Microhistorias | Giovanni Levi

Giovanni Levi Microhistorias
Giovanni Levi | Foto: Universidad Austral de Chile

Microhistorias MicrohistoriasLa publicación de la obra del destacado historiador italiano es un verdadero acierto editorial, entre otras razones porque Giovanni Levi ha sido ante todo un escritor de artículos de revista, siempre producto de investigaciones apoya­das en una cuidadosa consulta de archivo, pero no autor de libros, género del que solo se le conocen dos: Centro e periferia di uno stato assoluto. Tre saggi su Piemonte e Liguria in età moderna, de 1985, que nunca circuló en castellano, y La herencia inmaterial. La historia de un exorcista piamontés del siglo xvii, también de 1985, traducido pronto a muchas lenguas, entre ellas al español en 1990. La publicación de esta colección de ensayos también es la ocasión para el lector de tener una perspectiva más equilibrada de la riqueza analítica de la llamada microstoria italiana, casi siempre reducida entre nosotros a una obra: El queso y los gusanos, el gran best-seller de Carlo Ginzburg de 1976, lo que significó una cierta distorsión en el conocimiento de esta importante corriente historiográfica, al reducirla a una de sus líneas, al tiempo que se empobreció la propia obra de Ginzburg, cuyos demás títulos permanecen más o menos ignorados.

Microhistorias es una colección de veinte ensayos —cincuenta años de trabajo—, seleccionados por el propio Levi, reunidos en una excelente edición y con traducciones (del italiano, el francés y el inglés) que parecen muy correctas, y que dejan una imagen clara no solo de la historiografía italiana de los últimos cincuenta años, sino en gran parte de la historiografía internacional del siglo xx, y del propio recorrido intelectual de Giovanni Levy. Tal vez la gran dificultad de reseñar este volumen sea la de su amplitud temática y la riqueza de problemas que se examinan, tanto desde el punto de vista del enfoque “microanalítico” —término que también aparece en Levi—, como desde el punto de vista del “oficio de historiador”: el mundo de los archivos, el trabajo de las fuentes, la relación con las otras ciencias sociales, la primacía de los problemas y sobre todo de las preguntas sobre las técnicas, y las exigencias de claridad y precisión en la transmisión de los resultados de investigación al público lector. Leia Mais

Luisa de Venero, una encomendera de Santafé. Microhistoria de las mujeres encomenderas en el Nuevo Reino de Granada, siglo XVI | Camilo Alexander Zambrano Cardona

En el texto Luisa de Venero, una encomendera de Santafé. Microhistoria de las mujeres encomenderas en el Nuevo Reino de Granada, siglo XVI, el historiador Camilo Zambrano se centra en dar a conocer y entender la participación de las mujeres en la Colonia debido a que esta ha sido vista convencionalmente desde una perspectiva androcéntrica —como él mismo lo menciona—, condenando lo femenino a la invisibilidad. En el texto se expone la vida de una mujer encomendera en la sociedad colonial de la Nueva Granada, doña Luisa de Venero. El objetivo del escrito es mostrar a la mujer colonial en un rol activo en la sociedad partiendo de las mujeres encomenderas.

El texto tiene un enfoque microhistórico de la vida de la encomendera Luisa de Venero. A través del análisis de su vida, y en especial de un conflicto judicial que afrontó sobre su encomienda, se reconstruye el papel de la mujer en otros aspectos de la vida colonial que suelen dejarse de lado: “Las investigaciones históricas colombianas sobre las mujeres coloniales se dirigían a cuestiones acerca del género y la etnicidad, dejando por fuera la interacción de aquellas con las instituciones económicas, políticas y sociales”1 . El libro está dividido en tres capítulos. En el primero, Zambrano expone un estudio general de la ciudad de Santafé desde su fundación en 1538 y su posterior organización, para mencionar en dónde estaba ubicada la casa de la encomendera Luisa de Venero2, pues esta propiedad no era la única que poseía. Se presentan, además, las condiciones climáticas que había en la tierra de esta encomendera y, posteriormente, se dedica un apartado sobre el contexto político y económico, mencionando a la Real Audiencia y la Real Hacienda junto con su organización y funcionamiento, información que permite obtener una contextualización que, aunque se torna extensa, busca explicar por qué, según Zambrano, la mujer no tuvo cabida en el mundo de las instituciones coloniales. Leia Mais

Provas de Liberdade: uma odisseia atlântica na era da emancipação – SCOTT; HÉBRARD (RETHH)

SCOTT, Rebecca J. & HÉBRARD, Jean M. Provas de Liberdade: uma odisseia atlântica na era da emancipação. Tradução: Vera Joscelyne. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014. Resenha de: GESSER, Ana Carolina. Provas de liberdade: uma odisseia atlântica na era da emancipação. Revista Expedições: Teoria da História e Historiografia, n. 2 – AGOSTO-DEZEMBRO de 2016.

A obra Provas de Liberdade: uma odisséia atlântica na era da emancipação, publicado em 2014 pela editora Unicamp, é o livro mais recente de Rebecca J. Scott, na qual divide a coautoria com Jean M. Hébrard. Através de 295 páginas, este livro compõe-se de um mapa de rotas atlânticas, uma genealogia esquemática da família Vincent/Tinchant, prólogo, nove capítulos, epílogo e um caderno de imagens.

Rebecca Scott é professora de História de Direito na Universidade de Michigan, na qual leciona o curso de direitos civis e fronteiras da cidadania sob uma perspectiva histórica. Suas discussões pautam-se em discutir a legislação diante da escravidão e da liberdade. Jean M. Hébrard é professor visitante na Universidade de Michigan, cujas aulas e seminários estão relacionadas a história social e cultural das sociedades escravistas e pós escravistas do mundo atlântico.

Os autores iniciam o prólogo de Provas de Liberdade, citando uma carta enviada por Edouard Tinchant, um comerciante de charutos de Antuérpia, no ano de 1899, ao general Gómez.

No conteúdo da carta, Edouard pedia ao general que o autorizasse a utilizar o nome de Gomez para a marca de seus artigos. A citação da carta foi proposital, pois esta fonte permitiu que os autores pudessem chamar a atenção para aspectos reveladores da política e da identidade de Tinchant: a alusão das origens haitianas de Edouard para convencer o general, ao estabelecimento de seus pais na Louisiana e a justificativa dos motivos pelos quais seus pais decidiram se mudar para a França, e a insinuação acerca de “leis abomináveis” e “preconceito ignorante” como motivadores dessa migração.

É inegável o especial interesse dos pesquisadores por esta carta, pois, ela retratava um mundo atlântico em que várias lutas sobre raça e direitos estavam entrelaçadas, e no quais idéias e conceitos eram intercambiados (SCOTT, HÉBRARD, 2014). Tantas ligações os levaram a questionar sobre a própria abrangência dela. O que poderia este documento apresentar em termos de uma coesão, como a personificação de uma conexão entre as três maiores lutas antirracistas do século XIX: a Revolução Haitiana, a Guerra Civil, a Reconstrução dos Estados Unidos e a Guerra Cubana pela independência? Para responder essa questão ambiciosa, os autores seguiram os rastros do itinerário da família de Edouard Tinchant, através de registros mantidos por padres tabeliães, oficiais e recenseadores oficiais de diversos lugares. A prática investigativa levou então, os pesquisadores a todos os lugares pela qual essa família passou: começou na Senegâmbia (Senegal), foi para Saint Domingue (Haiti) no final do século XVIII, continuou até Santiago de Cuba (Cuba), Nova Orleans (Estados Unidos), Porto Príncipe (Haiti), Pau (França), Paris (França), Antuérpia (Bélgica), Veracruz (México) e Mobile (Alabama, Estados Unidos).

