Salazar e Franco. La alianza del fascismo Ibérico contra la España republicana: diplomacia, prensa y progaganda | Alberto Pena Rdríguez

No sentido político, as coleções históricas contemporâneas produzidas em Espanha e Portugal mantiveram-se isoladas. As questões relacionadas a Portugal são muito subdesenvolvidas na historiografia española, assim como os estudos sobre as relações bilaterais entre os dois países. Felizmente, esta tendência está sendo revertida em decorrência da geração de estruturas comuns de pesquisa, de novas relações acadêmicas e do surgimento de múltiplas publicações históricas. O livro do Dr. Alberto Pena Rodríguez é, neste contexto, uma contribuição fundamental à abordagem dos desenvolvimentos político-econômicos e das interações socioculturais entre Espanha e Portugal nas décadas centrais do século XX. O livro Salazar e Franco. A aliança do fascismo ibérico contra a Espanha republicana: diplomacia, imprensa e propaganda é composto por dez capítulos, distribuídos em três blocos temáticos, e abriga uma extensa seção de fontes documentais.

O livro destaca a importância das ações políticas de Salazar no sentido de solapar o projeto político da Segunda República Espanhola (1931-1939), ações que podem explicar a similaridade de direitos nos países ibéricos durante os duros anos de isolamento espanhol, sob a ditadura de Franco. A investigação aponta para a existência de desenvolvimentos semelhantes e paralelos entre Espanha e Portugal e, ao mesmo tempo, chama a atenção para os elementos de rejeição e para as principais diferenças culturais e funcionais entre os dois países. Leia Mais

Procesos represivos y actitudes sociales. Entre la España franquista y las dictaduras del Cono Sur – ÁGUILA; ALONSO (VH)

ÁGUILA, Gabriela; ALONSO, Luciano (Coord). Procesos represivos y actitudes sociales. Entre la España franquista y las dictaduras del Cono Sur. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2013. 300 p. GONÇALVES, Marcos. Varia História. Belo Horizonte, v. 31, no. 56, Mai./ Ago. 2015.

Quais as correspondências possíveis entre o regime franquista (1939-1975) e as ditaduras militares instaladas ao sul do nosso continente a partir da década de 1960? Existem categorias de análise comuns que podem constituir-se em grade de interpretação sistêmica desses objetos? Estas são duas das indagações que atravessam os ensaios reunidos na coletânea “Procesos represivos y actitudes sociales. Entre la España franquista y las dictaduras del Cono Sur”, coordenada por Gabriela Águila, professora de História Latino-americana da Universidad de Rosário, e Luciano Alonso, catedrático de História e Teoria Social da Universidad Nacional del Litoral (Santa Fe/Argentina).

Desde o Prólogo a obra sinaliza para a complexidade de tais questões, não apenas pela evidência prévia das distâncias cronológicas e geográficas, mas igualmente pelas origens políticas e culturais distintas dos conflitos sociais que fizeram emergir esse conjunto de regimes. A este duplo aspecto são aditados os desdobramentos díspares quanto aos processos da experiência repressiva e transição democrática vivenciados pelas sociedades respectivas.

No entanto, as assimetrias passam a significar um fator de menos densidade quando a elas são aplicados modelos de compreensão que se afastam das definições normativas e rígidas, atribuindo a essa obra coletiva unidade metodológica, coerência teórica e pluralidade documental. A coletânea reúne contribuições de historiadores e estudiosos das ciências sociais de países como Espanha, Brasil, Chile, Argentina e Uruguai cuja especialidade na temática núcleo – a ditadura repressiva como síntese sociopolítica dessas sociedades no século XX, e as consequentes sequelas herdadas – convida a revisitar subtemáticas alicerçadas ao núcleo. As categorias chaves de análise são o sistema repressivo engendrado pelos regimes; as coalizões de violência formadas por diversos níveis organizacionais e hierárquicos; as atitudes sociais que conformaram extensas redes de relacionamentos situadas entre o consenso e a resistência; o exílio como símbolo primordial do desterro.

