Migrant City: A New History of London | Panilos Panayi

Panilos Panayi Imagem Times Higher Education
Panilos Panayi | Imagem: Times Higher Education

According to a survey carried out by the National Federation of Fish Fryers in the 1960s, the first fish and chip shop was opened by Joseph Malins in 1860 on Old Ford Road in the East End of London (p. 234). The combination of the fried fish that had been sold and eaten in the Jewish East End since the early nineteenth century with chips created what became a quintessentially British meal. This is one of many examples included in Panikos Panayi’s Migrant City: A New History of London of how migrants have contributed to the culture and economy of London and in turn the United Kingdom.

Panayi makes clear the crucial role that migrants have played in the development of London as a global centre of trade, finance, culture, and politics. He ties this to London’s status as both the centre of a global empire and the largest city in the world for much of the nineteenth and twentieth centuries. More than half of migrants arriving in the United Kingdom from abroad moved to London, whose history of migration stretches back to its Roman founding. London, therefore, had long been cosmopolitan and by the late twentieth century had become ‘super-diverse’, with residents born in more than 179 countries, many beyond Europe or the former British Empire. Leia Mais

A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica | Mariana Muaze e Ricardo H Salles (R)

MUAZE e SALLES
Mariana Muaze e Ricardo Salles | Foto: Divulgação

MUAZE e SALLES A segunda escravidaoO desembarque do conceito de segunda escravidão na historiografia brasileira encontra importante expressão com a publicação do estudo crítico que, além da apresentação do historiador norte-americano Dale Tomich, reuniu quinze historiadores para o exame da relação entre capitalismo e escravidão no século XIX.

Denominada A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica, a coletânea é resultado dos trabalhos de pesquisas e discussões do grupo interinstitucional “O Império do Brasil e a segunda escravidão”, formado por pesquisadores da Unirio, Mast, UFF, USP, Unifesp, UFJF e UFSC e pelos integrantes do Laboratório de Estudos sobre o Brasil e o Sistema Mundial (Lab-Mundi/USP).

Se o propósito era pensar a porosidade do conceito de segunda escravidão, ele se configura na breve apresentação de Dale Tomich, que nos indica que “segunda escravidão é um conceito aberto que tem o objetivo de repensar a relação entre capitalismo e escravidão e as causas desta última no Oitocentos” (Tomich, 2020, p. 13). Pretendendo sublinhar que a abordagem da segunda escravidão trata “as relações escravistas históricas reais [que] são constituídas […] pela forma das relações senhor-escravo […] por processos de produção materiais específicos (açúcar, café, algodão) […] por sua posição relativa na divisão internacional do trabalho e no mercado mundial […]” (p. 14), realça que a origem do conceito é fruto da “insatisfação com histórias lineares da escravidão que a veem como incompatível com o capitalismo industrial e as ideias liberais de propriedade e liberdade” (p. 13).

É nesse quadro de “escravidão em interação com a construção dos Estados nacionais e com a expansão internacional do mercado escravista” (Muaze, Salles, 2020, p. 19) que se deve colocar o livro organizado por Mariana Muaze e Ricardo Salles. O que primeiro chama a atenção é que a coletânea tem como pilar central “o problema histórico de como a escravidão moldou o capitalismo brasileiro no século XIX e na atualidade” (p. 20). De fato, esse eixo central, colocando problemas, proporciona análises, revisões e novidades que enriquecem o conhecimento que se tem da escravidão.

A obra é dividida em quatro partes. Na primeira, aborda-se a constituição da “Segunda escravidão e o capitalismo histórico em perspectiva atlântica”. Seu mérito reside na estimulante e bem arejada exposição de Leonardo Marques sobre o percurso historiográfico das ideias que compõem o espectro analítico do conceito de segunda escravidão e sobre os desafios de integrar o mundo político e cultural nas narrativas de emergência e destruição da segunda escravidão. Além de contar com o “ensaio de historiografia” de Ricardo Salles, no qual direciona especial atenção para o debate sobre as relações entre capitalismo e escravidão, partindo da consideração de que nos Estados Unidos “o problema dessas relações se apresentou de forma mais aguda” (Salles, 2020, p. 27). Já no último capítulo da primeira seção, Rafael Marquese tece comentários críticos.

A segunda parte, “Segunda escravidão e diversidade econômica e regional”, reúne quatro trabalhos. No primeiro, Luiz Fernando Saraiva e Rita Almico, com o intuito de investigarem a associação entre escravidão e a modernização da economia brasileira no século XIX, identificam as relações entre as economias mercantis escravistas regionais e a segunda escravidão. Em seguida, Walter Pereira direciona especial atenção para o dinamismo econômico do município de Campos dos Goytacases, ao longo da segunda metade do século XIX. As reflexões críticas desses artigos condensam os comentários de Renato Leite Marcondes e Gabriel Aladrén.

Já a terceira parte confere centralidade à relação entre segunda escravidão e o período Colonial Tardio. Valendo-se dos artigos de Carlos Gabriel Guimarães e Carlos Leonardo Kelmer Martins e comentários de Rodrigo Goyena Soares, essa seção combina reflexões epistemológicas e resultados preliminares de pesquisa.

A última seção do livro apresenta discussões metodológicas. O debate gira em torno das possíveis articulações entre o micro e o macro. Em outras palavras, do entrelaçar das propostas advindas da segunda escravidão e da micro-história. Três historiadores, Mariana Muaze, Thiago Campos Pessoa e Waldomiro Silva Junior, se dedicam a esse esforço. No último capítulo, a historiadora Mônica Ribeiro de Oliveira elabora os comentários críticos sobre as proposições metodológicas.

Ricardo Salles, no primeiro capítulo, faz uma longa travessia historiográfica desde Graham, Genovese, Fogel e Engerman aos recentes estudos de Sven Beckert e Seth Rock­man. Retoma tradições de pensamento sobre escravidão e capitalismo: os esforços comparativos entre o “Velho Sul” e o Brasil; o problema das mentalidades ditas “mais racionais” diante dos comportamentos patriarcais de status e poder; a lucratividade, racionalidade e caráter capitalista da escravidão propostas pela New Economic History; os riscos dos excessos de empirismo ou de abstração teórico-metodológica no ofício do historiador; o capitalismo da escravidão de Rockman e Beckert; a centralidade da economia sulista norte-americana no desenvolvimento capitalista; a escravidão nos Estados Unidos face ao pacto político da estrutura de poder federativa; e, no caso brasileiro, o Império do Brasil e sua estrutura de poder unitária, assentada na difusão da escravidão por todo território, alicerçada na hegemonia política e social da fração da classe senhorial da bacia do Paraíba do Sul. E, por fim, a validade instrumental do conceito de segunda escravidão como uma estrutura histórica específica.