A odisséia dessa família despertou um interesse especial nos autores. No cerne de sua pesquisa esteve a preocupação em perceber como a exigência por dignidade e respeito esteve atrelada a importância da produção de documentos e dos movimentos políticos gerados tanto pelas grandes revoluções da época quanto por embates locais de reivindicação de direitos. Ao optar pelo encalce da trajetória dos membros dessa família, Scott e Hébrard especificam sua orientação metodológica, caracterizando seu estudo como o de micro-história posta em movimento. Esse tipo de estudo, segundo os mesmos, se apoia na convicção de que os estudos de um local ou evento cuidadosamente escolhido, examinado bem de perto, pode revelar dinâmicas não visíveis através das lentes mais familiares de região e nação.

O essencial de suas análises é, portanto, a percepção de como as experiências pessoais nos diversos espaços do chamado mundo Atlântico do século XIX, esses movimentos contínuos de pessoas e de papéis através do Caribe e da travessia do oceano permitem interconectar eventos que desvelam problemas como o da liberdade, dos fenômenos de raça e antirracismo com movimentos políticos e revolucionários.

A busca pela trajetória de homens livres de cor revela o lugar social da qual provém esses historiadores quando se observa como se apropriam de grandes elementos basilares da historiografia a partir da segunda metade do século XX: a História Cultural e a Nova Esquerda Inglesa, a micro-história e a História Atlântica. Embora hoje a ênfase na história de homens livres de cor não constitua nenhuma novidade, movimentos historiográficos como a Nova Esquerda Inglesa foram essenciais para a emergência estudos que explorassem as experiências históricas de homens e mulheres que até então tiveram a existência ignorada ou abordada de forma passiva, e ao trazer novos sujeitos para a história – a chamada história vista de baixo -, trouxe também o problema das fontes (BURKE, 1992, p. 40).

O acesso à documentação de pessoas “comuns”, portanto, também trouxe consigo problemas de método, uma vez que o acesso ao testemunho direto a essas pessoas era muito escasso. Entretanto, a vasta documentação, dentre registros de batismo, carta de alforria, correspondências, certidões, de que se munem Scott e Hérbrard, permitem – através da metodologia da micro-história – que a prática de redução de escala de observação, análise microscópica e um estudo intensivo do material documental revele indícios de sujeitos até então marginalizados.

Por meio do prólogo, também podemos observar que o lugar social de qual falam Scott e Hérbrard está profundamente ligado a um movimento de historiadores que vem desde pelo menos a segunda metade do século XX, colocando uma perspectiva atlântica em suas análises. Não por acaso, o contexto da Guerra Fria, a emergência do terceiro Mundo e a procura por um legado cultural na América do Norte levou este grupo de pesquisadores da história colonial, imperial e da escravidão, a questionarem e romperem com as fronteiras regionais, nacionais e imperiais, uma vez que estas, ao delimitarem os horizontes de pesquisa e abordarem uma perspectiva eurocêntrica, colocavam a histórias como da África e da América Latina à margem. Dessa forma, a pretensão por uma história que estabeleça conexões, comparações, observando recorrências coerências em marcos globais e interimperiais estruturados tem ganhado atenção dos historiadores, que ao focar em questões de gênero, sexualidade, raça e etnicidade têm encontrado no Atlântico um terreno fértil. O reconhecimento da História Atlântica enquanto disciplina iniciou-se com o movimento de historiadores norte-americanos dispostos a abraçar os projetos Atlânticos, e a Universidade de Michigan, onde Scott leciona, é uma das instituições onde os estudantes podem especializar-se nesse tipo de História145.

No primeiro capítulo, Rosalie, mulher negra de nação Poulard, a carta remetida por Edouard ao capitão Máximo Gómez ganha atenção para análise dos autores. Ao reportar sua própria ascendência aos haitianos, intitulando a si mesmo como um “filho da África”, Eduard conectou sua história com a dos seus pais, que tinham sofrido com embate da Revolução Americana, Francesa e Haitiana, carregando consigo o estatuto de escravos. A partir disso, chegou-se à documentação de batismo e de cartas da mãe de Edouard, e também à origem de Rosalie, sua avó, identificada como de nação Poulard.

Neste capítulo, são abordados vários aspectos da provável vida de Rosalie: o significado político de pertencer à nação Poulard, seus costumes e políticas peculiares, as condições das viagens e dos navios em que eram trazidos os cativos da costa do Senegal para Saint-Domingue (Haiti).

Embora os autores não tenham informações precisas sobre a viagem de Rosalie, o resgate de peculiaridades do seu provável itinerário atlântico forneceu-os certos elementos característicos acerca dos conhecimentos que pessoas de nação Poulard trouxeram consigo e foram difundidos durante o tempo em que permaneceram sob o cativeiro no Caribe. Uma destas características era a familiaridade com a importância da escrita: sabendo ou não ler, pessoas como Rosalie tinham a consciência que o papel poderia mudar sua condição.

O segundo capítulo, Rosalie…minha escrava, relata o processo de escravização de Rosalie em Saint-Domingue (Haiti) e os fatores – como as revoltas, repressões e a Revolução Haitiana – que levaram-na a deixar a ilha e se mudar para Jérémie (Haiti). Ao situar a paulatina importância econômica que assumiu Jérémie (Haiti) depois que Rosalie se mudou, os autores reconstituem a história de pessoas de sua rede de relações. Dentre elas, Marthe Guillaume, a negra livre que constituiu fortuna com o comércio de compra e venda de escravos. Mostram como prosperou Marthe, a importância da sua rede de conexões e apadrinhamento e de onde provinha sua renda: do trabalho de escravos, na qual Rosalie era uma. Também expõem fatores que levaram a região a atrair outras pessoas, como Michel Vincent, cujas aventuras anteriores de colono não deram certo.

O capitulo continua tecendo relações entre o contexto em que vivia Rosalie com as condições da Revolução Francesa, conectando as pressões que homens livres de cor da colônia exerciam para tentar fazer cumprir as garantias de direitos iguais e a extensão da cidadania às pessoas deste estatuto. Dessa forma, observa como discussões mais amplas, como a questão da cidadania aos homens de cor, concedia no ano de 1792 pela Assembléia Legislativa Francesa, influenciou nos interesses locais, onde os homens brancos conservadores, ao verem seu poder ameaçado, entraram em confronto com poderes coloniais acabando por induzir Guillaume, a senhora de Rosalie, a vender esta última a um vizinho, um açougueiro que era livre e mulato.

