A Campanha Abolicionista na Revista Ilustrada (1876-1888): Ângelo Agostini e a educação do povo | Mônica Vasconcelo

A obra é resultado da dissertação de mestrado defendida em 2017 no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. No livro, Mônica Vasconcelo analisa as caricaturas de Ângelo Agostini (1843-1910) publicadas na Revista Illustrada (1876-1888), na província do Rio de Janeiro, com a temática da defesa do fim da escravidão. O objetivo dessa obra é compreender a totalidade social e histórica bem como as contradições presentes no discurso da escravidão. A ação política e educativa inerente ao próprio discurso e aos interesses da classe dominante sombreava a participação de Ângelo Agostini nos embates sobre a abolição do regime escravocrata.

Ângelo Agostini nasceu na província de Alessandria, na Itália, em 1843. Viveu sua infância e adolescência em Paris, onde aprendeu a arte do desenho litográfico. Em 1859, Agostini chega ao Brasil e, anos mais tarde, insere-se no debate político abolicionista. Fundou a Revista Illustrada em 1876 com o ideal de que o periódico servisse como uma publicação política, abolicionista e republicana, temas tratados de forma satírica e irônica. Leia Mais

Ratio Studiorum da Companhia de Jesus (1599): Regime Escolar e Plano de Estudos

“Tem valor a publicação de um texto educativo do século XVI quando, em pleno século XXI nos encontramos com diversos aportes pedagógicos mais variados e entrelaçados com as ciências humanas”? Esta é a pergunta que Luiz Fernando Klein faz ao prefaciar a obra Ratio Studiorum da Companhia de Jesus: Regime Escolar e Planos de Estudos, publicada recentemente em Portugal, pela professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Margarida Miranda. A esta questão, o próprio Klein responde que o lugar da Ratio Studiorum é insubstituível na história da pedagogia, pois foi a primeira sistematização de estudos que se fez no mundo moderno e possui lugar assegurado nos currículos dos cursos de formação em educação na maioria das instituições educativas de nível superior.

A única publicação da Ratio Studiorum em língua portuguesa era a do padre Leonel Franca, em 1952, por meio da Editora Agir, no Rio de Janeiro, sob o título de O método pedagógico dos jesuítas, porém, há muito tempo esgotada. Depois dessa publicação, somente em 2019 a Editora Kírion fez uma nova republicação dessa mesma tradução. De modo que, a publicação realizada pela professora Margarida, em 2018, veio atender a uma necessidade da comunidade acadêmica de língua portuguesa. Leia Mais

Gramsci no seu tempo – AGGIO et. al (A)

AGGIO, Alberto; HENRIQUES, Luiz Sérgio; VACCA, Giuseppe (Orgs.). Gramsci no seu tempo. Tradução de Luiz Sérgio Henriques. Brasília: Fundação Astrogildo Pereira. Co-edição, Rio de Janeiro: Contraponto, 2010. Resenha de: TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut de; GOMES, Jarbas Mauricio. Texto e contexto: Gramsci e a história. Antíteses, v. 8, n. 15, p. 542 – 546, jan./jun. 2015.

Hegemonia, intelectuais, Estado ampliado, sociedade civil e sociedade política são alguns dos conceitos presentes nas obras de Antonio Gramsci (1891-1937) e que são encontrados em um número significativo de pesquisas na área das Ciências Sociais e Humanas. Os escritos de Antonio Gramsci tem se consagrado como um referencial teórico e metodológico nas pesquisas brasileiras, servindo ora de objeto de estudo, ora de fundamentação teórica. Na última década, o uso de seu pensamento como referencial de pesquisa foi retomado sob a influência da publicação da nova edição brasileira de sua obra que, ocorrida entre os anos de 1999 e 2002, teve o mérito de apresentar uma visão geral de seus escritos ao tornar acessíveis textos até então inéditos no Brasil.

