Trabalho escravo contemporâneo: tempo presente e usos do passado | Angela de Castro Gomes e Regina Beatriz Guimaraes Neto

El trabajo, al igual que muchos, si no es que la mayoría, de los temas que tienen que ver con la actividad humana, no es un “hecho de la naturaleza” sino que se trata de un fenómeno que se ha visto modificado, tanto en su forma como en su contenido, a lo largo de las civilizaciones. En La condición humana (España, Paidós, 1993) dice la filósofa Hannah Arendt: “La Edad Moderna trajo consigo la glorificación teórica del trabajo, cuya consecuencia ha sido la transformación de toda la sociedad en una sociedad de trabajo” y, desde este mirador es que el libro Trabalho eslavo contemporaneo: tempo presente e usos do passados de Angela Castro Gomes y Regina Guimaraes Neto, nos ayuda a mirar mejor cómo una de las características del trabajo en la era moderna sigue siendo la superexplotación, concepto acuñado por Ruy Mauro Marini que refiere a una forma particular de operaración del sistema productivo.

El texto es un recorrido útil, bien documentado, de la historia de las actividades agrarias en la región norte de Brasil, entre cuyas características resalta precisamente el esclavismo, fenómeno que por cierto, al amparo de las formas de producción globalizadas, ha vuelto a ocupar “puestos” importantes bajo las firmas – y formas – de capital maquilador. Leia Mais

(Des)Arquivar: arquivos pessoais e ego-documentos no Tempo Presente / Maria Teresa S. Cunha

Historia da Educacao ASPHE (Des)Arquivar

CUNHA M DesArquivar (Des)Arquivar“O trabalho com esse material ao longo de minha trajetória e o encantamento pelos seguros indícios de vida ali presentes e nunca abandonados acabaram por fazer de mim uma historiadora dessas coisas ditas ordinárias” (CUNHA, 2019, p. 12). É assim que Maria Teresa Santos Cunha anuncia os propósitos do livro de sua autoria e declara suas afinidades historiográficas.

Essas palavras, que estão logo nas primeiras páginas de “(Des)Arquivar”, incitam à leitura da obra que reúne produções acadêmicas representativas dos percursos da autora.

Ao apreciar cada capítulo, como não se deixar comover pelas abordagens sensíveis e fecundas desenvolvidas por Maria Teresa? Como não se emocionar ao perceber os frutos de pesquisas de muitos anos em que guardou, garimpou, manuseou, leu e examinou papeis da ordem do comum, outrora desprezados pela historiografia? Leia Mais

Histórias(s) do presente. Os mundos que o passado nos deixou | Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro

Logo no início de Histórias(s) do Presente. Os mundos que o passado nos deixou, Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro, ambos investigadores do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, deixam claro que “o cepticismo é uma forma sã de viver cívico, não apenas um inabalável princípio científico”. Na introdução do livro, os autores interrogam o passado e procuram pistas para interpretar com rigor a atualidade, observando que “o conhecimento da história não é um elixir contra a maldade ou contra o desvario” (JERÓNIMO; MONTEIRO, 2020, p. 12). A dinâmica, observam, vai mesmo em sentido contrário, já que os usos da história serviram quase sempre “propósitos bem pouco edificantes”. A atestá-lo, está o facto de o conhecimento não impedir o ódio. Dessa forma, induzir dúvidas onde só parece haver certezas, como propõem na Introdução da obra, será já uma tarefa e tanto (JERÓNIMO; MONTEIRO, 2020, p. 12).

O livro agrupa, numa versão atualizada, a série de trabalhos dados à estampa no jornal diário português Público, em 2017 e 2018, (12 ensaios e 12 entrevistas a reputados especialistas internacionais) sobre eventos e processos históricos que marcaram o nosso passado, e sobre os legados que nos deixaram. Neste rol, encontram-se quase todos os assuntos que preenchem a atualidade informativa de há anos a esta parte: a crise dos refugiados, o racismo, a globalização, os nacionalismos, os usos dos véus, as fake news, os abusos da história. Através da exploração das histórias plurais saídas dos campos de concentração, da emergência de um discurso dos direitos humanos ou das políticas do medo e da histeria coletiva organizada, hoje tão presentes, convida-se o leitor a tentar perceber como se chegou até aqui, propondo-lhe um olhar do que aconteceu de forma a poder imaginar-se um futuro melhor. Leia Mais

El museo apagado: Pornografía, arquitectura, neoliberalismo y museos – PRECIADO (RTA)

PRECIADO, Paulo B. El museo apagado: Pornografía, arquitectura, neoliberalismo y museos. Colección Posmuseo. Buenos Aires: MALBA, 2017. Resenha de: MELO, Sabrina Fernandes. Museus e neoliberalismo no Tempo Presente. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 11, n.28, p.540-545. set./dez., 2019.

Paul B. Preciado é filosofo e Mestre em Filosofia Contemporânea e Teoria de Gênero pela New School for Social Research, de Nova York e doutor em Filosofia e Teoria da Arquitetura pela Universidade de Princeton. É escritor, curador independente e militante ativo no debate contemporâneo sobre os modos de subjetivação e identidade de gênero, cuja obra Manifiesto Contrasexual (2002) tornou-se referência indispensável para discussão sobre a teoria queer. As reflexões de Preciado perpassam por modalidades alternativas de relações entre corpos e críticas historiográficas de gênero sob uma perspectiva decolonial. Atualmente, o autor ministra aulas sobre Teoria de Gênero em diferentes universidades como Paris VIII, École des Beaux Arts, de Bourges, e no Programa de Estudos Independentes do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona.

El museo apagado Pornografía, arquitectura, neoliberalismo y museos é a primeira publicação a integrar a coleção PosMuseo, parte do Programa Público do Museu de Arte Latino Americana de Buenos Aires (MALBA). A coleção objetiva reunir vozes de destaque no pensamento museológico e artístico contemporâneo. O livro, que conta com o prólogo da filósofa argentina Julieta Massacesse, reúne três análises de Preciado sobre museus, exposições, gênero, arquitetura e cidade. Paul Preciado investigou desenhos feitos em banheiros, tratou das exposições de Bjork no MoMA e problematizou as imagens eróticas encontradas nas ruínas de Pompeia. Imagens colocadas em diálogo com a pornografia, entendida como uma categoria de gestão do espaço público. O autor desnaturaliza a organização expográfica das coleções e a ordenação de corpos estabelecida pela arquitetura em taxinomias que distinguem homens e mulheres. O fio condutor dos três textos está na reflexão sobre os espaços pelos quais transitamos, em especial, o espaço cambiante e global dos museus.