Partindo novamente para um contexto macro, os autores abordam as tensões que envolviam homens livres de cor e brancos, as repressões sofridas pelos primeiros e as implicações negativas para os escravos com as alianças estabelecidas entre os brancos do poder local com a Grã- Bretanha. Da mesma forma, salientam as alianças estabelecidas entre homens livres e escravos, e as expectativas destes em face da possibilidade de alforria. Neste meio tempo, Rosalie havia voltado ao poder de sua antiga senhora. Com este acontecimento, os pesquisadores postulam sobre a relação entre Rosalie e Michel Vincent, que em 1795 tinham dois filhos registrados, embora não possuíssem um registro de união. Marthe Guillaume, nesse mesmo ano, expressou o desejo de conceder liberdade a Rosalie, mas as circunstâncias políticas estavam dificultando a concessão de qualquer alforria. Nesse tempo, sugerem os autores, é possível que Rosalie vivesse como uma pessoa livre, e com relativa comodidade com Michel Vincent, considerando que Guillaume não se propôs a fazer qualquer reivindicação legal sobre ela.

A questão que se coloca é que, embora Rosalie provavelmente vivesse como uma mulher livre, o seu estatuto era de uma pessoa “sem documentos”, pois não possuía qualquer titulo que estabelecesse a legitimidade de seu estatuto civil. O capítulo passa a versar então sobre como o status de Rosalie, agora grávida do terceiro filho, dificultaria a situação do casal que, diante da invasão das tropas de Napoleão e a possibilidade de reescravização em Jérémie (Haiti), viu na viagem para a França uma alternativa. O capítulo termina abordando as estratégias utilizadas por aqueles que estavam na mesma situação de Rosalie e sobre como os conhecimentos de tabelionato de Michel Vincent levaram-no a forjar uma carta de alforria aos moldes do Antigo Regime, uma forma mais segura que poderia definir o destino da agora, “liberta”.

O terceiro capítulo, intitulado A cidadã Rosalie inicia caracterizando as diferenças político-jurídicas entre Haiti e Cuba, um baluarte da escravidão e de colonização espanhola. Versa sobre quais estratégias as pessoas livres de cor refugiadas do Haiti utilizaram para não voltarem a serem reescravizadas em Cuba e sobre como, a partir da morte de Michel Vincent, Rosalie, que já havia homologado o testamento deste, tornou-se sua herdeira e conseguiu com que as autoridades de Santiago assinassem o documento de alforria forjado ainda em Jérémie. Porém, novamente os planos de Rosalie são mudados pela conjuntura política das relações conturbadas entre a França napoleônica e Espanha, e diante dessas circunstâncias, os autores expõem as peculiaridades que faziam da Lousiana o território vizinho mais atraente em uma época difícil para a população francesa que vivia em território espanhol. Por fim, o capitulo termina discorrendo sobre as possibilidades e aprendizados de Rosalie, como a importância dos documentos dentro de uma sociedade escravista, as implicações da sujeição à mudança de jurisdição e a relevância do estabelecimento de uma boa rede de conexões, pois, ao enviar sua terceira filha, Élisabeth com sua madrinha para New Orleans, viu a indispensabilidade de estar integrada a uma família diante das condições adversas em que se encontrava.

A travessia no Golfo é o título do quarto capítulo, que desloca o foco narrativo para as experiências de Élisabeth, filha de Rosalie, em Nova Orleans (Estados Unidos). Os autores atentam para os percalços pelos quais passaram os refugiados, como Élisabeth, ao entrar no território da Louisina (Estados Unidos), e sobre como o rótulo de homem livre de cor a eles atribuído gerou problemáticas mais amplas acerca da questão do estatuto, pois, definia direitos, posição social e sobrevivência.

Passando de considerações mais gerais sobre a condição dos refugiados nas novas terras, este capítulo passa a abordar as boas condições nas quais Élisabeth estabeleceu com seus padrinhos, e sua relação com Jacques Tinchant, com quem se casou em 1822. Observa-se então o que os autores chamaram de uma união emblemática de novas famílias americanas, pois Jacques e Élisabeth haviam crescido em casas atravessadas por uma linha de cor: seus pais não puderam contrair união civil por serem casais “inter-raciais”. A mudança do sobrenome de Elisabeth, que agregou o sobrenome do seu pai, Vincent, na certidão de batismo dos seus filhos, foi ressaltada como um fator que a distanciava de sua ascendência escrava, além de suas boas relações com o tabelião facilitarem essa mudança.

A despeito das boas condições materiais que pessoas livres de cor como a família de Jacques Tinchant gozava, eram as restrições impostas pelas leis que geravam um descontentamento na população de cor livre. Dessa forma, a principal questão deste capítulo é a de que a prosperidade econômica, a estabilidade material de pessoas de cor e suas boas relações sociais não eram suficientes para mitigar as limitações impostas a elas, pois não podiam contar com direitos pra si e nem para a educação de seus filhos. Os autores terminam então, discorrendo sobre como Jacques deixou seus negócios aos cuidados de seu meio-irmão e os motivos prováveis da decisão de viajar com sua família para a França, onde sua mãe adoecida o aguardava.

O quinto capítulo, com um título bastante sugestivo, A terra dos direitos dos homens mostra como as motivações pessoais de migração de Jacques estavam atreladas à promulgação do Código Civil Francês e a Carta Constitucional de 1814. Ao estabelecerem a igualdade legal a todos os cidadãos, estendendo a todos o gozo de direitos civis e políticos por homens de cor livres, essa mudança na legislação atraiu a família de Jacques e Elisabeth pela perspectiva de educação e respeito para os meninos e de direitos para eles próprios, assim como a possibilidade de se tornarem proprietários de terras.

O acesso a um bom acesso educacional permitidos pela França, na qual os filhos de Jacques foram inclusos, juntamente com a boa fase dos negócios do mesmo, ocupam as páginas deste capítulo, que relaciona a prosperidade política desta nação com o gozo dos direitos civis experimentados no liceu pelos filhos de Jacques e Élisabeth. O filho mais velho do casal, Joseph, ganha a atenção no final deste capitulo, pois seus interesses particulares pelas aulas sobre direito e filosofia desvelam, além das idéias e conteúdos que faziam parte da educação formal de alunos como ele, o que o legado da Revolução Francesa deixou para a formação das concepções que professores das universidades tinham acerca de raça, cor, direitos civis e políticos e os militantes das causas abolicionistas. Porém, este capítulo também termina mostrando como a volta da situação política conturbada na França, juntamente com as adversidades econômicas enfrentadas por seu pai levaram Joseph a manter a tradição familiar dos Vincent-Tinchant em considerar atravessar o atlântico para, ao lado de seu irmão mais velho Louis, que havia ficado em New Orleans (Estados Unidos) quando seus pais resolveram viajar para a França, trilhar novos rumos.

Diante da viagem de Joseph para New Orleans (Estados Unidos), o capítulo seis, Joseph e seus irmãos, inicia expondo as possibilidades e limitações que ali encontravam homens livres de cor, chamando novamente a atenção para a fronteira entre escravidão e liberdade. Joseph e Louis, diferentemente de seu pai, não possuíam o mesmo conhecimento de produção rural, mas encontraram na produção e comércio de charutos – uma prática comum entre homens livres de cor – uma saída para obter lucros. A herança deixada pela madrinha de Élisabeth, composta em parte pela propriedade de escravos, permitiu a investida neste novo negócio.