O uso das ideias de Gramsci como referencial teórico passou a ser complementado com o aumento do número de pesquisas cujo objeto de estudo era o seu pensamento e a sua obra. A produção de conhecimentos sobre Gramsci nos diferentes campos das Ciências Sociais e Humanas reafirmou a tradição dos estudos gramscianos e valorizou a perspectiva de que é necessário investigar com profundidade a relação entre seus escritos e o contexto histórico a partir do qual foram elaborados para, então, mediante a compreensão historicamente contextualizada, promover a aplicação de suas análises e categorias conceituais à realidade brasileira.

O desenvolvimento das pesquisas sobre Gramsci e seu pensamento pode ser dividido em duas fases que se confundem, entrelaçam e se complementam. A primeira fase esteve voltada ao estudo filológico de seus escritos, em especial dos Cadernos do Cárcere, para reconstruir a estrutura do pensamento gramsciano e estabelecer o caminho teórico percorrido por ele na construção de seus argumentos. Na segunda fase, os estudos estão voltados para a contextualização das ideias de Gramsci pelo movimento histórico em que os escritos foram produzidos.

Gramsci no seu tempo é uma publicação da Fundação Astrojildo Pereira em parceria com a Editora Contraponto e apresenta uma contribuição significativa para os avanços dos estudos gramscianos no Brasil e, em especial, para aqueles que se propõem a utilizar Gramsci como referencial teórico de pesquisa. Organizado por Alberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques e Giuseppe Vacca, Gramsci no seu tempo está inscrito em uma proposta de estudos do pensamento de Gramsci que considera os limites históricos no qual foi produzido. Os 13 ensaios que compõem a obra ocupam 414 páginas e foram elaborados por estudiosos ligados ao Instituto Gramsci cujas perspectivas de leitura apontam elementos interessantes para a interpretação do pensamento de Gramsci. Um desses elementos, talvez o central deste conjunto de textos, é a valorização do conceito de revolução passiva como uma chave interpretativa do pensamento gramsciano. O deslocamento do eixo de leitura que tal proposta promove se contrapõe à leitura mais praticada, no caso do Brasil especificamente, na qual a chave de leitura mais utilizada foi, e talvez ainda seja, a concepção de hegemonia.

Gramsci no seu tempo foi organizado inicialmente por Francesco de Giasi e publicado na Itália pela Editora Carocci no ano de 2008, sob o título de Gramsci nel suo tempo. Originalmente a obra foi composta por dois volumes que apresentaram as contribuições teóricas de um Congresso de nome homônimo, realizado em Dezembro de 2007 na Itália. O congresso faz parte de uma tradição de estudos sob a coordenação da Fundação Instituto Gramsci que, em parceria com outros Institutos, Fundações e Universidades, a cada decênio da morte de Gramsci promove seminários e congressos para atualizar os estudos sobre a sua obra.

A edição brasileira de Gramsci no seu tempo foi traduzida do italiano para o português por Luiz Sérgio Henriques e não é uma reprodução integral da edição italiana. Os organizadores promoveram uma seleção dos textos originais com o intuito de apresentar aos leitores brasileiros os resultados de pesquisas avançadas no campo dos estudos gramscianos. Em função da realidade dos estudos gramscianos no Brasil, foram incluídos dois textos inéditos: Maquiavel como filósofo da práxis, de Francesca Izzo e Togliatti e Gramsci, de Giuseppe Vacca.

Guiseppe Vacca é também, o autor do prefácio da edição italiana, texto que apresenta o percurso dos seminários italianos de estudos nacionais e internacionais sobre o pensamento de Gramsci. Nele, discute a ação de aproximação e distanciamento entre o Instituto Gramsci e o Partido Comunista Italiano na organização dos seminários e no direcionamento das pesquisas sobre o pensamento de Gramsci. Fundamentado na leitura de Valentino Gerratana, Giuseppe Vacca destaca a ideia de que Gramsci é um pensador clássico do século XX que merece ser lido, relido e interpretado à luz de novos problemas, iniciativa contemplada pelo seminário de 1997, dedicado aos estudos sobre ‘Gramsci e o século XX’. As pesquisas apresentadas, decorrentes de temas levantados nos seminários anteriores, enfatizavam a utilização dos conceitos de revolução passiva e crise orgânica, relançando o método histórico como chave interpretativa do pensamento de Gramsci.