Em Basura y Género. Mear/Cagar.Masculino/Feminino, texto originalmente publicado na Revista Web Hartza em 2006, as múltiplas fronteiras nacionais e de gênero são questionadas. Fronteiras difusas e tentaculares que se alastram por cada centímetro dos espaços habitados/vividos/praticados. Em espaços cotidianos utilizados para necessidades fisiológicas básicas, as portas, as janelas e as entradas são reguladas sob uma discreta e efetiva ‘tecnologia de gênero’. Nessa reflexão, a criação de latrinas públicas no século XIX é historicamente problematizada. As latrinas foram inseridas nos espaços urbanos de forma concomitante ao estabelecimento de novos códigos conjugais, definidores dos papéis de gênero relacionados à patologização da homossexualidade e à normalização da heterossexualidade.

As imagens utilizadas para sinalizar as portas dos banheiros públicos se resumem a masculino/feminino, damas/cavalheiros, sombrinhas/bengalas, flores/bigodes. Imagens que, segundo Preciado, dizem mais sobre fazer-se em determinado gênero do que desfazer-se das fezes ou da urina. A arquitetura constrói barreiras quase naturais relacionadas às funções e separações entre homens e mulheres. Escapar desse regime, afirma Preciado, é desafiar a segregação sexual imposta pela arquitetura moderna.

No segundo texto, Museo, Basura Urbana e Pornografia, o mercado de arte e sua articulação com o consumo de produções pornográficas são colocados em pauta. Entretanto, a pornografia a ser consumida é aquela que reside como mero resíduo estético e não aquela oriunda do feminismo e da crítica social. Grandes centros de arte como o Barbican, em Londres, abrigam obras de artistas como Jeff Koons ou de ‘testículos bem desenhados por cavaleiros solenes’. Já artistas, como Daniel Edwards, e sua obra Autópsia de Paris Hilton, transcendem de forma singular o sórdido mundo da pornografia e, com perspicácia, aumentam a transgressão dos YABs (Young British Artists), grupo de jovens artistas britânicos que, a partir do final da década de 1980, produziram obras de contestação à sacralidade da arte.

Na construção de uma nova História da Arte, a pornografia, a prostituição e o feminismo muitas vezes não fizeram/fazem parte do mesmo relato. Na historiografia recente, artistas mulheres dos anos de 1970 e 80 são retomadas e ‘etiquetadas como feministas’: Judith Chicago, Martha Rosler, Rebeca Horn, Marina Abramovich, entre outras. A essas artistas, são cobradas produções relacionadas a temáticas como corpo, maternidade, trabalho doméstico ou aspectos da sexualidade naturalizados como ‘femininos’. Já a pornografia, vista como grosseira, estaria relacionada aos homens. Tal pressuposto explicaria o ‘vazio historiográfico’ referente às práticas artísticas como as de Annie Sprinkle, Linda Montano, Lea Cheang, Maria Llopis e outras tantas artistas que se encontram em novas categorias como pós-pornografia, videoarte ou performance pornofeminista. Neste capítulo, Preciado traça uma genealogia que auxilia no entendimento dos motivos pelos quais a pornografia se converteu, a partir de 1970, em um espaço crucial de análise crítica e, ao mesmo tempo, em espaço de reapropriação para as micropolíticas de gênero, sexo, raça e sexualidade.

Preciado entende a pornografia enquanto discurso cultural. Aponta para uma saturação pornográfica com a grande distribuição de imagens e modos de consumo. Ao mesmo tempo, essa saturação vem acompanhada de uma opacidade discursiva apartada como objeto de estudo cinematográfico e filosófico. O autor retoma a emergência da noção de pornografia nas línguas vernáculas durante a modernidade e nas imagens descobertas nas ruínas de Pompeia. O objetivo é entender a emergência da pornografia no Ocidente como parte integrante de um regime mais amplo – capitalista, global, midiatizado – de produção de subjetividade por meio da gestão técnica da imagem.

Imagens de corpos entrelaçados e desnudos, esculturas de corpos animais e humanos, pinturas, afrescos e murais com representações de falos de grandes proporções, sátiros em terracota, falos em forma de pantera e órgãos genitais masculinos autônomos, foram encontrados nos cantos das ruas, nas paredes das lojas ou servindo como lápides na antiga cidade de Pompeia. Imagens até então soterradas, reprimidas, desconhecidas que desvelam outro modelo de conhecimento e organização dos corpos e das formas de prazer na Antiguidade. Tipologia contrária àquela desenvolvida na Europa do século XVIII, momento das escavações em Pompeia e do encontro dessas imagens.

Em 1794, as escavações iniciadas pelo Rei Carlos III reuniram um enorme contingente de imagens eróticas, que ganharam uma sala própria no Museu Herculano, em Portici, Itália. No século XIX, as imagens foram transferidas para o Museu Royal Bourbon, atual Museu Arqueológico de Nápoles, conhecido como Museu Secreto. A coleção secreta das imagens eróticas era resguardada em local fechado e a visitação era regulada através de dispositivos de vigilância e controle. De acordo com um decreto real, a entrada era proibida para mulheres, crianças ou pessoas de classe popular. Somente os aristocratas poderiam adentrar o espaço, o que configurou novas categorias de feminilidade, infância e classes populares, ao mesmo tempo em que emergia uma nova hegemonia político-visual. A palavra pornografia surgiu neste contexto museológico, conceituada pelo historiador da arte alemão C. O. Muller, que definiu a raiz grega da palavra (porno – grafei: pinturas de prostitutas, escritos sobre a vida de prostitutas) e deliberou a coleção do Museu Secreto como pornográfica. Em 1864, o Dicionário Webster definiu a palavra pornografia como as pinturas obscenas utilizadas para decorar os muros das habitações de Pompeia, cujos exemplos se encontravam no Museu Secreto. Preciado defende que a regulação desse espaço museológico secreto e da taxonomia aplicada a esses objetos podem ser entendidos como marcos fundadores de uma racionalidade visual, sexual e urbana da modernidade ocidental do que viria a ser a pornografia. Estratégias relacionadas ao controle do olhar, da visualidade, da ocupação dos espaços públicos, de limites daquilo que é ou não visível ao público.