Recursos financeiros de Jacques advindos da venda de parte das terras que possuía na Lousiana (Estados Unidos) forneceram o capital para a expansão dos negócios e, depois de Scott e Hébrard ocuparem as páginas deste capítulo para contextualizar o comércio de tabaco entre os vários pontos do Atlântico, concluíram que a Bélgica pareceu ser a melhor opção para as investidas além-mar de Joseph, que passou a morar em Antuérpia (Bélgica) com o resto da família, enquanto Louis cuidava da parte de produção na Louisiana (Estados Unidos).

Porém, novamente mudam-se os planos dos Tinchant, e agora era o contexto propiciado pela guerra da Secessão – culminando com a separação da Lousiana da União em 1861 – que levou os irmãos Tinchant a migrarem novamente para os Estados Unidos diante da má situação dos negócios. Além dos problemas que Joseph teria que lidar nos negócios, seus pais resolveram enviar Édouard, seu irmão mais novo, para New Orleans, após este manchar a reputação da família em Antuérpia (Bélgica).

A narrativa dos autores chega, assim, a Édouard. Buscar entender como a vida anterior em Antuérpia (Bélgica), que permitira que tivesse acesso a níveis educacionais, acabou influenciando as opções políticas abolicionistas de Édouard foi o objetivo deste capítulo. Além da militância pela causa na imprensa, ele acabou envolvendo-se na luta com as tropas da União, mas sua posição em não lutar novamente e a decisão em permanecer na Louisiana (Estados Unidos) quando seus irmãos estavam migrando para o México foi a chave para entender os intempéries daqueles que como Édouard, lutavam pela igualdade de direitos e pelo fim da escravidão: o alto comando da União era cúmplice dos preconceitos de uma sociedade escravista.

O sétimo capítulo, que tem como título É preciso fazer com que o termo direitos públicos signifique alguma coisa, descola o foco de análise para a atuação política de Édouard na Louisiana (Estados Unidos). Para compreender o entendimento do que Édouard tinha acerca do conceito de cidadania, os autores retomam a bagagem intelectual trazida da França, que explica a definição do que ele entendia por direitos públicos, ao mesmo tempo em que observam a cautela que teve ao utilizar o termo igualdade de direitos nos Estados Unidos, dadas as particularidades segregacionistas deste país.

A posição ideológica de Édouard, atrelada ao seu apoio político à União é destrinchada ao longo do capítulo, que mostra principalmente como Édouard ganhou suporte político e participou ativamente da promulgação da Constituição da Louisiana. O reconhecimento à cidadania, independente de cor, foi uma conquista prevista nesta Constituição, que juntamente com outros debates visando direitos à população de cor levaram os pesquisadores a conjecturarem em que medida as limitações sociais impostas aos antepassados destes sujeitos podem ter colaborado para a intenção de debater esses ideais.

Embora nem todas as idéias de Édouard fossem acatadas no texto final, os autores versam sobre os direitos públicos que essa Carta permitiu as pessoas de cor, e sobre seus reflexos na arena legal, como a permissão para que pessoas provenientes de famílias humildes pudessem, por exemplo, entrar na justiça caso fossem barradas em lugares de comércio.

A despeito dessas conquistas, este capítulo mostra como os direitos às pessoas de cor previstos nessa Constituição, ao conflitar com os interesses da Suprema Corte, fizeram com que os artigos referentes a direitos públicos fossem removidos e com que Édouard e seus companheiros perdessem poder e consequentemente, o emprego com o aumento do segregacionismo, principalmente nas escolas. Edouard lecionava, e essa situação forçou-o, juntamente com a família que formou, a migrar. Por fim, o capítulo termina discutindo os motivos para Édouard escolher Mobile (Estados Unidos) como o lugar que teria que reconstruir sua vida.

Horizontes de comércio, o oitavo capítulo, desloca o foco para a história dos outros filhos de Jacques Tinchant e Elisabeth Vincent: Jules, Pierre e Joseph, para mostrar o que teria acontecido com eles após a abertura do comércio de charutos, quando cada um cuidou de uma parte do comércio. Resgatam as intempéries que Jules e Pierre passaram quando trabalham com o comércio no México sob a influência e ocupação francesa para mostrar como as guerras atrapalharam seus negócios e dos motivos da migração de Joseph para o México.

A forma como os quatro irmãos mais velhos da família Tinchant se estabeleceram com a produção e comércio de charutos é mostrada através dos vários percalços e intrigas que os acompanhavam. O grande acúmulo de dívidas foi apontando como a principal causa da migração de Joseph, que em busca de novos mercados, mudou com a família para Havana, onde fez boas relações e novamente a viagem para a Antuérpia (Bélgica), finalmente obtendo sucesso com a criação de uma companhia de charutos com o nome de Tinchant y Gonzales. Os autores observam então, como a conexão entre este nome com a América Latina, juntamente com a cidadania mexicana conseguida anteriormente por Joseph, reforçaram aos seus charutos um ar de qualidade, distanciando-o da identidade da ascendência de escravos que foram trazidos para a América. A invenção desta “tradição”, portanto, criou um status que permitiu o sucesso na produção e venda de charutos.

Passa-se então à analise da sina de Édouard. Estabelecendo a sua companhia de charutos em Mobile (Estados Unidos), dedicou-se aos afazeres de um homem de negócios e as responsabilidades de pai de família, principalmente porque era um mau momento para se envolver com política em Mobile, visto que o Alabama era um estado extremamente racista. Quando estava começando a se estabelecer, ele e sua família desaparecem de Mobile e se mudam repentinamente para Antuérpia (Bélgica). Os autores atribuem essa mudança a motivações por política, negócios e família, uma vez que Édouard fora trabalhar com Louis e chamou a nova política republicana na presidência de “leis abomináveis” e “preconceitos ignorantes”.

Enquanto Édouard nunca fez questão de relacionar seus charutos à Havana ou a Europa, e sempre relacionando o nascimento de seus pais as lugares que lembravam deles, Joseph e seus descendentes faziam referências a origens aristocratas espanholas e francesas que achavam estarem entre seus antepassados e, nessas atitudes, residem as diferenças entre os irmãos: a exclusão da menção de exílio, a luta pelo republicanismo e por igualdade de direitos foram excluídas dessa narrativa sobre a ascendência familiar por parte daqueles que obtiveram sucesso comercial cosmopolita, que não queriam ser associados a preconceitos de cor.

Após o capítulo anterior focar no sucesso econômico dos irmãos Tinchant, o nono e último capítulo, intitulado Cidadãos para o bem da nação, mostra como a questão da cidadania alcançada a nível nacional devido às múltiplas viagens atlânticas de Joseph e seus irmãos interferiram por um lado, na tentativa dos irmãos Joseph e Ernest, no ano de 1892, em buscar a grande naturalisation, que conferia direitos políticos e civis a um cidadão belga e por outro de Édouard de buscar a nacionalidade francesa.

Chama-se atenção aqui para as restrições da lei e o preconceito racial, embates que Rosalie e seus descendentes tiveram que lidar, desenvolvendo táticas engenhosas: ora fugiam de guerras, ora participavam, ora expressavam-se politicamente, ora calavam-se. A reivindicação da cidadania e de nacionalidade nos diversos lugares que estiveram, juntamente com todas as ações mobilizadas ao longo desta narrativa, permitiram perceber a magnitude de forças que foram necessárias para o alcance de seus direitos.