Salles aponta que o conceito de segunda escravidão “hibernou” entre 1988 e até fins da década de 1990. Em 1999, de maneira “pioneira e isoladamente” Christhopher Schmidt-Nowara valeu-se do conceito para analisar a escravidão cubana e porto-riquenha no Novo Império Colonial Espanhol do século XIX. Em 2004, o conceito desembarcou no Brasil. Rafael Marquese o empregou em Feitores do corpo, missionários da mente.

No plano da historiografia brasileira, subjacente a essa escolha conceitual, Salles indica que a apropriação do conceito de segunda escravidão relaciona-se diretamente ao “abandono do conceito de capitalismo” pelas correntes historiográficas do “sentido arcaico da escravidão brasileira e a historiografia com ênfase na agência escrava” (Salles, 2020, p. 36). O novo aporte não apenas conduz a análise para o dimensionamento do processo de longa duração e os quadros globais do capitalismo histórico como também para “a discussão da relação entre escravidão e desenvolvimento do capitalismo dependente, periférico e excludente no país” (p. 36).

No capítulo seguinte, cujo objetivo é aprofundar o debate historiográfico sobre escravidão e capitalismo, Leonardo Marques aponta limites e potencialidades do conceito de segunda escravidão. Valendo-se de amplo espectro historiográfico, perpassa o marxismo, a noção de sistema-mundo, Global History e a New History of Capitalism. A exposição reconhece como mérito da segunda escravidão, além de recolocar em cena o tema escravidão e capitalismo, o questionamento que ela oferece contra “o nacionalismo metodológico que ainda informa uma parcela importante da produção historiográfica mundial […]”. (Marques, 2020, p. 55). Para Marques, a contribuição historiográfica essencial é a visão integrada dos mútuos condicionamentos das três principais sociedades escravistas das Américas (Cuba, Brasil e Estados Unidos), pois permite reconstituir o lugar dessas sociedades no capitalismo global do século XIX. Tomando por base essa perspectiva, indica que, diante desse enquadramento analítico, ultrapassa-se o conceito de segunda escravidão, pois, nesse caso, “o procedimento sugerido por Tomich é mais importante do que o próprio conceito […]” (Marques, 2020, p. 68).

Como resultado dos dois capítulos iniciais, Rafael de Bivar Marquese propõe reflexões historiográficas sobre a escravidão histórica e o capitalismo histórico. Nesse debate, ganham contornos as divergências entre as interpretações de Ricardo Salles e Leonardo Marques. O dissenso centra-se na tensão entre o lugar dos Estados nacionais na especificidade das trajetórias dos espaços escravistas das Américas e a perspectiva de que o capitalismo como sistema transpõe fronteiras políticas e combina múltiplas formas de trabalho compulsório. Marquese sublinha, de um lado, a importância da profunda descontinuidade das trajetórias dos espaços escravistas na virada do século XVIII para o XIX, a “segunda escravidão” e, de outro, a integração da economia-mundo, novos espaços escravistas e as relações de produção, distribuição e consumo. Essa afirmativa desloca o olhar para as totalidades como interdependências mútuas, tais como as relações entre mercado mundial, divisão internacional do trabalho e o fenômeno do “ciclo britânico de acumulação”.

É nesse quadro do pensamento econômico que a coletânea avança para a segunda parte “Segunda escravidão e diversidade econômica e regional”. Os capítulos representam não apenas esforços analíticos que visam examinar de maneira integrada economias mercantis escravistas regionais, inovações tecnológicas, indústrias e segunda escravidão mas também nos revelam uma agenda de pesquisa, como nota Renato Marcondes. O texto “Raízes escravas da indústria brasileira” procura mapear a persistência da escravidão, diversidade regional e modernização da economia brasileira nos séculos XIX e XX. Com enfoque regional, o capítulo seguinte, de autoria de Walter Pereira, analisa a dinâmica econômica e da escravidão na bacia do rio Paraíba do Sul, suas atividades agrícolas e bancárias, inovações tecnológicas, ferrovias, embarcações a vapor e bondes.

Ao longo da terceira parte, no primeiro artigo de Carlos Gabriel Guimarães, o que se verifica é uma grande riqueza de análise que, apesar da advertência do autor que “as pesquisas nos arquivos ainda estejam no início”, revela a especificidade da inserção dos negociantes ingleses Joseph e Ralph Gulston e suas conexões globais financeiras e comerciais, em especial, com a comunidade mercantil lisboeta, carioca e africana.

Numa outra proposta, intitulada “O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob a égide mercantilista”, o historiador Carlos Kelmer Martins enfatiza, do ponto de vista teórico e metodológico, as interseções e diálogos entre as premissas do conceito de segunda escravidão, do mercantilismo e da complexidade política, social, cultural e econômica do sistema mundial setecentista. Rodrigo Soares, responsável pelos comentários críticos, considera que o mérito de Kelmer Martins “está na percepção da desigualdade entre as sociedades ou no seio de cada uma, como decorrência de uma forma combinada integrada” (Soares, 2020, p. 226).

Na quarta e última parte, intitulada “Segunda escravidão, micro-história e agência”, o que está em jogo no par macro e micro é um redimensionamento dos objetos e questões. Em todos os capítulos a abordagem é convergente. Reafirma-se o ofício do historiador como possibilidade de articulação da dimensão macroestrutural aos elementos da micro-história, assim como se procura sofisticar as pesquisas a partir do conceito de segunda escravidão. Mariana Muaze aponta caminhos para superar a incompatibilidade fundante entre a micro-história e a segunda escravidão. Em outra chave, Thiago Pessoa conjuga análise empírica, decorrente dos resultados de pesquisa no Arquivo Nacional, a abordagem metodológica da micro-história e as contribuições do conceito de segunda escravidão. Nesse movimento, valoriza as contribuições da redução de escala e as potencialidades da perspectiva global a fim de examinar a classe senhorial do Império do Brasil, as redes de negócios e sociabilidade, o complexo cafeeiro, o tráfico e a escravidão.