O prefácio à edição brasileira, escrito por Alberto Aggio e Luiz Sérgio Henriques, foi intitulado de Gramsci no seu tempo – e no nosso. O texto reforça a ideia de que Gramsci é um clássico e de que o conceito de revolução passiva deve ser explorado como chave interpretativa do pensamento de Gramsci. Fundamentados no Caderno 15, os autores atualizam a leitura do pensamento de Gramsci, valorizam a dialética e a contextualização histórica como métodos interpretativos de seu pensamento, mas alertam para o fato de que não se pode sacralizá-lo, partindo do pressuposto de que não existe nada mais a ser estudado ou apreendido e advertem sobre as leituras apressadas que descolam o pensamento de Gramsci da matriz em que suas ideias foram produzidas.

A II Grande guerra, o pós-guerra, a renovação do socialismo e a filosofia da práxis são alguns dos temas que permeiam os textos que compõem a coletânea. A categoria hegemonia se entrecruza com outros conceitos do pensamento de Gramsci e constitui uma das chaves de leitura, ao lado do conceito de revolução passiva. Claudio Natoli e Andrea Panaccione utilizam o período do pós-guerra para analisar a renovação do socialismo, enquanto Francesco Auletta, Silvio Pons e Giuseppe Vacca discutem as relações de Gramsci com dirigentes do Partido Comunista Italiano, em especial com Palmiro Togliatti e Piero Sraffa.

A Filosofia da práxis é o conceito mediador que fundamenta os textos de Roberto Gualtieri, Fabio Frosini, Giuseppe Cospito, Giancarlo Schirru e Francesca Izzo. A economia e o americanismo mediam as análises de Terenzio Maccabelli e Alessio Gagliardi, que se direcionam à estrutura e ao corporativismo do regime político do fascismo na Itália. Por fim, destaca-se o texto de Anna Di Biagio, que explora a concepção de hegemonia nas propostas teóricas de Gramsci e Lênin.

O texto de Francesco Auletta, Piero Sraffa e Antonio Gramsci: l’Ordine Nuovo e as lutas operárias na Inglaterra e na América (1921), apresenta elementos significativos para a análise do cenário histórico das lutas operárias ocorridas no início da década de 1920. O texto explora a concordância de Sraffa com as teses de Gramsci, a partir das impressões que este tinha sobre os movimentos operários na Inglaterra e na América do Norte. Silvio Pons explora a divergência entre Gramsci e Togliatti no texto o Grupo dirigente do PCI e a ‘questão russa’ (1924-1926) e discute como as perspectivas ideológicas individuais influenciavam a percepção destes intelectuais sobre os desdobramentos da revolução proletária na Rússia.

Em Hegemonia leninista, hegemonia gramsciana, Anna Di Biagio discute a relação entre a concepção de hegemonia cunhada por Gramsci e aquela atribuída à Lênin. Di Biagio destaca que, na experiência revolucionária russa, há uma estranheza entre as ideias de hegemonia e de democracia. Outro aspecto evidenciado é a perspectiva de que o conceito de hegemonia não faz parte do léxico habitual dos textos de Lênin, embora sua concepção de hegemonia já apresentasse as noções de direção política e direcionamento intelectual e moral. Di Biagio mostra que na ocasião do VIII Congresso do Partido Bolchevique, em 1919, não houve menção ao conceito de hegemonia nos escritos de Lênin ou no programa de partido, mas que, no período, pode ser constatado que Lênin se mostrava mais interessado em discutir e determinar a definição de ditadura do proletariado.

Fabio Frosini discute no texto O neoidealismo italiano e a elaboração da filosofia da práxis, a influência do idealismo no pensamento de Gramsci e a sua transição teórica para o marxismo. As teorias dos liberais Benedetto Croce e Giovanni Gentille estão na gênese do pensamento do jovem Gramsci que dialogava com esses intelectuais, mas dos quais se distanciou gradualmente na medida em que, ao redigir os Cadernos do Cárcere, aprofundou suas análises sobre o fenômeno da religiosidade, da filosofia e do senso comum e se encaminhou para a fundamentação da Filosofia da Práxis.

