Povos e culturas da região Amazônica: imigração, trabalho e luta | Outras Fronteiras | 2021

Itacoatiara AM Imagem Rede AmazonicaG1
Itacoatiara – AM | Imagem: Rede Amazônica/G1

O dom de despertar no passado as centelhas de esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. 2

O momento atual é crucial para aprofundar o conhecimento sobre a Amazônia e refletir acerca do seu processo histórico através das muitas concepções teóricas à disposição. Como pensála de outro modo em História? Dos estudos culturais com enfoque nos inúmeros povos, etnias e identidades ali engendradas, aos estudos sociais e econômicos que compreendem a expansão das frentes pioneiras, os processos migratórios, as formas de exploração sob a égide e inserção do capitalismo predatório e rudimentar, é preciso abarcar outras possibilidades. O presente e o futuro requerem para a Amazônia estudos históricos do tempo presente, da história do clima, da história ambiental…

A partir do golpe de 1964 no Brasil, a expansão da fronteira Amazônica se processou dentro de uma lógica singular mediada pelo Estado por meio da Doutrina de Segurança Nacional, onde o Poder Público se colocou como mediador dos interesses da grande empresa privada e do capital internacional, no intuito de promover um crescimento econômico rápido e a qualquer preço. De acordo com Berta Becker,3 para realizar seu projeto, o Estado impôs uma nova malha técnico-política que incorpora as tendências expansionistas e transformadoras já existentes nas sociedades próximas dos grandes centros políticos e econômicos na Amazônia, por meio das concepções ideológicas trazidas pelos milhares de migrantes que chegavam à região a partir dos projetos de colonização autoritários. Na fronteira, desenvolveu-se um jogo simbólico denso e dramático da nação com seus propósitos. É preciso compreender e conhecer objetivamente a fronteira para além das concepções ideológicas simplificadoras do processo autoritário de ocupação, que é incapaz de captar a magnitude e a complexidade em curso na sociedade brasileira. Mais que uma definição geográfica, a fronteira é uma categoria histórica. De acordo com José de Souza Martins, a história contemporânea da fronteira no Brasil é marcada pelas lutas étnicas e sociais. Neste sentido, a Fronteira é eminentemente o lugar da alteridade. É o local de descoberta do outro e do desencontro. Desencontro de povos que vivem em regimes de temporalidade diferentes.4 Leia Mais

História Oral, trabalho, trabalhadoras (es) | História Oral  | 2020

As formas de relações de trabalho e a subjetivação da ideia de trabalhadora e trabalhador têm sido pontos de intensas disputas entre diversos setores sociais nos últimos anos. A massificação da internet, das redes sociais, dos aparelhos celulares e seus aplicativos produziram novas ferramentas e uma nova linguagem para definir e significar o mundo do trabalho.

Nesse cenário, gostaríamos de destacar dois elementos: o discurso de liberdade e os significados da legislação trabalhista. Ao controle e opressão patronais sofridos pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras nas fábricas, nos canaviais e outros espaços, foi contraposto um forte discurso de liberdade. Sem patrão, com livre-iniciativa, com a possibilidade de escolher o horário de trabalho, bem como o tempo dedicado, assim se apresentam as novas formas laborais para as pessoas que se identificam e são identificadas como empreendedoras. Desde os entregadores dos aplicativos de comida em todo Brasil até as costureiras em Toritama, no Agreste de Pernambuco, a promessa da ausência de patrões e dos mecanismos de controle direto empregados pelos mesmos, significaria uma nova fase de mais liberdade e possibilidade de novos ganhos, dependendo apenas do esforço de cada trabalhador ou trabalhadora. Leia Mais

Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (II) / Vozes Pretérito & Devir / 2020

[Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (PARTE – II) ]. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.11, n.2, 2020. Acessar dossiê [DR]

Trabalho e Migração (I) / Tempos históricos / 2020

Este Dossiê que entregamos aos leitores é também, em nossa compreensão, um documento histórico a respeito de assuntos, de abordagens, de métodos e de questões que ajudam a problematizar o Trabalho e a Migração. Os artigos selecionados ocupam dois volumes deste número da Tempos Históricos, fato que atesta o interesse pelo tema. Em boa medida, ele caracteriza o estado da discussão nas duas primeiras décadas do século XXI. A sua qualidade, como sempre, estará sob o julgamento criterioso do público interessado. Por isso, não resenharemos cada um dos artigos, como de praxe. Ao invés disso, apresentaremos uma visão dos pontos aludidos pelos autores. Fazemos um destaque especial a duas traduções inéditas publicadas neste número, os textos de John Steinbeck e Michael Merrill, que são precedidos de introduções específicas que dispensam comentários nesta apresentação.

No período de 2010 a 2019, houve aumento de 51 milhões de imigrantes, de acordo com ONU. Em 2019, os imigrantes representaram 3,5% da população mundial. Em 2000, eles eram 2,8%. Se somarmos as migrações inter-regionais e interestaduais de países onde for possível medi-las, o resultado fortaleceria o argumento de que trabalhadores migram o tempo todo. Sobre imigrantes ilegais (sem documentos), conforme a OIT, atualmente estima-se que há 258 milhões de imigrantes, incluídos nesses números 19 milhões de refugiados. Os imigrantes trabalhadores (a partir de 15 anos de idade) constituem 234 milhões desse grupo, representando 4,2% da classe trabalhadora mundial (também a partir de 15 anos de idade). Na Europa, cerca de 1 / 4 dos trabalhadores são imigrantes. Esses dados, embora estimados, atestam a presença significativa de imigrantes na Europa.

Há mais de 100 anos, Lenin explicou essa movimentação de trabalhadores como sendo resultante de enorme pressão do desenvolvimento imperialista do capitalismo. Inicialmente, ele argumentou que o capital busca ampliar a mais-valia e obter lucros maiores, barateando o custo da força de trabalho por meio da abertura de empresas em países considerados economicamente periféricos. Assim, apoiado no capital financeiro, existiria uma tendência de o capitalismo expandir as suas fronteiras para explorar trabalho barato onde houvesse. A avaliação de Lenin apontou para mercados de países menos desenvolvidos. Ao mesmo tempo, nesse plano do desenvolvimento econômico, a indústria e a lavoura recrutariam força de trabalho de outros lugares para suprir necessidades urgentes e formar um excedente disponível. Lenin entendeu e explicou esse processo histórico na década de 1910, mostrando como é que a mobilidade dos trabalhadores estaria cada vez mais influenciada pelo capital. É uma hipótese cuja validade empírica e teórica só fez crescer desde então.

Embora importantes, as estatísticas e as estimativas sobre as migrações seriam mais elucidativas se cotejadas e enriquecidas por investigações que consigam abordar e expor a condição do imigrante nos termos de como eles lidam com as experiências de migrar, de trabalhar e de viver em um tipo de exílio voluntário. Nessa direção, muitos estudos têm avançado para questões ligadas aos motivos da imigração, à estratificação dos imigrantes em faixa etária, gênero, condição social, escolaridade, à renda e remessa de dinheiro para familiares, às formas de entrada no país, o acolhimento, a legislação responsável pela concessão de vistos e outros assuntos pautados pelo dinamismo da realidade social.

Resultado ou causa disso são os grupos organizados institucionalmente no Brasil com interesse de estudar especificamente a migração em espaços e temporalidades diversos, alguns deles com certa articulação internacional. A intervenção acadêmica, principalmente, tem induzido a produção de dissertações e teses que já não só mapeiam permanentemente a migração, mas auscultam os trabalhadores que migram. Quando isso acontece, saímos de uma superfície relativamente segura para mergulhar em águas incertas, para as quais nem sempre estamos inteiramente equipados para sobreviver. Ouvir o que os imigrantes desejam falar, sem abandonar as indagações de nossos roteiros, requer o que os historiadores e demais estudiosos denominam de método, de paciência e de alguma sensibilidade.

A respeito dessas iniciativas, queremos sublinhar dois pontos. Greve na Fábrica, de Robert Linhart, publicado em 1977 (L’Etabli), ainda é uma das melhores referências de estudo sobre trabalhadores imigrantes reunidos em uma indústria. Encontramos nessa obra chaves de análise atuais para a pesquisa histórica e sociológica que esclarecem como a pesquisa pode compreender as relações de trabalho, a constituição da identidade, a formação de redes de solidariedade e a organização política e sindical, examinando de perto os diversos modos que os trabalhadores tratam suas experiências. O que temos a ganhar com Linhart é a possibilidade de tratar o trabalho e a migração (voluntária e involuntária) também em seus termos históricos, os quais são expressão de sentimentos como o medo, a solidão e a dignidade, por exemplo. De um ponto de vista geral, isso representa um esforço para investigar quais sentimentos movem ou imobilizam os trabalhadores em situações históricas específicas e, ao mesmo tempo, conectadas estruturalmente ao capitalismo. Isso nos leva ao segundo ponto.

Sendo a migração um tipo de mobilidade forçada pelo capital, é preciso identificar e analisar o processo de expropriação vivido pelo trabalhador que decide buscar outra região ou país. A noção de expropriação assumiu nos estudos de Marx um sentido continuado. Em apertado resumo, a história é a seguinte. Os camponeses haviam perdido muitos de seus direitos à terra desde os séculos XIV e XV na Inglaterra, e seguiram lutando e resistindo contra todo tipo de investida sobre seus modos de vida e de trabalho. O desenvolvimento do capital pressionou os camponeses (e artesãos) a subordinarem seu trabalho, sua forma de produção, seus modos de vida e a desbaratar a organização econômica e social dos camponeses que possibilitava resistir dentro desse processo. É uma história bastante conhecida e detalhada em diversos aspectos, principalmente por Edward Thompson, em A Formação da Classe Operária Inglesa e Tempo, disciplina do trabalho e capitalismo industrial, por Eric Hobsbawm e George Rudé, em Capitão Swing, por Raymond Williams, em O Campo e a Cidade, e por Peter Linebaugh, em Karl Marx, the Theft of Wood.

Uma dimensão atual da dinâmica de expropriação se dá quando o imigrante não tem a roupa certa, o corte de cabelo certo, não fala a língua certa, não tem o comportamento certo. Seu corpo inteiro, seus costumes e sua cultura tendem a ser estigmatizados de modo que pesa sobre eles uma pressão para expropria-los econômica e culturalmente. E semelhante aos camponeses que Marx estudou em pleno processo de luta contra a expropriação de seus direitos consuetudinários sobre a terra, trabalhadores imigrantes na atualidade enfrentam esse problema cotidianamente. E se reconhecermos uma dinâmica de expropriação de longo tempo que chega aos nossos dias, significa que é necessário pensar o trabalho e a migração como uma relação social tensa, conflituosa, contraditória e, portanto, como elementos históricos da luta de classes.

Esta ainda é a principal chave de análise para identificar e explicar a condição dos trabalhadores imigrantes.

Antônio de Pádua Bosi

Sérgio Paulo Morais


BOSI, Antônio de Pádua; MORAIS, Sérgio Paulo. Apresentação. Tempos Históricos, Paraná, v.24, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Trabalho e Migração (II) / Tempos históricos / 2020

Apresentamos a edição do 2º semestre de 2020 da Revista Tempos Históricos, periódico científico do Programa de Pós-Graduação em História e do Curso de Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Neste número, temos o prazer de publicar mais uma importante seleção de artigos científicos no campo das Ciências Humanas, majoritariamente da área de História; tal produção é fruto, essencialmente, de docentes e pósgraduandos de universidades brasileiras que estão em constante combate contra a perda de recursos pela educação pública, a deterioração das condições de trabalho e o descrédito enfrentado pela Ciência.

Neste número apresentamos também a segunda parte do Dossiê Temático Trabalho e Migração, organizados pelo Prof. Dr. Antonio de Pádua Bosi (Unioeste) e pelo Prof. Dr. Sergio Paulo Morais (UFU). Nesta seção, Guélmer Júnior Almeida Faria no artigo Redes sociais das / nas migrações tecidas em contextos de vida e trabalho de domésticas imigrantes, aborda aspectos importantes das relações de trabalho das domésticas do norte de Minas Gerais e da constituição de suas redes de sociabilidade. No artigo Migrantes Haitianos em Sinop / MT: direitos, trabalho e redes de sociabilidade, Ivone de Jesus Alexandre e Everton Neves dos Santos discorrem sobre a precariedade do trabalho dos imigrantes haitianos na cidade e a importância da igreja como espaço de sociabilidade deste grupo social. Ivna de Oliveira Nunes, em Ser mulher e migrante: debates sobre a divisão sexual do trabalho nos fluxos migratórios, dedica-se a abordar aspectos da intersecção entre gênero e mobilidade social a partir da condição de trabalho das mulheres imigrantes na perspectiva da divisão sexual do trabalho. Em Apropriações do trabalho rural e da migração no poema Martim Cererê e na Revista São Paulo, de George Leonardo Seabra Coelho, o autor baseia-se na perspectiva teórica de Roger Chartier para analisar as representações elaboradas por Cassiano Ricardo sobre aspectos da identidade paulista, especialmente relacionados à migração. Ainda nessa seção, Trabalhadoras domésticas: memórias, resistências e criação de direitos (São Paulo, Amazônia e tantos lugares, de um tempo recente e ainda agora) de Vanessa Miranda, Maria do Rosário da Cunha Peixoto e Nelson Tomelin Jr., apresenta pesquisa sobre o processo de construção de memórias das trabalhadoras domésticas – organizadas ou não – nos anos da Ditadura Militar (1964-1985). Por fim, Wellington Teixeira Lisboa debruça-se sobre o panorama histórico das migrações para a cidade de Santos / SP em As faces da cidade: migrações históricas no município de Santos / SP. Encerrando o dossiê, Luiz Sapia de Campos e Ema Cláudia Ribeiro Pires entrevistam Alberto Matos, militante de uma organização de apoio aos imigrantes na região do Alentejo, em Portugal, na seção Entrevista.

Nos Artigos Livres, o texto O “antigo” e o “novo” no debate da historiografia brasileira acadêmica (1961-1979), de Wesley Rodrigues de Carvalho, estabelece os usos das ideias de “novo” e antigo” nas produções acadêmicas oriundas das universidades brasileiras. A seção continua com o texto de Augusto Rodrigues de Assis Resende, O Império e as celebrações de Tiradentes, por meio do qual os usos políticos da Inconfidência mineira e da figura de Tiradentes são analisados em suas manifestações ainda no período monárquico. Já Regras para o trato virtuoso das vestes na Castella dos séculos XIV e XV, de Thiago Henrique Alvarado, nos mostra como as orientações e regras para a vestimenta de clérigos e leigos, entre os séculos XIV e XV, favoreciam o entendimento do que era ser um bom cristão.