“Por um motivo racial” foi o título escolhido pelos autores para narrar a odisséia de Marie-José Tinchant. O relato da ousadia da neta de Joseph Tinchant na imprensa, nos tribunais e sua participação política na guerra como militante presa permitiram aos autores perceber como as questões raciais interferiram na construção de uma memória política sobre a mesma, pois, quando os descendentes de Marie-José entraram na justiça, alegando serem beneficiários de uma prisioneira política, a justiça belga atribuiu à razão de sua prisão pelos nazistas como sendo um motivo racial.

Quando a filha de Marie-José, em 2010 finalmente conseguiu, por parte das autoridades de Bruxelas, o reconhecimento da prisão de sua mãe como prisioneira política, já havia migrado para o México em busca de suas raízes familiares naquele país.

A partir da observação da escrita dos capítulos, percebemos como os autores de Provas de Liberdade evocam a trajetória de alguns indivíduos do passado através da sequência dos acontecimentos e das interações conscientes destes com um contexto maior, trabalhando sempre com um “jogo de escalas” para explicar como uma conjuntura de guerra, ou de luta política, por exemplo, influiu em suas atitudes. Assim, Scott e Hérbrard, ao tentar compreender as ações destes indivíduos, reproduzem no interior deste discurso desdobrado, a relação entre um lugar do saber e sua exterioridade. É essa distorção que nos permite então, perceber ocultos no texto, sobre o lugar de onde falam seus autores.

Concomitantemente, ao colocar em cena a trajetória destes sujeitos, a construção narrativa dos autores permite que a sociedade se situe em relação a um passado e abre espaço para o presente. Como observou Certeau, a escrita “faz mortos para que os vivos existam. Mais exatamente, ela recebe os mortos, feitos por uma mudança social, a fim de que seja marcado o espaço aberto por este passado e para que, no entanto, permaneça possível articular o que surge com o que desaparece.” (CERTEAU, 1982, p. 107). A família Tinchant e os indivíduos estão mortos e os percalços, intempéries, forças que eles tiveram que lidar morreram com eles, naquela sociedade que é diferente da nossa, como o livro de Scott permite observar. Ao mesmo tempo em os descendentes dos Tinchant se afastavam dos estigmas e estereótipos atribuídos à ascendência africana, não tendo que lidar com as mesmas situações que seus antepassados, constituíam uma memória familiar, e é essa memória que revela permanências e conecta o mundo dos vivos àquele “enterrado” pela escrita da história.

Referências

BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992.

CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1982.

GAMES, Alison. Atlantic history: definitions, challenges, and opportunities. In: The American Historical Review, vol. 111, nº 3, 2006.

SCOTT, Rebecca J. & HÉBRARD, Jean M. Provas de Liberdade: uma odisséia na era da emancipação. Tradução: Vera Joscelyne. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014.

Ana Carolina Gesser – Mestranda em História pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Bosista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. E-mail: [email protected].

O Alufá Rufino: Tráfico, Escravidão e Liberdade no Atlântico Negro (c. 1822 –c. 1853) / João J. Reis

Na trajetória da História Social dos últimos 40 anos, o interesse dos historiadores abandonou a análise das estruturas –que produziam resultados cada vez menos capazes de apreender a complexidade da realidade histórica, e que falhavam em oferecer respostas satisfatórias a novos questionamentos –em favor de observações qualitativas, preocupadas em conferir como as pessoas reais lidaram com os desafios e condições de seu tempo. Diminuiu a convicção sobre teorias e modelos, já que a observação das experiências vividas punha em xeque a validade de tais postulados. Talvez a corrente historiográfica que mais fielmente tenha encarnado os novos valores da historiografia seja aquela rotulada de micro-história. Estudos ligados a essa metodologia buscam reunir eixos que haviam sido apartados: estrutura e experiência. A historiadora Hebe Castro -em artigo publicado na obra coletiva “Domínios da História” –afirma que tais estudos encontram “agentes históricos por trás dos discursos”, rompem “excessos de agregação e da simplificação das variáveis”, deixam claro a “liberdade e a inteligibilidade da ação humana na história”.

O “Alufá Rufino” de Reis, Gomes e Carvalho é um trabalho que enfeixa todas estas considerações historiográficas. Amparada numa extensa bibliografia e em documentação histórica levantada em três continentes e em vários estados do Brasil, a obra foi definida pelos autores como uma “história social do tráfico e da escravidão no Atlântico”. O que se observou não foi um Atlântico genérico, impessoal e ideal, e sim o Atlântico de Rufino José Maria, o contexto onde a vida tumultuada e incerta deste africano se desenrolou. Um Atlântico particular que, se por um lado estava marcado por condições que determinaram a trajetória daquele africano, ao mesmo tempo era espaço para suas manobras, negociações e decisões. Como resultado, os autores delinearam não um quadro mecânico, devorador de vidas e vontades ao sabor de suas leis, mas um espaço de possibilidades, uma demonstração do poder do indivíduo frente ao que se lhe impõe. A reboque destas realizações historiográficas, extraídas do emprego inteligente da micro-análise, os autores contribuíram ainda com “quadros” ricos de diversos aspectos do período estudado, observações que cobrem temas tão díspares quanto uma vida humana, uma “experiência”, pode abarcar.

Sobre a África de Rufino, para começar, a obra faz ver o tumultuado contexto de lutas étnicas que estabeleciam com o tráfico humano uma relação de estimulação mútua. No início do século XIX, a África Ocidental da região dos golfos de Benim e Biafra e seus sertões era uma colcha de retalhos étnica, onde grupos islamizados de diversos matizes (desde ortodoxos até aqueles mais abertos a sincretismos com as religiões tradicionais africanas), disputavam entre si pelo controle dos territórios e se sucediam no governo de pequenos reinos, estados e califados. Oriundo de um reino outrora poderoso mas então em crise, o africano que no Brasil viria a se chamar Rufino, membro de uma família malê (iorubá islamizada), foi aprisionado e remetido ao porto litorâneo por membros de outra etnia islamizada, que agora detinha o poder na região.

Saindo de uma África deflagrada, Rufino se deparou, na Bahia, com mais conflitos: tratava-se da Guerra de Independência, que na região de Salvador opôs militares portugueses –que controlavam a capital –aos fazendeiros brasileiros entrincheirados na região do Recôncavo. O fato de ter sido vendido a um boticário de renome foi oportunidade para que os autores explorassem as particularidades desta atividade, demonstrando detalhes da medicina e do comércio da Bahia de inícios do século XIX.

É também seguindo Rufino para o Rio Grande do Sul onde, ainda na condição de escravo, ele acompanha o filho de seu senhor, que os autores acabam penetrando nas fímbrias da Revolução Farroupilha. Perseguindo a sinuosa trajetória daquele africano, que parecia destinado a viver em regiões belicosas, aproximaram-se da rotina de José Maria de Salles Gameiro de Mendonça Peçanha, o desembargador Peçanha, chefe de polícia da Província gaúcha. Peçanha seria o novo senhor de Rufino. Aproveitando-se desta parada na acidentada trajetória atlântica de Rufino, os autores oferecem um olhar sobre a Porto Alegre do início dos oitocentos, especialmente sobre as condições da escravidão naquela região, que tinha fama de ser dura com os cativos. Transparecem, por meio dos documentos policiais, dos relatos de viajantes, das informações colhidas em jornais daquele tempo, as táticas de resistência e repressão empregadas por escravos e senhores. Mostram ainda as faíscas iniciais, detectadas nos relatórios do senhor de Rufino aos seus superiores no governo, da grande rebelião que tomaria o sul do país por uma década, a Farroupilha.