Sob a influência do neoidealismo, Gramsci elaborou uma concepção de ideologia que pouco se distingue de sua concepção de filosofia. No Caderno 10, filosofia e ideologia foram apresentadas como uma mesma categoria histórica, distintas em função de seu grau. Enquanto a filosofia é uma concepção de mundo que representa a vida intelectual e moral de um grupo social, a ideologia é a concepção de mundo particular, pertencente aos grupos internos de cada classe que se propõem a solucionar os problemas sociais mais imediatos e restritos.

O texto de Francesca Izzo é o penúltimo da coletânea e explora a leitura de Gramsci sobre os escritos de Maquiavel e destaca que, ao redigir os Cadernos do Cárcere, Gramsci estava consciente de que a Europa não dominava mais o cenário mundial e que, os Estados Unidos e a URSS disputavam a primazia do controle hegemônico sobre os modelos políticos e econômicos. Izzo conclui que Gramsci entendia que no contexto histórico do século XX, o partido político assumiu o papel do príncipe e, na condição de líder coletivo, tinha a tarefa de criar uma nova organização ética e moral. Outra conclusão apontada por Izzo destaca que Gramsci defendia que os meios empregados na constituição do comunismo deveriam ser distintos daqueles empregados no nascimento do Estado Moderno, uma vez que em função da historicização da natureza humana, os fins e meios deveriam estar adequados à transformação dos homens e das relações sociais.

A contribuição de Giuseppe Vacca encerra a coletânea e termina reforçando a ideia inicial do texto: Gramsci é um autor clássico. Para apresentar tal afirmação de forma incisiva, Giuseppe Vacca discute a disputa intelectual entre Gramsci e Palmiro Togliatti, e apresenta aos leitores brasileiros o panorama histórico em que esta relação conturbada se desenvolveu. Com uma análise crítica fundamentada no panorama histórico, Giuseppe Vacca expõe a origem das divergências entre os dois teóricos do socialismo italiano. O texto é uma preciosa contribuição para a compreensão da relação entre Gramsci e Togliatti e da polêmica envolvendo a elaboração e publicação da primeira edição italiana dos cadernos de Gramsci. Giuseppe Vacca indica elementos preciosos para as investigações sobre o pensamento de Gramsci, destacando o conceito de revolução passiva como instrumento interpretativo de épocas históricas inteiras e indica que, na leitura de Togliatti, talvez intencionalmente, esse conceito não foi explorado.

Por fim, Giuseppe Vacca reconhece o mérito das ações de Togliatti que promoveram a imagem de um Gramsci ocidental e não apenas um pensador circunscrito à realidade italiana, e encerra o texto, a obra, indicando que o percurso percorrido por Togliatti, ainda que tortuoso, tinha como objetivo final reconhecer Gramsci como um clássico do século XX.

Gramsci no seu tempo é uma obra de grande interesse para pesquisadores da área das Ciências Humanas interessados no desenvolvimento do pensamento de Gramsci e nos desdobramentos do pensamento marxista no século XX. Se Gramsci teve o mérito de atualizar a leitura materialista da história e aperfeiçoar conceitos-chave para a análise dos fenômenos de ordem política, econômica e cultural, a presente obra promove uma apresentação contextualizada do pensamento de Gramsci e atualiza os leitores brasileiros a respeito do atual patamar das pesquisas sobre o pensamento gramsciano.

Com um bom projeto editorial, impresso em papel reciclado de ótima qualidade, a edição é valorizada ao apresentar as iniciativas de leitura do pensamento de Gramsci desenvolvidas na Europa. Ao empregar categorias analíticas até então pouco exploradas pelos pesquisadores brasileiros, Gramsci no seu tempo se consolida como uma referência de leitura àqueles que desejam avançar no universo da pesquisa sobre pensamento de Gramsci. A análise historicamente contextualizada apresentada nas páginas da coletânea serve de guia e fornece elementos históricos e conceituais para a leitura dos escritos de Gramsci e para a investigação sobre os principais fenômenos históricos da Itália na primeira metade do século XX.