Na sequência, Georgiane Garabely Heil Vásquez em Corpos imperfeitos: as teses médicas sobre infertilidade feminina apresentadas à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX demonstra que, de maneira geral, o entendimento da saúde reprodutiva das mulheres no início do século XX estava marcado por julgamentos morais. No trabalho Povos indígenas no vale do Rio Branco / Roraima na segunda metade do século XVIII: a construção de uma representação, Maria Luiza Fernandes, nos oferece um estudo sobre a representação dos indígenas da região em contraposição ao projeto colonizador português. Joice de Souza Soares, no artigo Em meio a cidadãos e soldados: o meio termo policial na regência do Império, avalia as questões do nascente Estado brasileiro, no início do século XIX, em relação à constitucionalização, à Justiça e à instituição policial. Ainda encontramos o artigo Práticas testamentárias em Mariana: os executores das últimas vontades nos séculos XVIII e XIX, de Karina Aparecida Lourdes Ferreira, que analisa as sociabilidades envolvidas na constituição e cumprimento de testamentos e sua relação com as próprias funções do documento. A reflexão de Ricardo Marques de Mello, em Funções contemporâneas do ensino de história no Ensino Médio de Campo Mourão – PR: a perspectiva dos estudantes, nos apresenta um panorama da compreensão da função da aprendizagem da História para os estudantes do Ensino Médio. Por fim, o artigo Os percalços da propriedade cafeeira: a transformação dos direitos de propriedade na formação e na reprodução das fazendas de café em Valença (Província do Rio de Janeiro, 1850-1888), de Felipe de Melo Alvarenga analisa a transformação dos direitos de propriedade após a promulgação da Lei de Terras de 1850. Encerramos a seção com o artigo Usos do passado nos animes japoneses: a presença de imagens míticas das deusas da destruição e do mito dos irmãos, em Naruto Shippuden, de Rodolfo Alexandre Melo Bastos e Daniel Lula Costa, que realiza um estudo sobre a relação entre os personagens do anime de origem japonesa e o uso de imagens mitológicas.

A leitura de Valney Mascarenhas Lima Filho na seção Resenhas apresenta a obra Ganhadores: a greve negra de 1857 na Bahia, de João José Reis, editada em São Paulo, pela Cia das Letras em 2019. Fechando a edição, apresentamos a importante Tradução do texto de Josep Fontana, Para que serve o ensino de História?, realizada por Sheille Soares de Freitas.

O Conselho Editorial agradece autores e pareceristas desta edição e deseja a todos(as) uma excelente leitura!

Conselho Editorial


Conselho editorial. Apresentação. Tempos Históricos, Paraná, v.24, n.2, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (PARTE I) / Vozes Pretérito & Devir / 2020

No dia 12 de fevereiro de 2020, enquanto estávamos às vésperas da publicação deste Dossiê, intitulado Sociedade Cultura e Trabalho: diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural, completou quinze anos do assassinato da Ir. Dorothy Stang, em Anapu, na Prelazia do Xingu, no Pará, em 12 fevereiro de 2005, morta com seis tiros em uma emboscada por contrariar interesses de grupos poderosos empenhados na devastação da floresta amazônica e expulsão das populações tradicionais. Dorothy, natural de Dayton, Estado de Ohio, Estados Unidos, no dia 07 de junho de 1931, teve sua trajetória pastoral e social associada aos direitos ambientais e às causas dos trabalhadores rurais nos confins da Amazônia. Trabalhadores rurais migrantes, especialmente do Nordeste, em condições de trabalho escravo, povos tradicionais e indígenas, enfrentam um contexto de exploração e poder do latifúndio na Amazônia. Dados do IBGE (2006) apontam o Brasil como um dos países que possuem estruturas fundiárias mais concentradas no mundo, a maioria sob o controle hegemônico do agronegócio nacional. Por sua vez, os conflitos no campo e luta pela terra avançam e se perpetuam pelos confins do Brasil com aumento do número de mortes, expulsões, torturas e ameaças, compilados e divulgados anualmente pela Comissão Pastoral da Terra – CPT. O assassinato da Ir. Dorothy endossa o cenário de violência e assassinatos de lideranças rurais.

A concentração fundiária que impende o acesso à terra por milhares de trabalhadores rurais como o avanço da grande fronteira livre, mantém famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais aprisionadas à condições históricas de exploração na terra e vulneráveis à migração para o trabalho forçado / escravo, prática contínua transmitida a gerações sucessivas. Nesse sentido, tomamos para o debates sobre o Mundo Rural a percepção de suas fronteiras fluídas, para além da sua compreensão política uma fronteira de muitas e diferentes coisas, como enumera José de Sousa Martins: “fronteira de civilização (demarcada pela barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e visões de mundo, sobretudo, fronteiras do humano” (2014, p.11).

Diante desse quadro, e atentos que a problemática entorno da terra, trabalhadores e fronteiras deve ser pensada desde diferentes ângulos, sociológicos, antropológicos, culturais, econômicos e históricos, provocamos a realização de um Colóquio com posterior produção de Dossiê homônimo, no sentido de elaborar reflexões sobre a questão, repensar os modos de vida e trabalho no Mundo Rural como também estimular o desenvolvimento de ações voltadas para esse campo. Este dossiê é resultado do esforço dos pesquisadores das áreas de História, Ciências Sociais e Pedagogia, reunidos em torno das atividades do Núcleo de Documentação e Estudos em História, Sociedade e Trabalho – NEHST da Universidade Estadual do Piauí – UESPI.

Os artigos selecionados para o Dossiê e Seção de Artigos Livres, foram apresentados em comunicações orais do Colóquio no qual foram reunidos pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento provenientes de diferentes IES, da região Nordeste do país. Os autores / as entrecruzam diferentes formas de lidar com a pesquisa, desvelam fronteiras fluidas entre as disciplinas e apresentam possibilidades de análise das vidas de sujeitos históricos específicos: migrantes, trabalhadores, rurais e urbanos, escravizados e indígenas em contextos e temporalidades diversos.

No artigo intitulado Entre bons patrões e trabalhadores obedientes? Terra, trabalho e resistências em Miguel Alves / Piauí. (1950-1990), Marcelo Aleff de Oliveira Vieira e Eurípedes Antônio Funes, analisam as relações sociais estabelecidas entre trabalhadores rurais e proprietários de fazendas de Miguel Alves. Teresina, município situado na região Meio Norte piauiense, cenário de múltiplas disputas e tensões no campo.

Em A seca de 1888 / 1889 e seus efeitos na província do Piauí representada no periódico A Imprensa, Marcus Pierre de Carvalho Baptista, Francisco de Assis de Sousa Nascimento e Elisabeth Mary de Carvalho Baptista, a partir de pesquisa bibliográfica e documental hemerográfica, por meio do periódico A Imprensa, evidenciam elementos impostos no contexto da seca à população da província: morte do gado, das plantações, aumento de preço de alimentos e, notadamente, a migração de pessoas de províncias próximas, acarretando outros problemas.

Helane Karoline Tavares Gomes em Etnicidade e mobilização indígena: estratégias de reivindicação e demarcação das áreas indígenas no Estado do Piauí (2000-2018), analisa as estratégias utilizadas no processo de reivindicação ao acesso à terra pelos povos indígenas do Piauí entre 2000 a 2018. O estudo sobre as mobilizações sociais indígenas associadas à construção das etnicidades e reconhecimento da história desses sujeitos inaugura uma nova página da história indígena do Estado.

Em Migrações Ceará- Piauí (1940-1970): Elucidando algumas razões para migrar à luz de narrativas orais, Lia Monielli Feitosa Costa apresenta estudo acerca dos movimentos migratórios do Ceará para o Piauí, no período de 1940-1970, tendo como veículo de ideias e aportes teóricos o testemunho oral de trabalhadores campesinos. Segundo a autora, o deslocamento de trabalhadores cearenses pode ser entendido através do estudo da formação das tendências dos fluxos migratórios, cujas redes de sociabilidade foram delineadas com lastro na década de 1930, período no qual projetos pessoais e coletivos sofreram influência a partir de experiências de migração em direção ao Piauí, que persistiram ao longo das décadas seguintes.

No artigo, A seca de 1979 através do cotidiano dos trabalhadores de Bocaína, Picos- PI (1979-1996) as autoras, Cristiana Costa da Rocha e Milena de Araújo Leite analisam a partir da documentação relacionada ao projeto de construção da Barragem de Bocaína e das narrativas orais, situações que evidenciem as relações de trabalho estabelecidas no contexto dessa obra considerando os conflitos, salários, carga horária, condições de trabalho, e os equipamentos utilizados por esses trabalhadores.

Em A Repartição Especial de Terras Públicas na Província do Piauí (1858-1860): política, burocracia e mediação de conflitos, Cássio de Sousa Borges apresenta a atuação da Repartição Especial de Terras Públicas na Província do Piauí, entre os anos de 1858 e 1860. Mobilizada sua criação pelo Decreto Imperial nº 1318 de 30 de janeiro 1854, que regulamentou a execução da Lei de Terras de 1850, a criação desta repartição pública, com sede em Teresina, foi a primeira experiência de gestão fundiária das terras do Piauí após o fim do sistema colonial de sesmarias.

Em “Era liberto e hoje privativamente é captivo”: Ação de liberdade na cidade de Teresina em 1860, Talyta Marjorie Lira Sousa Nepomuceno estuda as demandas judiciais acerca dos processos de liberdade, demonstrando a relação conflitante entre os senhores e escravizados e a interferência do Estado no processo de negociação. A autora toma como fontes para o estudo os registros das cartas de alforria nos Livros de Notas e Ofícios do Cartório de 1º Ofício de Notas da cidade de Teresina; os relatórios de Presidente de Província; e uma ação de liberdade registrada na Secretária de Segurança Pública da Província do Piauí em 1860.

Em O Vínculo com a Terra e as Diferentes Categorias de Trabalhadores Rurais Livres no Piauí Oitocentista, Ivana Campelo Cabral, dialoga sobre sociedade rural no Piauí oitocentista marcada pela presença de sujeitos diferenciados em decorrência das funções que desempenhavam e a posição jurídico-social que ocupavam. Assim, a autora apresenta e caracteriza cada uma das categorias, expondo suas semelhanças, diferenciações e as atividades desenvolvidas por cada uma destas.

No artigo intitulado Pensamento ecológico de Gilberto Freyre na obra nordeste sob o olhar da história ambiental, Daniela Fontenele Rocha e Francisco Gleison da Costa Monteiro analisam como Gilberto Freyre na obra Nordeste, publicada em 1937 pela editora José Olympio discute temáticas semelhantes à História ambiental, e suas contribuições para estruturação desse campo de saber constituído na década de 1970. Para tanto, os autores levaram em consideração a análise do contexto de produção da obra e do conhecimento que proporcionou a escrita do autor. Tais proposições os induziram a buscar indícios para mapear a formação de Freyre e as articulações travadas, com autores e correntes, no âmbito de suas influências na produção textual e a ensaiar o pensar ecológico como ponto nodal de sua composição textual.

Alcebíades Costa Filho, Francisco Rairan dos Santos Vilanova e Salania Maria Barbosa Melo, no artigo intitulado O cultivo de alimentos em áreas do leste do Maranhão: Um olhar para o município de Matões, refletem sobre a cultura de gêneros alimentícios que se instalou nos municípios do leste maranhense no século XVIII, correlacionada com a pecuária, atividade econômica considerada pela historiografia como de fundamental importância na ocupação do território.

No artigo (Re)Configurações das Imagens do Sertão no Cinema Brasileiro, José Luís de Oliveira e Silva no sentido de pensar a construção imagética do sertão no cinema brasileiro, propõe uma reflexão mais ampla sobre a relação entre o fazer historiográfico e os usos de narrativas ficcionais, não para hierarquizar ou opor uma à outra, mas como forma de perceber os modos como a ficção extrapola os aspectos da temporalidade vivida, habilitando-se a materializar, de forma imaginativa, os possíveis não realizados da história.

Em O movimento dos trabalhadores sem teto e a luta pelo direito à cidade em Recife, Igor de Meneses Silva, Jennyfer Annemberg Burlamaqui das Neve e Jully Gardemberg Burlamaqui das Neves abordam luta do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em Recife, tendo como objetivo analisar as dificuldades encontradas e as ações estratégicas que podem ser adotadas pelo movimento na luta pelo reconhecimento do direito à moradia digna na capital de Pernambuco.

Em Reforma Trabalhista, precarização do trabalho e imperativos do capital, André Conceição de Sousa e Patrícia Soares de Andrade analisam alguns pontos da Reforma Trabalhista (Lei 13.467 / 17) no que diz respeito a flexibilização do trabalho. Segundo os autores a reforma trabalhista ampliou as possibilidades de flexibilização do trabalho, seja através da terceirização, trabalho em regime parcial ou mesmo intermitente, buscando atender a interesses de instituições internacionais e nacionais, respondendo também aos imperativos da acumulação de capital.

Yasminn Escórcio Meneses da Silva e Marcelo de Sousa Neto no artigo intitulado Sob o Signo das Águas e do Esquecimento: trabalho feminino e modernização dos espaços sob olhar das lavadeiras de roupas (Teresina, década de 1970) utilizam a História Oral para compreender a atividade das lavadeiras de roupas na cidade de Teresina na década de 1970, para tanto consideram o constante aumento de mulheres nas margens dos rios na execução da tarefa, como parte dos resultados da intensa migração que se tornou frequente nos anos que sucederam o chamado período do “milagre econômico” dos governos militares, ampliando o número de pessoas sem renda e sem perspectivas nas capitais brasileiras em busca de melhoria de vida.

Na Seção Especial do Dossiê, Maurício Fernandes faz uma abordagem filosófica no artigo intitulado Tecnologia e Ruralidade: Considerações a partir da Tese da Colonização de Jürgen Habermas. O autor discute a problemática do avanço tecnológico no campo tendo como recorte norteador a teoria comunicativa de Jürgen Habermas, e dentro desta, mais precisamente, a tese da colonização. Nesse sentido, analisa o conceito de colonização utilizado por Habermas, que fornece elementos enriquecedores para uma compreensão do atual quadro de desenvolvimento do campo, bem como, uma compreensão dos problemas que envolvem os usos da tecnologia no âmbito do campo.

A edição está dividida em duas partes, além do Dossiê na seção de Artigos Livres os autores analisam fenômenos históricos, sociais, políticos e culturais da história e cultura regional, a partir de múltiplos objetos; ainda assim, aponta perspectivas que se desenrolam no tempo presente e tal é a complexidade que as envolvem que nos contentamos em ser Ciência e não fazer exercícios de natureza profética.

Antonio Alexandre Isídio Cardoso – UFMA

Cristiana Costa da Rocha – UESPI

José da Cruz Bispo de Miranda – UESPI

Robson Carlos da Silva – UESPI

Salania Maria Barbosa Melo – UESPI / UEMA

Teresina, maio de 2020


CARDOSO, Antonio Alexandre Isídio; ROCHA, Cristiana Costa da; MIRANDA, José da Cruz Bispo de; SILVA, Robson Carlos da; MELO, Salania Maria Barbosa. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.11, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Trabalho e Migração- Parte 2/Tempos Históricos/2020

Apresentamos a edição do 2º semestre de 2020 da Revista Tempos Históricos, periódico científico do Programa de Pós-Graduação em História e do Curso de Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Neste número, temos o prazer de publicar mais uma importante seleção de artigos científicos no campo das Ciências Humanas, majoritariamente da área de História; tal produção é fruto, essencialmente, de docentes e pós-graduandos de universidades brasileiras que estão em constante combate contra a perda de recursos pela educação pública, a deterioração das condições de trabalho e o descrédito enfrentado pela Ciência. Leia Mais

Trabalho e Migração- Parte 1 /Tempos Históricos/2020

Este Dossiê que entregamos aos leitores é também, em nossa compreensão, um documento histórico a respeito de assuntos, de abordagens, de métodos e de questões que ajudam a problematizar o Trabalho e a Migração. Os artigos selecionados ocupam dois volumes deste número da Tempos Históricos, fato que atesta o interesse pelo tema. Em boa medida, ele caracteriza o estado da discussão nas duas primeiras décadas do século XXI. A sua qualidade, como sempre, estará sob o julgamento criterioso do público interessado. Por isso, não resenharemos cada um dos artigos, como de praxe. Ao invés disso, apresentaremos uma visão dos pontos aludidos pelos autores. Fazemos um destaque especial a duas traduções inéditas publicadas neste número, os textos de John Steinbeck e Michael Merrill, que são precedidos de introduções específicas que dispensam comentários nesta apresentação. Leia Mais

Fronteiras, trabalho e etnicidade / Canoa do Tempo / 2019

A revista Canoa do Tempo traz a público o dossiê Fronteiras, Trabalho e Etnicidade, com artigos que denotam a complexidade da discussão sobre a ideia de fronteira. Para além do entendimento sumário da categoria, usualmente articulada como linha divisória, há o indicativo do peso dos mundos do trabalho no estabelecimento de suas problemáticas. A Amazônia aparece como espacialidade privilegiada para a articulação de estudos desta natureza, ambientados entre o imaginário da opulência e as agruras de formas coercitivas da lida cotidiana. Ao longo do tempo, a floresta foi atravessada por diversos tipos de deslocamentos de fronteiras, cujos desdobramentos socioeconômicos e demográficos deixaram marcas indeléveis no tecido social de suas cidades, aldeias e rios.