Preciado aponta que a introdução do conceito de pornografia pela História da Arte abre caminho para o surgimento de medidas higienistas no século XIX, principalmente nas metrópoles modernas. A pornografia aparece associada à prostituição nas cidades como questão de saúde pública e passível de medidas policiais e sanitárias para mediar a atividade sexual no espaço público, além disso, é percebida como uma categoria higiênica e um dispositivo de regulação da sexualidade e domesticação de corpos, sobretudo das mulheres.

No último texto, El Museo Apagado, Preciado aborda o papel dos museus de arte moderna e contemporânea na era do liberalismo a partir de duas exposições: a de Bjork no MoMA e a de Jeff Koons no Pompidou. Tais exposições demostram os grandes investimentos direcionados para os museus e o marketing de exposições. Segundo o autor, a tentativa das grandes corporações é fazer com que o museu torne-se um local rentável e uma indústria de produção e venda de bens de consumo. Uma das estratégias é realizar megaexposições, com artistas conhecidos visando principalmente o turismo. No chamado “museu barroco- financeiro” tudo é intercambiável, os signos e o dinheiro se sobressaem à experiência e à subjetividade.

Os textos de Preciado discutem a questão da pornografia e da (re)configuração dos grandes museus e exposições, uma questão extremamente atual, percebida no MoMA de Nova York, em exposições como “Queer Museu” e com a mostra “Histórias das Sexualidades”, no Museu de Arte de São Paulo, o MASP.

Sabrina Fernandes Melo – Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora Adjunta do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora permanente no Programa Associado de Pós-graduação em Artes Visuais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) João Pessoa, PB – BRASIL. E-mail: [email protected].

HUNT, Lynn. History: Why It Matters. Cambridge: Polity Press, 2018. 140p. Resenha de: SILVA, Guilherme José da. Agora mais do que nunca: History Why it Matters. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 12, n. 29, e0502. jan/abr. 2020

A história, e não é de hoje, tem sido alvo das mais diversas disputas, que foram acentuadas exponencialmente com o avanço dos meios de comunicação da era digital. Algumas destas controvérsias são muito arriscadas, levando-nos a enfrentar negacionismos da história. Outras concernem a embates de memórias sobre tragédias, identidades e discursos. Por esses motivos, a história hoje é mais importante do que jamais foi.

É dessa maneira que Lynn Hunt inicia sua jornada intelectual para tornar lúcidos alguns dos principais motivos, no que diz respeito à compreensão epistemológica da autora e do consenso acadêmico, da história ser importante na atualidade, enquanto disciplina e como ferramenta utilitária na costura do tecido social. A autora, embora tenha nascido no Panamá, viveu e foi criada no estado de Minnesota, nos Estados Unidos, tendo concluído grande parte de seus estudos acadêmicos entre as décadas de 1960 e 1970, época emblemática envolvendo os movimentos de maio de 1968. O recorte histórico, o espírito revolucionário da época e as reivindicações próprias do período atraíram sua atenção ao estudo sobre a Revolução Francesa, âmbito de pesquisa que a tornou conhecida em outros países. Em 2014, foi reconhecida pela Academia Britânica como parceira associada, um reconhecimento de distinção acadêmica nos estudos de humanidades e ciências sociais, título geralmente conquistado através de trabalhos publicados, no caso de Hunt, muito provavelmente por obras como A Invenção dos Direitos Humanos, de 2007, tendo sua versão traduzida em 2009, e Writing history in the global era de 2014, ainda inédito no Brasil.

History: why it matters é composta por quatro capítulos, o primeiro chamado Now more than ever, seguido por Truth in history, History’s politics e History’s future1. O livro faz uso de uma linguagem acessível, embora isso não o torne superficial, tendo em vista que compõe a série Why it matters2, da editora inglesa Polity3. A série tem por objetivo introduzir assuntos, através de lideranças intelectuais relevantes, e inspirar uma nova geração de estudantes, o que também elucida a forma com que Lynn Hunt constrói sua narrativa, evitando citações longas, fornecendo subdivisões curtas de seus capítulos, além de utilizar como mola propulsora para seus debates, de forma harmônica, recortes de tempo e espaços próximos e remotos da história, navegando entre Roma Antiga, a corrida eleitoral estadunidense de 2016, as produções de livros didáticos no Japão e discussões memoriais do pós-guerra.

O fato de ser uma produção recente, lançada em maio de 2018, desfavorece a acessibilidade de leitores que não compreendem língua inglesa, pois, pelo menos no Brasil, ainda não há tradução ou mesmo previsão para tal. No entanto, em termos documentais, esse aspecto só tem a acrescentar no conjunto da obra, fato visível ao observarmos a seção de notas e referências, as quais trazem produções muito atuais, o que nos proporciona não só informações cada vez mais contemporâneas e acuradas, mas também perspectivas coerentes com o mundo interseccional que presenciamos manifestado na questão da globalização. Não é à toa que Hunt preocupa-se constantemente em fazer esse giro epistemológico, trazendo exemplos e perspectivas de várias localidades. Suas experiências pessoais e acadêmicas evidenciam e tornam compreensível a preocupação, considerando ser uma mulher adentrando ao mundo acadêmico em um momento histórico que este movimento era considerado contra-hegemônico. Focalizando na obra, em um primeiro momento, a autora define algumas categorias de análise que remetem a estas disputas de interesse político e os usos e abusos da história. Dentre elas, podemos salientar as mentiras, ou simplesmente, as fake news; Hunt é muito feliz não só em estabelecer momentos da história que compõem muito bem suas teses, mas também de construir seu argumento de forma sagaz e fluída através desses fatos ilustrativos. Outras ferramentas nessas pelejas discursais seriam os monumentos, os quais emendam um debate extremamente presente na atualidade: a possibilidade de alternância patrimonial. Se em determinado momento e espaço, alguns patrimônios evocam ideias e figuras que já não cabem em uma democracia constituída, eles devem, no entanto, permanecer para que a história não seja desvanecida ou devem ser superados para que novas construções tomem seu lugar? Em todo caso, essas disputas são políticas.