A obra conta com a reedição de um clássico artigo escrito por Julio Aróstegui e publicado em dezembro de 1996, no Bulletin d’Histoire Contemporaine de l’Espagne. Atual e robusto pelas inquietações que suscita, “Opresión y pseudojuricidad. De nuevo sobre la naturaleza del franquismo,” (p.23-40) funciona como o fundamento metodológico para o agrupamento de ensaios que problematizam o papel das ditaduras de ambos os lados do Atlântico. No texto, Aróstegui advoga a necessidade de superação de tipologias dependentes da casuística politológica, para que sejam reconsiderados, efetivamente, os estatutos histórico e historiográfico da questão.

Em outras palavras, para Aróstegui, partindo do problema espanhol, a análise do sentido histórico de um regime não pode estar encoberta pela sua significação; ou, as interrogações não devem ser lançadas aos referentes do objeto numa categoria dada a prioriou circunscrita em definições formais de regimes políticos segundo critérios já estabelecidos. (p.25) Aróstegui reivindica uma “suficiente empiria” propiciada pela análise histórica que desconstrua as estratégias argumentativas da ciência política e da sociologia em interpretarem como “fascista”, “sin apelación, a un régimen [franquismo] que jamás se llamó a sí mismo tal cosa. Y lo mismo cabría decir de sus calificaciones como “autoritarismo” – con o sin “pluralismo limitado” -, “bonapartista” o “dictatorial.” (p.28)

Tendo em vista esses postulados teóricos, abrem-se para os autores da coletânea questões em série, todas elas proporcionadas, claro está, pela legitimação heurística e prática cotidiana que foram atribuídas aos regimes por si mesmos. De modo que as possibilidades de comparação não frutificam somente entre os regimes que tiveram certa proximidade geográfica e cultural; mas existem razões que justificam “comparaciones ampliadas”. Tais casos comparativos aparecem na reflexão de Luciano Alonso (p.43-68) e Daniel Lvovich, (p.123-146) ao ponderarem sobre os marcos gerais de uma época; as estruturas sociais e instituições políticas; os vínculos internacionais; e, principalmente; as mútuas influências e características ideológicas, fatores suficientemente capazes de romper barreiras temporais, culturais e geográficas assumindo certo caráter de permanência e densidade histórica, e tornando factíveis as comparações ampliadas, assim como, as devidas diferenciações entre os grupos políticos.

Não obstante, a grade de interpretação sistêmica mais recorrente da obra coletiva é instaurada pela noção de “dimensão repressiva” como aquilo que parece representar ou definir a natureza dos regimes políticos. Coerentes a essa noção, autores como Jorge Marco mergulham nos sistemas de “limpeza política” na Espanha franquista que levaram a assassinatos extrajudiciais. (p.69-96) Como reforço do argumento comparativo, esta prática em muito encontra parentescos com o que viria a ocorrer mais tarde em países como a Argentina, com a lógica de “desaparición” e Chile com os “assassinatos públicos” que inauguraram a ditadura pinochetista. Os dois países são analisados respectivamente por Gabriela Águila, no texto “La represión en la historia reciente argentina: fases, dispositivos y dinámicas regionales,” (p.97-121) ou Igor Goicovic Donoso que em “Terrorismo de Estado y resistencia armada en Chile,” (p.245-270) desbasta a radicalização profunda da sociedade chilena com a chegada do socialista Allende ao poder, acompanhada do inconformismo de uma sociedade tradicional e na qual as Forças Armadas gozavam de imenso prestígio. Donoso destaca que, obstinadas pela ideia de uma “refundação” da sociedade chilena, as Forças Armadas recorreram à repressão como principal mecanismo de controle social: “La represión política fue, por lo tanto, una condición imprescindible para garantizar el éxito del proceso refundacional y un elemento clave para anular la relación entre izquierda política y movimiento popular.” (p.245)

A coletânea ainda conta com artigos sobre os sistemas repressivos do Brasil, a cargo de Samantha Quadrat, e Uruguai, com um ensaio escrito por Carlos Demasi. Enquanto Quadrat problematiza as cadeias de comando repressivo e as variantes de violência política; Demasi debate as ambíguas formas de coexistência entre a sociedade uruguaia e a ditadura.