Não por acaso, a floresta por tempos pensada no terreno do fantástico perdeu força discursiva sob a sombra do colonialismo interno, quase sempre jungido a interesses capitalistas internacionais. O ethos das mulheres guerreiras que (re)batizou o vale ao gosto do imaginário europeu, teve seus sentidos transformados com as sucessivas devassas e esquadrinhamentos do espaço em busca de riquezas. As fronteiras do paraíso terreal tiveram de ser redimensionadas, restando apenas o invólucro da mensagem edênica, que traduziu a Amazônia como terreno inabitado, disponível e à margem da História.

O artigo que abre a dossiê, assinado por Maria Clara Carneiro Sampaio, aponta referências sobre interesses estrangeiros na reciclagem das referidas imagens paradisíacas voltadas ao território amazônico nos oitocentos. A autora analisa os escritos do militar norteamericano Matthew Fontaine Maury, que redigiu um folheto largamente publicado em periódicos, pregando a viabilidade do deslocamento dos empreendimentos escravistas do Sul dos Estados Unidos em direção ao Brasil. Nesse contexto, a floresta era enxergada como fronteira para o avanço e sobrevivência da escravidão nas Américas, área que supostamente possuía clima e natureza “adequadas” para a população negra oriunda das grandes lavouras algodoeiras que marcavam as paisagens sulistas de Maury nos idos dos anos 1850. O projeto reabilitava a visão paradisíaca colonial, classificando a Amazônia como área prenhe de possibilidades, rica, mas mal aproveitada economicamente. O éden intocado ganhava novas camadas de sentido, visto como paraíso do trabalho compulsório e da escravidão.

O cerne da relação entre ideários edênicos, deslocamento de fronteiras e escravidão, continua no texto de Jéssyka Samya Ladislau Pereira Costa, que apresenta notas de pesquisa sobre a presença negra e indígena nos mundos do trabalho dos rios Purus e Madeira entre 1850 e 1889. O artigo aponta reflexões sobre a historicidade dos Altos Rios à época da sedimentação da Província do Amazonas, marcada por suas paisagens ameríndias, natureza opulenta e diversas zonas de contato. O cruzamento entre populações indígenas e negras é problematizado pela autora, que discute o alcance da sociedade escravocrata e as agencias das populações que enfrentavam interesses senhoriais na floresta. Os rios Purus e Madeira aparecem como recortes espaciais principais, destacados como importantes cursos fluviais na interiorização dos interesses econômicos da província, à época capitaneados pelo extrativismo da borracha.

O tema da escravidão também aparece no artigo de Paulo Roberto Staudt Moreira, que articula reflexões sobre os significados da liberdade e da escravidão na fronteira meridional do Império brasileiro no século XIX. Através de fontes judiciárias, o autor põe em causa a polissemia do conceito de fronteira, incluindo os limites e aproximações entre experiências da liberdade e do cativeiro. O recorte espacial do texto de Moreira enfatiza a Vila de Canguçu, localizada na província de São Pedro do Rio Grande do Sul nas proximidades de nações platinas circunvizinhas. O autor conduz os leitores em terreno atravessado por conflitos que marcaram a época Imperial no Sul do Brasil, área estratégica e de significativa importância econômica conectada aos fluxos da pecuária e agricultura.

Dando continuidade ao debate sobre as polissemias da categoria fronteira, apresentar-se-á o artigo de Fernando Roque Fernandes, que discute territorialidades coloniais do “delta amazônico” no século XVII. O autor problematiza a circulação de agentes coloniais na região da foz do Amazonas, evidenciando o papel desses personagens na conformação de fronteiras e disputas que caracterizaram territorialidades seiscentistas. Conectado ao contexto em tela, Fernandes dispõe aos leitores e leitoras um interessante panorama conceitual sobre as ideias de lugar, espaço e território, considerando suas complexas implicações étnicas e identitárias. O artigo destaca ainda a densidade geopolítica da época, ligada ao estabelecimento do Estado do Maranhão e as movimentações do aparato colonial para o controle do território amazônico.

A tônica dos deslocamentos associada com questões transfronteiriças aparece também no artigo assinado por Eduardo Gomes da Silva Filho e Júlia Maria Corrêa, que destacam outras facetas do debate, explorando a densidade de fluxos migratórios contemporâneos. Os autores colocam em causa a mobilidade humana e os mundos do trabalho entremeados entre as cidades de Bonfim, no estado de Roraima, e Lethem, na República Cooperativista da Guiana. Com base em dados e outras fontes obtidas em trabalho de campo, Silva Filho e Corrêa discorrem sobre questões relacionadas as atividades laborais, redes de comércio e serviços que vem conectando as duas cidades. A discussão sobre o panorama relacional entre Lethem e Bonfim pode servir de janela comparativa para outras realidades urbanas e transfronteiriças na Amazônia.

Após as reflexões sobre Brasil e Guiana, o dossiê encaminhará a debate para outras rugosidades da ideia de fronteira. Será apresentado um interessante artigo sobre um relato de viagem de autoria de George Kennan, que publicou em 1870 a obra Tent life in Siberia. Fechando a presente edição da Canoa do Tempo, convidamos à leitura do texto de Nykollas Gabryel Oroczko Nunes, que aborda a expedição telegráfica narrada por Kennan, ocorrida no nordeste da Rússia e carregada com os usuais recursos narrativos ligados à valorização de ideários da masculinidade, aventura e do enfrentamento da natureza selvagem. O artigo destaca as tensões discursivas da obra, estabelecidas entre desafios de alteridade, visualizados nos intercursos das ideias de civilização e barbárie numa área considerada distante e inóspita.

A diversidade de abordagens e aparatos teóricos aqui propostos demonstram a as possibilidades dos temas que abalizam o dossiê. Em tempos monocromáticos, refletir sobre a complexidade do conceito de fronteira vai na contramão de pensamentos que simplificam a realidade. Com isso, objetivamos fomentar ainda mais discussões que levem em conta o caráter movediço e múltiplo das experiências humanas no espaço e no tempo.

Boa leitura!

Antônio Alexandre Isidio Cardoso – Professor Doutor (UFMA).

Eurípedes Antônio Funes – Professor Doutor (UFC).

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Poder, trabajo y rebelión en el mundo rural del siglo XIX | Claves – Revista de Historia | 2018

En este tema central se propuso reunir colaboraciones que abordaran las relaciones entre las formas de ejercicio del poder y la autoridad en diferentes medios rurales durante el siglo XIX, considerando las transformaciones que se produjeron en las formas de trabajo y las manifestaciones de rebeldía, cuestionamiento e impugnación que se produjeron entre las poblaciones campesinas. Sabíamos que una convocatoria de este tenor implicaba afrontar varios desafíos, sobre todo porque suponía atender a muy distintas perspectivas desarrolladas desde la historia económica, la historia política, la historia de la justicia o la antropología histórica, entre otras. También, porque implicaba reconsiderar desde nuevas miradas y conocimientos algunos problemas clásicos de la historia social.

Sabido es que los estudios históricos de los mundos rurales iberoamericanos pasaron por diversas fases, cada una de las cuales no solo aportó un bagaje creciente de conocimientos, sino que también abrió nuevos interrogantes. Sin embargo, un repaso de la abundante bibliografía de las últimas décadas permite advertir que esos estudios cobraron mayor densidad e incidencia en otros campos del saber histórico cuando convirtieron al análisis local o regional en su primordial escala de observación. Las implicancias de ese cambio de perspectivas analíticas fueron vastas. Entre ellas no puede dejar de mencionarse que los enfoques generales, que uniformaban y simplificaban realidades y transformaciones extremadamente diversas, fueron siendo desplazados para iluminar un variopinto espectro de situaciones y procesos de cambio irreductibles dentro de un esquema interpretativo unidireccional. También, que el foco de atención fue dejando de estar centrado casi exclusivamente en el análisis de las grandes explotaciones agrarias, un capítulo central y decisivo en el desarrollo de la historia agraria durante las décadas de 1960 y 1970.1 Leia Mais

Em nome da ordem e do progresso: educação, trabalho e infância no Brasil / Revista de História e Historiografia da Educação / 2017

Como construir uma nação?

Em agosto de 1883, o livro “O abolicionismo” tornou público o diagnóstico elaborado pelo estadista e intelectual Joaquim Nabuco a respeito das mazelas da sociedade brasileira. Defensor de inúmeras reformas, Joaquim Nabuco considerava o abolicionismo, ou seja, a necessidade de eliminar a escravidão da constituição do povo brasileiro, como o mais premente antídoto aos infortúnios nacionais e como uma medida que deveria preceder a todas as demais. Raiz de todos os males e vícios da sociedade e de suas instituições, eliminá-la colocava fim à excepcionalidade negativa do país frente ao mundo civilizado; mundo ao qual o Brasil e grande parte de suas gentes desejava participar e integrar. Mais do que isto, o abolicionismo abria possibilidade para a fundação de uma nova nação e para o soerguimento de um povo imbuído de valores civilizados e mais adaptado às mudanças políticas prenunciadas ao final daquele século. Para o autor, o vício da escravidão inutilizava a ambos, senhores e escravos, para uma vida livre. Daí suas proposições em torno da necessidade de operar profundas reformas, reformas que visavam constituir um “povo forte, inteligente, patriota e livre”.

A instrução pública, a associação de imprensa, a imigração espontânea, a religião purificada e a elaboração de um novo ideal de Estado apresentavam-se como veículos e como estratégias para a produção de um sentimento de responsabilidade cívica entre homens e mulheres; suprimindo, definitivamente, as marcas que a escravidão havia impresso na constituição física, mental e social do país e de seus habitantes. Note-se que estas reformas de cunho individual, ou seja, este aprimoramento de corpos e almas possuía, aos olhos de seu defensor, uma importância muito mais significativa do que as mudanças promovidas pela força das leis. Nos últimos parágrafos de “O abolicionismo”, Joaquim Nabuco conclamava àqueles que possuíam “força, coragem e honradez” para utilizarem-se dos jornais, dos livros, das associações, das escolas e da palavra na difusão daqueles princípios próprios às “nações modernas, fortes, felizes e respeitadas” (NABUCO, 2000, p. 172).

Mais de 100 anos nos separam das preocupações de Joaquim Nabuco sobre o futuro da nação e do povo brasileiro. Contudo, deparamo-nos, ainda hoje, com o desafio de responder à sua questão: como construir uma nação? Ou a uma outra questão da mesma grandeza e importância: qual cidadão é preciso formar? Nesse sentido, discutir historicamente as relações existentes entre a infância, a educação e o trabalho torna-se um exercício vital para a compreensão dos processos que marcaram de forma indelével a construção dessa nação, de dimensões continentais, que é o Brasil. E não há dúvidas de que nessas relações muitas escolhas foram realizadas; escolhas que, de modo geral, culminaram com a valorização de um modelo de trabalhador e cidadão, lapidado conforme os anseios de uma elite dirigente que estava empenhada em manter a Ordem e em alcançar o Progresso.

As dinâmicas próprias à vida social, no entanto, nos lançam no universo da história “a contrapelo”, ou seja, fazem-nos reconhecer que homens e mulheres experienciam as situações cotidianas e constroem uma compreensão particular a respeito delas, porque além de se apropriarem das referências produzidas na coletividade possuem expectativas, necessidades e interesses que lhes são próprios. Neste movimento de construção, homens e mulheres, mesmo ainda quando crianças, reelaboram e reinterpretam os elementos que compõem a cultura e a vida social. Elaboram, assim, “uma política da vida cotidiana que tem seu centro na utilização estratégica das regras sociais” (LEVI, 1989 apud REVEL, 1998, p. 22). O que os artigos reunidos nesse dossiê demonstram é que na articulação entre infância, educação e trabalho, pessoas e grupos sociais distintos construíram visões também distintas de cidadania e de trabalho e buscaram caminhos nem sempre “retos” para concretizá-las.[1] As possibilidades de resistência – e porque não de “acomodação” – às estruturas sociais, políticas e econômicas vigentes propiciam, a nosso ver, uma visão matizada dos poderes institucionalizados em uma sociedade. Analisar como estes poderes submeteram-se às lógicas sociais particulares de indivíduos e grupos sociais enriquece, portanto, a compreensão das múltiplas facetas de um dado momento histórico.

Lançar luzes sobre essas dinâmicas sociais é a tarefa a que se propõe o grupo de autores deste dossiê. A partir de diferentes projetos de pesquisa, desenvolvidos por professores vinculados a importantes grupos de pesquisa do campo da Educação, bem como da História, foram descobertas e reunidas aqui diferentes histórias e personagens; narrativas que ao serem entrecruzadas permitem identificar e reconstituir algumas das muitas facetas das dinâmicas sociais e históricas, nas quais estiveram imersos homens e mulheres, velhos, jovens e, especialmente, crianças. Importa destacar a originalidade dos artigos reunidos nesse dossiê, assim como, a diversidade de fontes históricas as quais os autores recorreram no intuito de trazer à tona as vivências dos atores sociais em foco. Finalmente, esperamos contribuir para que este campo de investigação, ainda incipiente, se consolide entre os pesquisadores da Educação e da História.

Nota

1. Caminho “reto”, da forma como propusemos aqui, é uma analogia ao texto bíblico. Não é demais lembrar, a relação das intenções e ações descritas neste livro com o provérbio: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele” (Provérbios, cap. 22, vers. 6).

Fabiana da Silva Viana – Professora Doutora. Universidade do Estado de Minas Gerais.

Marileide Lázara Cassoli – Professora Doutora. Universidade do Estado de Minas Gerais.

Organizadoras do dossiê temático


VIANA, Fabiana da Silva; CASSOLI, Marileide Lázara. Apresentação. Revista de História e Historiografia da Educação. Curitiba, v. 1, n. especial, jul., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Fontes para a História do Trabalho / Revista de Fontes / 2017

Neste número da Revista de fontes foi dado espaço a historiadores do trabalho que utilizam, em suas pesquisas recentes, fontes até hoje pouco utilizadas, seja pelo ineditismo dado pela dispersão documental e dificuldade de acesso, seja porque começaram a ser exploradas na última década a partir de uma reorientação e diversificação interpretativa da história social do trabalho.