Fenômenos no tempo como as falsificações, as disputas patrimoniais, a produção de livros didáticos e mesmo os confrontos relacionados às memórias de guerra são amostras de como o mundo globalizado acentua os debates que envolvem a história. Isso tudo nos leva a pensar como a história pública tem se tornado um campo de lutas cada vez mais borbulhante, tal qual a própria autora faz questão de trabalhar em seu livro. A era da informação digital transformou o modo como a população alheia à produção acadêmica consome as produções de temática histórica. Para além de filmes, romances, vídeo games, apresentações, se intenta em viver a experiência histórica em níveis sensoriais, entretanto, nenhuma dessas vivências, nem mesmo as disputas sobre a memória têm muita importância caso não sejam embebidas em uma catalogação verídica dos fatos e uma problematização coerente sobre o passado. No entanto, como a autora coloca, é necessário reconhecer que a experiência histórica hoje é diferente do que jamais foi, e é preciso, então, não negar essas experiências, mas apreendê-las para melhor balancear a engenhosidade, a precisão e a reflexão histórica.

Tamanhas são as guerras travadas nas trincheiras da história, que se faz necessário estabelecer os meandros da ciência histórica. Dando continuidade a isso, Lynn Hunt explana, então, alguns portos seguros no que se refere às práticas e métodos históricos, para que possamos encontrar alguma verdade na história. De início, temos dois grandes pilares do conhecimento histórico: o documento e o fato. Os documentos nos auxiliam a construir uma narrativa sobre o passado, ou sobre o que nos é revelado do passado por meio das fontes históricas. As fontes existem, no entanto, os fatos são construídos e, portanto, podem ser reconstruídos. Eles são provisórios, o que não quer dizer falsos ou inverídicos; eles têm sua permanência até que novos documentos providenciem novos questionamentos ao passado e, por conseguinte, novas interpretações. Isso nos leva também a um ponto importante da reflexão de Hunt: os fatos fabricados, que muitas vezes nos surgem por meio de documentos falseados com interesses políticos. Cabe ao historiador escavar e cruzar fontes para que as falsas possam ruir diante das contradições expostas através das múltiplas perspectivas documentais.

A partir daí, a autora levanta apontamentos pertinentes quanto à centralidade epistemológica hegemônica em relação à ciência histórica: o eurocentrismo. Hunt resgata a ideia europeia de verdade histórica construída ao longo do século XIX no processo de formação disciplinar da história, principalmente ao apresentar outras documentações que revelam outros espaços e tempos na história, nos quais essa concepção já era presente, de acordo com as especificidades do recorte. Os europeus em si têm essa “vantagem”, angariada pela colonialidade enquanto dominação física e mental, de que não precisam preocupar-se com outras localidades e perspectivas ao desenvolverem suas teses, enquanto o contrário não ocorre sem críticas.

A exposição dessas perspectivas, alheias ao que se pode considerar o mainstream acadêmico, indicam, certamente, uma percepção latente de Lynn Hunt, influenciada por sua própria trajetória pessoal dentro das universidades e em sua vida, como relata ao longo do livro. Hunt ao perpassar a história da disciplina de História, analisa as modelações pelas quais a ciência histórica passou para atender as demandas de um grupo restrito da sociedade e que, resquícios dessas limitações permanecem, manifestados, em parte, em sua experiência como uma das poucas mulheres de um corpo docente universitário. A mudança gradual, segundo a autora, não possui uma importância em apenas incluir minorias sociais em ambientes que historicamente não as aceitavam, mas que tal movimento é importante para a própria construção do conhecimento histórico, pois democratiza, pluraliza e estimula novas perspectivas do que entendemos como História.

A história, em constante agregação do plural na atualidade, também foi e continua sendo remexida pela erupção de informações e concepções sobre o passado, sejam elas embasadas cientificamente ou não. A preocupação com uma nova revolução da informação agitou novas perspectivas dimensionais; as relações humanas vêm tomando formas nunca experienciadas, o que se reflete em uma concepção de tempo mais interseccionada, unindo dimensões locais, nacionais e globais de diversas direções. Hunt coloca como uma forma de superarmos a ideia do ser humano como o centro do conhecimento, para que possamos compreender as infinitas relações entre nós, enquanto sujeitos de estudo, para com o que nos cerca, como os animais, os micróbios, plantas e etc.

Estes pontos levantados por Hunt impulsionam debates sobre como utilizamos a História para o presente. O senso de continuidade foi e continua sendo uma ferramenta filosófica orientadora no que diz respeito à concepção cidadã da História. O que nos coloca frente ao presentismo4, uma tensão duradoura, mas que nos leva a armadilhas, como o anacronismo, as quais devemos evitar. Por fim, a História tem o potencial cívico de investigar como os seres do passado enfrentaram as problemáticas de seus tempos e essa é uma das grandes oportunidades que a disciplina nos apresenta. Hunt encarou um grande desafio ao intentar apontar ideias concernentes à ciência histórica em um formato palatável e que dialoga constantemente com o que se entende como História Pública, mas, mais do que um conteúdo bem estruturado e embasado, os seus questionamentos possuem um grau de relevância para que, como ela mesma coloca, possamos manter o espaço de debate histórico sempre em movimento, para que questionemos os lugares comuns dentro da própria ciência histórica, afinal, a história não permanece estagnada.

1 Respectivamente: “Agora mais do que nunca”, “Verdade na história”, “Política da história” e o “Futuro da história.”

2 Why It Matters. Polity Books. 2019 <http://politybooks.com/serieslanding/?subject_id=88&series_id=50> Acesso em: 29 de mar. 2019.

3 About. Polity Books. 2019 <http://politybooks.com/about/> Acesso em: 29 mar. 2019.

4 Por presentismo, podemos entender a predominância do presente sobre as relações com o passado ou mesmo o futuro, como bem desenvolve François Hartog (HARTOG, 2003).

Guilherme José da Silva – Mestrando no programa de Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Florianópolis, SC – BRASIL. E-mail: [email protected].