Cézar de Alencar Arnaut de Toledo – Doutor em Educação pela UNICAMP (1996). Professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (PR).

Jarbas Mauricio Gomes – Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2012). Especialista em Pesquisa Educacional (UEM – 2009), graduado em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2004). Professor de Filosofia para a Educação Básica.

A Procissão de Cinza dos Terceiros Franciscanos da Bahia: uma expressão religiosa, pedagógica e barroca no mundo colonial – CASMIRO (RBHE)

CASMIRO, Ana Palmira Bittencourt. A Procissão de Cinza dos Terceiros Franciscanos da Bahia: uma expressão religiosa, pedagógica e barroca no mundo colonial. Campinas: Editora Librum e Navegando, 2012. Resenha de: TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut de; BARBOZA, Marcos Ayres. Aspectos pedagógicos da procissão de cinzas da Ordem Terceira de São Francisco no Brasil colonial. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 2 (35), p. 301-307, maio/ago. 2014.

A primeira Custódia Franciscana no Brasil foi fundada em Olinda, em 1585; e a Ordem Terceira de São Francisco de Salvador, em 1635, constituída por representantes da alta sociedade colonial. As ordens terceiras, associações religiosas de leigos, caracterizam-se como confrarias ou irmandades, tendo sido constituídas para a prática da caridade. Dentre suas finalidades, no período colonial, destacavam-se: os fins espirituais e a aquisição, administração e a aplicação de seu patrimônio; funcionavam como agentes de solidariedade, congregando anseios comuns frente à religião e à realidade social. As irmandades agiam no sentido de integração e algumas delas desfrutaram de grande poder político.

O livro A Procissão de Cinza dos Terceiros Franciscanos da Bahia, escrito por Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro, resultado de seus estudos de pós-doutoramento realizados na Faculdade de Educação da Unicamp, em 2011, sob a supervisão do Prof. Dr. José Luís Sanfelice, analisa a Procissão de Cinzas da Ordem Terceira de São Francisco da Bahia, e mostra os aspectos estéticos, iconográficos e pedagógicos envolvidos no contexto histórico-cultural do Brasil Colônia.

No capítulo 1, O Altar, o trono e o ensino: os religiosos e a educação, a autora analisa a relação entre o poder do Estado e o poder eclesiástico na configuração do Brasil Colônia. Trata-se de dois poderes que, no campo das relações sociais, agiam mutuamente. O Estado apoiava-se na Igreja para legitimar o seu poder; e a Igreja visava conformar a ação do Estado. Este não desprezava o papel da religião para legitimar a classe dominante e a justificação de seus interesses, especialmente de sua prosperidade material por meio da Providência Divina.

De acordo com a autora, o Estado afirmou seu poder por meio da ação social das ordens religiosas, na medida em que a Igreja reservou para si o trabalho missionário, a catequese, o ensino religioso, o ensino escolar, a missa, os sacramentos, as procissões, a evangelização, entre outras atividades. Ficou responsável também pela educação: articulou a educação religiosa com a educação para as ciências e para as humanidades para subordiná-la à fé católica.

O capítulo 2, O Brasil Colonial como parte do Império Português, discute a organização social e econômica do Brasil Colônia. Destaca que as culturas açucareira, mineira e pecuária, entre outras, contribuíram para o surgimento de novas camadas sociais, baseadas em classes de interesses antagônicos, em que o tráfico e o comércio de escravos impulsionaram a produção de riquezas coloniais.

Segundo a autora, a preservação do status quo de uma pequena parcela da sociedade colonial configurou-se com base no sacrifício de indígenas e escravizados africanos. Os escravos, por exemplo, eram tratados como gado, inclusive, marcados com ferro em brasa; além disso, quando chegavam à colônia, eram separados de suas famílias, acorrentados, colocados em depósitos, tinham suas cabeças raspadas e vendidos nas ruas. Ao fugirem, após a captura, eram amarrados e chicoteados; muitos deles, diante da crueldade insuportável, cometiam suicídio.