Os estudiosos de história do trabalho no Brasil, a par dos percursos analíticos trilhados pela historiografia internacional sobre o tema, têm privilegiado, sobretudo desde o fim dos anos de 1970 e a década de 1980, as fontes impressas oriundas do movimento operário. A chamada imprensa operária, melhor definível como imprensa produzida pelas organizações, grupos e partidos ligados à militância política e sindical no mundo do trabalho, ainda hoje se constitui como um conjunto documental fundamental para compreensão profunda deste tema, uma vez que, sobretudo para o período da Primeira República, quase não há outras fontes que se originam das comunidades de trabalhadores, apesar de expressar uma visão militante, sendo, portanto, explicitamente caracterizadas de um ponto de vista político.

A grande imprensa da época dava pouca atenção ao mundo do trabalho urbano, a não ser por algumas matérias com uma visão no mínimo paternalista, e na maioria das vezes preconceituosas em relação à classe trabalhadora, suas culturas, costumes, atitudes, vida cotidiana, ações e movimentos. Logo, era, e é necessário ainda hoje para o historiador do mundo do trabalho, tentar penetrar nesse meio através da imprensa anarquista, socialista e sindicalista, ainda sabendo que a classe representada pelos militantes não coincide, obviamente, com o conjunto social heterogêneo dos trabalhadores e trabalhadoras, mas que pode sim ser conhecida e estudada melhor através dos escritos e seções dessa imprensa, onde ao menos aparece seu mundo organizativo, suas críticas, seus anseios e protestos, e suas redes sociais.

Foi somente a partir dos meados década de 1920 e, sobretudo, desde a Era Vargas, que a grande imprensa alargou sua atenção para com o mundo do trabalho urbano na sua totalidade e complexidade de fatos e expressões, ainda que, na maioria das vezes, com um olhar crítico dos movimentos sociais e políticos egressos desse meio.

Outro vasto núcleo documental utilizado nessa área temática remete ao campo da memória, sobretudo considerando as testemunhas orais registradas através das metodologias de história oral, sejam histórias de vida ou entrevistas dialógicas. É um conjunto diversificado de fontes memoriais que foi explorado intensamente desde meados da década de 1970. Evidentemente, a história oral, fundamental na análise das experiências e vivências individuais sociais neste âmbito da história social, encontra claros limites cronológicos ad quem.

Fontes econômicas e estatísticas também foram utilizadas e ainda hoje são frequentadas pelos historiadores do trabalho, embora os recenseamentos e dados recolhidos no Brasil até meados da década de 1930 não ajudem muito para definições mais precisas do universo trabalhista. Baste pensar, por exemplo, nos dados sobre os fluxos migratórios internacionais internos no Estado de São Paulo durante a Primeira República, no período de formação do parque industrial paulistano. Quantos espanhóis e italianos saíram das fazendas e se transferiram na capital, para compor a heterogênea classe operária local, ou voltaram para seus países de origem? Ainda faltam trabalhos em equipe que levantem estes dados, a partir de uma profunda pesquisa nas fontes cartoriais paulistas.

Os documentos policiais e judiciais, as chamadas “fontes da repressão”, começaram a ser utilizadas no Brasil, para a história do trabalho, em tempos recentes, com mais afinco após a abertura dos fundos dos Departamentos de Ordem Política e Social – DOPS regionais e particularmente do de São Paulo, fundado em 1924. Esta documentação, geralmente dividida em prontuários individuais e associativos e em dossiês temáticos, permite o alcance de informações fundamentais, construídas a partir das investigações deste dispositivo de controle social, de outra forma incognoscíveis, sobre o movimento operário, suas organizações e militantes, mas também, não poucas vezes, sobre a vida e condições gerais nos locais de trabalho. Também nesse caso, a documentação se avoluma a partir de meados da década de 1930, com uma intensidade excepcional a partir da década de 1950 até o processo de abertura política dos anos 1979-1984.

Os documentos propriamente judiciais, egressos de fundos dos fóruns de justiça civil e penal (processos-crime) e trabalhista, também começaram a ser usados pelos historiadores deste campo temático, sobretudo a partir da década de 1990. É uma documentação ainda de difícil acesso, sendo em grande parte depositada nos fóruns. Projetos de pesquisa temáticos coletivos, ligados ao levantamento, sistematização e análise de processos judiciais foram bem mais exitosos com a documentação da Justiça do Trabalho, que, porém, só pode ser usada para o estudo da história das relações de trabalho a partir da Era Vargas. Trata-se de um conjunto documental vastíssimo, ainda pouco explorado em relação às suas dimensões, mas que nos últimos anos está no cerne dos estudos mais importantes dos historiadores do trabalho no Brasil, por permitir um mergulho histórico social nos mundos do trabalho para além do estudo das relações e da conflitualidade.

No âmbito das fontes institucionais, relatórios e documentos diversos das instâncias executivas e administrativas da União e dos Estados, quando acessíveis ou publicados (por exemplo, o Boletim do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo, a partir de 1911) foram importantes para as pesquisas de história social do trabalho desde os primórdios dos anos de 1970, ainda que tenham fornecido um olhar sintético e marcados pelos poderes políticos governamentais. Contudo, as fontes do Ministério e das Secretarias do Trabalho, ainda hoje menos exploradas do que deveriam ou poderiam, sobretudo desde a Era Vargas, proporcionaram uma visão ampla sobre as questões do trabalho, particularmente importante e regionalmente ramificada.

O universo documental que remete ao mundo empresarial, às suas organizações, como a FIESP, ou mais especificamente aos arquivos internos das empresas, ao contrário, é ainda hoje muito pouco explorado, sobretudo pelas implicações políticas que isso significa, mas em parte devido à escolha, por parte das próprias empresas, de não construir uma memória documental sistematizada, preferindo a formação de uma documentação extremamente seletiva, com o objetivo final de proporcionar trabalhos mais laudatórios do que analíticos.

As organizações sindicais e as associações de trabalhadores, por décadas cerceadas pelos aparatos repressivos ou pelo controle estatal, particularmente insidioso no Brasil a partir justamente da consolidação institucional do trabalho sindicalizado durante os anos de 1930, estão em um processo de sistematização de seus acervos, que se intensificou, sobretudo, a partir do começo do século XXI. A documentação mais antiga, desde a segunda metade do século XIX para as associações de socorro mútuo e do começo do século XX para as uniões e ligas sindicais, foi quase totalmente perdida, ou é de acesso difícil, não público, permanecendo nos fundos internos das próprias organizações. Já a documentação de entre os anos 1950 até o golpe de 64 é mais consistente, mas também tem buracos devidos à repressão pós 64, se tornando mais acessível e completa e em via progressiva de sistematização e inventário para os documentos sindicais produzidos desde o fim da década de 1970, com dificuldade de acesso por evidentes questões de privacidade política.

O principal dessas áreas foi abordado com profundidade nos quatro artigos que compõem este número da Revista de fontes.

O artigo de Marcelo Mac Cord remete ao estudo do mutualismo no Brasil, forma associativa de trabalhadores urbanos qualificados que só nos últimos vinte anos começou a ser estudada profundamente para uma história da formação da classe operária brasileira, alargando também o espetro periódico neste campo de estudos, anteriormente focado quase exclusivamente no período republicano. As sociedades de socorro mútuo brasileiras são herdeiras, assim como na Europa e no resto da América urbana, das antigas corporações ou irmandades de ofício e tiveram um desenvolvimento ainda hoje pouco conhecido ao longo do século XIX como as principais agremiações de trabalhadores, adentrando o século XX por várias décadas, algumas ainda hoje existentes como associações hospitalares de beneficência ou absorvidas em sindicatos de ofício ou categoria.

Mac Cord foi um dos primeiros historiadores no Brasil a utilizar os documentos produzidos pelas próprias associações mutualistas, sobretudo os Livros de Atas de Reuniões, se tratando, no caso específico do estudo aqui apresentado, das atas da Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais, fundada em 1841 “por um grupo de mestre de ofícios pretos e pardos, pernambucanos e livres do Recife”. O autor, além de mostrar as metodologias utilizadas para a análise das Atas desta sociedade durante o período imperial, explora também o uso de outras fontes externas à associação ou da irmandade que a precedeu no tempo, documentação complementar necessária ao entendimento das próprias fontes internas da sociedade e da história dessa sociedade mutualista. Um trabalho metodológico pioneiro que se espera frutifique mais ainda com outros estudos similares no resto do Brasil.

O artigo de Marcelo Chaves faz um histórico da utilização dos arquivos de empresas, uma importante produção documental de organizações privadas para estudos de história econômica e social, infelizmente utilizada de forma esparsa e pontual para a história dos trabalhadores, como já salientado. Chaves é um dos poucos historiadores que conseguiu explorar a fundo este tipo de documentação e, após ter evidenciado as possibilidades inerentes ao uso destas fontes, se concentra finalmente na metodologia por ele utilizada na análise de 1.500 fichas de trabalhadores da Fábrica de Cimento Perus (São Paulo) primeira fábrica de cimento instalada no Brasil, em 1925. Através deste estudo de caso, o autor possibilitou um conhecimento bem mais aprofundado da composição social, demográfica e étnica da classe trabalhadora, pelo menos em São Paulo e reorientou a definição histórica da formação da classe operária nacional a partir da última década da Primeira República até o período do governo Vargas.

A contribuição de Murilo Leal Pereira Neto volta a examinar a canônica documentação conhecida como imprensa operária, neste caso, porém, pertencente ao mesmo tempo à tipologia de fontes produzida pelas organizações sindicais. Assim, o autor, além de debater a própria construção tipológica das fontes impressas periódicas mais próximas da expressão social, cultural e política da classe trabalhadora, joga uma nova luz sobre o uso renovado destes documentos e os seus significados para uma história social “de baixo”. O artigo se concentra na coleção do jornal O Metalúrgico, (editado desde 1942 pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas de São Paulo), durante o período 1950-1954, quadriênio de intensa mobilização organizada no meio operário e de grandes transformações sociais e políticas no país. A metodologia do uso de fontes como essa, como via para tentar definir a relação entre o emissor e o receptor do discurso da classe e sua ação política, é analisada detalhadamente por Murilo Leal, e se torna também de importância fundamental ara inserir o uso e estudo da imprensa sindical na história do trabalho, o que é ainda hoje pouco comum, seja pela raridade deste tipo de fonte no Brasil nos períodos anteriores à segunda metade do século XX, seja pela dificuldade de acesso.

Finalmente, seguindo uma narrativa cronológica, chegamos na última contribuição presente neste número, elaborada por Richard de Oliveira Martins. O autor, na esteira do uso das fontes policiais para a história do trabalho inaugurado no Brasil no fim do século XX, percorre a formação do acervo do DOPS de São Paulo e sua utilização para a história do trabalho, sobretudo nos seus momentos de conflitualidade e luta, para adentrar, depois, a análise metodológica do acervo do Departamento de Comunicação Social da Polícia Civil (DCS), que funcionou entre 1983 e 1999, prolongando, na época democrática pós-golpe o armazenamento e construção de um aparato informativo com fins de controle e repressão, que pode ser utilizado hoje pelos historiadores para estudar os mundos dos trabalhadores, não somente em lutas.

Desejamos a todos uma boa e proveitosa leitura!

Luigi Biondi – Departamento de História, Unifesp, Guarulhos, SP. E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0002-9723-6727


BIONDI, Luigi. Apresentação. Revista de Fontes. Guarulhos, v.4, n.7, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Capitalismo, Trabalho e Trabalhadores / História & Perspectivas / 2016

Neste momento de instabilidades e atentados a direitos sociais se faz necessário repensar trajetórias e recompor forças para resistirmos às alterações que temos vivenciado. O dossiê número 55 de História & Perspectivas – Capitalismo, Trabalho e Trabalhadores –, nesse sentido, busca levantar debate sobre o campo político / social e o campo acadêmico no que tange às transformações no mundo dos trabalhadores.

No processo de elaboração do mesmo, fomos surpreendidos com a notícia do falecimento de Ellen Meiksins Wood. A historiadora americana foi importante referência para pesquisas sobre trabalhadores, neoliberalismo, globalização e produção do conhecimento histórico. No interior do dossiê, a Revista presta aqui homenagens a Ellen Wood, publicando um de seus textos, intitulado “Os coveiros do capitalismo”, e o obituário, “Lembrando Ellen Meiksins Wood”, escrito por Vivek Chibber, professor de sociologia da New York University.

Deslocando os focos de análise e trazendo outras temáticas para a reflexão a respeito da militância intelectual, temos a honra de publicar a tradução: “Reflexões sobre Jacoby e tudo mais” de E. P. Thompson. O texto foi proferido entre 1987-1988, quando Thompson participou de atividades no programa de História e Sociedade da Universidade de Minnesota. O texto dialoga, se podemos atribuir este tipo de atividade a Thompson, com o livro “The Last Intellectuals: American Culture in the Age of Academe”, de Russell Jacoby que havia sido recentemente lançado. Entre as temáticas visitadas, destacam-se formas de interligação entre os intelectuais radicais e classes trabalhadoras.

O Dossiê Capitalismo, Trabalho e Trabalhadores se completa com os seguintes artigos. “Fundição: o concurso literário para operários promovido pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1944”, escrito por Adriano Luiz Duarte, o artigo analisa o romance Fundição, premiado no segundo concurso nacional de romance e teatro promovido pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1944, a partir da relação entre história, literatura e sociedade.

Os temas da descoberta de petróleo no Pré-sal e recentes disputas em torno do sistema de partilha de concessão da exploração dos recursos naturais brasileiros são tratados por Carlos Lucena, Lurdes Lucena e Fabiane Santana Previtali, no artigo: “A resistência petroleira e a privatização no Pré-sal no Brasil”.

O artigo de autoria de Sonia Maria Rummert e Aline Amoêdo Corrêa Ribeiro, “Trabalho e lazer regidos pela mesma lógica de conformação. O caso dos comerciários no SESC, entre as décadas de 1940 e 1970”, aborda o Serviço Social do Comércio a partir de documentos que expressam a ótica da burguesia comercial frente a indícios de resistência, representados por um conjunto de críticas e reivindicações, da fração da classe trabalhadora constituída pelos comerciários.

Luciana Raimundo e Ricardo Gaspar Muller, em “A dívida pública e a desresponsabilização do Estado: A percepção de uma experiência ligada às Finanças Solidárias” partem do estudo de caso do Banco Comunitário União Sampaio, da Agência Popular Solano Trindade e da Associação de Mulheres do Campo Limpo e Adjacências, na zona sul da cidade de São Paulo – dentro dos princípios da Economia Solidária – para, entre outros, discutir a percepção da comunidade organizada sobre as ações do Estado no atendimento das demandas locais.

Em “Gestão eficiente, tecnologia moderna e trabalho arcaico: a indústria de conservas de frutas e hortaliças no pampa gaúcho”, Laura Senna Ferreira e Maria Soledad Etcheverry abordam processos de racionalização do trabalho, modernização tecnológica e precarização da força de trabalho no setor de conservas de frutas e hortaliças, especialmente na cidade de Pelotas (RS), no período correspondente entre anos de 1970 até o final dos anos 2000.

No artigo “A educação dos trabalhadores sob a influência do capital internacional: aproximações entre Brasil e Portugal”, Cílson César Fagiani, Robson Luiz de França e Antonio Bosco de Lima traçam discussões sobre o processo de globalização do capital e implicações na educação dos trabalhadores no Brasil e em Portugal, especialmente a partir da década de 1990.

