Éloge de la corruption | Marie-Laure Susini

Um costume de intelectuais, hoje sumido, reside na visita semanal às livrarias. Com o aumento dos textos eletrônicos e a crise dos impressos, a mais que agradável inspeção às prateleiras das lojas rareia. Não há mais tempo e lazer para conversas com os intelectuais (de variados setores acadêmicos ou mundanos) que traziam informações bibliográficas úteis ao passear olhos e mãos pelos volumes expostos. Recordo a excelente Livraria Duas Cidades, comandada por um discípulo do Padre Lebret, fundador do movimento Economia e Humanismo. Frei Benevenuto de Santa Cruz oferecia aos leitores de todas as crenças e ideologias as mais recentes e profundas análises sobre o mundo político, cultural, religioso, além de um diálogo seguro acerca de fonte e autores. No seu espaço pequeno, galáxias de saber tinham encontro marcado com pensadores ortodoxos ou heterodoxos, como Antonio Candido e outros.

Se andássemos um pouco mais na direção da Biblioteca Mário de Andrade (ela própria celeiro de intelectuais que marcaram a vida nacional, entre eles Mauricio Tragtemberg) entrávamos na Livraria Italiana, onde milhares de volumes traziam ar fresco para a pesquisa artística, histórica, filosófica. A viagem poderia terminar no Sebo do Brandão e outros estabelecimentos similares, próximos ao Largo de São Francisco. Ali, coleções inteiras de clássicos, românticos, modernistas e demais etiquetas do espírito eram oferecidas a preço acessível. O costume de frequentar os sebos marca o intelectual efetivo. Aqui mesmo, em Barão Geraldo, acompanhei um grande escritor em excursões rumo às prateleiras. O nome daquele precioso ensaísta é conhecido de toda a Unicamp: Eustáquio Gomes. Leia Mais

La guerre de ecrivains (1940-1953) – SAPIRO (RBHE)

SAPIRO, G. La guerre de ecrivains (1940-1953). Paris: Fayard, 1999. Resenha de: CAMPOS, N. de. La guerre des écrivains. Revista Brasileira de História da Educação, 19, 2019.

Esse livro, escrito pela socióloga francesa Gisèle Sapiro, foi publicado em 1999. Ele é decorrente de sua tese de doutorado, defendida em 1994, na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris), sob a orientação de Pierre Bourdieu. Essa obra tem 807 páginas, contando introdução, nove capítulos, conclusão, anexos, agradecimentos, bibliografia, índice de nomes e sumário. Ela se organiza em três partes: lógicas literárias do engajamento (primeira parte), constituída com três capítulos; instituições literárias e crise nacional (segunda parte), formada por quatro capítulos; a justiça literária (terceira parte), contendo dois capítulos. A delimitação temporal inicial tem relação com a Ocupação da França pela Alemanha e a assinatura do armistício; já o período final está associado à segunda Lei de Anistia, “[…] após o que, sem desaparecer, as questões literárias, nascidas na crise, cessam de dominar a vida literária” (Sapiro, 1999, p. 17).

A investigação dessa socióloga tem como principal preocupação “[…] por em evidência a especificidade da conduta dos escritores no contexto da Ocupação, à luz das representações e das práticas próprias dos meios literários” (Sapiro, 1999, p. 9). De acordo com ela (1999, p. 9), “[…] a questão importante é por que e como os escritores respondem a essa demanda?” Assim, sua abordagem é diferente de outros estudos que explicam o engajamento dos escritores a partir de uma perspectiva centrada na política. Nas palavras da autora (1999, p. 10), “[…] contra a tendência a dissociar essas duas dimensões, este livro entende que se esclarece uma pela outra, ao inscrevê-las em uma abordagem mais global dos ambientes literários e de seus modos de funcionamento naquela época”. Conforme Gisèle Sapiro (1999, p. 12), “[…] durante a Ocupação, o campo literário viu serem abolidas as condições que lhe asseguravam uma relativa independência, em particular a liberdade de expressão”. Os escritores, na avaliação de Sapiro (1999, p. 11), “[…] não escapam à lógica das lutas. Mas a guerra dos escritores não é o puro reflexo da guerra civil. Como todo universo profissional, o mundo literário tem seus códigos, suas preferências, suas regras do jogo e seus princípios de divisão próprios”. Diante disso, indaga essa pesquisadora (1999, p. 12): “[…] que ocorre com a autonomia literária em período de crise? Sob que forma sobrevive e que resistência se opõe às pressões externas?”.

A partir de muitos textos publicados nos jornais da França, de correspondências e entrevistas, assim como em interlocução com extensa literatura das ciências humanas, em particular da sociologia dos intelectuais e da história intelectual, a autora mostra como os escritores engajaram-se e tomaram posições políticas. Ela descreve que havia quatro tipos de lógicas sociais que coexistiam no campo literário e que induziam relações diferentes entre literatura e política. A primeira é denominada de lógica estatal, em que estavam as frações detentoras do poder econômico e do poder político. A segunda lógica coincide com o polo de grande produção, próxima do jornalismo, lugar da lógica mediática. Em seguida, aparece a lógica estética, em que estariam os escritores com forte poder simbólico. Esse grupo tende “[…] a se distanciar da política e da moral” (Sapiro, 1999, p. 13). Por fim, existiria o polo dos escritores de vanguarda, grupo formado a partir do interesse em produzir uma literatura subversiva, engajada. Essas quatro lógicas são tipos ideais. Logo, como bem destaca a socióloga (1999, p. 13), “[…] essas diferenças lógicas, inexistentes em estado puro, encarnam-se mais ou menos nas práticas e nas instituições”. Essas lógicas são associadas às quatro instituições analisadas nesse livro: Academia Francesa (lógica estatal); Academia Goncourt (lógica mediática); Nova Revista Francesa – NRF (lógica estética); Comitê Nacional dos Escritores (lógica subversiva/política).

A primeira parte tem como preocupação explicar as lógicas literárias eos engajamentos dos escritores. A parte seguinte mostra como as quatro lógicas encarnam-se nas quatro instituições estudadas (Academia Francesa, Academia Goncourt, NRF e Comitê Nacional dos Escritores). De acordo com Sapiro (1999, p. 16), “[…] dotadas de uma razão social e de uma identidade, essas quatro instâncias ilustram as lógicas estatal, mediática, estética e política”. Por fim, na terceira parte, o livro discorre sobre os efeitos da crise após o período de Ocupação, pois “[…] eles determinam largamente os modos de reestruturação do campo literário” (Sapiro, 1999, p. 17). Essa descrição é estrutural, como bem reconhece essa socióloga. Porém, essas tendências podem ser observadas nas especificidades dos diversos níveis e na encarnação das lutas onde se confrontam as diferentes concepções de literatura e as diversas compreensões do papel social do escritor.