Tal obra coletiva é especialmente recomendada aos estudiosos (professores e alunos de pós-graduação) da história política recente da América Latina, bem como, aos pesquisadores preocupados com a dimensão transnacional e de cruzamentos da cultura política hispanoamericana. Fundamentada em sólida metodologia e original emprego de documentação (sob a ótica de atribuir voz própria aos regimes políticos), a conjugação das variadas facetas assumidas pelos sistemas repressivos em pauta na coletânea pode subsidiar, como marco historiográfico comparativo uma série auspiciosa de objetos de estudos: o funcionamento dos sistemas penitenciários, as resistências armadas ou pacíficas, as funções representacionais e legitimadoras das ditaduras, os posicionamentos dos distintos agentes frente à dominação ditatorial, ou ainda, a autonomia adquirida pelo sistema repressivo nos âmbitos regionalizados.

Marcos Gonçalves – Departamento de História. Universidade Federal do Paraná. Rua General Carneiro, 460, 6º andar, Ed. D. Pedro I, Curitiba, PR, 80.060-150. [email protected].

La República en Guerra. Contra Franco, Hitler, Mussolini y la hostilidad britânica – VIÑAS (H-Unesp)

VIÑAS, Ángel. La República en Guerra. Contra Franco, Hitler, Mussolini y la hostilidad britânica. Barcelona: Crítica, 2012. 406p. Resenha de: AVILA, Carlos Federico Domínguez. História [Unesp] v.31 no.2 Franca July/Dec. 2012.

O livro de Ángel Viñas é uma síntese de 40 anos de pesquisas sobre a traumática guerra civil espanhola (1936-1939). Após décadas de estudos, investigações e publicações em numerosos países, Viñas entrega aos leitores – especialistas e leigos – uma obra de notável valor intelectual, de altíssima consistência teórico-metodológica e de exemplar transcendência historiográfica.

A guerra civil espanhola foi um dos acontecimentos mais dramáticos do século XX, em particular, e da história contemporânea, em geral. Seu impacto e desdobramentos ainda provocam debates e polêmicas no cotidiano do povo espanhol – eis os casos da recente exoneração do juiz Baltazar Garzón ou da questão separatista da Catalunha – e das dezenas de milhares de espanhóis e descendentes que, logo após a derrota da República, tiveram que se exilar em outros países e continentes, especialmente na França e no México.

A obra de Viñas é particularmente convincente ao estudar a dimensão exógena do conflito – afinal, trata-se de livro de história das relações internacionais. Ao longo de mais de 400 páginas, o historiador espanhol explora documentalmente as convergências e divergências entre as principais potências com vínculos e interesses do devir daquela conflagração. A esse respeito, cumpre mencionar que o livro aborda detalhadamente as percepções, as prioridades e as políticas instituídas pela Alemanha de Hitler, pela Itália de Mussolini, pelo Portugal de Salazar, pela União Soviética de Stalin, pela França de Blum, pelo Reino Unido de Baldwin e de Chamberlain e, em menor medida, também pelos Estados Unidos de Roosevelt e pelo México de Cárdenas. Evidentemente, Berlim, Roma e Lisboa apoiaram de forma alta e crescente o esforço bélico do lado franquista; Moscou e, modestamente, Paris ajudaram o lado republicano-democrático. Outrossim, o livro questiona duramente a atitude ambivalente e, finalmente, favorável ao franquismo, do governo inglês.