Por essas razões, Waldomiro Lourenço da Silva Júnior afirma que a segunda escravidão, como conceito analítico que abrange zonas de plantação mais dinâmicas e capitalizadas da economia global, em especial, no Brasil, o complexo cafeeiro, não estaria invalidada por não contemplar a escravidão urbana e portuária, a produção com pequenas escravarias voltadas para o abastecimento em Minas Gerais ou a indústria baleeira catarinense. Para o autor, a validade da noção de segunda escravidão configura uma “questão elementar de epistemologia” em que “a validade cognitiva de uma categoria de análise não se limita necessariamente às constatações empíricas que respaldaram a sua formulação” (Silva Júnior, 2020, p. 282). Portanto, as evidências da escravidão em economias como Minas Gerais, Santa Catarina ou de regiões portuárias ou urbanas seriam decorrência direta da dinâmica da segunda escravidão: “as outras formatações da escravidão só persistiram a longo prazo no Brasil porque existiu uma base material nuclear suficientemente sólida (a base da segunda escravidão), que garantiu, no campo político, as condições para sua perpetuação” (p. 282).

Como bem lembra Monica Ribeiro de Oliveira, apesar das contribuições de Muaze, Silva Júnior e Pessoa, os desafios postos pela articulação da micro-história à perspectiva macro permanecem em aberto.

De modo geral, o conceito de segunda escravidão, subjacente a todos os trabalhos do livro, nem sempre alcança o objetivo de dotar a obra de relativa unidade e também da porosidade conceitual desejada por Dale Tomich na apresentação. No entanto, certamente, alguns trabalhos ganharão espaço na historiografia, mais pelo valor do debate apresentado do que pelas conclusões.

É importante compreender que a obra reflete, ao mesmo tempo, o esvanecimento da história econômica, hegemônica por décadas na academia brasileira e em seus cursos de graduação e pós-graduação em história, e também sintetiza uma retomada.

Apesar dos novos horizontes metodológicos, a formulação do conceito de segunda escravidão (1988) é oriunda, em parte, no caso da interpretação sobre a economia brasileira, das ideias encontradas em Formação econômica do Brasil (1959) de Celso Furtado, um dos autores citados por Tomich no capítulo fundador do conceito de segunda escravidão. É no mínimo curioso que nenhum dos capítulos de A segunda escravidão e o império do Brasil em perspectiva histórica mencione o livro de Celso Furtado em suas referências bibliográficas, nem o possível impacto da interpretação de Furtado na gestação conceitual de segunda escravidão, ou associe o fato de que concepções furtadianas ganharam nova roupagem historiográfica.

Referências

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil [1959]. 15a ed. São Paulo: Editora Nacional, 1977.

MARQUES, Leonardo. Unidades de análise, jogos de escalas e a historiografia da escravidão no capitalismo. In: MUAZE, Mariana ; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria, 2020, p. 53-74.

MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

SALLES, Ricardo H . A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão: ensaio de historiografia. In: MUAZE, Mariana ; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria, 2020, p. 27-52.

SILVA J JÚNIOR, Waldomiro Lourenço da. A segunda escravidão: o retorno de Quetzalcoatl? In: MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria, 2020, p. 279-285.

SOARES, Rodrigo Goyena. Comentário: benefícios e limites da segunda escravidão como método para uma razão dialética. In: MUAZE, Mariana ; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria , 2020, p. 223-238.

TOMICH, Dale. The “second slavery”. In: TOMICH, Dale. Through the prism of slavery Lanham: Rowman & Littlefield, 2004, p. 56-71.

Télio Cravo – Pós-doutorando em História pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). São Paulo(SP), Brasil. [email protected].


MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo H. . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica.São Leopoldo: Casa Leiria, 2020. 298p. Resenha de: CRAVO, Télio. Desembarque da segunda escravidão na historiografia brasileira. Tempo. Niterói, v.27, n.1, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF]

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Michael Young, Social Science & The British Left, 1945-1970 / Lise Butler

BUTLER Lise 1

Design sem nome 1All historical actors ultimately defy our neat labels. Practically speaking however, some are more defiant than others. One such figure is the dynamo ‘social entrepreneur’, Michael Young. (1) It has become a cliché to rattle off the dizzying array of institutions, projects and ideas with which Young was involved in his long and energetic career. But then, it is difficult to resist a list as eye-catching as: the Labour Party’s 1945 manifesto; the foundational sociology text Family and Kinship in East London (1957); the concept of ‘meritocracy’; the Consumer Association and Which? Magazine; and the Open University. While Young’s professional life is tricky to pin down, its diversity–and his archive at Churchill College, Cambridge–offers a promising avenue through which to approach post-war Britain. In this rich, textured, and revelatory book, the historian Lise Butler has seized this opportunity with both hands. Leia Mais

A Elite do Atraso: da Escravidão à Lava Jato | Jessé Souza

Jessé José Freire de Souza, formado em Direito pela Universidade de Brasília (1981), concluiu o mestrado em Sociologia pela mesma instituição em 1986. Em 1991, doutorou-se em Sociologia pela Karl Ruprecht Universität Heidelberg(Alemanha), país onde obteve livre docência nesta mesma disciplina Universität Flensburg em 2006. Também fez pós-doutorado em Filosofia e Psicanálise na New School for Social Research, Nova Iorque, (1994/1995). A partir de 2009, Souza fomentou pesquisa sociológica em todo o país para corroborar a tese de que havia surgido uma “nova classe média” no Brasil. O levantamento feito por ele indicou a configuração de nova nomenclatura, a saber, “ralé”, “batalhadores”, “classe média e “elite”, sendo os dois últimos atores de exploração aos dois iniciais, ou seja, detentores de privilégios históricos. Nesse contexto, Jessé Souza escreveu a obra “A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava Jato”, em 2017 com o intuito de resgatar os precedentes históricos da sociedade brasileira afim de entender a situação atual do país. O autor lançou o livro pra averiguar a trajetória política, econômica e social do Brasil a partir da análise de suas classes sociais. O trabalho de Souza se compromete a tecer críticas ao modelo atual de classes no Brasil, destruindo o paradigma entre “Patrimonialismo” e “Culturalismo racista” que estão enraizadas na sociedade brasileira. Leia Mais

