

Considerado precursor de Comenius na sistematização dos métodos de ensino, censurava a escola de seu tempo, por não conseguir acompanhar o desenvolvimento da cultura letrada. Afirmou que “[…] pouco era ensinado, quase nada era aprendido” (p. 133). Enfatizava a necessidade de se fertilizar a memória com o exercício, bem como a importância do método, que confere significados ao processo de ensinar. Para Vives, o segredo do aprendizado estaria posto na capacidade de anotar as informações ministradas pelo mestre ou as informações colhidas no livro durante a aula.

Além disso, antecipava a ideia do edifício escolar construído para fins pedagógicos, como ícone do moderno conceito de escola. Discutia as condições arquitetônicas necessárias para o prédio escolar, tendo como características a vigilância e o isolamento. Por fim, ainda cabe lembrar que, para Vives, educar e ensinar eram habilidades que requeriam o conhecer os estudantes, bem como o conhecimento da matéria a ser ensinada. Sua obra abordava o cotidiano da escolarização, defendia o aprendizado pela imitação, daí a importância do exemplo de pais e mestres. Entusiasta do lugar progressista que a escola ocupava no tabuleiro social, dizia que lá também era lugar de fazer amigos. Considerava imprescindível observar comparativamente produções escritas do mesmo aluno em épocas diferentes para avaliar o desenvolvimento do seu aprendizado. Seguindo as ideias da produção de civilidades, afirmava que a escola era a instituição precípua para habilitar o sujeito a portar-se bem em sociedade.

Chega-se, então, ao século XVII, e os escritos de Boto realçam o pensamento de Ratke e de Comenius, pela relevância de ambos nas concepções de escola, sobretudo da didática. Ratke, precursor de Comenius, antecipa em 40 anos a idealização de uma escola para todos, pautada em um ensino coletivo. Assim como fez Vives e como fará Comenius posteriormente, Ratke desenvolve uma percepção das escolas de seu tempo, pautada em uma série de questionamentos. Procura compreender por que eram diminutas as iniciativas em prol da escolarização, por que as escolas que existiam não tinham sucesso e por que havia tanta evasão escolar. Acredita que boa parte desses problemas seria sanada se houvesse maior preocupação com os métodos de ensinar.

E, finalmente, Comenius comparece no texto, considerando as reflexões de seus antecessores, sistematiza o conceito de um saber estritamente pedagógico, materializado com a Didática magna. Para ele, “[…] o método era a chave para a escolarização moderna” (p. 186). Imbuído de princípios cartesianos de acumulação progressiva de conhecimentos, afirma a importância do encadeamento dos conteúdos, partindo do simples até atingir maior complexidade. Valendo-se da metáfora do relógio, prevê um reordenamento do tempo e do espaço escolar, assim, os alunos seriam divididos em classes conforme níveis de aprendizagem e as matérias, distribuídas por horários. É um precursor do método simultâneo, declara que o “[…] professor deveria imitar o Sol” (p. 188), e, assim, irradiar-se igualmente sobre todos os seus alunos. Critica aos exercícios de memorização que não viessem acompanhados pela prévia compreensão. É contrario ao excesso de horas na escola, acreditando que o exagero do tempo escolar acarreta perda da concentração. Desse modo, pode-se dizer que Comenius confere determinada precisão à vida escolar, por meio da colocação de regras claras que deveriam ser internalizadas por discentes e docentes.

O texto avança e apresenta concepções dos colégios jesuíticos, no século XVI, e das escolas para crianças pobres concebidas por La Salle, em fins do século XVII. Em comum, os discursos dessas instituições, que disciplinam o saber, modelam corpos e mentes, como produtos do pensamento pedagógico anteriormente discutido no livro. A autora afirma que os colégios jesuíticos constituem referência para pensar a acepção de colégio que ainda há hoje, e o modelo lassalista constitui iniciativa pioneira para projetar aquilo que tempos depois seria denominado de escola primária.