A dimensão endógena da guerra civil espanhola é explorada de forma menos intensa. Mesmo assim, personalidades e organizações políticas, sociais e militares de diferentes orientações ideológicas são discutidas com propriedade e equilíbrio. Lembremos que o conflito espanhol foi particularmente complexo ao envolver atores com uma imensa e polarizada diversidade de propostas e alternativas, inclusive os seguintes: socialistas, republicanos, comunistas, falangistas, monarquistas, anarquistas, ruralistas, integristas católicos, regionalistas (catalães e bascos), e militaristas.

E da interconexão das dimensões endógena e exógena da guerra civil surge, vale reiterar, uma obra paradigmática. Em outras palavras, o livro de Viñas é uma obra magistral, e seus resultados são mais que satisfatórios.

Na conta dos aspectos problemáticos ou negativos, mencionem-se fundamentalmente algumas ponderações excessivamente desdenhosas que o autor do livro utiliza para criticar as publicações de autores pós-franquistas. Salvo melhor interpretação, essa tentativa de caçoar ou denegrir o trabalho alheio – mesmo quando se trata de publicações acadêmicas de desafetos – acaba sendo um despropósito.

Em conclusão, a obra de Ángel Viñas é sumamente importante, inclusive para os autores brasileiros. Em consequência, fazemos votos de que esse livro seja eventualmente traduzido para o português. E que sua leitura incentive novas pesquisas de historiadores brasileiros sobre um assunto de grande relevância e, a meu ver, pouco investigado nos arquivos do País.

Carlos Federico Domínguez Avila – Doutor em História das Relações Internacionais, Docente do Mestrado em Ciência Política do Centro Universitário Unieuro e do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília – UNICEUB.

A Grande Tentação. Os Planos de Franco para Invadir Portugal – AGUDO (LH)

AGUDO, Manuel RosA Grande Tentação. Os Planos de Franco para Invadir Portugal. Alfragide: Casa das Letras, 2009. Resenha de: MARCOS, Daniel. Ler História, n.58, p. 228-231, 2010.

1 Um dos livros que mais fez vibrar os escaparates das livrarias portuguesas durante o ano de 2009 foi, sem dúvida, o mais recente livro do historiador espanhol Manuel Ros Agudo, intitulado A Grande Tentação. Os Planos de Franco para invadir Portugal. Talvez por uma escolha da linha editorial, esta obra foi dada à estampa com um subtítulo que pode induzir o leitor a pensar tratar-se de um livro unicamente sobre um conjunto de planos imperialistas levados a cabo por Francisco Franco, líder do regime autoritário espanhol a partir de 1936, para tomar Portugal. Tal não é verdade. Como mostra a sub-capa da edição portuguesa, A Grande Tentação aborda o tema mais geral de Franco, o Império Colonial e o projecto de intervenção espanhola na Segunda Guerra Mundial, em que a invasão do território continental português era, somente, um pequeno passo estratégico para alcançar objectivos mais importantes para o regime espanhol: Gibraltar e a expansão territorial de Espanha no Norte de África (p. 224-225). Este é o primeiro e, praticamente único, reparo que se pode fazer à edição desta obra, já que a tradução da mesma parece de grande qualidade.

2 Mas mais importante do que a questão do título do livro trata-se do tema da obra em si. Como o próprio autor afirma logo no prólogo, o seu objectivo central é contribuir para o desenvolvimento de uma nova historiografia espanhola, pondo-se à margem das tradicionais visões polémicas sobre o regime franquista que, na opinião do historiador, procuram usar a História como «arma política para esmagar o opositor» (p. 11). Ros Agudo nem sempre consegue este objectivo, já que ao longo do texto usa recorrentemente expressões qualificativas que acabam por reflectir uma qualquer tomada de posição sobre o assunto. Por exemplo, ao qualificar de «errónea» a crença do Caudilho de que a guerra seria curta e vitoriosa para o Eixo (p. 110), o autor não está a ter em conta que, na realidade, poucos eram os líderes políticos daquela época que não pensavam o mesmo. Mais adiante, ao classificar a propaganda colonialista da Junta de Defesa Nacional espanhola como «disparates linguísticos»
(p. 117), Ros Agudo não está a contribuir para a explicação do que foi a retórica imperialista europeia do período de entre as guerras e que só mudaria com a entrada em cena dos Estados Unidos na política mundial.