A partir de apontamentos advindos de pesquisas teóricas e estudos realizados sobre trabalho operário, no período 1990-2015, Sérgio Paulo Morais, em “Memórias em disputa: globalização, trabalho industrial e pautas sindicais (1990-2015)”, discute “tradições seletivas”, empreendidas por empresas globais, frente memórias e lutas de sindicatos nacionais.

Além do dossiê, a Revista publica, neste Número 55, os seguintes artigos: “Agronegócio, trabalhadores rurais, sindicalismo: Avicultura no Oeste do Paraná, 1970-2013”, escrito por Vagner José Moreira, discute experiências de trabalhadores rurais na região Oeste do Paraná, no período de 1970 a 2013, perscrutando a inserção desses sujeitos no processo de produção e agroindustrialização de aves, no final do século XX e início do século XXI.

Alexandre Luzzi Las Casas, Rosane Aparecida F. Bacha e Cristiano Marcelo Espínola Carvalho, em “O agronegócio e o marketing rural no estado de Mato Grosso do Sul”, ao discutirem o conceito ampliado de marketing às peculiaridades do agronegócio, e em especial no estado do Mato Grosso dos Sul, apresentam a forte elevação da produção agrícola brasileira nos últimos trinta anos, fazendo um balanço das relações de produção e distribuição de mercadorias advindas daquele setor.

“Da Arena ao picadeiro: uma análise da crise de legitimidade do presidente José Sarney (1985-1990)”, artigo de Ivan Colangelo Salomão, acompanha parte da trajetória política de José Sarney, apresentação motivos que levaram à “hostilidade das ruas e a indiferença do establishment político”.

Carlos Martins Junior e Antonio Firmino de Oliveira Neto discutem ameaça do “caos urbano” derivado do crescimento físico e demográfico das metrópoles, na passagem do século XIX para o XX. De acordo com os autores “as elites dirigentes urbanas aprofundaram um abrangente processo de reformas, cujo sentido ultrapassava em muito a ideia da simples ‘remodelação’ e ‘embelezamento’ das cidades”. Esse enredo é aqui discutido no artigo intitulado: “Representações do “caos urbano” e o sentido das reformas nas metrópoles brasileiras da bélle époque”.

“Narrativas sobre formação e escolarização no curso de história: Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão, 1991- 2004” é umartigo assinado por Michele Ferreira da Silva, Wolney Honório Filho e Rita Tatiana Cardoso Erbs, que trata de narrativas de histórias de vida, da formação e escolarização de ex-alunas e professores-formadores do curso de História da UFG (Catalão). A pesquisa, de acordo com os autores, revelou que “o processo de escolarização pode ser formativo, também pode ocupar tanto um papel secundário quanto influenciar negativamente na formação docente”.

Anderson Francisco Ribeiro e Antonio Carlos de Souza contribuem com este número da revista, com o interessante artigo “O lugar da pornografia na sociedade brasileira: as Guerras Púbicas e o direito ao erótico (1964-1985)”. A discussão perpassa o período da Ditadura Militar brasileira e demostra que, frente a repressão e censura a livros e revistas, há um aumento no número de publicações eróticas e pornográficas. Além disso, a discussão aborda e problematiza discursos sobre a sexualidade e a afirmação de identidades masculinas e femininas.

Por fim, esperamos que as análises propostas pelos diversos autores despertem o interesse e incentivem a produção de novos debates.

Sérgio Paulo Morais


MORAIS, Sérgio Paulo. Capitalismo, Trabalho e Trabalhadores. História & Perspectivas, Uberlândia, V.29, N.55, 2016. Acessar publicação original [DR].

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Trabalho e Movimentos Sociais no Brasil / Vozes Pretérito & Devir / 2015

Os artigos que compõem o dossiê “Trabalho e Movimentos Sociais no Brasil” foram escritos por pesquisadores de diversas regiões do país – Nordeste, Sudeste e Sul. De um modo geral, estão centrados no campo da história social e refletem sobre as experiências cotidianas, condições de vida e trabalho de escravos no século XIX e trabalhadores livres no século XX, no meio rural e urbano. As ações dos trabalhadores são percebidas para além das relações de trabalho e dos movimentos organizados, buscando uma leitura que escapa à tradicional dicotomia que por muito tempo impregnou a historiografia brasileira. Nesse sentido, os autores estabelecem diálogos com a historiografia mais recente em que a história social do trabalho, a partir de sua aproximação com a antropologia e novamente com a sociologia, passou a integrar um movimento de superação das dicotomias no campo da história do trabalho. De outro modo, nesses Mundos do Trabalho são evidenciadas as redes de sociabilidade, como as experiências individuais e coletivas de sujeitos simples e suas atuações em processos históricos específicos, colocando-os no centro dos acontecimentos.

Em “O suicídio de Felisberto: a fazenda São Fernando entre elites e escravos (Vassouras – 1850–1888)”, Fábio Pereira de Carvalho procura demonstrar a construção da elite escravista de Vassouras, no período 1850 a 1888, através do estudo de uma fazenda em particular: São Fernando. Nesse sentido, o autor enveredou pela vida em comunidade de seus escravos, e em específico, do suicídio do escravo doméstico Felisberto. O seu enforcamento abre brechas para verificar como a construção da comunidade escrava, vista de forma não homogenia, implicou em uma lógica de prestígio e desprestígio que também estava relacionado com o trabalho realizado por determinado escravo.

Lia Monnielli Feitosa Costa, autora de “O mesquinho pão das mil e uma dificuldades: imigrantes, abastecimento e tensões políticas no discurso do jornal piauiense ‘A Época’ (1878)”, analisa tal periódico em suas edições do ano de 1878, relacionando a vinda de imigrantes do Ceará para o Estado do Piauí e o gerenciamento do abastecimento de carne e grãos, realizado pelo governo da época.

Em “Sobreviver e se organizar: o movimento contra a carestia e a formação da classe trabalhadora no Rio de Janeiro”, Kaio César Goulart Alves analisa as manifestações públicas contra a carestia, conduzidas pelos trabalhadores urbanos do Rio de Janeiro no ano de 1913. Segundo o autor, as campanhas contra a carestia mobilizaram trabalhadores urbanos do centro e dos subúrbios, qualificados e não qualificados. Os comícios públicos de protesto foram o método de ação privilegiado. Diante disso, Kaio traça um estudo sobre as manifestações dos trabalhadores nas ruas da cidade, em lutas pela sobrevivência, mas também pela formação de novos sindicatos, e pela conquista de direitos sociais.

Em “A trajetória do Centro Social de Monte Grave – Milhã / CE (1973 a 2000) ”, de Antonia Natália de Lima e Telma Bessa Sales, realiza-se um análise a respeito da conjuntura de fundação do Centro Social de Monte Grave (CSMG). A Associação foi constituída na década de 1970 na localidade de Monte Grave (Milhã / CE) e atuou no âmbito da saúde, educação e outros serviços sociais. A partir do uso de fontes orais a autora destaca o envolvimento dos sujeitos na organização da instituição e no estabelecimento das atividades da mesma.

Ramsés Eduardo Pinheiro de Morais Sousa é autor de “Na luta por direitos: As ligas Camponesas e a resistência aos grandes proprietários no Piauí (Campo Maior e Teresina, 1962- 1964)”. Ele analisa ações de resistência dos lavradores no processo de constituição das ligas Camponesas no Piauí e evidencia uma resistência ampliada dos camponeses e a existência de uma rede de solidariedade entre os lavradores. O dossiê temático é fechado com o artigo: “O Primeiro de Maio nos jornais anarquistas A Plebe e A Lanterna (1932-1935)”, de André Rodrigues, nele são abordados os sentidos e significados produzidos em torno dia do trabalhador a partir dos jornais na primeira metade dos anos 30, no Brasil.

A edição é complementada por dois artigos, uma entrevista e uma resenha. Ana Crhistina Vanali é autora de “Agnes Heller e Michel de Certeau: propostas de análise sobre a vida cotidiana. ” e “O Poeta do Riso e da Dor: A relação entre música e história na obra de Sérgio Sampaio (1970-1980) ” de Fabrício Nunes Mendes Brito. O livro “Le ‘nouveau’ Front National: Etude de la nouvelle ligne du parti à travers le discours” de autoria de Marine Le Pen, resenhado por Guilherme Ignácio Franco de Andrade e uma entrevista realizada com Paulo Pinheiro Machado.

Este volume traz à tona discursos e narrativas sobre as ações de sujeitos simples negligenciados pela historiografia tradicional. De um modo geral, os trabalhos aqui reunidos expressam várias possibilidades de estudos sobre os mundos do trabalho no Brasil a partir de uma perspectiva “dos de baixo”, dialogando com as diversas áreas do conhecimento.

Cristiana Costa da Rocha – Professora Doutora (UESPI)

Telma Bessa Sales – Professora Doutora (UVA)


ROCHA, Cristiana Costa da; SALES, Telma Bessa. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.4, n.1, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Trabalho, saúde e medicina na América Latina | Mundos do Trabalho | 2015

Na primeira metade do século XX, consolidou-se na medicina um campo de conhecimento diretamente preocupado com a saúde dos trabalhadores. Em contraste com a higiene social e os esforços característicos da saúde pública, a medicina do trabalho visava prevenir os acidentes de trabalho e diagnosticar doenças que afetavam especiicamente os trabalhadores. Embora as razões para o surgimento da medicina do trabalho variem de um país para outro, as pesquisas recentes sugerem que houve avanços deinitivos nesse campo a partir da década de 1930.

A medicina do trabalho contrasta com outras áreas da medicina, principalmente porque seu objeto de estudo são cidadãos-trabalhadores, amparados por certos direitos sociais. Pode-se contestar essa ideia dizendo que a igura do operário doente se espalha pela literatura médica desde o século XIX, ou que crianças, mulheres e operários estiveram no âmago das discussões médico-sociais de todo o período. Ou ainda, que no quadro das polêmicas sobre a degeneração da raça, não havia muita diferença na abordagem de todos esses setores sociais, de modo que as fronteiras entre a deinição de trabalhadores e de pobres não estava muito clara. Leia Mais

Nação, Comércio e Trabalho na África Atlântica / Varia História / 2013

É visível o crescimento do campo dos estudos africanos no Brasil ao longo da última década. Cada vez mais eventos dedicados ao tema ocorrem em diversos espaços no país, as agências de fomento investem no desenvolvimento de projetos vinculados à área, as traduções e publicações de livros de pesquisadores brasileiros também aumentaram significativamente nos últimos anos. O diálogo internacional, já em andamento, é mais um objetivo a ser perseguido e consolidado nos próximos anos.

Este dossiê é mais um passo nesta direção tendo sido originalmente pensado para trazer novas reflexões ou releituras acerca dos temas relacionados à história do trabalho no continente africano. Trata-se de tema caro e fundamental para a compreensão dos desenrolares históricos das formações sócio políticas da África, inclusive por sua centralidade na própria tradição historiográfica. Estudos sobre a escravidão, o tráfico atlântico de escravos e as formas de trabalho forçadas produziram verdadeiros clássicos cujas influências extrapolaram as áreas de estudo relativas apenas à história do trabalho.

Se por um lado os desenvolvimentos historiográficos das últimas décadas fizeram muito para ultrapassar as velhas dicotomias que nortearam as pesquisas sobre história da África por boa parte da segunda metade do século XX, mostrando as complexidades das condições sociais para muito além dos binômios escravo-livre, colonizado-colonizador, vítima-algoz, colonial-pós-colonial, entre outros, por outro, não é possível desprezar as relações violentas que se impuseram em diversos níveis sobre as várias regiões do continente africano desde o contato com a Europa em estágio inicial da expansão capitalista. Como pensar as mudanças nas formas de escravidão no interior do continente sem levar em consideração as dinâmicas atlânticas das épocas moderna e contemporânea? Como considerar as condições extremas de exclusão e opressão no continente sem atentar para as lógicas coloniais derivadas da expansão imperial europeia a partir de meados do século XIX? Boa parte destas questões estão, direta ou indiretamente, abordadas nos textos do dossiê, escritos por historiadores brasileiros, africanos e europeus, num esforço de ampliar os debates do campo crescente em searas brasileiras e estimular um produtivo diálogo internacional.

Antes porém, apresentamos um texto de José da Silva Horta, que chegou-nos por ocasião de sua eleição para o PROGRAMA CÁTEDRAS do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares / IEAT / UFMG e patrocinado pela Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa – FUNDEP. Nações”, marcadores identitários e complexidades da representação étnica nas escritas portuguesas de viagem: Guiné do Cabo Verde (séculos XVI e XVII) foi o texto original apresentado na Grande Conferência, atividade primeira desenvolvida no âmbito do programa de Catedrático Residente da UFMG que teve parcerias transdisciplinares com vários grupos de pesquisa, centros e laboratórios da UFMG e PUC-Minas.1

O texto de José da Silva Horta apresenta análise singular ao defender o uso de etnônimos para compreender as “nações” enquanto identidades étnicas das sociedades do Noroeste africano subsaariano a partir das pistas fornecidas por três dos mais importantes tratados do corpus documental para a região, escritos entres fins dos séculos XVI e XVII, por André Álvares de Almada, André Donelha e Francisco de Lemos Coelho. O autor enfrenta não apenas o desafio conceitual da historiografia mas também avança ao apresentar metodologias de leituras para compreender como pensavam os oeste-africanos em relação aos seus marcadores identitários, que variavam conforme as sociedades. As lógicas identitárias oeste-africanas, por vezes, foram bem captadas pelos discursos antropológicos dos viajantes / comerciantes, e em outras foram reconstruídas pela matriz de pensamento ocidental destes. Este foi o escopo da análise de Horta – mostrar que as sociedades se identificavam a partir do sentimento de pertença não restrito a um território ou a uma língua.

Voltando, portanto, ao tema original do dossiê, a organização dos outros artigos se deu por sequência temática e temporal. No artigo Biografia como História Social, Roquinaldo Ferreira apresenta a trajetória incrível de duas gerações da família Ferreira Gomes com o objetivo de explicar o funcionamento das redes transatlânticas que deram sustento ao comércio ilegal de escravos entre Angola e o Brasil. Assim como as estratégias utilizadas pelos comerciantes de Benguela, como o empresário Gomes Júnior, filho do carioca Ferreira Gomes e de mãe africana (Benguela), para driblar o controle do comércio ilegal de escravos. As trajetórias familiares mostram como comerciantes brasileiros e angolanos instalados ao sul de Luanda tentaram driblar as autoridades britânicas e portuguesas na costa angolana no contexto da proibição do tráfico de escravos e do comércio de urzela. A decadências das famílias angolana-brasileiras em Benguela, como ocorreu com o clã Ferreira Gomes, foi marcada pela independência do Brasil, a extinção do comércio de escravos e a tentativa de maior controle colonial português que diminuía drasticamente o papel das elites da terra. As questões raciais que até então não eram levadas em consideração devido ao pequeno número de brancos passavam a ter outra conotação em meados do Oitocentos em Angola.

O artigo de Elaine Ribeiro trata dos trabalhadores africanos no período posterior ao tratado por Ferreira. Seu texto aborda um grupo contratado em Luanda para acompanhar a expedição de Henrique de Carvalho à Mussumba do Muatiânvua, na década de 1880, no contexto pós abolição da escravidão nas possessões portuguesas. Com uma instigante análise baseada principalmente no próprio relato de Henrique de Carvalho – inclusive em parte da documentação iconográfica disponível – Elaine procura apresentar as condições de trabalho destes africanos, suas atividades e remunerações, as hierarquias estabelecidas entre eles e suas estratégias de atuação no contexto da expedição. Desta forma, aflora de sua pesquisa, por um lado, uma rica imagem do cotidiano destes trabalhadores, sempre em relação dialógica com a historiografia africanista que aborda as regiões visitadas e, por outro, eventuais formas de reconstrução identitária deste grupo que apropriava-se de elementos culturais distintos e construíam seus caminhos e vivências ao longo da expedição.