Em termos mais precisos, a primeira parte trata do debate entre os escritores a respeito do papel social do intelectual. A partir da discussão em torno do ‘gênio francês’ e dos ‘maus mestres’, a autora reconstitui um profundo e complexo debate entre os escritores para defender diferentes posições do intelectual. Conforme assinala Sapiro (1999, p. 106, grifo do autor), “[…] é em nome do ‘gênio francês’ que são conduzidas as lutas que estruturam o campo literário na primeira metade do século XX”. Cada um desses elementos serve de pano de fundo para a socióloga mapear as posições dos mais diferentes escritores, em específico, o confronto entre a politização do campo cultural e a luta pela sua autonomia frente aos interesses da política e da moral. Ao final dessa parte, ela destaca duas trajetórias exemplares (François Mauriac e Henry Bordeaux) que “[…] ilustram a articulação entre a clivagem geracional, a oposição entre autonomia/heteronomia e as divergências ideológicas” (Sapiro, 1999, p. 207). Essas individualidades, pertencentes à Academia Francesa e com origens sociais e religiosas semelhantes, tomaram posições distintas. Mauriac tornou-se um defensor dos escritores denominados de ‘maus mestres’, situação considerada atípica ou improvável por Sapiro. De outra parte, Bordeaux promovia a campanha contra os escritores classificados de ‘maus mestres’.

A segunda parte do livro indica como esse debate inscreveu-se em cada uma das quatro instituições francesas. Ela elege um capítulo para cada instituição, trazendo riqueza de detalhes. Embora as análises estejam divididas em partes, não há abordagens isoladas de cada uma das instituições. A autora sintetiza uma tendência predominante em cada espaço, a saber, o senso do dever (Academia Francesa); o senso do escândalo (Academia Goncourt); o senso da distinção (NRF); o senso da subversão (Comitê Nacional dos Escritores). Antes de analisar cada uma dessas instituições, Sapiro sintetiza a ideia dessa parte do livro em duas páginas e meia. Ali, ela anota que busca mostrar como, no seio desses espaços literários, os escritores se confrontavam na luta pela definição da identidade da instituição e do papel que ela deveria exercer no período de crise nacional.

Desse modo, essa parte mostra como esses espaços institucionais definiram as posições individuais. Ao mesmo tempo evidencia as mudanças das instituições, particularmente a movimentação da NRF, fundada em 1909. Posteriormente, essa revista passou a aproximar-se do grupo da literatura engajada, cuja expressão contundente é a trajetória de André Gide. Apesar disso, o livro mostra a permanência da posição da Academia Francesa, muito embora trate do caso atípico de François Mauriac que aderiu à literatura subversiva. Já no início, Sapiro (1999, p. 249) afirma que, “[…] das quatro instituições que nós estudamos, a Academia Francesa é a que participa mais diretamente, por meio de seus membros, da vida política oficial”. Essa instituição, criada em 1635, agrupa as frações dominantes da classe dominante, donde se exerce o controle sobre o campo literário. Assim sendo, as lutas políticas dessa comunidade estavam associadas ao combate aos escritores que se posicionavam no polo altamente politizado, aqueles que pretendiam transformar a literatura em luta política (grupo do Comitê Nacional dos Escritores).

A Academia Goncourt, criada em 1903, expressa o modelo de senso do escândalo, pois, nascida com interesse em salvaguardar certa autonomia do campo literário e contrapondo-se ao modelo mais tradicional de literatura da Academia Francesa, logo se vê no permanente jogo entre as forças dos diferentes campos sociais. As trajetórias de seus integrantes e as premiações concedidas evidenciam forte presença de autores oriundos da imprensa francesa. Ao longo do texto, Sapiro mostra as alterações da própria instituição, especialmente nos momentos mais críticos, como a Ocupação, quando esse espaço do campo literário não deixou de pronunciar-se e tomar posição no campo intelectual. A autora identifica uma tendência dessa instituição, um tipo ideal, sem deixar de historicizar as disputas internas, os posicionamentos conflitantes entre os seus integrantes, assim como o imiscuir-se nas disputas do campo político. Ela procura demonstrar como a ideia de autonomia/heteronomia do campo literário é o mote da discussão na instituição, ganhando ares peculiares no momento crítico da história francesa dos anos de 1940.

Na sequência, Sapiro centra sua análise no movimento da NRF, criada em 1909. Embora, o recorte de sua análise seja o contexto da Ocupação alemã e o período da Liberação, sua escrita retrata a pretensão de André Gide no momento de criação dessa revista, bem como os anos seguintes à Primeira Guerra Mundial. Apesar de o senso de distinção constituir o horizonte de identidade dessa instituição, os casos exemplares de Gide (rumou à resistência literária) e Drieu La Rochelle (aderiu ao grupo colaboracionista) evidenciam como o problema da autonomia/heteronomia conformava as representações e as práticas da instituição e de seus integrantes.

Por fim, a partir da tipologia – senso de subversão -, a autora descreve e explica a ação do Comitê Nacional dos Escritores. Nesse grupo, constituído por integrantes de diversos subgrupos, encontrava-se o principal espaço de resistência literária. A partir de um conjunto de escritos, seus integrantes promoviam intervenções no âmbito da política, destacando-se seus posicionamentos de combate à literatura não engajada que era reivindicada pela Academia Francesa, pela Academia Goncourt e pela NRF. A partir dos anos de 1930, esse comitê tornou-se um espaço de congregação de grupos distintos, como, por exemplo, comunistas, católicos progressistas (François Mauriac, Jacques Maritain), confrontando-se aos valores nacionalistas que já estavam presentes no contexto do caso Dreyfus (final do século XIX), mas que ganharam ares mais dramáticos com a ascensão de Hitler e o avanço das bandeiras defendidas pela extrema-direita. Enfim, ao longo da obra, Sapiro descortina em detalhes como o comitê ofereceu “[…] aos escritores os meios de lutar com suas armas próprias, reativando a dimensão subversiva da literatura e assegurando à Resistência intelectual o seu prestígio” (Sapiro, 1999, p. 467).