3 Quem estiver a seguir esta recensão pode estar inclinado a duvidar da qualidade deste livro. Desta forma, há que fazer um alerta importante. A Grande Tentação é, sem dúvida um importantíssimo trabalho para quem se interessa pela história colonial em geral e pela história espanhola em particular. Por duas grandes razões: em primeiro lugar, porque se debruça sobre um dos menos trabalhados impérios coloniais europeus do século XIX e XX, isto é, o império espanhol em África. Na verdade, a historiografia internacional pouca relevância dá ao esforço colonial desenvolvido pelos regimes espanhóis desde os finais do século XIX. Em especial, se nos centrarmos nas questões da descolonização, um tema tão em voga na historiografia actual, são praticamente inexistentes as análises feitas ao colonialismo espanhol. Este, apesar de breve e tardio, não deixou de marcar a história do século XX e com consequências que ainda hoje se fazem repercutir na cena internacional, como por exemplo na questão do Sara Ocidental. Em segundo lugar, esta obra de Manuel Ros Agudo aborda de forma relevante a história do franquismo e todas as tentativas expansionistas que este regime procurou delinear no início da II Guerra Mundial. Desta forma, torna-se num livro fundamental para compreendermos o regime autoritário espanhol à luz da história dos regimes totalitários e autoritários de direita que surgiram na Europa após a I Guerra Mundial.

4 Ao longo do texto, o autor leva-nos a compreender de que forma as aspirações territoriais espanholas modelaram a política externa de Espanha durante o conflito de 1939 a 1945. Torna-se claro que o ditador espanhol procurou, por via diplomática – sem descurar o recurso ao uso da força – aumentar o espólio imperial da Espanha no Norte de África, incorporando o Marrocos francês no protectorado espanhol, expandindo a sua jurisdição sobre a região em torno da cidade de Orão, na Argélia e aumentando a dimensão da Guiné espanhola. Estas exigências territoriais procuravam rectificar, de acordo com o general Franco e com a cúpula africanista do seu regime, o erro histórico que tinha sido a constante usurpação feita pela França (com o apoio da potência marítima, isto é, da Inglaterra) das aspirações territoriais de Espanha no Norte de África. Como demonstra o autor na primeira parte de A Grande Tentação, desde a Conferência de Algeciras em 1906 até ao estabelecimento do Marrocos espanhol no Tratado de Fez em 1912, os africanistas espanhóis sentiram estes acordos diplomáticos como um vexame para os interesses de Espanha. A acrescentar a este sentimento, em 1923 deu-se a criação do enclave internacional em Tânger, dentro do protectorado espanhol de Marrocos, numa acção que beneficiava mais os interesses do Reino Unido e da França e que demonstrava que as principais potências coloniais não queriam Tânger sob controlo da Espanha. De resto, desde 1921, a monarquia espanhola demonstrava dificuldades em controlar as rebeliões nacionalistas – que custaram a vida a cerca de 8 mil espanhóis – lideradas por Abd-el-Krim. O prestígio de Espanha como potência protectora decaía e contribuiu para que Primo da Rivera não tenha conseguido ganhar a sua autoridade sobre aquela área.