O historiador português Augusto Nascimento, especialista na história de São Tomé e Príncipe, analisou as questões relativas ao trabalho forçado de serviçais nas roças de São Tomé e Príncipe, importados do continente, principalmente através de Angola, e ao poder dos roceiros no momento da polêmica do cacau escravo no arquipélago. Os objetivos do autor consistem na análise, através dos discursos na imprensa de São Tomé, de como os são-tomenses se tentaram interpor no debate em torno do trabalho forçado de africanos e também na reflexão das fronteiras entre nação e raça, pensadas de forma distintas pelos ilhéus e autoridades colonizadoras num período em que a colonização estava assentada em critérios de hierarquização racial e as noções republicana de cidadania não se aplicavam à maioria dos indivíduos dos chamados territórios coloniais.

O ensaio de Jean Michel Tali, numa instigante reflexão sobre o trabalho forçado no caso dos regimes coloniais franceses no continente africano, retoma um dos temas clássicos da historiografia sobre o período colocando-o em perspectiva e dialogando com autores de diferentes matizes. Desta reflexão, resulta uma interessante síntese do estado atual das pesquisas sobre o tema. Ao realizar uma análise ao mesmo tempo aguçada e ampla, o autor recoloca a importante questão da relação entre formas de trabalho compulsório e o imperativo capitalista dos regimes coloniais. Com foco principal nas relações de produção na África colonial francesa, Jean-Michel amplia o escopo de análise com constantes comparações com regiões colonizadas por outros países europeus, demonstrando com grande clareza que, a despeito de projetos coloniais aparentemente diferentes, a expropriação forçada do trabalho foi, em conjunção com a expropriação territorial, elemento fundamental e basilar das práticas colonialistas em todo o território africano. Desta forma, sua interpretação reapropria-se de uma perspectiva global ao considerar a violência das relações de trabalho no continente africano como parte integrante do processo de formação do sistema mundo capitalista, e como ela se entranha em todos os níveis da hierarquia social ao longo do tempo.

Esta mesma perspectiva global orienta a pesquisa do historiador nigeriano Adoyi Onoja, a despeito de seu estudo de caso referir-se especificamente a uma história regional, qual seja, ao trabalho da polícia na cidade de Jos, Plateau, no centro da Nigéria. O percurso que Adoyi traça para analisar as entrevistas realizadas com membros da polícia em Jos engloba desde as relações entre a conformação do Estado nacional nigeriano pós independência e suas relações políticas internacionais imersas na Guerra Fria, passando pelas reflexões sobre os impactos dos longos anos sob governo militar em seu país e as consequências desastrosas das políticas econômicas centralizadoras, organizadas em torno da exportação de petróleo principalmente a partir da década de 1980, que desmantelaram os setores agrícola e industrial da economia nigeriana.

A conversão dos rendimentos do petróleo em investimentos na área de segurança, justificados pela instabilidade social resultante do desmantelamento dos demais setores da economia, explicaria então a predominância do exército como força de segurança nacional, que assumiu em grande parte as atividades que originalmente seriam apanágio de sua polícia não militar. Finalmente, surge um vívido quadro das condições materiais de trabalho de policiais e oficiais numa região marcada por tensões sociais no centro da Nigéria.

Esperamos, enfim, que as leituras destes textos estimulem cada vez mais novos pesquisadores e novas pesquisas sobre o tema, sempre ampliando os debates e contribuindo para o amadurecimento de um campo em acelerado crescimento no Brasil, e fortalecendo e consolidando o processo de internacionalização em curso.

Nota

1.GRUPOS DE PESQUISAS: Escravidão, mestiçagem, trânsito de culturas e globalização – séculos XV a XIX, coordenador: Eduardo França Paiva (Departamento de História – FAFICH / UFMG); Migrações e deslocamentos – a constituição de ‘estéticas diaspóricas’ nas literaturas africanas de Língua Portuguesa, coordenadora: Maria Nazareth Soares Fonseca (Programa de Pós-graduação em Letras / Instituto de Ciências Humanas / PUC-MG); População e Políticas Sociais,coordenador: Eduardo Rios Neto (Departamento de Demografia – FACE / UFMG); Literaterras: escrita, leitura, traduções; pesquisadora: Sônia Queiroz (Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários – FALE / UFMG); ARCHE – Arte, Conservação e História – Espaços, pesquisadora: Yacy-Ara Froner (Departamento de Artes Plásticas – Escola de Belas Artes / UFMG); A Modernidade Ibero-americana e a capitania de Minas Gerais (séculos XVII-XVIII) – Espaços, Poder, Cultura e Sociedade (UFMG / CNPq), coordenadora: Júnia Furtado (Departamento de História – FAFICH / UFMG), pesquisadora: Márcia Almada.
CENTROS E LABORATÓRIOS: Centro de Estudos sobre a Presença Africana no Mundo Moderno-CEPAMM-UFMG, coordenador: Eduardo França Paiva (Departamento de História – FAFICH / UFMG); Centro de Estudos Africanos – CEA-UFMG, coordenador: Luiz Alberto O. Gonçalves (Presidente do Conselho do CEA-UFMG); Laboratório de Estudos Africanos e História do Atlântico Negro (CNPq / UFMG), coordenadora: Vanicléia Silva Santos (Departamento de História – FAFICH / UFMG); Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino de História -LABEPEH, coordenadores: Júnia Sales, Pablo Lima e Soraia Dutra (Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino, DMTE – FAE / UFMG).

Alexsander Gebara – Departamento de História. Universidade Federal Fluminense

Vanicléia Silva Santos – Departamento de História. Universidade Federal de Minas Gerais.


GEBARA, Alexsander; SANTOS, Vanicléia Silva. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.29, n.51, set. / dez., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Trabalho e Trabalhadores / Revista Brasileira de História / 2012

Revista Brasileira de História, criada em 1981 com o objetivo de se constituir em um canal de divulgação da produção dos professores e historiadores brasileiros, está lançando seu 64º número. Com periodicidade semestral, a partir do número 59 a RBH iniciou uma nova etapa, passando a ser somente digital e a oferecer uma versão em inglês. Essas inovações visam agilizar a consulta dos volumes novos e antigos, bem como ampliar o escopo de circulação do periódico, permitindo que um público não conhecedor da língua portuguesa possa acessar nossa produção.

Neste número o Conselho Editorial elegeu o tema “Trabalho e Trabalhadores” para o Dossiê que, seguindo a trilha do anterior, também está sofrendo uma ampliação no que diz respeito ao número de artigos publicados. Como já dissemos, o interesse em publicar na RBH tem sido crescente na comunidade de historiadores e cientistas sociais, e a cada número aumenta o volume de contribuições para avaliação. Neste número, recebemos cerca de cem artigos apenas para o Dossiê, dos quais um montante expressivo foi aprovado pelos nossos pareceristas, sem que tenhamos condições de publicar todos. Essa nova demanda da produção historiográfica brasileira em busca de canais para internacionalização dos seus estudos é muito bem-vinda, mas coloca muitos desafios para a RBH e indica a necessidade não só de ampliarmos a extensão dos números, mas também de repensarmos sua periodicidade. Este número conta com 15 artigos.

Para o Dossiê “Trabalho e Trabalhadores” foram selecionados nove artigos focados essencialmente na realidade brasileira, com apenas dois dedicados aos Estados Unidos e a Portugal. No que diz respeito aos recortes temporais, pudemos selecionar textos que abordavam diferentes conjunturas, contemplando desde as relações de trabalho no final do século XIX até a problemática do trabalho análogo ao escravo, já no século XXI. Quanto às formas de abordagem, são apresentados trabalhos que adotaram como estratégia de pesquisa o estudo de trajetórias de lideranças, assim como análises de movimentos sociais como greves e lutas contra a repressão. Do conjunto de textos recebidos e selecionados podemos dizer que essa área de trabalho, que por um expressivo período se mostrou em declínio, apresenta-se agora com grande dinamismo e de maneira renovada. Assim, do ponto de vista historiográfico é possível detectar que esse campo de investigação sobre o trabalho dá indicações de voltar a ser alvo de grande interesse dos pesquisadores, conquistando um novo espaço entre os objetos nobres de pesquisa. Iniciamos com um artigo de Leon Fink que apresenta análise historiográfica com foco especial nos Estados Unidos sobre a renovação dos estudos na área de trabalhadores. Joana Vidal de Azevedo Dias Pereira estuda espaços industriais e comunidades operárias na periferia de Lisboa, na virada para o século XX. Joseli Maria Nunes Mendonça no artigo “Sobre cadeias e coerção: experiências de trabalho no Centro-Sul do Brasil do século XIX” trabalha com a história de uma imigrante portuguesa estabelecida no Centro-Sul cafeeiro de meados do século XIX, com o objetivo de recuperar aspectos das experiências vivenciadas por trabalhadores juridicamente livres; Endrica Geraldo com “Os prisioneiros do Benevente” discute a repercussão pública da deportação, no ano de 1919, de 23 imigrantes, incluindo o militante Everardo Dias, episódio que revela aspectos importantes da repressão contra o movimento operário no Brasil. Aldrin Armstrong Silva Castellucci com o texto “Agripino Nazareth e o movimento operário da Primeira República” analisa a atuação dessa liderança socialista no movimento operário brasileiro. Antonio Luigi Negro em “Não trabalhou porque não quis” examina como a Justiça do Trabalho tratou uma greve no ramo têxtil baiano em 1948, procurando aplacar temores e tensões do sistema político e sindical brasileiro. Clarice Gontarski Speranza em “Os mineiros de carvão, seus patrões e as leis sobre trabalho: conflitos e estratégias durante a Segunda Guerra Mundial” estuda uma série de conflitos ocorridos nas minas de carvão no Rio Grande do Sul em 1943, com foco nas lutas pelo cumprimento de leis trabalhistas. Cristiana Costa da Rocha com “Os Retornados: reflexões sobre condições sociais e sobrevivência de trabalhadores rurais migrantes escravizados no tempo presente” dedica-se ao estudo de trabalhadores rurais de Barras, Piauí, que migram repetidas vezes para os estados do Pará, Mato Grosso e Goiás e vivenciam formas de trabalho análogo à escravidão. Fechando o dossiê, Ângela de Castro Gomes no texto “Repressão e mudanças no trabalho análogo a de escravo no Brasil: tempo presente e usos do passado” analisa a ação dos Grupos de Fiscalização Móvel, do Ministério do Trabalho e Emprego, e da Igreja católica, pela Comissão Pastoral da Terra, na apuração e punição das denúncias da utilização do denominado trabalho escravo.

A seção de avulsos apresenta seis artigos. Carmen Teresa Gabriel Anhorn em “Teoria da História, Didática da História e narrativa: diálogos com Paul Ricoeur” tem por objetivo discutir a potencialidade analítica da categoria ‘narrativa’ na reflexão sobre produção, distribuição e consumo do conhecimento histórico. Muryatan Santana Barbosa com “A construção da perspectiva africana: uma história do projeto História Geral da África (Unesco)” analisa a construção dessa grande obra focando o período entre 1965 e 1979; Patricia Santos Hansen com o texto “Território em disputa: a escola na luta entre o republicanismo e a Igreja em Portugal (séculos XIX e XX)” discute conceitos centrais aos processos de secularização e laicização do ensino em Portugal desde a Monarquia Constitucional até o início da Primeira República. Luís Miguel Carolino em “Manoel Ferreira de Araújo Guimarães, a Academia Real Militar do Rio de Janeiro e a definição de um gênero científico no Brasil em inícios do século XIX” analisa a atuação de um professor de astronomia na Academia Real Militar do Rio de Janeiro que produziu um dos primeiros manuais de astronomia esférica, um gênero maior da literatura científica do século XIX. Luiz Alberto Grijó com “Soldados de Deus: religião e política na Faculdade de Direito de Porto Alegre na primeira metade do século XX” aborda as ideias e concepções filosóficas que predominaram nessa Faculdade, focalizando as disputas entre os católicos e os chamados positivistas. Mara Rúbia Sant’Anna em “De perfumes aos pós: a publicidade como objeto histórico” trata dos anúncios de cosméticos publicados na revista Fon-Fon! de 1911 a 1934, com o objetivo de destacar as rupturas e continuidades.

Este número apresenta ainda entrevistas com os historiadores franceses Christian Delacroix e François Dosse e publica quatro resenhas: Adriana Duarte Leon analisa Boletim Vida Escolar: uma fonte e múltiplas leituras sobre a educação no início do século XX, organizado por Ana Maria de Oliveira Galvão e Eliane Marta Teixeira Lopes; Iara Lis Franco Schiavinatto apresenta Viagem ao Cinema Silencioso do Brasil, organizado por Samuel Paiva e Scheila Schvarzman; Maria Filomena Pinto da Costa Coelho analisa Colunas de São Pedro: a política papal na Idade Média central, de Leandro Duarte Rust, e, por último, Wolney Vianna Malafaia resenha História e documentário, organizado por Eduardo Morettin, Mônica Kornis e Marcos Napolitano.

Mais uma vez convidamos nossos leitores a consultar o site da Anpuh e do SciELO e baixar nos computadores ou nos leitores digitais os artigos de seu interesse.

Marieta de Moraes Ferreira


FERREIRA, Marieta de Moraes. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.32, n.64, dez, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Deslocamentos: trabalho e identidades / História – Questões & Debates / 2012

A emergência dos fenômenos ligados à dispersão populacional, sejam estes relacionados à experiência das migrações internas ou aos chamados movimentos transnacionais, também conhecidos como “novas diásporas”, tem motivado um número crescente de pesquisas em diferentes áreas das ciências humanas, frequentemente voltadas às reflexões sobre o deslocamento de pessoas entre países, regiões e continentes, bem como aos seus desdobramentos.

Desde o século XIX, quando o fenômeno das migrações internas e externas ganhou intensidade, em decorrência da expansão do capitalismo e do avanço tecnológico dos meios de transporte e das comunicações, os deslocamentos migratórios adquiriram maior visibilidade, refletindo as assimetrias presentes nas relações socioeconômicas, bem como as contradições existentes na sociedade capitalista. Todavia, somente a partir da segunda metade do século XX, e particularmente nas últimas décadas do milênio, as temáticas acerca dos trânsitos migratórios passaram a ser estudadas com maior afinco por historiadores, geógrafos, antropólogos, economistas e sociólogos, interessados em analisar o fenômeno não só a partir das questões ligadas à mundialização da economia capitalista ou aos conflitos étnicos, políticos e religiosos – fatores estes que, sem dúvida, foram responsáveis pela dispersão de grandes contingentes populacionais, sobretudo a partir do oitocentos –, mas também preocupados em ultrapassar essas abordagens, procurando refletir igualmente a respeito das experiências compartilhadas por pessoas ou grupos que, motivadas por fatores ideológicos, históricos e sociais, protagonizaram esses múltiplos movimentos.