Nas fontes pesquisadas, a autora entende que a classe dominante era formada pelos portugueses e seus descendentes, constituíam a nobreza metropolitana, com domínio do poder político e econômico. Por outro lado, a maioria da população, os escravos, era responsável pela produção de riquezas, submetida a trabalhos forçados e destituída de quaisquer privilégios. Nesse contexto, as ordens religiosas, além de serem detentoras de privilégios, agregavam muita riqueza e ostentação, inclusive, as classes dominantes patrocinavam as ordens religiosas para disseminação da cultura cristã e de seus interesses. O clero também pertencia à nobreza. Muitos deles eram oriundos da classe dominante, o que marcou o lugar social dos religiosos com características elitistas.

No capítulo 3, A expressão barroca e fé colonial, a autora assinala que a evangelização do Brasil expandiu-se a partir do Concílio de Trento (1545-1563), por meio da instalação de bispado, inúmeras paróquias, capelas rurais, missões, associações, irmandades e ordens terceiras. As diretrizes jurídicas e ideológicas do poder eclesiástico foram instituídas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707, elaboradas por uma equipe de religiosos jesuítas cujos objetivos legitimavam e conformavam o caráter evangelizador e colonizador do Brasil.

Para ela, a ação ideológica e a mentalidade da Igreja e do Estado Português contribuíram para o processo de conservação da sociedade em classes. No que se refere à educação, a Igreja ofereceu oportunidades desiguais, expressou preconceitos, justificando-os em nome do Evangelho. As ordens religiosas, como os carmelitas, mercedários e franciscanos, proporcionavam aos não brancos o ensino de primeiras letras, o ensino profissionalizante, a catequese e a cristianização.

Para ingressar na carreira eclesiástica e em algumas irmandades, afirma a autora, era necessário que os candidatos fossem cristãos velhos e brancos legítimos. As ordens religiosas eram classificadas e, nas procissões, tinham lugares marcados, de acordo com a posição social; porém, o espaço das irmandades “[…] era o único lugar onde o cristão de qualquer cor ou etnia podia sentir-se seguro” (CASIMIRO, 2012, p. 81). As irmandades não se caracterizavam somente como uma forma de manifestação religiosa, mas também como a possibilidade de acesso à cultura dominante pela obtenção de privilégios, graças e indulgências, uma vez que a organização da Igreja naquele período era caracterizada por uma religiosidade informal fundamentada na intimidade com os santos, cultos exteriores, festas religiosas, procissões e romarias.

No capítulo 4, A Pedagogia barroca colonial: os franciscanos na dilatação da fé e do Império, a autora propõe que a religião e a educação tiveram papel determinante na formação cultural do Brasil, mediadas pelas manifestações artísticas barrocas. Essa relação ocorria por meio dos sermões, da literatura, da música e das artes plásticas. Para cada classe, existia um processo de evangelização e uma educação. Os filhos dos brancos estudavam em colégios e seus estudos eram complementados em Portugal. A maioria da população, os não brancos, recebia rudimentos das primeiras letras, o ensino profissionalizante, a catequese e a cristianização. Os franciscanos atuavam na educação missionária, na educação de primeiras letras e na formação de seus quadros.

De acordo com a autora, a partir de 1707, todas as ordens terceiras, dentre outras instituições religiosas, passaram a ser regidas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Havia uma série de pré-requisitos para fazer parte dos quadros da ordem: pureza de sangue, cor da pele e a situação socioeconômica. A enorme quantidade de bens adquirida pela Ordem estudada por ela, ao longo do período colonial, tornou complexa a administração de seu patrimônio, que se caracterizava de maneira centralizada, hierárquica e burocratizada. Os recursos vinham de duas fontes: uma de doações dos bens encapelados, esmolas, doações de joias e objetos sacros, profissões, promessas e coleta de dinheiro, e a outra, oriunda da aplicação desses bens em aluguéis, foros, juros, laudêmio etc. Nos atos litúrgicos, nas festas, solenidades e procissões religiosas, o que predominava era a estética barroca, luxuosa, de fausto e esplendor, tudo em conformidade aos propósitos pedagógicos da Igreja contrarreformista.