Podemos gobernarnos nosotros mismos: La autonomía, una política sin el Estado – BASCHET (RTA)

BASCHET, Jérôme. Podemos gobernarnos nosotros mismos: La autonomía, una política sin el Estado. Chiapas: Ediciones Cideci, 2017, 150 p. Resenha de: GUERRA, Rodrigo de Morais. Autonomia, espacialidades e novas sociabilidades no Tempo Presente: a experiência zapatista. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.11, n.28, p.534-539. set./dez., 2019.

Consagrado pelos seus estudos sobre o medievo, Jérôme Baschet nos propõe com “Podemos gobernarnos nosotros mismos: La autonomia, una política sin el Estado” uma nova perspectiva acerca do seu trabalho como historiador, bem como, acerca das relações político-sociais do Tempo Presente. Professor da Universidad Autónoma de Chiapas, desde 1997, Baschet vivenciou o enfervecido contexto mexicano de fins do século XX e presenciou um dos momentos mais marcantes da história dos novos movimentos sociais latino-americanos: a insurgência zapatista para o mundo no 1º de janeiro de 1994. Neste livro, o historiador adentra ao complexo universo zapatista, explora suas espacialidades e nos oferece novas reflexões a respeito das (con)vivências em sociedade e seus desafios frente a uma pluralidade de mundos que coexistem em nossas ricas diferenças culturais.

Oriunda de uma verdadeira imersão intelectual e antropológica, a pesquisa de Baschet resulta em um estudo que tem como problemática central compreender de forma mais aprofundada as sociabilidades zapatistas, a partir de uma análise ampla do conceito de autonomia e seus efeitos. Para tanto, a obra gira em torno de duas perguntas basilares: “o que pode ser uma política da autonomia?” e “há outras opções frente a devastação capitalista?”. A fim de endossar este debate, temos, logo de início, uma distinção política que polariza a problemática em questão por meio de duas formas, não apenas distintas, mas antagônicas, de exercer um governo: a política de arriba e a política de abajo. Como forma política de arriba, temos uma política que segue as instituições do Estado moderno, englobando seus partidos políticos, toda a classe política e todo o seu aparato burocrático; por outro lado, como forma política de abajo, temos uma política que segue estritamente o povo. Para além de suas distinções estruturais, essas duas formas políticas diferem, essencialmente, em suas manifestações de poder e participações plenamente democráticas, assim, ambas as formas políticas apresentam-se numa condição de total incompatibilidade, de modo que, a primeira (de arriba), caracterizada, por desapropriar o povo de suas capacidades de auto-organização, por meio de seus mecanismos institucionais, não admite o pleno exercício da segunda (de abajo); que, por sua vez, não tem como ser exercida se não combater a primeira e o seu monopólio na centralidade do poder. Portanto, diante de tal cenário, a autonomia zapatista incorpora um caráter anti-institucional: uma forma política de abajo, exercida por e para o povo e constante combatente à centralidade do poder político heterônomo estatal (de arriba).

Sendo assim, a autonomia zapatista, uma configuração governamental político-popular, fruto de um processo histórico de lutas e resistências frente à imposição do poder (o que caracteriza a violência) de cima para baixo, ocupa o cerne do texto com sua conceituação e aplicabilidades práticas. A autonomia surge, destarte, não como um sonho ou devaneio dos indígenas de Chiapas, mas como uma arma de resistência, como um refúgio para a proteção de suas vidas, como uma resposta ao Estado moderno heterônomo capitalista e, incessantemente, mantém seu processo construtivo ativo, diante das necessidades de adaptação e autotransformação, a partir dos novos desafios propostos pela experiência vivida. Dessa forma, a autonomia zapatista materializa-se numa configuração que Jérôme Baschet (2017) distingue em três dimensões: a comunidade, ou seja, o modo de organização dos povos indígenas, assumindo a dimensão coletiva do viver; o território, compreendido como as partes habitadas e cultivadas, mas também bosques e montanhas, como o lugar próprio da consistência e singularidade da comunidade; e a terra, dimensão caracterizada por Baschet como “potência de vida englobante”, que seria, portanto, sua vida, sua tradição, sua cultura, sua visão do mundo, sua coesão e sua identidade (BUENROSTRO Y ARELLANO, 2002, p. 17). Em sua aplicabilidade prática, a experiência zapatista ainda propõe uma organização política articulada em outros três níveis: comunidade, município e zona, nos quais, cada um dispõe de mecanismos vigilantes de seus plenos funcionamentos enquanto política de abajo, tais como: assembleias e autoridades eleitas, Conselho municipal autônomo e Juntas de bom governo, conformando, assim, a estrutura organizativa política autônoma de abajo zapatista.

Ao ser estabelecida uma estrutura política para gerir um sistema autônomo, podemos nos indagar sobre a real horizontalidade neste governo, pois, se há instituições organizativas das sociabilidades dos sujeitos, presume-se que há hierarquias e superioridades. Entretanto, a existência de uma estrutura reguladora do poder não deve ser confundida com um sistema de dominação através do poder. O poder, em sua essência, jamais será singular, mas sempre plural, como nos advertiu Hannah Arendt (2010); o poder aparece, pois, como manifestação organizativa das aspirações coletivas. Dessa forma, a autonomia, por mais que se estabeleça sob a responsabilidade de promover uma sociedade em que todos estão em pé de igualdade e todos têm responsabilidade sobre todos, ainda assim, é um modelo político no qual as relações de poder são fundamentais para a sua existência e sobrevivência. Para lidar com essa questão, os zapatistas dispõem de mecanismos reguladores que preservem a forma política de abajo de se autogovernar, para tanto, o seu já consagrado oximoro mandar obedecendo é um dos pilares de sustentação do bem caminhar da autonomia. Algumas características fundamentais do mandar obedecendo que regulam esta dinâmica são: os mandatos se concebem como cargos realizados para servir à comunidade, sem remuneração, nem nenhum tipo de vantagem material; ninguém se autopropõe para as funções e são as próprias comunidades que solicitam a quem consideram que podem exercê-las; os cargos são assumidos sobre a base de uma ética efetivamente vivida do serviço à coletividade; e os cargos sempre são exercidos de maneira colegiada e sob o controle permanente tanto da “Comissão de vigilância”, responsável por conferir as contas dos conselhos, quanto da população, à vista que os cargos são revogáveis a qualquer momento, fazendo valer a máxima de que o poder só é efetivado quando a palavra e o ato não se divorciam (ARENDT, 2010, p. 249).