An Economic and Demographic History of São Paulo – 1850-1950 – LUNA; KLEIN (RBH)

Este livro é continuação do volume anterior, que tratava dos períodos colonial e imperial. Nesta nova obra, os autores estabelecem como balizas temporais os anos de 1850 e 1950. Juntos, os dois volumes buscam analisar as histórias econômica e social de São Paulo, desde o período colonial até a primeira metade do século XX. Leia Mais

Valsa brasileira: do boom ao caos econômico | Laura Carvalho

Os governos de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2010-2016), constituindo parte de um contínuo temporal e fazendo parte de um mesmo grupo político, o Partido dos Trabalhadores (PT), conformam um período de experimentações fiscais que, em um período de pouco mais de uma década, foram do crescimento à contração. Herdando um país estagnado e às voltas com a inflação, os dois presidentes aplicaram políticas de incentivo e austeridade para tentar contornar a situação inusitada das décadas de 2000 e 2010, com variados graus de sucesso. Chama a atenção, no entanto, a transformação de uma matriz social-democrática, principalmente entre os anos 2006 e 2010, para um extremo conservadorismo fiscal, entre 2015 e 2016, que marcam o colapso do período petista com o impeachment da ex-presidente Dilma. Laura Carvalho, ao analisar essas transformações constrói, em Valsa Brasileira (2018), um panorama das políticas econômicas adotadas entre 2003 e 2016, lançando luz às escolhas e circunstâncias que, em cerca de uma década, levaram o Brasil de um crescimento sustentado a uma recessão profunda.

A autora, bem distante dos bastidores em que reside a maioria dos trabalhos de economistas, faz das suas análises propostas públicas para construir um novo modelo econômico de crescimento ao Brasil. Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2006, se especializou em Economia da Indústria e da Tecnologia em 2008, pela mesma universidade, e em macroeconomia pela New School of Social Research, onde estudou os possíveis caminhos para a retomada de crescimento econômico após períodos de recessão. Foi professora na Fundação Getúlio Vargas (FGV) entre 2012 e 2015, quando se tornou docente da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Atualmente, contribui para o debate público através de suas colunas em jornais de grande circulação, como a Folha de São Paulo e o Nexo.

Como chave de análise econômica dos 13 anos que constituem o período petista, a autora apresenta a matriz fiscal como os três passos de uma valsa, que marcam três momentos distintos, alusivos às políticas levadas a cabo nesse período. O primeiro, “um passo à frente”, representa o governo Lula II (2006-2010), articulando a distribuição de renda com o investimento público elevado. O segundo, “um passo ao lado”, foi o governo Dilma I (2011-2014), com a adoção da “agenda Fiesp”, denominada “Nova Matriz Econômica”, com incentivos fiscais para o setor industrial. Por fim, o terceiro, “um passo atrás”, conforma o curto período do governo Dilma II (2015-2016), em que foram adotados políticas de austeridade e arrocho fiscal que, em última instância, representou o desmonte do frágil Estado de bem-estar social construído nas décadas anteriores (CARVALHO, 2018: 11-12). O livro é dividido em cinco capítulos distintos: os três primeiros descrevem respectivamente os três “passos de dança” da economia brasileira; o quarto traz uma análise global da situação nacional e de seus possíveis caminhos para superar as dificuldades, considerando as nossas especificidades econômicas; o quinto, um breve epílogo sobre a emergência do autoritarismo a partir do desgaste econômico que, no mundo todo, foi provocado pelas décadas sucessivas de austeridade.

No primeiro capítulo, “O Milagrinho brasileiro: um passo à frente”, Carvalho analisa os oito anos do governo Lula da Silva, considerando, especificamente, a sua matriz econômica. Conforme investiga a autora, esse período foi marcado por guerras intestinas dentro do governo e do próprio Partido dos Trabalhadores, nas quais se opunham os que procuraram manter, num primeiro momento, as políticas herdadas de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), com baixas taxas básicas de juros e a busca por manutenção do superávit primário, e os que acreditavam na necessidade de uma maior ousadia fiscal. Essa política marcou o seu primeiro mandato (2003-2006), embora tenha mantido o baixo crescimento do PIB. Para demonstrar esses primeiros embates, a economista lança mão de reportagens e discursos que, embora apresentem in loco os desencontros nesse período, são usadas indistinta e acriticamente, sem considerar, por exemplo, os intuitos e silêncios nos discursos oficiais e as linhas editoriais dos diversos periódicos consultados.

Para Carvalho, foi apenas a partir do segundo governo que a matriz econômica foi alterada, focando, especificamente, em três aspectos: “a distribuição de renda da pirâmide, […] maior acesso ao crédito e maiores investimentos públicos em infraestrutura física e social” (CARVALHO, 2018: 19). Esse período, denominado “Milagrinho”, constituiu o “passo à frente”, uma vez que foi marcado por sustentado crescimento econômico e distribuição de renda. É notório que, a despeito de colocar em dúvida a continuidade indefinida desse sistema, apresenta estes três sustentáculos como uma política bem-sucedida de inclusão e crescimento, sob uma luz extremamente positiva. Baseando-se em estudos na área econômica (uma diferença em relação à primeira parte), a autora argumenta que esse crescimento permitiu não só o incremento da renda média da população, mas o próprio consumo, uma tese já consolidada nos estudos recentes sobre o período.[2]

No segundo capítulo, “A agenda Fiesp: um passo ao lado”, Laura Carvalho passa a analisar o incongruente período do governo Dilma, uma clivagem em relação ao governo anterior, a despeito de ser apontada como sua herdeira e sucessora direta. Mais ainda, é um período de intensas pressões políticas que a fizeram mudar radicalmente o rumo da economia brasileira, assumindo uma postura ortodoxa que, ao fim e ao cabo, sufocou o Milagrinho e fez o governo cair em uma espiral de austeridade e desregulação a partir de 2015. Segundo o histórico construído pela autora, a pressão do empresariado nacional levou à adoção de uma política fiscal rigorosa, contracionista, próxima ao “crescimento centrado nos desenvolvimentos industriais nos moldes asiático” (CARVALHO, 2018: 55). Como base, aponta os diversos manifestos de economistas que, a partir de jornais e colunas, propunham uma mudança na matriz econômica. Conclui, em retrospecto, que essa política não apenas não trouxe os resultados esperados, como acarretou a adoção de políticas cada vez mais ligadas ao neoliberalismo: incentivos fiscais, linhas de créditos às grandes empresas, o freio nos investimentos públicos estatais. Em última instância, isso provocou não apenas a deterioração fiscal, mas o aumento da dívida pública, que pautou, de 2015 em diante, uma política ainda mais radical.