Se nas primeiras partes há intensa exposição para explicar os posicionamentos das quatro instituições e mostrar ‘a guerra dos escritores’, a última retrata o período posterior a agosto de 1944, quando Paris foi libertada. A autora identifica que essa condição redundou na recomposição do campo intelectual, sobressaindo-se o problema do papel da literatura e do escritor. É sintomático daquele momento o fato de a revista Tempos Modernos ocupar o lugar da NRF, cujo mote seria a defesa da literatura engajada em oposição à literatura pura. Sapiro mostra que essa disputa inscrevia-se na concorrência entre gerações de escritores, na oposição entre moralistas e defensores da literatura pura e na clivagem ideológica esquerda e direita. Aqui está presente a disputa pelo controle do próprio campo dos escritores. O comitê é oficialmente institucionalizado, incorporando todo capital simbólico do período de Resistência na clandestinidade. Assim, esse espaço procura constituir-se como o lugar autorizado para dizer o que é a literatura e qual deve ser o papel do escritor. E, mais do que isso, dizer que ao escritor está atribuída a missão de reconstrução da própria França.

Depois da derrota da Alemanha, conforme atesta Sapiro (1999, p. 17, grifo do autor),

A noção de ‘responsabilidade do escritor’ está no coração das lutas. Saído da sombra do Comitê Nacional dos Escritores pretendia-se instaurar uma nova deontologia do ofício do escritor. Mas seu poder de excomunhão é rapidamente contestado. Abalados por divisões internas, as instâncias nascidas da Resistência se encontram confrontadas às instâncias tradicionais, entendendo que devem reencontrar seus lugares e tomar parte na reconstrução nacional.

Porém, como bem mostra esse livro, as primeiras fissuras internas desse comitê ocorreram entre comunistas e não comunistas. Além disso, as divisões internas foram demarcadas por outras divergências, como, por exemplo: entre membros oriundos da zona Norte (região ocupada pela Alemanha) e zona Sul (região ‘livre’, governada por Pétain); entre antigos e novos integrantes; a controversa ‘lista negra’ – publicação dos nomes dos escritores apoiadores da Ocupação e do regime Vichy. Ao final dessa parte, a narrativa mostra como as instituições literárias se reconfiguraram no novo momento da França, em particular, no contexto de reconstrução nacional. Ou seja, como se estabeleceram as disputas entre Academia Francesa, Academia Goncourt e Comitê dos Escritores para definir o papel social da literatura e do escritor, sem deixar de indicar as clivagens internas, em específico, do comitê. Embora o recorte final da obra seja 1953, Sapiro não deixa de indicar que os efeitos dos debates da Ocupação e da Liberação ganharam sentidos diferenciados no contexto da Guerra Fria, reinserindo o problema da posição do escritor e das instituições literárias no âmbito das questões políticas, isto é, reapareceria o problema da autonomia/heteronomia do campo cultural.

Por fim, é importante ressaltar que esta síntese apresenta a ideia geral da obra e os elementos centrais de cada parte. Esse livro que se inscreve no âmbito da sociologia dos Intelectuais é fecundo ao campo de pesquisa das ciências humanas. Ademais, merecem destaque as possibilidades de diálogo com áreas mais específicas, particularmente, com a história intelectual. O campo intelectual (sociologia dos Intelectuais) é um dos temas principais de Giséle Sapiro que já tem algumas produções traduzidas e publicadas no Brasil. O problema dos intelectuais ou do campo intelectual é objeto bastante revisitado, nos últimos anos, por diversos pesquisadores brasileiros. Assim, espera-se que esta resenha tenha sintetizado o conjunto das principais ideias dessa obra de fôlego e estimulado o leitor a acessá-la, pois ela poderá ser bastante útil para ampliar os horizontes de pesquisa nas ciências humanas, especificamente, na história intelectual e história dos Intelectuais.

Referências

Sapiro, G. (1999). La guerre des écrivains (1940-1953). Paris, FR: Fayard.

Névio de Campos – Pós-doutorando (Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, Paris); Pós-doutor em História (UFPR); Doutor em Educação (UFPR); Professor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná, Brasil. Pesquisador Produtividade CNPq. E-mail: [email protected]

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Early Greek Philosophy – LAKS; MOST (RA)

LAKS, A.; MOST, G. Early Greek Philosophy (9 vols.). Cambridge MA, Loeb Classical Library. Les débuts de la Philosophie, des premiers penseurs grecs à Socrate. Paris: Fayard, 2016. Resenha de: ROSSETTI, Livio. Revista Archai, Brasília, n.21, p. 341-350, set., 2017.

A ampla coleção de textos e informações sobre os ‘filósofos’ pré-socráticos conhecida pelo nome Diels-Kranz foi publicada em 1903 e atualizada até 1952. Alcançou sucesso imediato e teve o raro privilégio de sobreviver sem dificuldades às muitas tentativas de atualizações selecionadas publicadas até recentemente (as mais recentes: D.W. Graham, The Texts of Early Greek Philosophy, Cambridge, 2010; J. Pórtulas-S. Grau, Saviesa grega arcaica, Barcelona, 2011; J. Mansfeld-O. Primavesi, Die Vorsokratiker, Griechisch-Deutsch, Stuttgart, 2012). De fato, mesmo apresentando inconvenientes inevitáveis (passaram-se mais de cento e dez anos, com grande quantidade de publicações e um número considerável de fatos novos que ocorreram durante este período), aquela obra foi reconhecida por unanimidade como exemplar pelo cuidado e credibilidade ‘nos limites do humano’.

Entretanto, em 2016, a situação mudou com a saída dos nove volumes de formato pequeno do Early Greek Philosophy (fazem parte da Loeb Classical Library, a celebrada coleção de textos gregos e latinos traduzidos e anotados publicados em Harvard) e, paralelamente, do Les débuts de la philosophie em volume único, publicado em Paris pela Arthème Fayard. Nos dois casos, os responsáveis pela seleção e organização das informações disponíveis foram André Laks que foi professor da Sorbonne (atualmente professor na Universidad Panamericana de Ciudad de México), e Glenn W. Most, professor na Normale de Pisa e na Universidade de Chicago, com a colaboração de Gérard Journée, Leopoldo Iribarren, David Levystone e outros. A edição inglesa em língua se estende por 4200 páginas, aquela em língua francesa por pouco mais de 1650 páginas, embora em um formato bem maior. Com esta obra, a situação mudou porque agora existem as condições para citar LM ao invés de DK, contudo que por esta razão é inevitável que, durante alguns anos, continuamos a usar tanto a numeração DK quanto a LM.

É verdade que, na ‘Advertência’, Laks e Most começam por assegurar que “A presente coleção, embora procurando ser útil aos especialistas, tem o propósito de apresentar a um público amplo as informações  disponíveis a respeito dos inícios da filosofia grega”, mas isto são apenas respeito e modéstia em face da imponência do antecedente constituído pelo DK. Na opinião de quem escreve, uma tal declaração não  poderia enganar ninguém!

