Sensibilidades e História do Tempo Presente | Tempo e Argumento | 2022

Desde as últimas décadas do século XX, mais especificamente a partir da queda do Muro de Berlim, do fim das ditaduras latino-americanas e do apartheid na África do Sul, podemos detectar a expansão de uma cultura e de uma política de memória em diversos países. A historiografia contemporânea tem destacado a explosão de narrativas memorialísticas, os discursos testemunhais e a chamada “febre patrimonial”, que estão articulados aos usos políticos do passado e aos embates do presente no campo político, ideológico e historiográfico. Nesse sentido, às historiadoras e aos historiadores tem sido lançado o desafio de compreender as leituras do passado que as memórias coletivas empreendem.

Essas narrativas e formas de rememoração do passado também têm trazido à tona um dos principais aspectos que caracterizariam a história do tempo presente – a noção de trauma coletivo, oriunda de experiências de violências políticas, étnico-raciais e de gênero, sobretudo nos regimes autoritários do final do século XX. Assim sendo, as problemáticas que envolvem as relações entre memória e esquecimento, as experiências traumáticas e o papel dos testemunhos na “era das catástrofes” estão amalgamadas ao ofício do historiador, em especial aos que se dedicam à história do tempo presente (FERREIRA, 2012). Este campo interdisciplinar de estudos e produção acadêmica entrecruza a História e a memória, colocando em destaque as novas sensibilidades da contemporaneidade, marcadas pelo trauma da violência política e pelas lutas por verdade, justiça e reparação. Leia Mais

Direitos humanos, sensibilidades e resistências / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2020

A história como ciência, desde há muito tempo, é alvo de disputas políticas e intelectuais que colocam em xeque um discurso amplamente difundido, que sustentava a existência de uma suposta imparcialidade no ofício do historiador e da historiadora. No entanto, ao se aproximar de diversas áreas que compõem as Ciências Humanas e Sociais, com intuito de pluralizar seus sujeitos e objetos, a história, e, portanto, a própria historiografia, viram-se envoltas em problemáticas que as questionavam como campo discursivo neutro, impelindo-as à produção de um tipo de conhecimento marcado pelas posições políticas e ideológicas, que por sua vez, possuem uma forte ancoragem em processos socioculturais do presente que transbordam em subjetividades.

Desta intersecção entre história, novos sujeitos, objetos multifacetados e pluralização dos discursos sobre o passado, a temática dos direitos humanos, surge como um campo que convoca historiadores e historiadoras a pensar a produção de sujeitos, os processos de violação e as diversas formas de existência, em seu atravessamento por questões da interculturalidade, identidades, igualdade, equidade, justiça social e representatividade, entre outras, que constroem as concepções atuais de dignidade humana e respeito a diversidade.

Este Dossiê, n. 36, intitulado Direitos humanos, sensibilidades e resistências, que se apresenta com caráter multi, trans e interdisciplinar, é constituído por dez artigos, uma entrevista, um texto composto por relatos e duas resenhas. Os trabalhos aqui apresentados, versaram sobre as relações da história com os direitos humanos, as sensibilidades e os processos de resistência.

O historiador Reinaldo Lindolfo Lohn no artigo intitulado A utopia dos direitos humanos na cidade: o direito à cidade, reformas urbanas e projeções sociais em Florianópolis (SC) – entre a ditadura e a democracia (1964-2004) discutiu os conflitos gerados pela imposição de reformas urbanas em Florianópolis (SC), ao longo da ditadura militar, com desdobramentos no período democrático. Tomando o acesso à cidade como uma das dimensões dos direitos humanos, o autor discute a constituição do espaço urbano como um elemento de disputa entre as camadas médias e os grupos populares urbanos.

Ernani Soares Rocha e Sueli Siqueira no artigo, Percepção dos jovens sobre o novo território 10 anos depois da desterritorialização: o caso de Itueta, abordaram, por meio de entrevistas, a percepção dos jovens do município Itueta que vivenciaram, entre os anos de 2000 e 2006, o processo de realocação de sua sede em função da instalação da Usina Hidrelétrica Eliezer Batista. Ao centrar suas análises em entrevistas, as autoras buscaram compreender os efeitos dessa Territorialização, Desterritorialização e Reterritorialização, nas trajetórias de vida de jovens e adolescentes que habitavam até então a sede do referido munícipio

O artigo A educação no município de Xaxim: dimensões históricas e políticas da universalização da educação básica (1910-2020), de Paulo Roberto Da Silva e Joviles Vitório Trevisol, analisou a trajetória da educação no município de Xaxim (SC) no período entre 1920 e 2020. Enfatiza que o direito à educação para todas as crianças em idade escolar do Ensino Fundamental tornou-se realidade apenas no final do século XX, demonstrando a existência das desigualdades regionais que estruturam o Brasil no campo das políticas públicas.