O crescente interesse pelas rupturas, descontinuidades e desigualdades inseridas no interior de uma complexa teia de relações de poder envolvidas nos processos de deslocamento fez com que pesquisadores interessados nesta temática se aproximassem das reflexões empreendidas por autores vinculados aos estudos culturais, dentre os quais se destacam Hommi Bhabha, Edward Said, Arjun Appadurai, Stuart Hall e Nestor Canclini. Abrigados no arcabouço teórico identificado como pós-colonialista, estes autores contribuíram para a emergência de conceitos como desterritorialização, alteridade, exclusão, resistência, identidade e multiculturalismo, estreitamente vinculados às práticas migratórias e, portanto, apropriados para as análises que buscam privilegiar experiências de sujeitos deslocados.

Os artigos reunidos no dossiê temático deste volume expressam, em seu conjunto, este interesse cada vez maior pela dimensão subjetiva das migrações. Os aspectos relacionados às experiências vivenciadas nas sociedades de origem ou de destino são ressaltados pelos artigos de Montserrat Soronellas Masdeu, Suzana Serpa Silva e Joseli Mendonça. O primeiro, contemplando o estudo de sociedades agrárias da Catalunha, no século XX, mostra as consequências ambíguas dos deslocamentos populacionais para tais sociedades: de um lado, a urbanização e o êxodo rural dela decorrente favorecem o despovoamento das áreas agrícolas, impondo dificuldades para as comunidades locais; de outro, a migração internacional, ensejada pela globalização, facilita o fenômeno de repovoamento das áreas rurais, possibilitando projetos de desenvolvimento local. Esta dinâmica migratória, defende a autora, faz com que as sociedades agrárias da Catalunha se “reinventem” como sociedades rurais.

Os artigos de Susana Serpa Silva e Joseli Mendonça enfocam principalmente as experiências de precarização das condições sociais vivenciadas pelos sujeitos que se deslocam. O primeiro trata da migração clandestina de açorianos para o Brasil nos anos 1830. Na perspectiva de autoridades portuguesas e da própria opinião pública em Portugal, os açorianos que migravam eram submetidos a uma “escravidão branca” nas áreas para as quais se dirigiam. Como indica a autora, em uma época em que se procurava reprimir e extinguir o tráfico de escravos, a degradação da condição dos trabalhadores açorianos que se deslocavam era equiparada à dos escravos. Também relacionando tráfico de escravos e transferência de trabalhadores livres, o artigo de Joseli Mendonça analisa a legislação brasileira que, vigente desde os anos 1830, regulava contratos de trabalho, criando condições para que se configurasse a “escravidão branca” constituída na percepção a que se refere Suzana Serpa Silva. Proposta e aprovada em contextos nos quais as restrições ao tráfico de escravos se intensificavam, esta legislação objetivava favorecer os “importadores” de mão de obra, limitando sobremaneira a autonomia dos trabalhadores.

Na sequência, os artigos de Roseli Boschilia e Maria Izilda Santos de Matos enfocam, a partir de corpus documentais diversos, aspectos relacionados às experiências individuais vivenciadas por imigrantes portugueses. Enquanto Roseli Boschilia, ancorada em documentos de caráter mais oficial, dentre os quais se destacam os pedidos de passaporte, registros de desembarque e pedidos de naturalização, analisa o perfil dos imigrantes portugueses que se dirigiram ao Paraná durante a segunda metade do século XIX, Maria Izilda Santos de Matos privilegia cartas e correspondências privadas para investigar a presença dos imigrantes portugueses em São Paulo, procurando, a partir destes documentos, rastrear não só os vínculos estabelecidos e os circuitos de sustentação nas regiões de saída e de acolhimento, mas também tensões e frustrações, possibilidades de reencontros e reconstituição familiar.

Num terceiro bloco, fechando o dossiê, estão os artigos de Regina Weber e Marcelo Garabedian, com reflexões voltadas à imigração espanhola. Interessada em estudar as manifestações de identidade étnica dos espanhóis que, ao longo do século XX, se radicaram no Rio Grande do Sul, Regina Weber analisa as manifestações étnicas destes imigrantes e seus descendentes, observando fatores econômicos e culturais internos e externos ao grupo, no intuito de refletir acerca das formulações identitárias que decorrem das práticas de agregamento gestadas na sociedade de destino.

Já o argentino Marcelo Garabedian faz uma reflexão sobre a imprensa imigrante a partir da análise do periódico El Correo Español, principal jornal da colônia espanhola editado na Argentina durante o século XIX. Neste artigo, o autor procura destacar o protagonismo deste periódico para a consolidação institucional da imigração espanhola no seu país, assim como sua contribuição para as discussões políticas e culturais, intimamente associadas ao projeto de construção do nacionalismo espanhol no interior da sociedade argentina.

Além dos textos que compõem o dossiê, este volume traz ainda um artigo sobre o ensino de História, de autoria de André Luiz Paulilo, que tem como objeto de análise os manuais didáticos da área de História, destinados especialmente aos professores do ensino fundamental. No texto, o autor procura problematizar o papel exercido por esta modalidade de documentos sobre os pressupostos teóricos que orientam a prática de ensino de docentes que trabalham em escolas públicas.

Por fim, na seção de resenhas, são apresentados três textos. O primeiro deles, de Renata Senna Garraffoni, discute a obra de Salvatore Settis, The future of the “Classical”; o segundo, de Igor Zanoni Constant Carneiro Leão e Demian Castro, traz considerações sobre o texto Pós-modernidade, mal-estar, violência: uma leitura de Maria Laurinda Ribeiro de Souza; e o terceiro, de Daniel Augusto Arpelau Orta, trata da obra de David Levering Lewis, O Islã e a formação da Europa de 570 a 1215.

Roseli Boschilia

Joseli Mendonça

Junho de 2012


BOSCHILIA, Roseli; MENDONÇA, Joseli. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.56, n.1, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Terra, trabalho e conflitos | Mundos do Trabalho | 2012

Em 1981, foi publicado o livro História da agricultura: combates e controvérsias, de autoria de Maria Yedda Leite Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva, que se tornou um divisor de águas nos estudos sobre a história agrária no Brasil. A obra era o resultado de um projeto de pesquisa sobre a história da agricultura brasileira desenvolvido por Linhares, a partir de 1976, no curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento Agrícola da Fundação Getúlio Vargas. Na década do período mais difícil da Ditadura, Linhares havia instituído um programa de estudos acerca da realidade agrária do país. A publicação de História da agricultura, em 1981, coincidiria com o início do processo de abertura política, durante o governo do último presidente militar, João Figueiredo. O livro era, assim, o resultado de uma trajetória marcada pelo engajamento político e por um otimismo manifesto em relação às questões que envolviam o problema agrário do país. Linhares e da Silva buscavam mostrar as múltiplas possiblidades de investigar o campo brasileiro, ajudando o leitor com informações – hoje tão acessíveis – sobre as características e as possibilidades de pesquisa dos documentos diretamente relacionados à estrutura fundiária, e sobre as fontes para o estudo das estruturas sociais, as de natureza cartorial, as de natureza econômica e políticoinstitucional, e os documentos oficiais, como atas, correspondências e legislações. O livro era ,desse modo, uma janela que se abria para o universo rural, desconhecido da grande maioria dos jovens universitários que haviam sido criados na Ditadura. Inseridos num período historiográfico cuja marca era a utilização do método quantitativo, eles desejavam contribuir para a consolidação de metodologias e modelos capazes de estimular os estudos sobre o tema no Brasil. Passados muitos anos após a criação daquele campo científico, ainda estão presentes muitas das questões inauguradas pelos autores. Leia Mais

Trabalho e Movimentos Sociais: Velhas, novas, outras questões / Canoa do Tempo / 2011-2012

Como no passado, nosso mundo contemporâneo tem se mostrado prenhe de transformações as mais diversas – econômicas, políticas, sociais, culturais, que trazem, todavia, percepções de uma aceleração do tempo nunca antes vivenciada pela humanidade, em especial por estarem, tais transformações, ancoradas numa arrancada tecnológica igualmente sem precedentes.

Como argumenta Marshall Berman, diante do turbilhão do novo, muitas vezes se afiguram tanto uma sensação de desencanto, com a perda do mundo antigo que se esvai; quanto o receio e a incerteza diante dos processos desconhecidos que vão se avizinhando no horizonte. [1] No cruzamento de tais percepções, é sempre comum ver emergir uma plêiade de profetas a brandir suas sentenças aos quatro cantos do planeta.

Há não mais de duas décadas, em nosso próprio ofício, uma propalada crise de paradigmas das ciências sociais, nos prostraria aos pés de doutrinas e posturas niilistas, a apregoar nossa condição de mero gênero literário, desprovido da capacidade de prova e aferição da verdade, deixando em seu lugar a pluralidade de discursos e jogos de linguagem. [2] Em paralelo, passamos à contagem regressiva para o desaparecimento do livro e do impresso diante das novas mídias. [3] No plano político, com o alardeado fim da história, os ideais de um mundo socialmente mais justo se viram expurgados para os escombros da história junto com as marcas do socialismo real e de seus muros, dando lugar a novas sacralizações do mercado e do capital. [4] Vigoroso esforço teórico foi igualmente estabelecido para decretar a perda de centralidade do trabalho, [5] levando de roldão a classe trabalhadora e seus movimentos, tidos, outrora, como incômodos e inconvenientes, e agora como personagens de um passado a ser esquecido. [6]

As dimensões mais propriamente conservadoras desses processos, bem como seus impactos no cenário historiográfico contemporâneo, têm sido frequentemente percebidos e denunciados. [7] Em que pese à riqueza e o adensamento alcançado no interior de nosso campo disciplinar, não se deve descuidar, tampouco, de abordar os caminhos historiográficos recentes de forma crítica [8 ]e atenta à pluralidade de suas dimensões. [9]

Felizmente, como nos lembra Chartier, “os historiadores têm sido sempre os piores profetas”, [10] e a dinâmica histórica contemporânea tem nos apontado para a necessidade de repensar integralmente aqueles postulados lançados há duas décadas. Assim, o livro e o impresso reafirmaram sua força e vigor, chegando em 2012 a patamares editoriais nunca alcançados; a construção historiográfica tem resistido ao ceticismo das interpretações pós-modernas [11] e, no interior dos mundos do trabalho, os movimentos sociais recobram suas forças e voltam ao cenário das ruas. [12]

Com efeito, a explosão de novos temas, a centralidade adquirida pelo conceito de cultura no interior do trabalho historiográfico e mesmo certa supremacia da História Cultural, não anularam os aportes e o legado da História Social. Antes, permitiram um diálogo novo e enriquecedor,13 em que a retomada de temas tradicionais é flagrada em dimensões novas e inusitadas. [14]

Os artigos que compõem o dossiê temático, assim como as demais contribuições que integram este número da revista Canoa do Tempo, trazem a marca desse complexo e profícuo diálogo, em que a articulação do eixo temático Trabalho e Movimentos Sociais, reafirmando sua vitalidade e pertinência, alcançam dimensões e perspectivas inovadoras.

Em primeiro lugar, longe das tradicionais noções hierarquizantes, que frequentemente, na análise dos movimentos sociais, opunham em escala valorativas descendentes, movimentos revolucionários às rebeliões de escravos ou à simples turbas urbanas, [15] os movimentos sociais aqui analisados são pensados em suas dimensões e potencialidades intrínsecas, que existiram enquanto possibilidades históricas de intervenção e transformação social.

Em segundo lugar, tampouco são os movimentos sociais ou os processos de trabalho que articulam crianças, mulheres, seringueiros, posseiros ou operários, abordados aqui em esquemas interpretativos arcaicos e/ou alheios aos aportes historiográficos contemporâneos. Ao contrário, eles nos dão a ver dimensões culturais, que se veem incrustadas nos processos de experienciação e identificação vivenciada por esses múltiplos sujeitos.

Por fim, outro ponto importante a ser salientado está no fato de que as análises presentes no dossiê – sejam elas acerca dos movimentos de rebeldia e sedições do século XIX, dos mocambos do Baixo Amazonas ou dos portuários riograndinos – passam ao largo de recorrentes perspectivas polarizadoras como as noções de centro/periferia ou mesmo a de história nacional/história regional. Com efeito, a produção historiográfica que elas articulam e exemplificam dão conta de processos singulares que, materializados em diferentes espaços do país, reconfiguram outras histórias do Brasil. [16]

Por tais dimensões, fica aqui o convite para uma leitura que desejamos ser ao mesmo tempo instigante e prazerosa.

Notas

1 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Cia das Letras, 1999. p. 15-35.

2 MALERBA, Jurandir. Teoria e História da Historiografia. In: MALERBA, Jurandir (Org.). A História Escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006. p. 13.

3 CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP, 1998.

4 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: O breve século XX. São Paulo: Cia das Letras, 2002. p. 537-562.

5 ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 13-14.

6 GORZ, Andre. Adeus ao Proletariado: para além do socialismo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

7 DOSSE, François. A História em Migalhas: Dos Annales à Nova História. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.

8 VAINFAS, Ronaldo. Avanços em Xeque, Retornos Úteis. In: CARDOSO, Ciro Flamarian e VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Eselvier, 2012, p. 319-335.

9 Veja-se o comentário de Antoine Prost acerca do caso francês: “É verdade que se alterou a conjuntura do fazer história. O complexo de superioridade dos historiadores franceses, orgulhosos de pertencerem, em maior ou menor grau, à escola dos Annales – cuja excelência, supostamente, é elogiada pelos historiadores do mundo inteiro – começou a tornar-se , não propriamente irritante, mas injustificado”. PROST, Antoine. Doze Lições de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p. 9.

10 CHARTIER, Roger. A História ou a Leitura do Tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 8.

11 GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros: Verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Cia das Letras, 2007.

12 SANTOS, Boaventura de Souza. Trabalhar o Mundo: Os caminhos do novo internacionalismo operário. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

13 PROST, Antoine. Social e Cultural Indissociavelmente. In: RIOUX, Jean-Pierre e SIRINELLI, Jean-François (Orgs.). Para uma História Cultural. Lisboa: Estampa, p. 123-137.

14 Cf.: BATALHA, Cláudio, SILVA, Fernando Teixeira da e FORTES, Alexandre. Culturas de Classe: Identidade e Diversidade na Formação do Operariado. Campinas-SP: Editora Unicamp, 2004.

15 GARCIA, Marco Aurélio. Reforma ou Revolução/ Reforma e Revolução. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 10, n.º 20, mar.91/ago.91, p. 9-38.

16 Cf: MONTENEGRO, Antonio Torres et al. História, Cultura e Sentimento: Outras histórias do Brasil. Recife: Editora da UFPE; Cuiabá: editora da UFMT, 2008.

Referências

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005.

BATALHA, Cláudio; SILVA, Fernando Teixeira da; FORTES, Alexandre. Culturas de classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas-SP: Editora Unicamp, 2004.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Cia das Letras, 1999.

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP, 1998.

CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

DOSSE, François. A história em migalhas: Dos Annales à Nova História. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.

GARCIA, Marco Aurélio. Reforma ou Revolução/ Reforma e Revolução. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 10, n. 20, p. 9-38, mar.91/ago.91.

GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Cia das Letras, 2007.

GORZ, Andre. Adeus ao proletariado: para além do socialismo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Cia das Letras, 2002.

MALERBA, Jurandir. Teoria e História da Historiografia. In: MALERBA, Jurandir (Org.). A história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006.

MONTENEGRO, Antonio Torres et al. História, cultura e sentimento: outras histórias do Brasil. Recife: Editora da UFPE; Cuiabá: Editora da UFMT, 2008.