A obra nos apresenta, se contei bem, algo como 3.600 unidades textuais, cada qual proposta em sua língua original (oferecendo, quando necessário, também os textos em latim, hebraico, siríaco armênio ou árabe), com anotações bem selecionadas sobre as dúvidas da constituição do texto, e acompanhada de tradução que, seguindo um uso atualmente já bem estabelecido, não se limita apenas aos fragmentos. São unidades textuais sobre Tales, Anaximandro,  Anaxímenes, Pitágoras e os Pitagóricos, Heráclito, Parmênides, Zenão, Empédocles, Demócrito, Protágoras, Górgias etc. Os noventa capítulos da coleção Diels-Kranz aqui se tornaram 43 (30 sem contar os sofistas), enquanto Graham selecionou apenas 20, Pórtulas e Grau 26 (mas somente para o período  que vai até Parmênides), Mansfeld e Primavesi 12  (contagem esquemática que aqui talvez seja permitido não ‘aprimorar’). Há portanto muitos autores considerados menores (Petrônio, Ico, Menestor,  Cleidemo, Ideo, etc.) que  não  são reportados  na  coleção LM, e se trata de uma escolha sensata. Em compensação, a série inicia com uma ampla seleção de textos de Homero e Hesíodo, Teógnides, Píndaro e outros poetas da idade arcaica e se conclui com um panorama análogo de textos trágicos e cômicos: duas novidades importantes em relação a DK, e também em relação à maioria das coleções comparáveis. Depois da seleção dedicada à poesia arcaica, seguem os ‘costumeiros’ Tales, Anaximandro etc., enquanto que depois de Heráclito é a vez de uma seção ampla e  articulada sobre Pitágoras e os Pitagóricos que, com suas 190 páginas da edição francesa, é a seção mais ampla da inteira obra (a segunda é a de Empédocles, com 160 páginas). Entre as new entries se encontram também uma seção muito útil sobre doxógrafos  e ‘sucessões’ (um grande trabalho historiográfico  realizado em época helenística e que sobreviveu em condições muito precárias), uma generosa seleção de textos médicos e sobretudo o Papiro de Derveni (este último com um substancioso aporte da italiana Valeria Piano): todas opções mais do que acertadas.

Para apresentar-nos os pré-socráticos, o Laks-Most parte de Diels-Kranz (nem era pensável agir de forma diferente), mas fá-lo repensando a matéria por inteiro e com grande liberdade intelectual. Quando possível, as fontes são dispostas, para cada autor, em volta de três seções: P sobre a personagem e os fatos biográficos, D sobre os ensinamentos,  R sobre as repercussões e discussões sucessivas.  As seções reservadas a Heráclito, Empédocles e Demócrito têm notável amplidão, todavia surpreende também a amplidão do capítulo dedicado a Melisso.  Uma qualidade vistosa, e que todos apreciarão, é  também a decisão de organizar o todo tendo como base uma bem estruturada série de subtítulos que  constituem também o plano e a posição de cada capítulo, permitindo a configuração de numerosos grupos homogêneos de informações e – o que mais importa – facilitando de muito a tarefa de quem vai buscar algo específico, mesmo porque cada capítulo se abre com o prospecto dos pequenos títulos utilizados para caracterizar cada um dos grupos ou os subgrupos de documentos. A fórmula funciona bem e tem a qualidade considerável de colocar um pouco de ordem entre as informações, portanto, não só de facilitar a primeira fase de orientação, mas  especialmente de oferecer uma visibilidade inédita à componente enciclopédica da obra de muitos entre os pré-socráticos (por exemplo, Parmênides).

A escolha de privilegiar as informações produz  também efeitos colaterais: antes de tudo, justifica  a apresentação dos fragmentos e testemunhos com base no argumento tratado, não sem ter o cuidado de imprimir os fragmentos em negrito; mas serve  também para deixar cair muitos textos que podem ser considerados acessórios como, por exemplo,  aqueles que engastam um fragmento (eventualmente reapresentando-os, se valer a pena, na seção R). Esta escolha é exatamente uma escolha, a expressão de um critério e não é isenta de contrapartidas. Por  exemplo, teria sido desejável uma oferta mais generosa (na seção R) dos contextos que LM omitem quando se trata de apresentar um fragmento.

Outra inovação relevante é de natureza inteiramente diferente e se refere à presença de uma  seção sobre Sócrates. Há mais de um século todos nós aprendemos a falar dos filósofos pré-socráticos e, com isto, a separar Sócrates de todos eles,  mesmo sabendo que ele foi ativo quando o foram as personagens normalmente etiquetadas como  sofistas, não depois. Bem, Laks e Most ousaram  fazer aquilo que, se eu não estiver errado, ninguém fizera antes: inserir nesta coleção também um capítulo dedicado a Sócrates. A escolha tem algo de curioso, porque torna Sócrates um… pré-socrático (na realidade um pré-platônico como, de fato, ele foi) mas de certa forma, uma escolha explosiva,  porque induz a uma representação de Sócrates com as categorias do século V, como é justo que seja, e não com as categorias de Platão e de outros seus contemporâneos. É como se fôssemos libertados da obrigação de aceitar como bom aquele Sócrates do qual lemos em muitas centenas de páginas escritas à distância de algumas décadas de sua morte.  É minha ideia que nesse caminho Laks e Most  tenham percorrido somente uma parte da estrada, a primeira parte. Com efeito, a seleção das fontes retoma até demais dos textos platônicos enquanto silencia inteiramente as evidências relativas a Polícrates o acusador, não valoriza o testemunho de Ésquines de Esfeto e Fédon e usa mais do que com parcimônia os textos de Xenofonte.

Todavia, como é sabido, começar é a parte mais difícil e, feito o primeiro passo, outros certamente virão mais facilmente. Acredito, enfim, que esta  inovação em particular esteja apta a produzir efeitos de importância especial não por causa daquilo que Laks-Most selecionaram ou deixaram de lado, mas pela nitidez que sua escolha garante à exigência  de enquadrar Sócrates entre os não-filósofos do V século e, por conseguinte, de notar antes de tudo o quão representativo de outra época (aquela de seus autores) seja o conjunto dos diálogos socráticos.

Por fim, assinalo a presença de dois apêndices, um dedicado a informar a respeito dos mais de duzentas personagens que entram em cena como autores (a partir dos quais se cita) ou como personagens (dos quais se escreveu). Pena que a escolha das personagens sobre as quais se informa seja seletiva demais e as páginas nas quais eles estão presentes não sejam indicadas. O outro é um bom glossário, sempre útil, ao lado de outros apêndices.

Em todo caso, o resultado de momento maior não é nenhum daqueles listados até agora: é ter alcançado uma meta tão ambiciosa, e ter conseguido manter sob controle uma massa tão imponente de documentos.