No capítulo 5, As procissões coloniais como fenômeno pedagógico, religioso e humano, a autora afirma que os atos litúrgicos, as festas e solenidades civis no Brasil Colonial apresentavam uma luxuosa estética de caráter barroco, em suas formas, fausto e esplendor. A riqueza decorativa e diversificada das procissões religiosas respeitava as formas de expressão da época, bem como o ordenamento e a sedimentação social que conformavam os poderes instituídos.

Ela destaca que as procissões tradicionais da Bahia sobreviveram até em torno de 1940, são elas: Senhor dos Navegantes; Nossa Senhora da Boa Virgem; Senhor dos Passos da Ajuda; Senhor Bom Jesus da Paciência; Senhor Bom Jesus dos Passos da Regeneração; Senhor da Redenção; Enterro do Senhor; Ressurreição; São José, São Benedito; São Francisco Xavier; Corpo de Deus; Nossa Senhora do Carmo; Nossa Senhora da Boa Morte; Nossa Senhora do Rosário das Portas do Carmo; São Pedro Gonçalves; Nossa Senhora da Conceição da Praia.

Em seus estudos, verificou que os fiéis eram obrigados a comparecer nos atos litúrgicos, nas festas e solenidades. Nos casos de desobediência, aplicavam-se punições pecuniárias, castigos, excomunhões e, em casos graves, açoites, degredos e galés. Os aspectos pedagógicos envolviam a educação do corpo e da espiritualidade, por meio de práticas que impunham medo, ameaças, admoestações e punições.

No capítulo 6, Aspectos religiosos e pedagógicos da procissão de cinza dos Terceiros Franciscanos, a autora propõe que as procissões na Bahia Colonial envolviam artistas e artífices de diversas naturezas na produção de imagens, roupas, joias, cabelos, pintores, andores, faixas, decoração das ruas, entre outras. Elas possuíam um caráter didático, destinavam a despertar a piedade e a fé cristã.

A procissão da penitência ou da ‘Quarta-feira de Cinzas’, segundo ela, caracterizou-se como um dos importantes eventos religiosos franciscanos do período colonial. O objetivo da procissão era penitencial; além disso, os aspectos pedagógicos da ordem eram vinculados à história da Ordem, que envolvia as virtudes teologais (fé, esperança e caridade) e cardeais (prudência, justiça, temperança e fortaleza).

Para ela, o declínio das ordens terceiras seguiu o mesmo fim das ordens primeiras, regulares e do poder da Igreja, ainda mais, pela expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, em 1759. Pode-se afirmar que as procissões coloniais acompanharam o estilo estético da época. A procissão extinguiu-se em 1864, sendo que, aos poucos, aboliram-se os ornamentos e as alegorias luxuosas. A espiritualidade dos terceiros franciscanos caracterizou-se como uma espiritualidade de pessoas que vivem no mundo. Tinha como ideal a mensagem da pobreza franciscana; no entanto, aceitava toda a riqueza destinada aos altares, mediante vultosas quantias, joias e imóveis. Essa foi, segundo a autora, a pedagogia que se configurou no contexto da Bahia no período colonial.

Na Conclusão, ela defende que a mensagem pedagógica presente nas procissões objetivava persuadir os fiéis pelo seu aspecto teatral. Essa pedagogia suscitava a ideia do pecado, a penitência e a ideia de salvação. Configurou-se uma concepção de educação de conformação religiosa que subordinava a educação à fé para a ‘Maior Glória de Deus e da Igreja’. As imagens do ‘Senhor Morto’, de Santa Margarida de Cortona e do conjunto escultório de São Francisco de Assis recebendo as ‘chagas’ de Cristo Crucificado tinham um forte apelo pedagógico, confundindo obediência a Deus com obediência ao patrão.

A análise da Ordem Terceira de São Francisco da Bahia feita pela autora caracteriza-se como uma importante contribuição ao campo da História e da História da Educação no Brasil, ao relacionar religião, educação e arte, em um contexto social de interesses antagônicos. Nele, a religião configurou-se como um instrumento poderoso de dominação, em que a educação do fiel impunha a obediência pela penitência, com a diferença de que, para cada classe social, havia uma evangelização e uma educação, contraditoriamente ao espírito de pobreza idealizado pelo movimento franciscano em suas origens, por envolver espiritualidade, luxo e fé. O livro nos mostra que a indistinção entre religião e vida política tem uma longa história no Brasil. A leitura do livro nos fornece pistas para a discussão sobre as origens remotas da mistura entre vida religiosa e vida política.