PROST, Antoine. Doze Lições de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

PROST, Antoine. Social e Cultural Indissociavelmente. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François (Org.). Para uma história cultural. Lisboa: Estampa, [s.d.], p. 123-137.

SANTOS, Boaventura de Souza. Trabalhar o mundo: os caminhos do novo internacionalismo operário. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

VAINFAS, Ronaldo. Avanços em Xeque, Retornos Úteis. In: CARDOSO, Ciro Flamarian; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Novos domínios da história. Rio de Janeiro: Eselvier, 2012. p. 319-335.

Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro – (Ufam)

Maria Luiza Ugarte Pinheiro – (Ufam)

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[DR]

Trabalho e Movimentos Sociais / Tempos históricos / 2010

Nossa revista completa doze anos!

Em 1999, quando apresentamos seu primeiro número, tínhamos a expectativa de que ela nos ajudasse a estabelecer e estreitar laços institucionais com outros cursos de História e grupos de pesquisadores de modo a concretizar a graduação na UNIOESTE. Junto a este objetivo, esperávamos também que ela viabilizasse “o anseio de nossos professores e alunos por um canal direto de divulgação de seus trabalhos”, constituindo-se “uma via natural e segura para a afirmação de um Departamento de História e de uma Universidade ainda bastante jovens”. Os problemas enfrentados no início foram muitos, desde a carência de recursos financeiros até a pouca experiência com a edição e os procedimentos de produção de um periódico científico. O fato de termos vencido tais expectativas há certo tempo confirma o êxito deste projeto e uma longevidade que superou uma década.

O nome da revista explicitava uma proposta que se manteve. Como consta na apresentação do primeiro número de 1999, Tempos Históricos “enfatiza a dimensão diacrônica desta disciplina, remetendo às noções de mudança, de renovação e, num certo sentido, até mesmo de avanço de nosso meio universitário”. Sinalizava também “para a ideia de pluralismo teórico e temático, que está incluída na sua própria concepção”.

Mas em tempos de Qualis Capes nos vimos obrigados a semestralizar a revista e a estimular obrigatoriamente um perfil diversificado na composição dos autores dos artigos. Contudo, observar os critérios da Capes e manter a qualidade da publicação mostraram-se tarefas inglórias porque tais critérios muitas vezes não foram observados pelos representantes deste órgão. Por duas vezes registramos discordância com a avaliação feita no Qualis Capes sem, contudo, obter nenhum tipo de resposta. E isto tem acontecido a despeito de a revista mostrar-se diretamente responsável pela estruturação do Mestrado, de Laboratórios de Pesquisa e do curso de graduação que lhe pôs ao mundo.

O retrato ampliado de sua trajetória pode ser avaliado a partir de uma periodicidade ininterrupta e da publicação de 16 dossiês, 23 resenhas, 10 traduções, 5 conferências, 1 entrevista, 14 relatos de pesquisa e 115 artigos! Disponibilizada no formato online, Tempos Históricos conta com financiamento da Fundação Araucária desde 2001, e temos registrado mais de 3 centenas de acessos.

Certamente que este percurso foi coletivo. Devemos agradecer aos autores que nela publicaram, aos membros do Conselho Editorial e da Comissão Editorial, à UNIOESTE por ter garantido condições institucionais e recursos, e à fundação Araucária pelo suporte financeiro. Além disso, desde Marcos Antônio Lopes e Paulo José Koling, seus primeiros organizadores, agradecemos também a todos os que assumiram tal tarefa, Dilma Paula de Andrade, Davi Felix Schereiner, Méri Frotscher, Antônio Bosi, Rinaldo Varussa e Yonissa Wadi Marmitt.

Finalmente, um breve comentário sobre o dossiê que constitui este número. Nos últimos trinta anos, as abordagens sobre as questões do Trabalho e dos Movimentos Sociais no Brasil têm sido enriquecidas por inúmeras pesquisas de campo. Visões da Sociologia, Antropologia, Geografia e da História vêm sendo examinadas e reformuladas à luz do esforço de centenas de pesquisadores que intensificam o deslocamento do eixo temático “trabalho” para as experiências vividas pelos trabalhadores. O que se tem pretendido é apreender o trabalho menos como “técnica” e mais como produção de sentidos e significados pelos trabalhadores mergulhados em processos históricos percebidos em termos de pressões que conduzem a lutas, acomodações e novos enfrentamentos. Parte da complexidade dos desdobramentos históricos pesquisados que forma esta difícil trilha pode ser conferida nos artigos que compõem o dossiê “Trabalho e Movimentos Sociais”.

A todos uma boa leitura!

Antônio Bosi – Professor nos cursos de Graduação e Mestrado em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

Rinaldo Varussa – Professor nos cursos de Graduação e Mestrado em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná


BOSI, Antônio; VARUSSA, Rinaldo. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.14, n.1, 2010. Acessar publicação original [DR]

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Trabalho, Tempo Livre e Campo Artístico | ArtCultura | 2008

Sob a quádrupla chancela editorial da Edufu, do CNPq, da Capes e da Fapemig, a ArtCultura 17 chega até você. Este número reúne 15 artigos (dois deles, colaborações internacionais) e 2 resenhas, aqui incluídos um dossiê e um minidossiê sobre temas não explorados de forma mais específica em edições anteriores.

Coube a Guilherme Amaral Luz, professor do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), organizar o dossiê Tempos de Vieira e de Machado. Calcado, do princípio ao fim, em trabalhos apresentados durante um colóquio promovido na UFU pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em História Política (Nephispo), ele revisita, instalando-os no seu tempo, a produção de padre Antônio Vieira e Machado de Assis. Serviu de pretexto para esse evento a passagem dos 300 anos de nascimento de Vieira e do centenário da morte de Machado. A literatura, como se verá, foi então a lente por meio da qual se descortinaram os nexos entre a obra de ambos e a história. Leia Mais

Cultura, cidade e trabalho / História & Perspectivas / 2007

A Revista História & Perspectivas, criada em 1988, completará em 2008 vinte anos de existência, trajetória marcada pelo constante esforço por apresentar investigações, reflexões, produzidas ao longo dos anos pelos Cursos de História da Universidade Federal de Uberlândia, bem como pelos mais diversos pesquisadores do País, que têm colaborado para tornar esta revista um importante espaço de debate.

Em meio a tantos percursos já trilhados, contando com o apoio e trabalho de vários professores e pesquisadores, a Revista vive neste momento uma fase de mudança. A partir do segundo semestre de 2007, o Núcleo de Pesquisa e Estudo em História, Cidade e Trabalho – NUPHECIT assumiu a Coordenação das atividades da Revista História & Perspectivas. Reunindo professores e alunos da graduação e pós-graduação, o Núcleo construiu como tema articulador de suas preocupações a discussão central sobre cidade e trabalho, que tem sido ampliada, nos últimos anos, com a reflexão em torno de memórias e linguagens, resultado de trabalhos desenvolvidos com outros núcleos de estudo.

Desde aquele momento em que nos colocamos o desafio de pensar a cidade e o trabalho como campos de investigação necessários, nossas expectativas encaminham-se para ampliar possibilidades de compreensão das experiências históricas, acompanhando os sentidos das conformações que desenham socialmente modos de viver e suas transformações. Para isso, estimulamos o diálogo com múltiplas posições e estabelecemos o debate com variados campos de conhecimento.

O tema Cultura, Cidade e Trabalho, ao longo das últimas décadas na historiografia brasileira, e também nas áreas afins, tem provocado pesquisadores a apresentar renovadas questões no âmbito das mais diferentes abordagens. Estimulou no passado, e tem nos instigado hoje ainda, a organizar perguntas, explorar múltiplas dimensões das fontes, desafiando as diferentes linguagens que as constituem e nos fazendo olhar para outros espaços de reflexão a respeito da história e de nossa própria prática. Tal tarefa tem exigido dos pesquisadores cada vez mais atenção para nossas trajetórias teórico-metodológicas, assim como para os sentidos políticos de nossas escolhas.

O texto de Alessandro Portelli, aqui traduzido, e os debates que em Uberlândia tivemos com o autor no ano de 2007 têm nos ajudado a aprofundar reflexões entre histórias, memórias e fontes orais, a pensar sobre pesquisas com documentos e narrativas orais, a problematizar os procedimentos históricos na discussão da natureza específica dessas fontes e de outras, a analisar o processo de construção das interpretações na perspectiva da História Social. Os vários artigos que compõem os Números 36 e 37 nos convidam à leitura pelos mais variados percursos investigativos, sejam eles lidando com a história oral, com a imprensa, com outras documentações, que sempre fazem enfrentar diferentes temas e sujeitos: a cidade, o trabalho, a organização do espaço urbano, os usos da água, a atividade garimpeira, a exploração de madeira e a agricultura; trabalhadores negros, pobres, imigrantes, garimpeiros e muitos outros que fazem parte das pesquisas aqui apresentadas.

Com estes temas, pretendemos reavivar campos de reflexão fincados na perspectiva da História Social, cujo entendimento passa pela nossa atenção às relações entre os homens, como constroem suas vidas socialmente, como estas se expressam historicamente entre os diversos grupos sociais, nas lutas sociais, na organização de trabalhadores e moradores da cidade e do campo a constituir vivências que se expressam em formas e ritmos específicos. A trajetória de tornar visível a multiplicidade de processos e sujeitos sociais e suas relações não começou agora, mas continua a nos desafiar. É com esse espírito que, nesse momento, damos prosseguimento às atividades da Revista História & Perspectivas.

Conselho Editorial


Cultura, cidade e trabalho. História & Perspectivas, Uberlândia, v.1, n.36-37 – jan./dez. 2007. Acessar publicação original [DR].

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Trabalho e Sociedade nas Américas / História (Unesp) / 2006

A problemática do trabalho é uma questão central na história das sociedades americanas, desde o surgimento das primeiras civilizações, muitos séculos antes da chegada do europeu neste continente, intensificando-se com a incorporação desse novo território primeiro como colônias das coroas de Castela e Portugal e posteriormente com a Inglaterra, França e Holanda. Foram várias as soluções experimentadas para a questão da mão-de-obra, como a escravização da população nativa, a introdução do escravo africano e tantos outros sistemas de trabalho ao longo da história. Objeto de várias investigações tanto no campo historiográfico como entre pesquisadores das diversas áreas das ciências humanas, o tema vem atraindo a atenção de investigadores brasileiros e estrangeiros. Questão de extrema atualidade, tendo em vista as transformações do mundo do trabalho no século que se inicia. Foi com a intenção de aprofundar e divulgar este debate que o conselho editorial escolheu esta problemática para dar início a uma nova gestão da revista História.

Os dois primeiros artigos, embora em perspectivas diferentes, abordam a experiência da Companhia de Jesus em duas regiões da América. O primeiro do professor Fernando Torres-Londoño, estuda a questão da mão-de-obra nativa nas missões jesuítas da região amazônica. O segundo, de Beatriz Helena Domingues, analisa a experiência jesuítica entre os guaranis através de três relatos do século XVIII.

O trabalho dos professores José Manuel Serrano e Alan Kuthe analisa a implantação de estabelecimentos que ficaram conhecidos como “presídios”, ou seja, cidades fortificadas para a expansão da colonização espanhola ao longo da fronteira norte do Vice-reinado da Nova Espanha. Em região conhecida pela sua aridez e de poucos recursos econômicos, a coroa espanhola procurava com estas atividades colonizar a área e submeter os indígenas belicosos. Os autores procuram investigar em especial como se deu a busca de recursos para manutenção destes núcleos.

O artigo do professor Horacio Gutierrez analisa a utilização da mão-de-obra escrava no Paraná e sua importância junto à questão das terras na constituição de hierarquia sociais. O artigo do professor Pedro Miranda Ojeda segue o caminho da constituição do trabalho, do progresso e da modernização como valores morais que contribuíram na construção da nação mexicana. O professor Ivan de Andrade Vellasco trabalha com a formação de processos identitários e de solidariedade através da análise de um processo criminal. Ambos inseridos no contexto do século XIX.

O artigo do historiador Norberto Ferreras visa averiguar as relações entre imigração e formação da classe operária na Argentina moderna. Já o artigo de Dainis Kaperovs analisa a criação, pelo Partido Comunista, em 1925, da Coligação Operária de Santos.

Fora do dossiê participam deste número o artigo coletivo da professora Heloisa Rechel em conjunto com Ana Paula Bronizieck e Débora Ehlert, que analisa a historiografia da América Latina, publicada no periódico argentino Desarrollo Económico Revista de Ciencias Sociales, durante os anos sessenta do século passado, em especial o tema da política e do pensamento desenvolvimentista. Em outro artigo, Alexandre Mendes Cunha discute o fenômeno do clientelismo na sociedade brasileira desde um ponto de vista da longa duração.

Trabalho e Sociedade nas Américas é o tema que abre os trabalhos do novo conselho editorial da revista de História. A nova gestão assume com uma proposta de adaptar a revista para os novos tempos de nossa universidade. Assumimos também com a intenção de dar continuidade ao trabalho que já vinha sendo feito, com muita competência, de inserção maior da revista no meio acadêmico e científico brasileiro e internacional e para tanto contamos com o apoio de nossos colegas do curso de História.

Conselho Editorial


Conselho Editorial. Apresentação. História (São Paulo), Franca, v.25, n.1, 2006. Acessar publicação original [DR]

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Cultura, Trabalho e Poder / Esboços / 2005

No último ano e meio a Esboços — revista do programa de pós-graduação em história da Universidade Federal de Santa Catarina, vem passando por uma lenta e contínua mudança no seu projeto editorial, mudança que se refletiu, também, na sua apresentação gráfica. Desde o número 11, com o dossiê Cidade e memória, no primeiro semestre de 2004, nosso objetivo tem sido o de ampliar o elenco de colaboradores da revista, estendendo-o a de todas as áreas das humanidades — história, sociologia, antropologia, filosofia, literatura, política, etc. — das mais amplas vertentes teórico-metodológicas e, principalmente, a pesquisadores de fora do estado de Santa Catarina e de fora do país. Acreditamos que uma revista acadêmica de qualidade se faz, simultaneamente, com pluralidade temática e diversidade de contribuições.

Neste período a revista manteve a sua periodicidade, ampliou sensivelmente seu leque de colaboradores, estabeleceu um novo patamar de qualidade editorial e realizou uma mais apurada seleção científica dos textos publicados. Esse esforço se refletiu na nova avaliação feita pelo Qualis da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), referente a 2004. Hoje somos uma revista B, nacional. Se por um lado, estamos satisfeitos com essa melhor avaliação — afinal a revista tem sido produzida, muitas vezes, superando obstáculos kafkianos — por outro, esse é apenas um primeiro passo para que tenhamos uma revista que, de fato, ocupe um lugar expressivo na produção acadêmica na área de história.

Continuamos caminhando.

Neste número, apresenta-se o dossiê: Trabalho, cultura e poder, resultado do encontro regional de história ocorrido em setembro de 2004. A conferência de abertura do encontro — proferida pela professora Mirta Lobato, da Universidade de Buenos Aires — abre o número, seguida por um conjunto de artigos de pesquisadores de várias regiões do Brasil e do Uruguai, todos calorosamente discutidos na ocasião. Apresenta-se também a tradução de texto inédito em língua portuguesa de Carlo Ginzburg Conversare con Orion, publicado originalmente em Quaderni Storici, em dezembro de 2001. Completam esse número cinco artigos que abrangem as regiões sul, sudeste e norte, além de duas resenhas.

Os editores

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