Natalia Ferreira, com o artigo Os desafios do tempo presente e a colonialidade da natureza: intersecções para pensar novas sociabilidades, intenciona discutir sobre a colonialidade a partir de seus aspectos, demonstrando as sobreposições das opressões da Matriz Colonial do Poder a partir da análise de linguagens e hábitos recorrentes que são naturalizados por nossa sociedade.

No artigo Ilha da Magia seletiva: religiões de matrizes africanas e a intolerância religiosa em Florianópolis, Hilton Fernando da Silva Pinheiro evidencia os desafios que as comunidades religiosas de matrizes africanas enfrentam, no que se refere aos direitos de fruição ao espaço público. As reflexões partiram da análise de um ato de intolerância religiosa ocorrido em setembro de 2019, na cidade de Florianópolis – SC, que visibilizou os conflitos existentes em torno de símbolos, monumentos, sujeitos e manifestações religiosas de matriz africana.

Com o artigo intitulado Dignidade humana: o desaparecimento do preto velho Jeronymo – Palmas / PR, meados do século XX, os historiadores Renilda Vicenzi e Carlos Eduardo Cardoso, por meio de um inquérito e de um processo crime, do início do século XX, na Comarca de Palmas / PR, buscam compreender as estruturas de racialização e exclusão social, conferidos a população negra, que marcaram de forma profunda a organização sociojurídica do Estado brasileiro.

Susana Cesco, no artigo O que, como e por que censurar: o trabalho de censura da Polícia Federal na década de 1970, analisou o trabalho de censores, autoridades policiais e a própria reestruturação e atuação da Polícia Federal nas décadas de 1960 e 1970 que passou a atuar como órgão responsável pela censura no país. A autora descreve os caminhos percorridos pela política de controle estatal, especialmente no que diz respeito às normas e critérios adotados para proibir e cercear a livre circulação de ideias.

A historiadora Marlene de Fáveri no artigo Violência política em tempo de guerra: a Exposição de Material Nazista: a Exposição de Material Nazista tratou da Exposição de Material Nazista organizada pelo Departamento de Ordem Política e Social de Santa Catarina nos anos de 1942 e 1943, quando o Brasil declarava guerra aos países do Eixo, durante a Segunda Guerra Mundial. Ao se debruçar sobre tal processo histórico, a autora visa analisar o papel da Polícia Política na repressão e perseguição de populações originárias da Itália e Alemanha, destacando a atuação de tal instituição na construção de discursos políticos que fomentavam o medo e a repulsa pelo outro entre a população catarinense.

O artigo Marcelino Chiarello: um defensor dos direitos humanos, de Cesar Capitanio e de José Carlos Radin, evidenciou a formação e a militância do vereador Marcelino Chiarello, de Chapecó-SC, sobretudo, o seu envolvimento na defesa dos direitos humanos, relacionandoa com uma formação sociopolítica alicerçada na vertente religiosa da Teologia da Libertação e da influência do Bispo Dom José Gomes. Os autores destacam sua atuação junto aos movimentos sociais e sindicatos, em um projeto que visava radicalizar o campo da política formal.

Com o artigo Rezar, lutar, lavrar: missionários, militares e indígenas na composição das fronteiras da Província do Amazonas (1851 – 1852), Paulo de Oliveira Nascimento abordou o projeto de construção das fronteiras da / na Província do Amazonas, num momento em que as autoridades imperiais (1851 – 1852) buscavam nortear a ação política e administrativa para modernizar a região. Através da expansão da fronteira, pretendiam implementar o projeto geopolítico de “civilização” dos indígenas e modernização da economia naqueles rincões do Império do Brasil, na tentativa de integrá-los a um projeto modernizador da sociedade brasileira

A atual edição de Fronteiras conta ainda com uma entrevista realizada por Kelly Caroline Noll da Silva que dialogou com a professora Solange Ramos Andrade sobre a temática da religião e da religiosidade católica no Brasil Contemporâneo.

Este número da revista traz uma proposta inovadora, com publicação de um texto composto a partir dos relatos das professoras Andréa Vicente, Adriana Fraga Vieira, Adriana Signori, Elandia S. Thiago e Karla Andrezza Vieira. Os textos foram agrupados e denominado Vozes docentes: lugar de escuta em tempos de pandemia. As professoras participaram da mesa redonda “Lugares de escuta: ensinar História em tempos de pandemia” que compunha a programação do XVIII Encontro de História da ANPUH / SC. Além dos tocantes relatos, o texto é introduzido pelo historiador Rogério Rosa Rodrigues, idealizador da mesa e diretor da ANPUH-SC (2018-2020). Os relatos voltam as luzes às professoras da rede básica de ensino e são traduzidos por Rogério Rosa como narrativas contundentes, sensíveis e engajadas.