Defeitos? Sou tentado a dizer que, se os há, estão bem escondidos e que será preciso muito para encontrá-los. É claro que há defeitos, é simplesmente humano que os haja, e isto depende principalmente da impossibilidade de satisfazer os desejos dos mais diferentes leitores. A falta mais grave concerne, sem dúvida, o índice das fontes, mas é lógico esperar que se remediará por ocasião de uma segunda edição.  De fato, quando se procura estabelecer se uma certa unidade textual foi inserida ou omitida, a tarefa se torna necessariamente difícil, embora se possa ainda recorrer ao prospecto das concordâncias entre DK e LM que é realmente bem feito.

Ainda em referência a omissões (pois nada direi a respeito de escolhas na constituição dos textos e na tradução), seria possível alcançar uma lista de tamanho considerável, dada a propensão dos editores de conter os capítulos. A seguir dou alguns  exemplos mais familiares ao autor desta resenha.

No caso do capítulo 5 sobre Tales, se omite a sua menção por parte do poeta de Lesbos, Alceu, apesar de que DK nos dê esta informação em 11A11a; igualmente se omite a respeito do título de sophos com o qual a cidade de Atenas teria honrado Tales ‘antes’ de formar o colégio dos sete sábios. Note-se que se trata de detalhes que falam da celebridade  da personagem alcançada em vida e, em relação a Atenas, de sua política cultural por volta do ano 580 a.C. Por sua vez, o âmbito das ‘descobertas astronômicas’ é detalhado no que diz respeito às medidas espaciais mas nos dá apenas uma informação a  respeito das partes do ano (5R25), enquanto um  detalhe não menos importante sobre o intervalo  entre o equinócio de outono e o poente das Plêiades se encontra e 5R21, portanto, um pouco fora  de lugar. Teria sido possível (e desejável) destacar  a notícia referente ao comprimento desigual dos  intervalos (entre solstícios e equinócios, que implica ter aprendido a estabelecer com exatidão a data de ambos) que se encontra dispersa em 5R16, unidade textual caracterizada como notícia que concerne o sol. Ainda, pelo que diz respeito à sua “atitude diante da vida”(um dos subtítulos que se encontra na pag. 40 da edição francesa), deveria ter se informado da opinião de Tales sobre inumação, notícia preservada em 11A13 DK (=Th 318 Wöhrle).

No capítulo 19 sobre Parmênides se destaca o  silêncio sobre o fr. 20 Cerri do próprio Parmênides (a louvação de Amínia, da qual fala Boécio), embora não seja raro que um autor do período assim chamado arcaico resolva honrar alguém (es. Pausânia mencionado por Empédocles). Que depois se passe o mesmo, entre outros, com a coleção de Graham, de Pórtulas-Grau e de Mansfeld-Primavesi não é um bom motivo para ignorar a notícia. Ademais, tendo se estabelecido o uso de anotar os neologismos isolados, ao menos as palavras alogon, pseudophanēs e hudatorizon gostaríamos de tê-las encontradas impressas em negrito, independentemente do parecer dos editores sobre a paternidade efetiva deste ou  daquele neologismo.

O capítulo sobre Zenão parece até mesmo curto demais quando comparado com a coleção publicada por H.P.D. Lee em 1936 (in Zeno of Elea, p. 12-63), ainda mais porque o próprio Lee fora até seletivo  demais, tanto que se procurariam inutilmente, por exemplo, as passagens relevantes (que não são nem genéricas e nem pleonásticas) do De lineis insecabilibus pseudo-aristotélico, passagens que são omitidas também por LM. Uma outra omissão se refere à página, notadamente assinalada por John Dillon em 1974, na qual Proclo reporta inequivocamente que Zenão teria falado dos antípodas, atestando  portanto que  o próprio  Zenão pôde mencionar o  termo e tratá-lo como uma noção já estabelecida e portanto ‘disponível’.

No capítulo 31 sobre Protágoras (e, igualmente, no capítulo correspondente da coleção Graham e no DK) gostaríamos de ter encontrado passagens sobre a  dikē huper misthou, vale dizer, a disputa  entre Protágoras e Evatlo, que é decididamente  paradigmática como exemplo de antilogia perfeitamente equilibrada e de uma situação de todo indecidível, e surpreende que tenha sido eliminada até mesmo a breve síntese que se encontra em Diógenes Laércio.

Pergunto-me também por que os dois decidiram falar de “sistemas filosóficos sucessivos”em referência aos ‘pluralistas’, a Arquelao, a Diógenes de  Apolônia, aos textos médicos e ao Papiro de Derveni, já que não se trata de sistemas e nem de textos inequivocamente filosóficos, enquanto que sucessivos ao século V a.C. são somente alguns textos médicos (não todos) e o papiro.

É  evidente que estas indicações não podem de  forma alguma ofuscar os méritos de uma obra que não pode não marcar presença, tornando-se imediatamente indispensável para todos aqueles que se confrontam com os pré-socráticos (ou melhor, com os pré-platônicos, Sócrates incluso). Se acrescentarmos as 1.060 páginas muito bem informadas do Die Philosophie der Antike, I, Frühgriechische Philosophie, obra dirigida por Flashar, Bremer e Rechenauer  (Basel, 2013), podemos bem dizer que o estudo  dos pré-socráticos está partindo novamente sobre  novas bases e com instrumentos de trabalho muito sólidos, e quem se ocupa disso dispõe de recursos atualizados e muito, muito profissionais.

Nota

1 O autor gostaria de agradecer ao Doutor Nicola Galgano (USP) pela tradução da resenha que agora se publica.

Livio Rossetti1 – Universidade de Perugia (Itália). E-mail: [email protected]

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L’histoire des Juifs. Trouver les mots. De 1000 avant notre ère à 1492 / Simon Shama

En lisant cette Histoire des Juifs de Simon Schama, on est à la fois ébloui et irrité. Plus on progresse dans la lecture, plus l’admiration et l’irritation vont croissant. C’est d’abord l’admiration qui domine. Pour la stupéfiante performance de l’auteur. L’ouvrage, écrit en marge de la préparation d’une série télévisée, couvre quinze cents ans d’histoire, puisqu’il va des origines bibliques à 1492, année de l’expulsion des Juifs d’Espagne (un second volume devrait suivre, courant de 1492 à l’époque contemporaine). S. Schama n’a travaillé qu’à ses tout débuts sur des aspects de l’histoire juive et si le savoir qu’il met ici en œuvre est pour une large part de seconde main, il a effectué et assimilé des lectures d’une étendue proprement gigantesque.