O panorama desenvolvido pela economista termina no terceiro capítulo, “A panaceia fiscal: um passo atrás”, o terceiro movimento, e talvez o mais significativo, dos treze anos ininterruptos do governo petista. As políticas de austeridade iniciais tomadas no primeiro mandato de Dilma, ainda marginais, se tornaram agressivamente presentes a partir de 2015, principalmente com a posse, no Ministério da Fazenda, de Joaquim Levy. A completa desestruturação dos dois elementos que constituíram o Milagrinho – as políticas de distribuição de renda e o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento, que constituía financiamento público de obras de infraestrutura) – levou ao colapso de um modelo popular e sustentável da economia brasileira. Em especial, aponta a constante contradição nos discursos, mantendo a linha geral dos primeiros anos, com a política efetivamente aplicada, de estabelecimento de estímulos fiscais propostos pelo empresariado.

A falta de resultados, no entanto, com a estagnação do crescimento (embora a então presidente tenha aplicado à risca o receituário liberal), levou à criação de uma panaceia de todos os problemas: o impeachment. Apontada como a culpada pela estagnação, Rousseff foi derrubada pelo grande empresariado, articulado em torno da Fiesp, que explorou o peso político das “pedaladas fiscais”, uma vez que essas recaíam em uma das práticas vedadas pela Lei da Responsabilidade Fiscal. O resultado foi o colapso da era petista e a ascensão de Michel Temer (MDB), que assumiu de peito aberto o programa liberal por meio da então denominada “Ponte para o Futuro”. Objeto de análise por diversos campos, entre eles a Economia, a História e o Jornalismo, o fim melancólico de Dilma Rousseff é em geral apontado como fruto de políticas econômicas equivocadas somadas a uma intensa intriga palaciana, na qual a presidente foi considerada um entrave à adoção de políticas econômicas mais ortodoxas. À semelhança de Carvalho, diferentes autores buscam dramatizar esses dois anos de inflexão na política brasileira, como é o caso da economista Monica de Bolle (2016), com a crônica Como matar a borboleta azul, e da cineasta Petra Costa (2019), com o documentário Democracia em Vertigem.

A análise da autora se consolida nos dois últimos capítulos, em que, a partir do panorama construído nos três capítulos anteriores, busca estabelecer como criar uma economia que fuja da frágil ortodoxia liberal sem, entretanto, necessitar das circunstâncias que tornaram o Milagrinho possível. Em “Acertando os passos”, Laura Carvalho propõe que a matriz econômica adotada a partir de 2015 foi um “tiro no pé” por parte do empresariado, que nem de longe teve os retornos esperados. Propõe, portanto, a retomada dos elementos que, anteriormente, garantiram alguma inclusão social pelas políticas de Estado: o fim da austeridade, a retomada dos investimentos públicos, a reestruturação do Estado de bem-estar social, uma reforma tributária progressiva e o controle da taxa de juros.

O último capítulo, “Dançando com o Diabo”, é sintomático não apenas do momento em que a autora escreve, mas de seus propósitos políticos no que assumira vocalmente desde então. Não apenas ela aponta uma conformidade entre as políticas de austeridade e o aumento de tendências sociais autoritárias e populistas, um reflexo evidente nas eleições de 2018 (que, embora não seja citada diretamente, por certo influenciou a escrita de seu estudo), quanto propõe que um caminho democrático se dá pela inclusão e estabilidade dentro de um crescimento sustentado. Não à toa, muitas de suas políticas serviram de base para a construção das propostas políticas de Guilherme Boulos (PSOL), um dos candidatos mais à esquerda na eleição de 2018, da qual ela participou diretamente como consultora (NSC TOTAL – NOTÍCIAS DE SANTA CATARINA, 2018). Longe de ser um folhetim político, no entanto, Valsa Brasileira é um estudo do corolário de diferentes políticas econômicas que passaram do caráter popular ao de cópia do receituário liberal — levando, em última instância, ao colapso fiscal brasileiro em apenas três anos; assim como apresenta o desenrolar de uma nova perspectiva, heterodoxa, para a reconstrução do país no médio e longo prazo.

Nota

2. Com efeito, Samuels (2004), Marques (2005) e Singer (2010) apontam essas duas “facetas” do governo Lula, apontando não apenas a virada no primeiro para o segundo mandato, numa mistura de pragmatismo com políticas sociais, mas também a própria manutenção das bases econômicas liberais, contraditórias ao discurso socialista dos primeiros anos do Partido dos Trabalhadores.

Referências

ACTIS, Esteban. Del condominio a la dicotomía: las relaciones entre los gobiernos del PT en Brasil con el empresariado internacionalizado brasileño (2003–2016). Polis — Revista Latinoamericana, Santiago (Chile), n. 48, p. 175–199, 2017.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O governo Dilma frente ao “tripé macroeconômico” e à direita liberal e dependente. Novos Estudos, São Paulo, v. 32, n. 1, p. 5–14, mar. 2013.

CARVALHO, Laura. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.

CURADO, Marcelo. Por que o governo Dilma não pode ser classificado como novo-desenvolvimentista?. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 130–146, jan./mar. 2017.

DE BOLLE, Monica Baumgarten. Como matar a borboleta-azul: uma crônica da era Dilma. São Paulo: Intrínseca, 2016.

DEMOCRACIA em Vertigem. Direção: Petra Costa. Produção: Joanna Natasegara; Shane Boris; Tiago Pavan. Netflix, 2019. 1 vídeo (121 min). Acesso em: 24 set. 2020.