Finalizando o número, duas obras compõem a seção resenha. A primeira, realizada por José Antônio Fernandes, analisa as discussões presentes no livro Peronismo: como explicar lo inexplicable, obra organizada por Santiago Farrell, que apresenta uma pluralidade de interpretações sobre o Peronismo, observando que tal temática é ainda bastante controversa e pouco homogênea. A segunda, de Kauê Pisetta Garcia, trata-se do livro intitulado Como será o passado? História, historiadores e a Comissão Nacional da Verdade, de Caroline Silveira Bauer. A obra se constitui a partir do resultado de uma pesquisa realizada pela autora sobre os usos políticos do passado através dos debates em torno da Comissão Nacional da Verdade.

Neste ano conturbado, em meio a uma pandemia – que nos marcou por muitas perdas, a Fronteiras: Revista Catarinense de História reúne textos sensíveis a diversas causas. São artigos, entrevista e relatos envoltos de sensibilidades e que narraram processos de resistências.

Desejamos uma boa leitura!

Ismael Gonçalves Alves (UNESC)

João Henrique Zanelatto (UNESC)

Michele Gonçalves Cardoso (UNESC)

Organizadores do Dossiê Direitos Humanos, Sensibilidades e Resistências

Samira Peruchi Moretto (UFFS)

Editora da Fronteiras: Revista Catarinense de História


ALVES, Ismael Gonçalves; Cardoso, Michele Gonçalves; MORETTO, Samira Peruchi; ZANELATTO, João Henrique. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.36, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Como as ciências sociais e humanidades veem, sentem e leem o território? / Ponta de Lança/2020

A pergunta que dá título ao dossiê representa anseios convergentes de diversas matizes que buscam não apenas sintetizar, mas todo o contrário, possibilita oferecer um exercício de análise que seja verdadeiramente abrangente.

O objetivo central deste questionamento é apresentar os diversos vieses científicos sobre os quais o território é encarado e discutido, desde sua tradição ontológica que traz o sentido de dimensão espacial que se revela através dos processos tanto de dominação concretos, quanto em termos imateriais na produção de identidades, subjetividades e simbolismos criados e recriados pelos atores / agentes responsáveis pela sua (re)produção. Leia Mais

História da Educação: sensibilidades, patrimônio e cultura escrita / Revista História da Educação / 2020

No ano de 2018, o 24º Encontro da ASPHE, organizado pela Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação, discutiu o tema “História da Educação: sensibilidades, patrimônio e cultura escrita”[3]. Atentando para as recentes temáticas que vêm sendo desenvolvidas no âmbito históricoeducativo, o encontro reuniu pesquisadores e pesquisadoras a partir desses três eixos.

Ao propor uma introdução ao tema da História Cultural, a historiadora Sandra Jatahy Pesavento (2005), com base em teóricos que fundamentam a discussão por ela tematizada – com destaque para Stone (1981), Certeau (1982), Chartier (1988, 1991), White (1994), entre outros presentes em sua obra –, fez um resumo dos principais conceitos norteadores de um conjunto de mudanças epistemológicas que proporcionaram um novo olhar a historiadores e historiadoras. A entrada em cena desses conceitos reorientou a escrita da história; nesse sentido, destacamos: representação, imaginário, narrativa, ficção e sensibilidades – todos esses presentes, de uma forma ou de outra, nos textos que compõem o dossiê que ora apresentamos. Leia Mais

Sensibilidades | Revista Latino-Americana de História | 2012

Uma jornada pelas sensibilidades

A escrita da história produzida sob a perspectiva cultural está embasada, fundamentalmente, nos usos de conceitos que se apresentam como imprescindíveis para a sua aplicação teórica e metodológica. Destacam-se, dessa forma, as reflexões abstratas e os estudos de efetiva aplicabilidade de termos como “representação”, “imaginário”, “memória” e “sensibilidade”, entre aqueles que podemos considerar como essenciais. Na origem etimológica latina, de acordo com seus registros escritos, o termo sensibilìtas remete a meados do século XV, apresentando-se em linhas gerais como a faculdade humana concernente ao âmbito primário das percepções, impressões e intuições. Séculos no XVIII, Immanuel Kant1 enfatizou, em linhas gerais, que o conflito existente entre a “sensibilidade” e a “razão”, delegando a primeira ao âmbito da natureza dos instintos dos indivíduos e não à racionalidade e ao conhecimento científico. Leia Mais

Sensibilidades à margem | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2009

 

Organizadora

Nádia Maria Weber Santos – Escola Superior de Teologia – EST. Mestre e Doutora em História (UFGRS). É Médica-psiquiatra e faz pesquisa na Escola Superior de Teologia/FAPERGS.


Referências desta apresentação

SANTOS, Nádia Maria Weber. Apresentação. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia, v.6, n.1, jan./marc. 2009. Sem acesso ao original [DR]

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