Pour la période biblique et l’interprétation des données archéologiques, un sujet de débats passionnés en particulier depuis une quarantaine d’années, il s’est adressé à des spécialistes reconnus et a tracé sa voie – une voie moyenne, entre la parfaite confiance dans le récit biblique et le postulat de sa totale a-historicité. Surtout, pour les périodes postérieures, depuis l’Antiquité gréco-romaine, avant et après la destruction du Temple de Jérusalem en l’an 70, jusqu’à l’histoire des Juifs dans l’Europe du Moyen Âge tardif, en passant par le monde juif en terre d’islam, l’auteur a consulté les travaux de recherche les plus récents et les plus novateurs. L’information bibliographique, signalée dans les notes, n’est nullement ornementale : le texte principal s’appuie tout au long sur les dernières publications qui comptent, dont, soupçonne-t-on, les spécialistes, dans les différents domaines, n’ont pas eux-mêmes toujours su saisir ce qui fait leur surcroît d’utilité.

Schama donne un texte très enlevé, mais, comme on pouvait s’y attendre, il est à son meilleur dans les deux exercices où l’on sait qu’il excelle, et d’abord dans l’usage des archives visuelles et des données matérielles. Ainsi fait-il merveille lorsqu’il introduit l’exposé portant sur les déchirements internes de la société juive et les circonstances de la révolte des Maccabées par une description évocatrice du palais édifié, à l’est du Jourdain, par Hyrcan, petit-fils d’un Tobiah connu grâce aussi bien à ce que dit de lui Flavius Josèphe qu’à la documentation laissée par un intendant du ministre des finances de l’Égypte ptolémaïque, et représentant d’un milieu juif particulièrement hellénisé. Ou lorsque, pour montrer l’ouverture sur les cultures environnantes, aux iieet iiie siècles de l’ère chrétienne, du judaïsme diasporique mais aussi palestinien, S. Schama mobilise le témoignage des peintures murales de la synagogue de Doura-Europos en Syrie orientale et celui des mosaïques et des restes architecturaux de Sepphoris en Galilée. Ou encore lorsque, afin de souligner la prospérité des Juifs d’Égypte, ou en tout cas de certains d’entre eux, à l’époque, entre xe et xiie siècle, qu’éclairent les documents découverts dans la gueniza (la remise) d’une synagogue du Vieux Caire, il décrit les garde-robes que nous font connaître les papiers publiés et analysés par Shlomo-Dov Goitein et par Yedida Stillman.

L’ouvrage se distingue ensuite dans la façon qu’a S. Schama de faire du récit l’élément même dans lequel se coule une analyse. Le morceau le plus réussi à cet égard est peut-être la mise en perspective de la condition des Juifs, à la fois solide et précaire, dans l’Angleterre des années 1240-1270, à travers le récit d’une vie, celle d’une femme d’affaires avisée, Licoricia de Winchester. Les grincheux diront que l’auteur emprunte sa documentation à une monographie récente [1] [2] Certes. Encore fallait-il savoir, à partir de celle-ci, à la fois brosser un tableau et conduire une démonstration.

chama fait preuve, en chaque chapitre, d’une remarquable capacité à synthétiser les résultats de la recherche, la clarté de la discussion et sa densité faisant bon ménage. J’ai eu à plusieurs reprises le sentiment, en cours de lecture, que, sur telle ou telle question abordée, et sur laquelle j’ai eu moi-même à consulter une abondante littérature, je n’avais jamais lu de présentation ramassée aussi pénétrante, qui sache dégager ce qui compte, et permette de comprendre mieux ou autrement un épisode que je croyais bien connaître. Il faut espérer que la traduction française de l’ouvrage trouvera de nombreux lecteurs, et qu’en particulier un lectorat universitaire saura reconnaître qu’il dispose là d’une « histoire des Juifs » saisie dans toute son ampleur chronologique, qui cumule les avantages, puisqu’elle est exposée selon les critères de l’histoire savante, qu’elle est parfaitement accessible et présente en même temps toute garantie de fiabilité.

Mais l’irritation ? C’est qu’on ne voit aucune des questions fortes que l’histoire des Juifs appelle, on ne dit pas tranchées, mais seulement posées. Pour fil conducteur, S. Schama a pris le thème de la puissance des « mots » : les mots, c’est-à-dire l’exégèse d’une parole tenue pour révélée, et la réinvention constante du sens attribué à son dépôt (d’où le sous-titre : « Trouver les mots »). Ce sont ces mots, nous dit-on, qui donnent la clé d’une pérennité. Peu importe que la proposition ne pèche pas par excès d’originalité. L’ennui est surtout que, sur ces « mots », l’auteur n’est pas à son affaire. À propos de la littérature talmudique et midrashique, il reprend un discours rebattu, et qu’on espérait définitivement remisé, sur un fatras parcouru d’étranges lueurs. Il s’enthousiasme, en revanche, pour Moïse Maïmonide, sans que perce une véritable familiarité avec l’œuvre et ses problèmes. Il suffit à S. Schama de savoir que Maïmonide a tenté de réconcilier l’intérieur et l’extérieur, l’étude du donné révélé et la réflexion philosophique à l’horizon de l’universel, l’ancrage dans l’intime d’une culture et l’ouverture à des questionnements qui s’adressent à tout homme, par-delà les appartenances spécifiques, sur fond de raison partagée ; et de conspuer les adversaires de Maïmonide, obscurantistes obtus.

On ne nourrit pas nécessairement des préférences et des détestations différentes. Mais ces développements rappellent, par la combinaison de la fadeur de la pensée et du lyrisme du ton, un discours apologétique largement diffusé, au moins dans certains courants du judaïsme des lendemains de l’Émancipation. Il s’agit, aujourd’hui comme hier ou avant-hier, de montrer comment l’influence du judaïsme a profité à l’avancement de la rationalité, comment les deux causes, celle de l’identité juive et celle du progrès moderne, se rejoignent naturellement. Et si le texte atteste une baisse de tension et une dérive vers la banalité, non seulement à propos de Maïmonide (qu’à titre exceptionnel S. Schama professe admirer), mais chaque fois qu’il est question des évolutions intellectuelles et religieuses, c’est que « les mots », l’auteur non seulement les connaît mal (il n’a pour bagage que des souvenirs d’enfance et des lectures récentes peut-être pressées), mais, assez manifestement, ressent pour eux peu d’appétence, et qu’ils suscitent chez lui, d’emblée, le malaise plutôt que la curiosité.