Ademais das características descritas que garantem a governabilidade autônoma, o mandar obedecendo engloba um outro aspecto de fundamental importância que consiste na “desespecialização” das tarefas políticas. A partir de uma não especialização dos representantes do povo no governo, o exercício da autoridade se cumpre desde uma posição de não saber e “asumir ese no saber es lo que permite ser una ‘buena autoridade’, la cual se esfuerza por escuchar y aprender de todos, sabe reconocer sus errores y deja que la comunidad la guíe en la elaboración de las decisiones” (BASCHET, 2017, pp. 32-33). Logo, permitindo que o mandar obedecendo constitua uma “sólida defensa contra el riesgo de una separación entre gobernantes y gobernados (BASCHET, 2017, p. 33). Por fim, “Podemos gobernarnos nosotros mismos” traz importantes contribuições para o campo teórico no estudo da autonomia. Uma primeira reflexão diz a respeito de que uma política não-estatal não exige, necessariamente, um horizontalismo puro: há momentos em que o povo manda e o governo obedece, e há momentos em que o povo obedece e o governo manda, configurando, dessa forma, o exercício coletivo do poder, como já apontamos, o que, por sua parte, não dissocia inteiramente as duas relações inversas, mas as coloca numa condição de reciprocidade. Desta forma, não se trata de um poder heterônomo e, tampouco, de uma perfeita horizontalidade, mas o exercício de uma coletividade do poder que permite o pleno funcionamento da autonomia e não põe em risco toda a dinâmica de governo. Posto isso, enquanto que o Estado heterônomo emprega um modelo de delegação dissociativa, ou seja, na articulação com a estrutura social, almeja produzir e reproduzir a separação entre governantes e governados, concentrando o “poder-sobre” em um aparato burocrático e um grupo isolado; a autonomia sugere um modelo de delegação não dissociativa, ou seja, busca restringir ao máximo a separação entre governantes e governados, através de mecanismos ativos no combate à dissociação e na manutenção do uso efetivo da potência coletiva.

Por último, mais uma importante provocação levantada por Baschet (2017) consiste na eterna condição de inacabada da autonomia, o que o autor coloca como “um processo sem fim”. A autonomia, desse modo, consiste, portanto, em uma manifestação política incompleta e, necessariamente, infinita, pois, a pretensão de se criar uma sociedade ideal que afirmaria ter alcançado seu objetivo e sua forma última, completa e realizada, significaria, imediatamente, a morte da autonomia, haja vista que a autonomia, tal qual o rio de Heráclito, está, cotidianamente, transformando e transformando-se, destacando, dessa forma, uma condição paradoxal para a sua vigência: a autonomia só existe enquanto ela não é. Diferentemente das utopias normativas, que partem de pressupostos e objetivos finais a priori, a autonomia parte das singularidades de suas vivências concretas, utilizando-se da sua inacabável capacidade de adaptar-se e reinventar-se, o que os zapatistas tratam como “buscar el modo”, ou seja, descartar toda resolução pronta, abstrata e geral. Opondo-se, drasticamente, às lógicas constitutivas do Estado capitalista, a autonomia “es una política procesual que no puede ser(pre)determinada por ningún texto; se ubica en las antípodas del fetichismo de la Constitución” (BASCHET, 2017, p. 64). Portanto, a busca pela autonomia consiste na elevação do espírito inquieto, na permanente insatisfação, na constante vigilância frente aos erros e incansáveis esforços para retificá-los. Trata-se de uma experimentação que busca seu caminho, caminhando.

Em suma, o autogoverno zapatista não é mais que uma expressão da capacidade coletiva de organizar-se e afirmar formas de vidas próprias aos avanços da coletividade e dignidade compartilhada. Muito mais do que uma utopia, a autonomia mostra-se como uma arma de resistência, como uma “potência destituinte” (BASCHET, 2017), como um caminho em busca da emancipação abarcado por uma dupla dimensão: destruição-negação do mundo capitalista que ameaça a vida indígena; e construção-afirmação de uma nova sociabilidade possível. A experiência zapatista extrapola os limites das simplistas interpretações da autonomia, nos propõe novos modelos de espacialidades e nos faz repensar as sociabilidades regidas por um Estado heterônomo: valorosas contribuições em tempos de crises políticas no Brasil, na América-Latina e no mundo.

Rodrigo de Morais Guerra Mestrando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal, RN – BRASIL. E-mail: [email protected].

Neoliberalismo sexual: el mito de la libre elección – MIGUEL (REF)

MIGUEL, Ana de. Neoliberalismo sexual: el mito de la libre elección. Madrid: Ediciones Cátedra/Universidad de Valencia, 2016. Resenha de: ALVES, Ismael Gonçalves. Neoliberalismo sexual: o mito e a sedução da liberdade nas sociedades formalmente igualitárias. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.27, n.2, 2019.

Nas últimas décadas temos presenciado no mundo ocidental a proliferação de um conjunto sincrônico de discursos afirmando que as desigualdades e a falta de liberdade das mulheres seriam condições já superadas. Tal realidade teria sido alcançada pela ratificação de legislações que supostamente garantiriam em diversos âmbitos da vida pública, e também privada, a paridade social, econômica, política e cultural entre os sexos. Baseadas nesse axioma, as mulheres estariam aptas a adentrar sem restrições nos mundos do trabalho, a controlar livremente seus corpos e suas sexualidades, além de dividir de forma equânime com os homens as tarefas domésticas e de cuidados. Para os artífices de tais prédicas, as sociedades democráticas contemporâneas teriam chegado a tal nível de igualdade formal que o movimento feminista, como teoria e práxis, já não justificaria mais sua existência, tornando-se, assim, uma peça obsoleta e antiquária, digna apenas de um velho gabinete de curiosidades do século XIX.