Outro aspecto importante da obra, também ligado à trajetória de Rufino, é a discussão que se faz sobre as etnias africanas no Brasil, sua distribuição territorial e profissional, e sobre as representações feitas sobre elas pelos senhores. Escravos minas, chamados malês na Bahia, eram temidos e perseguidos naquele momento. Pairava sobre eles uma endêmica suspeita de conspiração, um medo que servia inclusive aos fins políticos dos conservadores, que se apoiavam nele para adotar medidas de exceção e perseguir seus oponentes (segundo a acusação dos liberais). O domínio da escrita e o emprego do idioma árabe eram fatores que tornavam os minas ainda mais perigosos aos olhos dos senhores e das autoridades.

O Rio de Janeiro, destino seguinte de Rufino, era uma “extraordinária Babel africana” (REIS et alii, 2010, p. 71), a maior cidade africana das Américas. Ali desembarcaram, nas três primeiras décadas do século XIX, entre 500 e 900 mil africanos. Apesar de serem minoria no Rio de Janeiro –cuja população negra era composta majoritariamente de africanos de Angola, Congo e Moçambique –os minas apareciam desproporcionalmente em documentos policiais. Eram também majoritários nas atividades de ganho, o que os tornavam mais aptos à conquista da liberdade. Nessa época, 45% das alforrias pagas beneficiaram africanos minas, que representavam algo em torno de 5% da população africana carioca. A massa africana no Rio de Janeiro provocava um clima de tensão e repressão constante, traduzindo uma intensa pressão emancipatória dos escravos. Na Bahia, a presença de africanos oriundos da Costa da Mina, falantes do iorubá e familiares a Rufino, era maior.

Segmento essencial da obra aparece após a alforria de Rufino, diante da decisão que este toma sobre o que fazer com a sua liberdade: é aí que se penetra nos bastidores do tráfico humano do Atlântico. Livre, Rufino ingressa no comércio de escravos, na função de cozinheiro assalariado (o que lhe dava a chance de ser também pequeno comerciante transatlântico). É oportunidade para que os autores desvendem as intrincadas tramas deste negócio lucrativo e, a partir de 1831, ilegal, que juntava interesses e fazia fortunas nos dois lados do Atlântico. Eles demonstram as condições aviltantes da travessia, onde a falta de espaço, de alimentação e hidratação corretas e os precários padrões sanitários vitimavam, em média, 12% dos cativos. Através da análise do caso de Rufino e de outros correlatos e coevos, demonstra-se o funcionamento interno de uma embarcação traficante clandestina, destacando-se a importância do papel do cozinheiro. Evidenciam-se os esquemas absurdos erigidos pelos traficantes para “enganar” as autoridades brasileiras, que na verdade faziam vista grossa para o movimento incessante do tráfico negreiro. Aparecem as nuances das redes internacionais do tráfico, as conexões entre traficantes radicados nas duas extremidades do Atlântico; demonstra-se o caráter familiar de muitos desses empreendimentos escravistas, passados de pai para filho. Os “patrões de Rufino” são desmascarados neste segmento, que revela os meandros da atividade escravista.

Finalmente, aparece o papel da repressão inglesa, devidamente desmistificada e vinculada a interesses nada humanitários. O pragmatismo da marinha inglesa, que por motivos jurídicos tentava preservar a “cena do crime”, contribuía para um aumento absurdo das taxas de mortalidade nos tumbeiros. Os autores apontam ainda o cuidado que os ingleses tinham para evitar que a repressão ao tráfico interviesse nos seus interesses comerciais: os navios negreiros quase nunca eram capturados antes de tocar o solo africano e trocar as mercadorias trazidas do Brasil (muitas delas de origem inglesa) por africanos escravizados. Transparece também o caráter negocial das apreensões de navios traficantes, cuja captura gerava bônus para os perseguidores e que, levados para Serra Leoa e leiloados, produziam lucros para os potentados locais.

Radicado em Recife na década de 1840, Rufino torna-se alufá, espécie de sacerdote, contando para isso com os ensinamentos que recebeu na comunidade islâmica em Serra Leoa, onde passou duas temporadas de estudos. Emerge neste ponto da narrativa uma reflexão sobre o processo de sincretismo, em pleno desenvolvimento, entre religiosidades multicontinentais. Ao islamismo africanizado de Rufino, marcado pelo apego a patuás e amuletos, somavam-se crenças, conceitos e ritos brasileiros, estes também já bastante marcados pelo contato com outras religiosidades. Analisando o depoimento de Rufino, tomado em 1853, os autores detectaram o emprego de termos usados comumente por negros católicos no Brasil. A parada de Rufino em Recife, outro ponto do Atlântico sinalizado por este viajante incansável, dá ensejo ainda a análises sobre o espaço urbano recifense e sobre as tensões sociais subjacentes a sua vida cotidiana.

Além de todo o trabalho detetivesco feito pelos autores, verdadeiro exercício de faro fino, e da reunião e análise de uma extensa bibliografia que desse conta dos contextos percorridos por Rufino em sua trilha atlântica, sobressai do trabalho grande nota de sinceridade, de reconhecimento de limites. Durante todo o trajeto, quando necessário, os autores deixam claro a fragilidade de suas constatações. Não raras vezes encontraram pontos cegos, ausências e falhas na documentação, vicissitudes que não permitiram apontar com precisão total os passos dados pelo protagonista ou por aqueles que o cercavam. Os autores, diante dessas lacunas, oferecem conjecturas e possibilidades, mas o fazem de maneira a permitir que o leitor acompanhe o raciocínio, pese as possibilidades e julgue por sua conta. A própria decisão de publicar como anexos documentos importantes ligados à trajetória de Rufino, na íntegra, demonstra essa escolha de exibir os caminhos que levaram a esta ou aquela interpretação, no lugar de oferecer um produto fechado, inviolável e que se deve aceitar no todo e sem questionamentos.

Ao explicitar o modus operandi de seu trabalho, mostrando as escolhas interpretativas que fizeram, os argumentos que sustentam suas afirmações, os autores fazem um convite à reflexão, levando o leitor a adotar uma postura crítica, que poderá ser estendida a todas as outras leituras que ele vier a realizar. A escolha da micro-análise, a perseguição do indivíduo e de sua experiência, o abandono das análises totalizantes, ao contrário do que alguns apregoam, é um caminho vantajoso para os estudos de história. Longe de impedir a formação de uma compreensão maior, o estudo da trajetória de Rufino demonstrou exatamente o contrário, que a análise qualitativa é capaz de oferecer dados sólidos para a compreensão de um determinado contexto. A obra é, afinal, um grande tratado sobre a escravidão africana, um contributo valioso para a historiografia sobre o tema.

Daniel Rincon Caires – Instituto Brasileiro de Museus –IBRAM.


REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos; CARVALHO, Marcus J. M. de. O Alufá Rufino: Tráfico, Escravidão e Liberdade no Atlântico Negro (c. 1822 –c. 1853). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.Resenha de: CAIRES, Daniel Rincon. Outros Tempos, São Luís, v.10, n.15, p.250-254, 2013. Acessar publicação original. [IF].

Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês processado pela Inquisição / Ronaldo Vainfas

A chamada microstoria – versão italiana onde nascera este movimento nos anos 1970-80 – já deitou suas raízes no Brasil, definitivamente. Seus defensores, em distintas partes do mundo acadêmico ocidental, nos principais centros científicos de produção em História e nas Ciências Sociais deixaram delineadas as linhas-mestras da arrojada perspectiva da mudança de escala nas análises sociais e da rejeição aos aportes macroanalíticos que se pretendiam unívocos e inflexíveis; enfim, mesmo que de forma variada, a micro-história e seus defensores “se esforçam para dar à experiência dos atores sociais (o ‘cotidiano’ dos historiadores alemães, o ‘vivido’ de seus homólogos italianos) uma significação e uma importância frente ao jogo das estruturas e à eficácia dos processos sociais maciços, anônimos, inconscientes” [2]; que, por muito tempo, pareciam ser os únicos a chamar a atenção dos pesquisadores.

É no âmago dessa discussão, no Brasil, que o trabalho de Ronaldo Vainfas – professor titular do departamento de História da Universidade Federal Fluminense – com o sugestivo título “Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês processado pela Inquisição” deve ser apreciado. Aliás, este autor já havia deixado claro, em momentos anteriores, a sua simpatia e abertura teórico-metodológica para o microssocial [3].

Traição desvenda a história de uma biografia nada comum, mas nem por isso inverossímil em um império lusófono de um território entrecortado por mares e oceanos e ainda em processo definitivo de integração sob o governo de um único rei pós- Restauração portuguesa (1580-1640). O protagonista desta história é Manoel de Moraes, mameluco nascido em São Paulo de Piratininga, filho de um outro mameluco “destro na arte da canoagem” e irmão de bandeirantes apresadores de índios. Teria pelo ambiente onde nascera o destino de seus parentes, se não fosse a outra faceta do mundo colonial brasílico a lhe arrebatar desde criança: a religiosidade católica. Com isso, fez votos solenes no Colégio da Bahia, tornando-se jesuíta professo de três votos, em 1623.

Por pouco não convivera com o mais ilustre filho do colégio jesuítico baiano, padre Antônio Vieira.

O livro, diga-se de passagem, sem introdução, é desenvolvido ao longo de quarenta capítulos com títulos bem sugestivos e que parece indicar de forma clara a intenção do autor em demonstrar a fluidez e a dinâmica das identidades: “Mameluco de São Paulo” (cap. 2); “Jesuíta na Bahia” (cap. 3); “Missionário em Pernambuco” (cap 4); “Capitão do gentio” (cap. 6); “Soberba do padre” (cap. 8); “A traição do jesuíta” (cap. 10); “O fantasma de Manoel” (cap. 13); “A vanglória do traidor” (cap. 14); “A serviço da WIC” (cap. 15); “Licenciado em Leiden” (cap. 16); “Paixões flamengas” (cap. 18); “Manoel calvinista” (cap. 19); “De volta a Pernambuco” (cap. 26); “Manoel brasileiro” (cap. 27); “Regresso ao catolicismo” (cap. 29); “Capelão da guerra divina” (cap. 30); “Manoel delator” (cap. 32); “Manoel pertinaz” (cap. 35); “Manoel valentão” (cap. 39); “Réquiem para Manoel” (cap. 40).

Mas, o que parecia ser o início de uma vida ascética trabalhando entre os índios como missionário e “língua” – ofício de tradutor que, sem dúvida, era uma das heranças de sua família mameluca – logo se mostrou apenas o princípio de uma vida conturbada; pois ela fora vivida dilacerada entre o desejo de acumular riquezas através de mercês régias e a ortodoxia de sua religião que simplesmente não deixava espaços para qualquer tipo de heresia.

Ainda jesuíta em Pernambuco, Manoel de Moraes foi um dos missionários da Companhia de Jesus que logo aceitara a convocação do governador, Matias de Albuquerque, para a defesa das capitanias do Norte contra o iminente ataque holandês.

Os cronistas da guerra o chamavam “capitão de emboscada”, liderando até mesmo as forças indígenas de Antônio Felipe Camarão – seu antigo neófito na aldeia de Meritibi – no Arraial do Bom Jesus, um dos baluartes da resistência após a derrocada do Recife, em 1630. Mas o padre guerreiro, “capitão do gentio” (cap. 6), nunca poderia ter sido um capitão oficial de guerra, pois era então jesuíta, deixando perplexos e enciumados pela sua ação os outros oficiais militares da restauração pernambucana, entre eles, o conhecido personagem dos pesquisadores da história cearense, Martim Soares Moreno, também ele comandante de forças potiguaras.

Ronaldo Vainfas descortina, a meu ver, um dos aspectos da guerra pernambucana ainda pouco discutido na historiografia: as rivalidades entre os oficiais (cap. 7 e 8). Da relação entre o capitão jesuíta e o capitão por ofício, “não seria absurdo dizer, sobre Manoel e Martim, que um era o espelho do outro” (p. 52). Entretanto, Soares Moreno era por ofício o capitão do jesuíta comandante de índios, sendo que aquele “tornar-se-ia, na verdade, inimigo figadal de Manoel de Moraes. O pior de todos” (p. 53). Com a conquista da Paraíba, em 1634, Manoel de Moraes se entregara as forças holandesas, sendo acusado por traição pelos oficiais militares luso-portugueses; em sua defesa no Tribunal do Santo Ofício, as rivalidades ganharam uma nova ressonância, ao afirmar ele que Martim Soares Moreno o havia abandonado à própria sorte em uma das mais importantes batalhas na Paraíba: “Martim Soares não tolerava o jesuíta metido a capitão” (cap. 9, p. 67).

A conquista da Paraíba, como diz o autor, trouxera uma inflexão não apenas quanto à dominação holandesa no andamento dos recontros, mas também na vida de muitos, entre eles, o jesuíta comandante de índios. Manoel de Moraes de prisioneiro de guerra, logo passou a informante precioso, nomeando todas as aldeias de índios e suas respectivas lideranças, uma das mais relevantes informações naquele contexto de batalhas. Mas não apenas isso. Em Recife, chegou mesmo a lutar ao lado dos holandeses contra os filhos da terra, vestido como “flamengo” em “traje de gente militar”, portando um “vistoso uniforme escarlate dos soldados holandeses”. Na mudança dos trajes – o que não era pouca coisa naquele mundo instavelmente perigoso – a partir de então o ex-jesuíta havia mudado mesmo de identidade: “Garboso e cheio de si, Manoel não trazia mais a tonsura que sempre tinha usado, mesmo quando lutava contra os holandeses na defesa da capitania, senão cabelo comprido e barba crescida” (cap. 10, p. 75).

Ao renegar a tonsura sacerdotal – marca característica dos inacianos – e vestir os trajes do vencedor, Manoel de Moraes aumentou a fúria que já lhe era devida pelos militares e religiosos. Para os primeiros, ele era mais um traidor à sombra de Calabar, “patriarca dos traidores” (cap.11), para os últimos, todavia, um herege que merecia a fogueira expiatória. A bem da verdade, nem um nem outro o deixaria em paz por essa afronta pública naquele mundo brasílico.