Au point d’avoir, face à l’empire des mots, érigé un contre-modèle : celui que lui offre la vie des soldats juifs en poste à la garnison de l’île d’Éléphantine, à Assouan, que nous font apercevoir, pour l’époque de la domination perse en Égypte, des papyrus en araméen découverts à la fin du xixe siècle. L’auteur ouvre son livre sur l’existence au quotidien, longtemps sans histoires, de cette colonie aux coutumes si éloignées de celles qui prévalaient dans l’Israël biblique (ne serait-ce que parce que ces soldats ont érigé un temple, et ignoré ainsi la prescription deutéronomique qui réserve l’exclusivité du culte au Temple de Jérusalem).

De ce que lui apprennent les documents, qui portent sur la vie familiale et les transferts de biens, S. Schama tire cette leçon : « Comme dans tant d’autres sociétés juives implantées parmi les Gentils, la judéité d’Éléphantine était prosaïque, cosmopolite, vernaculaire (araméenne) plutôt qu’hébraïque, obsédée par la loi et la propriété, attentive à l’argent et soucieuse de la mode, très préoccupée par la conclusion des mariages et les ruptures, le soin des enfants, les subtilités de la hiérarchie sociale, sans oublier les délices et les fardeaux du calendrier rituel juif. Par ailleurs, elle ne semble pas avoir été particulièrement livresque. […] C’est le côté suburbain, ordinaire, de tout cela qui, l’espace d’un instant, paraît absolument merveilleux – un peu d’histoire juive sans martyrs ni sages, sans tourment philosophique, le Tout-Puissant grincheux pas très en vue ; un lieu d’une heureuse banalité, très préoccupé par les conflits de propriété, l’habillement, les mariages et les fêtes […] un temps et un monde innocents du roman de la souffrance » (p. 39).

Il est arrivé à Gershom Scholem de moquer une historiographie juive qui dépeignait parfois les patriarches bibliques comme de braves bourgmestres de Rhénanie [3]. Puis-je prendre exemple sur lui pour exprimer des doutes sur une caractérisation des « sociétés juives implantées parmi les Gentils » qui propose de promener d’une époque à l’autre l’histoire de réussite et les préoccupations typiques d’une upper middle class suburbaine ? On a dénoncé, d’ailleurs très injustement, une historiographie juive du xixe siècle trop souvent organisée autour du diptyque souffrances/élévation spirituelle, misère et grandeur. On conçoit que, en période post-moderne où les causes quelles qu’elles soient ne font ni vivre ni mourir, il paraisse judicieux d’écarter le passé de souffrances et de substituer aux récits trop inspirés le prosaïsme de l’épanouissement personnel. Et, après avoir dit sa détestation de l’histoire lacrymale, de réintroduire le malheur pour réagir contre les excès d’un discours devenu rituel de dénonciation de ce type d’histoire, mais surtout pour mieux souligner la présence continue d’une faculté éminemment contemporaine : le rebond, la résilience. Cela revient à remplacer des anachronismes ridicules par d’autres anachronismes ridicules, et à mener l’œuvre apologétique par d’autres moyens. L’entreprise peut au demeurant rencontrer l’adhésion : le livre se transformera alors en livre-cadeau, offert à des enfants qui ne le liront pas par des parents qui ne le liront pas non plus, puisqu’ils ne ressentiront pas le besoin de légitimer par des précédents historiques l’existence suburbaine d’aujourd’hui. Ce serait dommage : voilà un livre qui, malgré ces faiblesses essentielles, est une manière de chef-d’œuvre.

Notes

1. Faruk Tabak, The Waning of the Mediterranean, 1550-1870: A Geohistorical Approach, Baltimore, Johns Hopkins University Press, 2008.

2. Suzanne Bartlet, Licoricia of Winchester: Marriage, Motherhood and Murder in the Medieval Anglo-Jewish Community, Londres, Vallentine Mitchell, 2009.

3. Gershom Scholem, « Réflexions sur les études juives », no thématique « Gershom Scholem », Cahiers de l’Herne, 92, 2009, p. 133-145, ici p. 143

Maurice Kriegel


SHAMA, Simon. L’histoire des Juifs. Trouver les mots. De 1000 avant notre ère à 1492. Trad. par P. E. Dauzat, Paris, Fayard, [2013] 2016. 506p. Resenha de: KRIEGEL, Maurice. Annales. Histoire, Sciences Sociales. Paris, n.4, 2016. Acessar publicação original [IF].

L’histoire, pour quoi faire? – GRUZINSKI (DH)

GRUZINSKI, Serge. L’histoire, pour quoi faire? Paris: Fayard, 2015, 300p. Resenha de: NICOD, Michel. Didactica Historica – Revue Suisse pour l’Enseignement de l’Histoire, Neuchâtel, v.1, p.203-204, 2015.

Comment et avec quelles précautions enseigner l’histoire de la première mondialisation du xvie siècle? Cet ouvrage montre que, parmi les modes de représentation du passé, le recours à l’histoire est particulièrement adéquat pour élaborer une démarche critique, surtout lorsqu’il s’accompagne de l’utilisation de supports iconiques, tels le cinéma ou le jeu vidéo. Ces supports, en effet, facilitent en classe le travail de distanciation face aux conceptions spontanées.1 L’histoire, pour quoi faire? est l’aboutissement de vingt années de recherches menées par l’historien français Serge Gruzinski. Celui-ci y reprend ses thèmes favoris: la conquête de l’Amérique du Sud et du Mexique par les Portugais et les Espagnols au xvie siècle, le métissage et la rencontre des cultures qui s’ensuit, le rôle et la place de l’image en histoire.

L’auteur plaide pour une étude des regards que colonisateurs et colonisés se sont mutuellement jetés. Il nous entraîne à scruter de l’extérieur notre propre histoire, pour voir comment l’Europe s’est emparée du monde, non seulement avec les armes mais aussi avec ses représentations, ses cartes, sa géographie.

Dans les premiers chapitres, le livre nous invite à une analyse fine des modes de représentation du passé, des cérémonies d’ouverture des Jeux olympiques aux jeux vidéo, des feuilletons télévisuels aux superproductions des cinémas chinois ou américains, qui ont tous bien davantage d’audience que les historiens. L’auteur s’interroge sur le message véhiculé par ces superproductions qui mettent en scène des époques et des lieux différents. Or leurs reconstitutions stéréotypées n’apportent que rarement une réflexion critique. Il en est de même des jeux vidéo qui n’ont rien d’innocent.

Ils mettent trop souvent en scène des idéologies conservatrices exaltant le goût du pouvoir, l’opposition des barbares aux civilisés. Loin d’être des supports de cours idéaux, ils se prêtent néanmoins à une analyse critique.