GURU econômico de Boulos, Laura Carvalho defende diminuir desigualdade como base do crescimento. NSC — Notícias de Santa Catarina, Florianópolis, 05 mai. 2018.

MARQUES, Luiz. Governo Lula: social-liberal ou social-reformista?. Porto Alegre: Veraz, 2005.

SAMUELS, David. From Socialism to Social-democracy: party organization and the transformation of the Worker’s Party in Brazil. Comparative Political Studies, v. 37, n. 9, p. 999–1024, nov. 2004.

SINGER, André. A segunda alma do Partido dos Trabalhadores. Novos Estudos, São Paulo, v. 29, n. 3, p. 89–111, nov. 2010.

Cláudio César Foltran Ulbrich1 – Estudante do 7º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. Realiza Pesquisa Individual sob a orientação da Profª Drª Andréa Carla Doré.


CARVALHO, Laura. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018. Resenha de: ULBRICH, Cláudio César Foltran. Cadernos de Clio. Curitiba, v.9, n.2, p.127-135, 2018. Acessar publicação original [DR]

Ao longo daquelas ruas: a economia dos negros livres em Richmond e Rio de Janeiro, 1840-186 – VILLA (Tempo)

VILLA, Carlos Eduardo Valencia. Ao longo daquelas ruas: a economia dos negros livres em Richmond e Rio de Janeiro, 1840-1860. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. 400 p.p. Resenha de: BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Ao longo daquelas ruas: a economia dos negros livres em Richmond. Tempo,  v.24 n.2 Niterói maio/ago. 2018.

Embora a história comparada tenha uma longa e importante trajetória na historiografia contemporânea, ela implica enfrentar uma série de questões que fazem com que poucos historiadores se aventurem nesse ramo. Em primeiro lugar, é necessário definir muito bem o que será comparado, pois os objetos selecionados devem conter ao mesmo tempo semelhanças (para que possam ser de fato comparados) e diferenças (para que se consiga avançar no conhecimento da área). Em seguida, é preciso recortar escopos documentais que permitam realizar a pesquisa, e isso é mais problemático à medida que se recua no tempo, pois os tipos documentais disponíveis para os objetos escolhidos tendem a ser cada vez mais diversos. Em terceiro lugar, é fundamental que se tenha clareza das opções metodológicas, bem como segurança em seu uso, para que elas permitam de fato articular as questões levantadas e as fontes disponíveis. Finalmente, há um problema cada vez mais recorrente no meio acadêmico e que inviabiliza muitas pesquisas comparadas, que é o tempo demandado para sua execução, pois no mínimo deve-se ter familiaridade com discussões historiográficas e fontes documentais distintas, as quais se pretende comparar.

A obra de Carlos Eduardo Valencia Villa é um bom exemplo de como todas essas questões podem ser enfrentadas com sucesso, mesmo no curto tempo que hoje se pode dedicar à realização do doutorado. E a prova de seu êxito é o fato de ter sido distinguida com o prêmio Anpuh-Rio de Janeiro Eulália Maria Lahmeyer Lobo no ano 2014. A publicação em livro da tese revista permite agora que um número muito maior de leitores possa ter acesso aos resultados de sua pesquisa. Contudo, mais do que apenas os resultados, creio que a melhor contribuição do livro reside na exposição de suas opções metodológicas, calcadas em vasto levantamento documental, que respeitou as especificidades de cada uma das cidades que ele decidiu comparar.

O primeiro aspecto a se destacar na obra é, portanto, a definição daquilo que será comparado. A escolha recaiu sobre duas cidades (Richmond e Rio de Janeiro) de dois países muito distintos (Estados Unidos e Brasil), embora entrelaçados por uma mesma instituição: o escravismo. Como destaca o autor, o que se irá comparar serão cidades oitocentistas, atlânticas e escravistas. Oitocentistas porque foi nesse momento histórico que ambas assumiram a posição de importantes centros econômicos, demográficos e políticos. Atlânticas porque a condição de porto não apenas as tornava semelhantes em muitos aspectos como também as unia por meio do comércio, sintetizado no binômio café (do Rio de Janeiro) com pão (do trigo de Richmond). Escravistas porque em ambas se empregavam vastos contingentes de escravos em amplos setores da sociedade. E, embora compartilhassem essas similaridades, elas também eram díspares: o Rio de Janeiro era uma cidade com uma população muito superior à de Richmond, e sua influência política no território nacional ao qual pertencia era muito maior do que o papel que Richmond chegou a desempenhar no sul dos Estados Unidos e mesmo em período posterior, durante a Guerra de Secessão. Entretanto, é exatamente nesse equilíbrio entre o que se assemelha e o que se diferencia que se buscam os melhores resultados de um estudo comparado.

O desafio seguinte enfrentado pelo autor foi conhecer as fontes documentais disponíveis em ambas as cidades que pudessem trazer informações sobre a economia de seus negros livres. E aqui residem os maiores problemas enfrentados. O autor reconhece que a grande flexibilidade social dos negros livres implicava desafios para conseguir acompanhá-los, tanto em Richmond quanto no Rio de Janeiro. Entretanto, em cada uma delas essa flexibilidade transparecia na documentação de forma diferente. A solução foi buscar fontes massivas de informação que também trouxessem os nomes dos indivíduos, de modo a poder cruzar as observações mais gerais da abordagem quantitativa com achados mais esclarecedores permitidos por uma abordagem qualitativa. Desse modo, foram levantados milhares de anúncios de jornais e de escrituras em ambas as cidades, além das listas de impostos pessoais e dos censos de Richmond. Também foram construídas algumas séries de dados econômicos, sobretudo de preços, que permitiram acompanhar as diversas conjunturas compartilhadas pelas duas cidades. Nesse sentido, deve-se destacar a periodização feita pelo autor, que dividiu as duas décadas de pesquisa em quatro momentos específicos: 1840-1846, 1847-1850, 1851-1856 e 1857-1860. A análise quantitativa deu à luz uma simetria bastante grande (embora não perfeita) entre os ciclos econômicos vividos pelas duas cidades, separadas por milhares de quilômetros, mas unidas pelo Atlântico. Essa união atlântica fica clara, por exemplo, quando se percebe que a conjuntura de crescimento econômico no início da década de 1850 no Rio de Janeiro, muitas vezes atribuída ao fim do tráfico de africanos e a consequente “liberação de capitais” para serem aplicados em outras atividades econômicas, na verdade foi compartilhada por Richmond, o que denota tratar-se mais de um movimento econômico internacional do que de uma conjuntura interna ao Brasil.