Dessa forma, tocadas pelas luzes da liberdade neoliberal, as mulheres do século XXI seriam suficientemente autônomas para fazer suas escolhas e desbravar um mundo totalmente igualitário. De acordo com Nancy Fraser (2015), o discurso neoliberal que atualmente enreda nossas vidas ancora-se na premissa de que as relações sociais contemporâneas estão fundamentadas na livre escolha, nas trocas entre iguais e, sobretudo, nas conquistas meritocráticas, fechando os olhos para as desigualdades estruturantes que cuidadosamente foram questionadas por grupos subalternos. Nesse cenário de suposta autodeterminação, patriarcado e neoliberalismo se retroalimentam por meio de mecanismos em que a violência já não se exerce mais na forma legislações discriminatórias, mas é também fomentada por uma poderosa indústria cultural, que transforma tudo em mercadoria, inclusive os corpos e as sexualidades das mulheres. Leia Mais

Nosso amplo presente – o tempo e a cultura contemporânea | Hans Gumbrecht

Formado em Literatura, Hans Ulrich Gumbrecht vem, nos últimos anos, sendo cada vez mais estudado por pesquisadores interessados pelas linguagens e, especificamente na história, pela estética e pela história do tempo presente. Autor de inúmeros textos e obras, possui traduzidos e publicados no Brasil algumas grandes obras, entre estas Elogio da Beleza Atlética [1], Produção de Presença – o que o sentido não consegue transmitir [2] e Depois de 1945 [3]. No tocando a suas obras, a problemática da presença foi corriqueiramente debatido, sendo a obra do Elogio da Beleza Atlética o primeiro ensaio publicado no país onde o autor exprime algumas reflexões a respeito do conceito.

De acordo com o autor, esta presença, poderia ser pensada em uma dimensão especial, e não temporal. Na obra Produção de Presença – o que o sentido não consegue transmitir (2010), Gumbrecht busca conceituar presença enquanto algo que só é possível de se percebida através dos sentidos. Nas palavras do próprio – “por “presença” pretendi dizer – e ainda pretendo- que as coisas estão a uma distancia de ou em proximidade aos nossos corpos; quer nos “toquem” diretamente ou não, têm uma substância”[4] . Leia Mais

Rebeldes ilustradas (La otra transición) – GARCÍA DE LEÓN (REF)

GARCÍA DE LEÓN, María Antonia. Rebeldes ilustradas (La otra transición). Barcelona: Editorial Anthropos, 2008. 220 p. Resenha de: SUBIRATS, Marina. Socializadas bajo el franquismo, rebeldes en la transicion, feministas siempre (Reflexiones sobre una obra de actualidad). Revista Estudos Feministas v.17 n.3 Florianópolis Sept./Dec. 2009.

He aquí una original contribución para una Memoria de Género en la sociedad española actual. Con estas Rebeldes ilustradas que nos ofrece ahora María Antonia García de León, la autora avanza un paso más en lo que aparece ya como un proyecto intelectual consolidado: la construcción de la memoria colectiva de unas generaciones de mujeres españolas que rompieron los moldes de género e introdujeron en España una nueva manera de ser mujer. Herederas y heridas fue una primera indagación sobre la posibilidad y condición de este cambio, especialmente para las mujeres que dedicaron su vida a la Universidad y la investigación; su muy reciente Antropólogas, politólogas y sociólogas, de autoría compartida con María Dolores F. Figares, se plantea la indagación sobre qué ha ocurrido con las mujeres profesionales de las ciencias sociales, qué han hecho y qué han dejado en los ámbitos de sus especialidades. Y formula ya claramente una pregunta relevante ¿qué quedará de nosotras cuando hayamos muerto? Un interrogante que inquieta a María Antonia y que, a través de ella, se transmite como un eco a unos colectivos de mujeres que están llegando al tiempo de los balances.

Una inquietud y una pregunta totalmente pertinentes. Los indudables logros de las mujeres españolas que vivieron la transición política, la necesidad de afirmar las victorias para dejar atrás los tonos plañideros y comenzar a ser por derecho propio, han enmascarado, probablemente, muchas de las debilidades de la situación. Ser investigadoras, catedráticas, autoras reconocidas, profesoras en universidades prestigiosas, ostentar cargos políticos, son condiciones sociales que, detentadas por hombres, aseguran algún lugar en la memoria colectiva. Tal vez no un nombre propio o una estantería en las grandes bibliotecas; pero sí, por lo menos, un renglón en los registros de la impronta generacional. Atareadas en ser, en hacer, en vivir, dimos por descontada la inscripción automática en esta memoria, como algo inherente a los puestos conseguidos. Y hoy empezamos a ver que no es así, que sigue sin ser lo mismo ser autor que autora, y que la voz de las mujeres, sean quienes sean, no se inscribe automáticamente en la historia común. Porque la escritura de esta historia no fue nunca automática, sino selección desde el poder.

Un poder que seguimos sin lograr.

Así que, nos dice la autora, no hay que esperar a que los futuros cronistas nos rescaten del olvido, sino que, como siempre para las mujeres, ponte tu misma a tejer tu traje y deja de esperar en vano al hada madrina. Y he aquí un nuevo fruto de este empeño: con Rebeldes ilustradas María Antonia nos ofrece una nueva reflexión polifónica y multidimensional, y sigue abriendo caminos para la construcción de una memoria generacional.

Una reflexión polifónica: como suele hacer en la mayoría de sus obras, también aquí María Antonia García de León se acompaña de otras voces. En este caso, voces directas, no ya cortadas temáticamente o como ilustraciones de determinadas tesis. El relato personal de la propia vida nada tiene que ver con la exhibición: es parte de la historia, siempre, y en determinados casos, parte de una historia tan especial y atípica que debe ser conservada para que en el futuro puedan entenderse las trayectorias comunes a partir de estas huellas. Mujeres muy conocidas, indispensables en la historia española de los sesenta, los setenta, los ochenta, los noventa, los dos mil, que han explorado territorios, han derribado barreras, han colonizado espacios antes inaccesibles. Que lo siguen haciendo: Celia Amorós, Paloma Gascón, Isabel Morán, Pilar Pérez Fuentes. Perfiles obligados para entender una etapa del cambio, porque además de construirlo con sus vidas, tienen el don de la palabra y la capacidad de la reflexión, de la comprensión de los cómos y los porqués.