Trata-se de uma leitura recomendada aos pesquisadores que pretendem aprofundar o entendimento das relações entre Estado e Igreja, entre religião e política, tão presentes em nossa história. A autora explora um corpus documental que é praticamente desconhecido dos pesquisadores da área. O livro apresenta um conjunto de documentos que podem ser mais amplamente pesquisados.

Cézar de Alencar Arnaut de Toledo – Doutor em Educação pela UNICAMP (1996). Professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá/UEM-PR, Líder do Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Educação na Modernidade. E-mail: [email protected]

Marcos Ayres Barboza – Psicólogo no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná Câmpus Paranavaí, Mestre em Educação (2007) pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá/UEM-PR Estudante do Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Educação na Modernidade. E-mail: [email protected]

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Quaderni del Carcere: Edizione crittica dell’Istituto Gramsci a cura di Valentino Gerratana | Antonio Gramsci

Uma obra pode ser considerada um clássico quando projeta influência para além de seu tempo e espaço. Assim pode ser definida a obra de Antônio Gramsci (1891-1937), cuja influência sobre as Ciências Sociais e Humanas pode ser medida pelo grau de apropriação que as diferentes matrizes e correntes epistemológicas fizeram de seus escritos.

A leitura de Gramsci sobre o desenvolvimento histórico da sociedade italiana e suas análises sobre os problemas culturais, sociais, políticos, econômicos e educacionais de seu tempo tornaram seu pensamento um importante referencial teórico sobre o século XX. Leia Mais

L’histoire des jésuites en Haïti aux XVIIIe et XXe siècles (1704-1763 – 1953-1964) | François Kawas

A Companhia de Jesus teve e ainda tem tido uma decisiva presença na história da América. Este fato, para ser avaliado de modo mais adequado, deve ser considerado juntamente com a ação política, catequética e pedagógica desses padres. Além disso, é necessário lembrar os freqüentes conflitos com as demais ordens religiosas, com os colonizadores, com as autoridades civis, além, é claro, dos protestantes. Esses conflitos, em várias ocasiões, determinaram expulsões ou escaramuças localizadas. Assim, a discussão sobre o papel desempenhado pelos jesuítas na colonização da América torna-se não só um atrativo acadêmico, mas também uma necessidade de atualização do próprio debate acadêmico. Esse debate pode esclarecer vários pontos dessa história, não só os aspectos catequéticos ou religiosos, mas também os políticos e administrativos. No entanto, o acesso às fontes primárias é difícil para a maior parte dos pesquisadores e os deslocamentos para os lugares onde elas podem ser encontradas são custosos. Além disso, é comum a precariedade da conservação e da organização de boa parte dos documentos existentes, o que também dificulta a pesquisa. Leia Mais

Conquista Espiritual. A história da evangelização na Província do Guairá na obra de Antonio Ruiz de Montoya, S. I. (1585-1652) | Jurandir Coronado Aguilar

O livro trata da história da evangelização feita pelos jesuítas no início do século XVII no Guairá, região da fronteira do Brasil com o Paraguai. Pelo lado brasileiro é a região de Guairá, no Paraná. A figura do padre Antonio Ruiz de Montoya S. I. (1585-1652) é destacada pelo autor e analisada mais detidamente. A obra é resultante das pesquisas feitas pelo autor em seu doutorado em História da Igreja cursado na Pontifícia Universidade Gregoriana do Vaticano. A pesquisa mereceu o Prêmio Bellarmino de 2001 e foi publicada no ano de 2002 em Roma. O texto é apresentado em português.

O autor é presbítero da diocese de Campo Mourão, no Paraná, desde 1989. Sua formação sacerdotal básica foi realizada nos seminários de Maringá e Londrina, no Paraná, e em Florianópolis, Santa Catarina (Instituto Teológico). Leia Mais