Um levantamento massivo de dados pode gerar, entre seus subprodutos, um atordoamento que impede a visualização de qualquer tendência ou sentido. Isso só pode ser minimizado por estratégias metodológicas bem-elaboradas e adequadas tanto ao objeto quanto aos dados disponíveis. Nesse sentido, a obra de Villa apresenta-se também como um bom guia metodológico para trabalhos historiográficos de mesma natureza. Além da análise estatística, tanto descritiva quanto inferencial, deve-se destacar o uso inovador da cartografia histórica em conjunto com o sistema de informação geográfica (SIG). O livro apresenta uma série de mapas das cidades de Richmond e Rio de Janeiro, baseados em cartas de época. Entretanto, esses mapas não são meras ilustrações, e sim uma estratégia metodológica elaborada para resolver o problema da falta de dados precisos sobre a localização dos sujeitos no espaço da cidade. Embora houvesse uma quantidade enorme de informações sobre indivíduos em locais específicos da cidade, não era possível compará-los no tempo, porque as referências a endereços não eram precisas. A solução encontrada foi trabalhar com áreas da cidade (em lugar de pontos individualizados), de modo a permitir acompanhar as transformações ocorridas ao longo do tempo, sobretudo no que diz respeito ao comportamento da mão de obra. Dado o uso ainda recente e incipiente do SIG na historiografia brasileira, esse é outro aspecto que torna a obra de Villa especialmente valiosa.

Do ponto de vista da apresentação, o livro se organiza em uma introdução, cinco capítulos e uma conclusão. A introdução é dedicada a uma discussão historiográfica que conduz o leitor à definição do tema: a economia dos negros livres em meados do século XIX. Daí, segue-se uma discussão da pertinência da comparação, justificando a escolha das duas cidades (Richmond e Rio de Janeiro). Há uma descrição das fontes que levaram a certas decisões quanto aos dados a serem levantados e às metodologias a serem adotadas. Finalmente, há uma justificativa do período a ser abordado (1840-1860).

O Capítulo 1 (“O vaivém nos portos”) descreve as cidades de Richmond e Rio de Janeiro, iniciando-se com a economia da cidade e sua ligação umbilical com as atividades portuárias. Esse é, inclusive, o elemento que ligaria duas cidades tão geograficamente distantes. Em seguida, descreve-se a situação dos trabalhadores, sobretudo escravos. O terceiro item trata do perfil demográfico de ambas as cidades desde a década de 1820 até a década de 1870; nesse momento também são apresentados os mapas das cidades que serão utilizados no georreferenciamento. O quarto item trata do perfil dos “negros livres”, e nesse ponto evidencia-se uma diferença nas fontes do Rio de Janeiro e de Richmond. Enquanto em Richmond a documentação censitária e fiscal identifica com mais clareza a cor (e em muitos casos a condição social), no Rio de Janeiro a documentação cartorária não traz essa informação. O autor contorna essa limitação ao concentrar seu foco nas escrituras de menor valor, supondo que nestas predominariam as pessoas de cor. O último item desse capítulo aprofunda a descrição das cidades e sua posição econômica e política em seus contextos nacionais.

Os capítulos seguintes vão apresentar o que seria o comportamento econômico dos negros livres nas duas cidades, e cada um deles abordará um dos quatro momentos específicos identificados pelo autor. O Capítulo 2 (“Na esquina ou na metade do quarteirão: primeiros negócios, 1840-1846) é o mais longo deles, porque se incumbe de apresentar pela primeira vez ao leitor como as informações foram sendo organizadas e tratadas para se obterem os resultados sistematicamente apresentados a seguir, sobretudo em relação ao georreferenciamento; e, em seguida, se estruturam os itens que se repetirão nos capítulos seguintes. Os Capítulos 3 (“Ainda na freguesia e no bairro: a vida econômica na metade do século, 1847-1850), 4 (“Para além da rua: a expansão econômica no começo da década de 1850”) e 5 (“A estrada que virou beco: os problemas econômicos, 1857-1860”) se organizam de forma semelhante, em quatro itens que contemplam a conjuntura econômica, o mercado de trabalho, o custo de vida, o patrimônio dos “negros livres” e sua localização espacial. Esse, que é o núcleo central do livro, apresenta um desafio quanto à narrativa. Os dados coletados e tratados pelo autor devem ser apresentados de forma sistemática e comparável, por isso parecem repetitivos e às vezes confusos. Entretanto, não há como escapar desse formato, porque é ele que costura a comparação e evidencia os achados que ela permite. O autor mescla tal abordagem com uma série de evidências qualitativas, construídas muitas vezes pelo cruzamento nominal de diversas fontes. Esse contraponto procura responder ao anseio do autor, formulado ainda em sua introdução, de fugir da mera descrição quantitativa, de cair em uma história descarnada. Essa estratégia funciona de forma variada. De modo geral, permite ao leitor “respirar” em meio ao oceano quantitativo; às vezes, vai mais longe e possibilita que se chegue perto dos atores sociais (como é o caso do Capítulo 5, no qual a crise econômica ganha uma face humana ao se observar mais de perto o que acontece com o patrimônio dos indivíduos).

livro se encerra com considerações finais, que a rigor são verdadeiras conclusões. Enquanto muitos autores de livros e teses se abstêm de formular conclusões, Carlos Villa proporciona ao leitor uma revisão do que foi apresentado ao longo do livro, o que considero algo de louvor.

A obra resenhada, portanto, é um trabalho historiográfico de fôlego, tanto do ponto de vista das fontes documentais quanto das estratégias metodológicas e ainda da forma de apresentação. Merece figurar entre as melhores obras de história econômica lançada nos últimos anos, destacando-se sobretudo pelos desafios metodológicos que lança e soluciona.