Ainda em 1635, o provincial da Companhia de Jesus, padre Domingos Coelho toma as providências para a expulsão de Moraes que, à época, mesmo antes de passar ao lado dos holandeses, diziam alguns, “já andava de chamego com as índias”. Acusado de fornicação, apostasia, heresia, e ainda por cima, de traidor dos portugueses, em junho deste ano, Manoel de Moraes fora avisado de sua expulsão dos quadros da Companhia de Jesus. A essa altura, contudo, o destino lhe traçara uma nova vida e, porque não dizer, uma nova identidade: no mesmo mês de 1635, Manoel de Moraes estava na Holanda, vivendo como consultor da Companhia das Índias Ocidentais (WIC).

Nos oito anos em que vivera nos Países Baixos calvinistas, entre 1635 e 1643, o ex-jesuíta casou duas vezes, contraindo as segundas núpcias à moda de Calvino após enviuvar-se. Protegido do humanista Joannes de Laet – renomado intelectual e diretor da WIC – a quem auxiliava em seus escritos sobre o Brasil, conseguiu entrar na prestigiada Universidade de Leiden e obter o grau de Licenciado em Teologia (cap. 16).

Dentre as suas produções, a mais importante foi um “plano para o bom governo dos índios”, documento desconhecido, mas citado em uma carta dos Dezenove Senhores ao Conselho Político do Recife, em 1635. Nela se previa o reconhecimento das lideranças indígenas leais e o reforço do trabalho dos missionários calvinistas e, como atentou o autor, tratava-se de “um modelo de catequese calvinista com metodologia inaciana” (p.121).

O Manoel ex-jesuíta não esquecera, como nunca esqueceria ao longo da vida, sua vinculação católica. A repercussão dessa maneira holandesa de governar com os índios pode ser constatada na troca de correspondência entre Pedro Poti e Felipe Camarão, índios potiguaras que defendiam lados distintos na guerra, já bem conhecida dos pesquisadores do Brasil colonial (cap.7 – Imbróglio indígena).

Mas o lado brasileiro de Manoel de Moraes não o deixava sossegado, sua ânsia era voltar ao Brasil. Contraiu um empréstimo com a WIC e voltou a Pernambuco, em 1643, onde se tornou um explorador de pau-brasil. Juntou cabedal e logo se tornou senhor escravista, auxiliado por uma feitora: a negra Beatriz. Logo, a luxúria do exjesuíta, aliás, esse era seu único pecado como sustentará por algum tempo no Tribunal da Inquisição, novamente era aflorada e Beatriz passa a ser sua amante. Vainfas, mais uma vez, sintetiza em poucas linhas os meandros da vida de seu biografado: “Manoel tornou-se um senhor de escravos como tantos outros, tinha escrava em casa, sua mulher estava na Holanda, e de padre ele já não tinha nem o hábito” (p. 233).

Em Recife, o ex-jesuíta e então ex-calvinista passa a freqüentar as igrejas e capelas; afinal, seu passado era católico e mesmo sob a pecha de traidor lhe era movido um sentimento de se reconciliar com a Igreja, quem sabe defender-se no próprio Tribunal do Santo Ofício, em Lisboa, que nos idos de 1642 já o havia queimado em estátua pelos agravos públicos de 1635. Seja como for, “Manoel vivia com a consciência pesada. Identidade fragmentada”. (p. 245).

Para o leitor absorvido na intrigante vida dessa personagem, o ponto alto do livro Traição é, sem dúvida, a luta de Manoel de Moraes diante dos inquisidores. Sua intenção antecipada de se reconciliar com a Igreja e sua participação na “guerra da liberdade divina”, novamente empossado como capelão de tropa por ninguém menos que o general da restauração pernambucana, João Fernandes Vieira, não foi impeditivo para ele ser preso e remetido a Lisboa, a dar conta de sua vida ao Santo Ofício. (Cf. cap. 30 e 31).

A partir da documentação inquisitorial, Ronaldo Vainfas vai pouco a pouco desvendando os enredos construídos entre os acusadores e o réu. Para os inquisidores do Tribunal, traição e heresia eram lados da mesma moeda, por isso a relutância de Manoel de Moraes em esconder tanto quanto possível sua vida de traidor no ano de 1635.

Acusado de heresia pelo tempo em que vivera na Holanda, onde contraiu dois casamentos à moda calvinista, o réu insistirá que não conhecia nem mesmo a língua de seus anfitriões, e que casara apenas por luxúria, ou seja, pecado grave, mas que fugia da alçada da inquisição, preocupada com os crimes de fé: “Por causa da luxúria, era sua alma que arderia eternamente no inferno. Por causa da heresia, ele mesmo poderia arder na fogueira” (p. 287).

Entre 13 de abril e 23 de outubro de 1646, Manoel de Moraes preso nos cárceres de Lisboa, sustentará sua versão “catolicizante” de que, no Brasil e na Holanda, dera provas de sua identidade católica. Mas nada disso parecia reter um palmo sequer a convicção de seus acusadores. Sem confessar o que queriam ouvir os ministros do Tribunal, o ex-jesuíta foi mandado ao suplício na “sala do tormento” (cap.36), com o fim de ser içado pelos pulsos até o teto e de lá ser despencado ao chão numa polé.

Diante do instrumento de tortura, o bravo “capitão de emboscada” tremeu, e a imaginar o tempo de sua reclusão naquela atmosfera de ser queimado vivo, não viu outra alternativa e confessou.

Em Traição, o autor consegue realizar aquilo que se considera mais importante numa biografia ao estilo da micro-história: ajudar seus leitores a compreender um pouco melhor um mundo distanciado pelo tempo cronológico, mas trazido a tona percorrendo as pegadas de uma única vida jogada entre as estruturas e as conjunturas de um tempo historio pretérito4.

Aqui, peço licença ao leitor para usar uma das sutilezas argumentativas do escritor-historiador Ronaldo Vainfas que insiste em deixar para o próximo capítulo aquilo que procura demonstrar no anterior. No mais, os dois últimos capítulos de Traição nos apontam o destino dessa personagem excepcional. Contudo, na parte da cronologia, ao final do livro, há uma pista instigante e bem ao estilo do autor: “1651. Manoel de Moraes morre, provavelmente em Lisboa. Amém” (p. 342).

Notas

1. Cf. “Apresentação”. In: REVEL, Jacques (org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 10. Vide também o capítulo primeiro.

2. Vale a pena uma leitura demorada da discussão elaborada entre Ronaldo Vainfas e Ciro Cardoso, paradoxalmente, num mesmo livro que organizam juntos. Cf. CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. Especialmente a introdução e a conclusão, na mesma obra. Ainda do autor, vide: VAINFAS, Ronaldo & SANTOS, Georgina S. & NEVES, Guilherme P. Retratos do império – trajetórias individuais no mundo português nos séculos XVI a XIX. Niterói: EdUFF, 2006.

3. Cf. LORIGA, Sabina. “A biografia como problema”. In: REVEL, Jacques (org.). Op. Cit., pp. 225-249.

Ligio José de Oliveira Maia


VAINFAS, Ronaldo. Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês processado pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 384p. Resenha de: Embornal, Fortaleza, v.1, n.2, p.1-6, 2010. Acessar publicação original. [IF].