Tienen elaborada una narrativa que describe un mundo, una época, un antes y un después. Y nos muestran, paso a paso, día a día, cómo avanzaron en el difícil aprendizaje de ser mujeres tradicionales primero, de dejar de serlo después, de asumir perfiles, responsabilidades, tareas, que en su niñez nunca pudieron figurar en su horizonte vital, y a las que, en cambio, hubo que lanzarse, gozosas y temblando, sin apenas modelos, asumiendo riesgos, muchos riesgos.

Y también una voz propia, la de María Antonia, en una interesante autoentrevista, con la que sienta un precedente curioso, en la línea de la emergencia del sujeto como centro de la reflexión. Un precedente no exento de riesgos, una vez más, porque ¿cómo establecer la dualidad, el diálogo, la distancia necesaria para esquivar la autocomplacencia, el narcisismo, la autojustificación? ¿Por qué no escribir directamente unas memorias personales, género de reglas conocidas que no pretende más verdad que la personal? Mi impresión es que María Antonia no está interesada en contarnos su vida, sino en extraer de ella, como material que tiene a mano, la narración de una experiencia común y al mismo tiempo irrepetible. Y para ello, se desdobla en un diálogo consigo misma, en un alarde de duplicidad que nos hace olvidar que quien pregunta y quien responde es una misma persona. Sólo desde un hábito de distanciamiento largamente adquirido en la práctica de las ciencias sociales pueden tenerse ciertas garantías de objetividad en este tipo de ejercicio. Sólo desde el rigor de una mirada habituada a triturar la vida en la batidora de una metodología implacable es posible extraer de la propia experiencia categorías más universales que las del testimonio o la melancolía.

Polifonía, pues, pero también multidimensionalidad. Y es aquí donde Rebeldes ilustradas adquiere, en mi opinión, una amplitud de objetivos que la convierten en el libro más ambicioso de la autora.

He mencionado ya una primera dimensión: la de la voluntad de construcción de una memoria generacional en una etapa especialmente intensa. Para quienes la vivimos, todo suena a conocido. Pero vendrán otras, ya están aquí, que apenas pueden creerlo. “Me casaba en enero y no me dejaron salir en nochevieja”, cuenta Celia. Un ejemplo entre tantos. Y cada una de nosotras podría contar decenas de anécdotas parecidas, que configuran un mundo que ya no existe. Cuando alguna española, en el futuro, tenga la tentación de la nostalgia, que relea estas páginas, para celebrar con euforia su presente, que tantas, antes de nosotras, murieron sin alcanzar.

Pero hay más, hay más. La dimensión política recorre el libro, que no por azar lleva como subtítulo “La otra transición”. Efectivamente, la transición política española se ha considerado modélica, ha sido analizada, divulgada, ensalzada y hasta se ha intentado exportarla y copiarla. Pero ¿qué transición? Hubo tantas transiciones… Y la que ha sobrevivido, como siempre, fue la transición masculina, aquella a través de la cual una generación de hombres relevó a otra en el poder. Y, al realizar el relevo, no sólo cambiaron los nombres y las caras, sino las reglas de juego colectivas. ¿Quién va a negar su importancia?

Aquella transición, leída a menudo como una epopeya, fue posible porque culminó diversas transiciones. Que casi nunca fueron contadas. La transición de la clase trabajadora, por ejemplo, que pasó de clase en sí a clase para sí, para decir lo que quería y lo que no quería, y obligar así a cambiar las reglas de juego, porque había aprendido a usar en su favor las del franquismo y bloquear las fábricas cuando hiciera falta. O bloquear las escuelas, en un recuerdo para mí imborrable de miles de maestras en acción, utilizando incluso los sindicatos verticales cuando hizo falta. La transición de los partidos clandestinos, la transición de los estudiantes, la transición de los militares, la transición de los vencidos y de los exiliados, capaces de aceptar un paréntesis cuando hizo falta para pactar una nueva Constitución.

Y la transición de las mujeres, tal vez la más poderosa, tal vez la más olvidada. Como nos recuerda Anna Caballé en un magnífico prólogo, no había ninguna mujer entre los siete padres de la Constitución, y a nadie se le ocurrió sin embargo discutir su legitimidad. De hecho, todavía se está escribiendo una Constitución de la que formemos parte: las recientes leyes contra la violencia de género, por la igualdad, el proyecto que ahora mismo (invierno 2009) está en debate sobre la modificación de la ley del aborto, no son sino incorporaciones tardías a lo que debía haber sido una Constitución que contemplara la igualdad entre los dos sexos, la incorporación de las exigencias de los géneros y la desaparición de las barreras entre ellos. Porque esta transición se hizo, pero sin el suficiente reflejo en las leyes, en las normas colectivas. Como siempre, ello no era importante, podía esperar. Como ha sucedido en tantas transiciones, recordadas en este libro por Pamela Radcliff, Breny Mendoza y Amalia Rubio, en preciosas aportaciones que nos dan toda la dimensión política del tema.

En las grandes batallas, los hombres requieren el esfuerzo de las mujeres, su sacrificio, su tiempo y su energía, para lo que se presenta como una batalla para el bien común. Y dicen: “Tu causa es importante, pero debe esperar a que triunfe la mía. Después, todo se os dará por añadidura”. Lo oímos entonces: su transición era inaplazable, la nuestra podía esperar. Por suerte, muchas no lo creyeron ya, y las transiciones se hicieron en paralelo, sin pedir permiso, sin esperarlo. Pero ahora todo ello debe consolidarse para que nunca pueda producirse una vuelta atrás.

Consolidar la presencia de las mujeres en el ámbito público, en la historia, en las decisiones que se toman respecto a la vida colectiva como una exigencia inaplazable. Para que, en adelante, quien quiera contar con las mujeres tenga que incluirlas, o atenerse a las consecuencias: por ejemplo, no recibir su voto. Quien quiera escribir la historia tenga que incluirlas, o atenerse a las consecuencias: ser desautorizado como autor androcéntrico y parcial. Porque la huella de las que fueron antes ya sea tan imborrable que los olvidos no tengan justificación ni disculpa alguna.

Gracias de nuevo, María Antonia García de León, por seguir en la brecha de una tarea necesaria, en la que, esperemos, muchas otras y muchos otros te sigan.

Marina Subirats – Universitat Autònoma de Barcelona.

Acessar publicação original