5 Assim, apesar da governação internacional, a França manteve uma hegemonia sobre a cidade portuária de Tânger. Esta situação fazia com que os apoiantes do império, em Espanha, nomeadamente algumas facções do exército, vissem o Protectorado internacional como «um espaço estranho, como uma espinha sob administração internacional encravada no meio do Protectorado espanhol». Era um enclave que «não só comprometia a homogeneidade de conjunto da zona espanhola, como podia colocar em perigo a sua própria segurança e defesa». Era uma verdadeira «humilhação» das potências internacionais sob a Espanha e que contribuiu decisivamente para atear os desejos africanistas da elite política em torno de Franco (p. 37). Dividida entre irredentistas – os que desejavam, apenas, a rectificação das fronteiras espanholas em Marrocos, argumentando o direito espanhol à colonização – e imperialistas – com o início da II Guerra e a derrota da França, defendiam a anexação do Marrocos francês, o departamento de Orão na Argélia e uma ampliação substancial da Guiné espanhola – ambas as opções se traduziram numa acção diplomática seguida pelo governo de Franco: conversações diplomáticas com Londres e Vichy, a propósito das exigências mínimas ou irredentistas, e negociação com Berlim das exigências máximas ou imperialistas. Como demonstra Manuel Ros Agudo, se a primeira exigia somente que Franco permanecesse neutral, a segunda obrigava-o a entrar no conflito, do lado das forças do Eixo (182-183).

6 Do ponto de vista militar, as Forças Armadas espanholas não desdenharam a segunda solução. Com Adolf Hitler a desejar a entrada de Espanha no conflito para, em conjunto com a Alemanha, invadirem Gibraltar e controlarem a passagem do Atlântico para o Mediterrâneo, o alto comando militar espanhol desenhou pormenorizadamente, com a autorização do Caudilho, um conjunto de operações militares de grande envergadura contra o rochedo. Fica, assim, demonstrado que Franco estava verdadeiramente decidido a entrar na guerra como terceiro parceiro do Eixo, sendo que apenas a falta de garantias de Hitler em relação à cedência à Espanha dos territórios franceses do Norte de África mantiveram o governo espanhol fora da II Guerra Mundial.

7 Por último, não podemos deixar de fazer uma referência mais detalhada sobre as referências a Portugal ao longo do livro. Ros Agudo demonstra que Portugal pouco interessava para os planos de Franco. A invasão fazia-se unicamente para evitar que Portugal fosse usado como uma cabeça-de-ponte da Inglaterra para invadir a Península, após o ataque das forças do Eixo a Gibraltar. Os próprios planos militares espanhóis afirmavam isso: «A conquista de Portugal não deve ser considerada uma acção isolada, mas [por estar] intimamente ligada com a Inglaterra, representa um aspecto da luta contra a última nação» (p. 225). Desta forma, pouco importava ao Caudilho o Pacto de Amizade e Não Agressão luso-espanhol de 17 de Março de 1939 e o protocolo adicional de 30 de Julho de 1940. Na nossa opinião, a análise da questão portuguesa necessitava de mais profundidade. Independentemente do pouco interesse que Franco dava a Portugal, a utilização de fontes e bibliografia portuguesa contribuía para o enriquecimento da obra e para uma melhor contextualização da posição de Espanha no sistema internacional. Nomeadamente no período em análise na obra de Ros Agudo, ao longo dos anos 30 e 40 do século XX, Portugal desenvolveu uma intensa actividade diplomática, por vezes pouco visível, com vista a isolar os sectores intervencionistas e germanófilos da Falange e do Exército, que mal conseguiam disfarçar os desígnios anexionistas relativamente a Portugal. Na delicada conjuntura do Verão de 1940, a assinatura do Protocolo Adicional ao Tratado de Amizade e Não Agressão em 29 de Julho de 1949, não pode ser, portanto, completamente desvalorizado. Em parte, a par da recusa de Hitler em garantir o aumento do território colonial no Norte de África, a acção do governo português muito contribuiu para que Franco pusesse de lado os seus desejos de intervenção e optasse pela neutralidade na II Guerra Mundial.

Daniel Marcos – CEHC-ISCTE-IUL

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