Entretanto, há um conjunto de observações a serem feitas. Em primeiro lugar, na verdade, o autor compara dois grupos distintos: a população de cor de Richmond e o segmento mais pobre da população do Rio de Janeiro. Embora os dois grupos possam se sobrepor, eles são distintos. Isso fica claro no início da tese, e considero uma estratégia válida para superar as limitações da documentação carioca quanto à declaração da cor. Mas, à medida que a tese avança, essa diferenciação vai sendo ocultada, de modo que na conclusão já se fala em “negros livres richmonianos e cariocas” (p. 297). Considero que isso deveria ser mais bem explicitado e tratado com mais cuidado.

Em segundo lugar, chamo a atenção para a ausência de referências à obra de Zephyr Frank (2004). Os trabalhos de Frank e Villa abordam a mesma cidade (o Rio de Janeiro), tratam de período semelhante (meados do século XIX), usam fontes semelhantes (a documentação cartorária) e incorporam de forma inovadora o georreferenciamento. Seria bastante interessante se o leitor interessado nesses tópicos pudesse ver um contraponto mais explícito entre as duas pesquisas.

Finalmente, quero chamar a atenção para falhas na revisão do livro, e isso é um problema não do autor, mas da editora. Faltou uma melhor revisão gramatical, pois o texto contém palavras e expressões que não são de uso corrente na língua portuguesa. Ademais, há referências a livros que não constam na bibliografia final, privando o leitor dessa informação primordial. Um livro tão inovador mereceria um cuidado maior por parte da editora.

Tais observações não diminuem em nada a importância e o interesse do livro. Como já destaquei, suas inúmeras qualidades, tanto em termos de conteúdo historiográfico quanto em termos de avanços metodológicos, o tornam leitura obrigatória não apenas para os interessados em temas como escravidão urbana e história econômica, mas para todos aqueles que queiram se inteirar de novas perspectivas metodológicas para os estudos historiográficos.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

FRANK, Zephyr Lake. Dutra’s world: wealth and family in nineteenth-century Rio de Janeiro. Albuquerque: University of New Mexico Press, 2004. [ Links ]

Tarcísio Rodrigues Botelho – Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG) – Brasil. E-mail: [email protected]

Economia Política e História Econômica | USP | 2004

Economia Politica e Historia Economica

https://anaismhn.museus.gov.br/index.php/amhn/issue/archiveA REPHE . Revista de Economia Política e História Econômica – REPHE (2004-). constitui mais um periódico acadêmico que visa promover a exposição, o debate e a circulação de idéias referentes às áreas de história econômica e economia política.

Organizada a partir de algumas das atividades do NEPHE . Núcleo de Economia Política e História Econômica, fundado em 1997 . a REPHE teve por princípio não limitar seu escopo de publicações aos membros do núcleo, ainda que mostre os resultados parciais e finais das pesquisas destes. Tampouco havia limitação temática. Com a entrada, em co-gestão, do Grupo de Estudos em Economia Política e História Econômica – GEEPHE – em 2009, tais características da REPHE se mantiveram.

A partir de junho de 2011, o GEEPHE passou a administrar a REPHE sozinho.

A periodicidade da REPHE é semestral, desde setembro de 2004. Eventualmente, há a publicação de mais de um exemplar a cada semestre.

Acesso livre

ISSN 1907 2674

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História Econômica & História de Empresas | ABPHE | 1998

Historia Economica e Historia de Empresas 2

Editada desde 1998 pela Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE), História Econômica & História de Empresas tem por objetivo disseminar conhecimento científico nas áreas de história econômica, história de empresas e história do pensamento econômico. A revista publica trabalhos inéditos, de autores nacionais ou estrangeiros, que se encontrem na interseção e na fronteira da pesquisa das referidas subáreas de história e economia. Publicação oficial de uma das mais relevantes associações acadêmicas brasileiras da área das ciências sociais, História Econômica & História de Empresas é reconhecida como o segundo periódico mais importante da América Latina na área de história econômica.

Periodicidade quadrimestral

Acesso livre

ISSN 1519-3314 (Impresso)

ISSN 2525-8184 (Online)

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Travesía | UNT | 1998

Travesia

Travesía (San Miguel de Tucumán, 1998-) con una trayectoria de 17 años, es una publicación del Instituto de Estudios Socio-Económicos, Facultad de Ciencias Económicas, Universidad Nacional de Tucumán. El equipo técnico pertenece al Instituto Superior de Estudios Sociales (ISES, UNT-CONICET). El Editor Responsable de Travesía es el Director del ISES y vice-director del Centro Científico Tecnológico (CCT) – Tucumán.

TravesíaRevista de historia económica y social, publicación semestral, nació en 1998 de la confluencia de un grupo de investigadores dispuestos a sostener una publicación de historia económica de carácter regional y excelencia académica. Se coincidía en que la historia, como aventura del conocimiento, no debía atarse a ninguna ortodoxia o a principios teóricos y/o metodológicos normativos excluyentes; y que los procesos e instituciones económicas no podían abordarse abstrayéndose de las “inextricables relaciones entre las vicisitudes económicas y las vicisitudes sociales, políticas y culturales”, al decir de Carlo Cipolla. Por tanto, Travesía, dirigida a especialistas, investigadores y estudiantes de nivel superior, acogerá una pluralidad de enfoques sobre los procesos económicos y sociales regionales latinoamericanos, así como los referidos a los problemas generales de las disciplinas que se ocupan del análisis sociohistórico.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2314-2707

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América Latina en la Historia Económica | IIJMLM | 1994

America Latina en la Historia Economica

América Latina en la Historia Económica – ALHE (Cidade do México (1994-) is a periodical research publication edited since 1994 by the Instituto de Investigaciones Dr. José M. Luis Mora. The objective of ALHE journal is to publish original research related to cognitive innovation, historiography, interdisciplinary studies and comparative analysis. Likewise the journal offers reviews on the most recent publications related to the History of the American Continent. América Latina en la Historia Económica constitutes a plural space for dialog between diverse historiographic approaches. The publication seeks to consolidate research fields as well as updating and diversifying the perspectives on Latin American Economic History in order to preserve the region’s critical tradition. Three-times-a-year publication.

ISSN 2007-3496 Print version 

ISSN 1405-2253

Periodicidade quadrimestral.

Acesso livre.

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