Entre os objetivos primordiais dos colégios jesuíticos, estava o de formar uma elite letrada, eram, portanto, instituições destinadas às camadas sociais superiores, preocupadas em adquirir uma cultura geral. As aulas eram organizadas em explicações teóricas e em disputas, desdobradas em preleção, repetição, declamação, memorização e imitações literárias. Como princípios básicos, a subtração do tempo de convívio familiar, a ambientação em um espaço especificamente pedagógico, tendo-se em vista que os colégios eram geralmente internatos. Pretendia-se criar uma espécie de ambiente purificado, marcado pela vigilância no sentido de moldar os estudantes. O primeiro colégio jesuítico estabeleceu-se na cidade de Messina, em 1548, teve como inspiração os métodos de ensino da Universidade de Paris, pautados na preleção e repetição. Em 1599, sistematiza-se o Ratio studiorum, por influência de Erasmo e Vives, sobretudo, constitui-se em um programa escolar, pautado na ordem e na divisão dos estudos. É o produto de dezenas de anos de debates, um texto produzido a partir da recolha do que se acreditava serem as experiências de ensino bem-sucedidas.

Com relação às escolas dos Irmãos das Escolas Cristãs, liderados por La Salle, explica-se que foram iniciativas originais para as crianças do povo, raras naquela temporalidade. Tratava-se de um projeto de ensino elementar para as camadas populares, entretanto atraiu crianças de outras camadas sociais. Denominadas escolas de caridade, fundamentadas nos ensinamentos de leitura, escrita e cálculo, concebiam o princípio da simultaneidade e sucessão do ensino. Assim, primeiro se aprendia a ler, só depois as crianças seriam apresentadas à escrita, sendo primeira a letra bastão e depois a cursiva. Por último, os cálculos. Todos esses ensinamentos aconteceriam em meio a um ambiente permeado pela catequese e civilidade. Boto explica que, diante da falta de conhecimento de como ensinar tudo a todos, procurou-se separar grupos de alunos liderados por monitores mais avançados, essa prática seria o embrião do ensino mútuo, método de ensino desenvolvido posteriormente. Em termos da liturgia escolar, valorizava-se o silêncio que reverenciava, ao mesmo tempo, Deus e a instituição. A escola colocava-se como um local intermediário da vida: entre os assuntos mundanos e os divinos estaria a essência do conhecimento.

O livro se encaminha para o final, e sua autora produz uma reflexão acerca da quase invisibilidade das transformações que acontecem nos processos de escolarização, no passado e no presente. A escola moderna cria, em alguma medida, seu ritual de organização, trabalhando simultaneamente saberes e valores, estabelecendo rotinas, disciplina, hábitos de civilidade, permeados de racionalização. Reforça a tese da inscrição da instituição escolar no processo de construção do Estado moderno. Alerta para a construção desse novo lugar social ocupado pela escolarização, em uma Europa que se urbaniza sob a égide do capitalismo comercial, da Reforma Protestante e do advento da cultura impressa. Nesse sentido, a escola é a instituição que se dá a ver como lugar primeiro do cultivo da racionalidade e da civilidade.

Para concluir, desafia o leitor a problematizar a escola contemporânea, conduz a pensar naquilo que pode parece natural a todos nós, sujeitos escolarizados, mas que carrega marcas da historicidade dos processos educativos. A liturgia escolar, que comporta ritualidades, é tramada pela autora, ao longo das páginas desse livro. Por meio de uma apropriação de sentidos do texto, que se traduz na resenha, pretende-se incitar o leitor a ir além dessas palavras e desenvolver a leitura da obra em questão. Encerramos, como iniciamos, trazendo as palavras de Carlota Boto, “[…] é preciso mudar o que estiver obsoleto. É preciso preservar o que considerar valoroso. É fundamental haver o fortalecimento de projetos políticos-pedagógicos democráticos. A transformação desejada é obra dos próprios agentes envolvidos na instituição escolar” (p. 293).

Notas

1. B Almeida foi responsável pela concepção, delineamento, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito, revisão crítica do conteúdo e aprovação da versão final a ser publicada.

Dóris Bittencourt Almeida – Doutora em Educação, Professora Associada I de História da Educação da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRGS. E-mail: [email protected]

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