Ainsi, l’ouvrage met en lumière les nombreux supports qui existent parallèlement aux récits des historiens. En le parcourant, le lecteur prend conscience du décentrement nécessaire à l’étude des sociétés, de l’importance de décloisonner, puis de reconnecter les différents domaines historiques.

L’auteur montre que c’est à partir du local, en l’occurrence de l’étude de l’Amazonie, que pourra s’étudier la globalisation. Cette dernière est au coeur du livre, où le présent se fait l’écho du passé: aujourd’hui au Brésil, par exemple, le trafic de DVD piratés a remplacé le trafic de produits tropicaux du xvie siècle.

En résumé, Serge Gruzinski met en relief la nécessité de poser d’autres questions, de chausser d’autres lunettes pour envisager le passé comme le futur. Selon lui, notre vision du monde est décalée par rapport aux questions actuelles, car les sociétés se mélangent: l’ailleurs est venu en Europe, tandis que celle-ci s’est étendue au monde. Ainsi, une culture de l’entre-deux, mélangée, fragile mais nécessaire, est apparue, celle des métis, passeurs de culture. Le livre en fait l’éloge tout en montrant sa fragilité.

Serge Gruzinski nous interpelle et nous bouscule par les rapprochements qu’il opère entre le xvie siècle et l’époque inquiète que nous vivons.

Son livre est une bonne introduction à ses recherches antérieures et à l’histoire des mentalités.

Il offre une réflexion enrichissante sur notre temps.

Son questionnement nourrit les réflexions de ses lecteurs en les invitant à se demander si nous ne construisons pas des passés afin de construire du sens, des repères pour affronter les « incertitudes du présent ».

Né en 1949, l’historien français Serge Gruzinski, directeur d’études à l’EHESS de Paris, enseigne l’histoire en France, aux États-Unis et au Brésil.

Il a notamment publié La pensee metisse, Paris: Fayard, 1999 ; Les quatre parties du monde. Histoire d’une mondialisation, Paris: La Martinière, 2004 ; L’aigle et le dragon, Paris: Fayard, 2012.

Michel Nicod

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Théorie critique de l’histoire. Identités, expériences, politiques | Joan W. Scott

Joan Scott, professora do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, Estados Unidos, tem se dedicado, há tempos, ao estudo da epistemologia do estudo da História, a partir de um ponto de vista crítico. Este volume retoma considerações de Scott e ele desenvolve outras, de forma original e criativa, a começar pela definição, logo no início, da História como crítica, com uma citação de Theodor Adorno sobre a importância da crítica, definida por “resistir às opiniões estabelecidas e às instituições existentes… a democracia define-se pela crítica, nada menos”.

Para além da Escola de Frankfurt, Scott volta-se para história de Michel Foucault, na medida em que a crítica se exerce não mais na busca de estruturas formais de caráter universal, mas na pesquisa histórica sobre como nos constituímos como sujeitos do que fazemos, pensamos e dizemos. A busca de como e de que maneira, os homossexuais ou os trabalhadores se tornaram um problema abre novas oportunidades de conhecimento. A “verdade”, como um sistema de padrões compartilhados, deixa de ser uma entidade transcendente, como pressupõe a História positivista. Scott questiona a História normativa, fundada no conceito de prova. Já em 1989, Lionel Gossman mostrava que “uma narrativa determina a prova tanto quanto a prova determina a narrativa”. Leia Mais

Le diplomate et l’intrus. L’entrée des sociétés dans l’arène internationale | Bertrand Badie

A obra “Le diplomate et l’intrus” demonstra como as categorias tradicionais de ação internacional evoluíram nos últimos anos, com especial ênfase na diplomacia. Em fato, nenhuma delas foi abolida, mas nenhuma delas pode ser considerada eficaz ou suficiente. A diplomacia, último refúgio da razão do Estado, é confrontada a uma demanda social crescente por maior participação nas questões de política externa. Deste modo, a diversificação dos atores na política internacional conduz a uma grande reflexão sobre o futuro da diplomacia e, principalmente, sobre o futuro do multilateralismo.

Bertrand Badie é professor de Ciência Política no Institut d’études politiques de Paris, e autor de várias obras, como L’État importé (1992); Un monde sans souveraineté (1999); Le retournement du monde. Sociologie de la scène internationale ; La diplomatie des droits de l’homme (2002); L’impuissance de la puissance (2004). Em Le Diplomat et l’intrus, Badie discute como os diplomatas precisam, hoje em dia, aprender a trabalhar com os novos atores internacionais. Partindo da hiperpotência norte-americana, passando por potências médias e emergentes, como França e Brasil, e as constestatárias, como Irã e Venezuela, o autor argumenta que analisar as relações internacionais implica não só estudar a política externa dos Estados, mas analisar também as relações entre sociedades e as forças sociais emergentes. Para tanto, definiu oito tipos diferentes de diplomacia: autárquicas, autônomas, clientelizadas, contestatárias, cooperativas, integradoras, soberanistas e burden-sharing. Com a globalização e os novos desafios políticos, anomias, conflitos e crises, todas oito construíram novas parcerias econômicas, culturais, associativas e até religiosas, constituindo uma “diplomacia privada” cada vez mais poderosa. Leia Mais

La Grandeur: politique étrangère du général de Gaulle (1958-1969) | Maurice Vaïsse

Em 1969, já encerrando o longo período em que esteve à frente dos destinos da França, o General Charles de Gaulle resumia – em tom de confidência, em tom de oração – todo o seu projeto político para a França: “O que nós queríamos para a França… a grandeza”. Com efeito, nada sintetiza melhor os objetivos da política que pretendia, a um só tempo, exorcizar os demônios da França derrotada em 1940 – e a partir de então, sombra fugaz da potência que conheceu o seu apogeu ao longo de todo o século XIX –, e estabelecer um novo papel internacional para o país que resguardasse o matiz civilizacional e a independência nacional.

A política exterior da França gaullista e o pensamento político do Chefe de Estado são os objetos do monumental livro de Maurice Vaisse, professor da Universidade de Reims, diretor do Centro de Estudos de História da Defesa e sucessor de Jean-Baptiste Duroselle no comando da publicação dos Documents Diplomatiques Français. Vaisse já é conhecido dos especialistas brasileiros por seus criteriosos trabalhos sobre a história da defesa (Sécurité d´abord: la politique française en matière de désarmement entre les deux guerres. Paris: Pedone, 1981, 650 p.; e sobretudo, em co-autoria com Jean Doise, Diplomatie e outil militaire, 1871-1969. Paris: Le Seuil, 1992, 742 p.) e pela muito bem sucedida síntese da história contemporânea desde o pós-guerra (Les relations internationales depuis 1945. Paris: Armand Colin, 1996, 192 p.). Leia Mais