Las nuevas caras de la derecha | Enzo Traverso

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Enzo Traverso | Foto: ULF Andersen/Gamma-Rapho/Getty/O Globo

O que me levou a ler o livro de Enzo Traverso não foi apenas o título referente a esse dossiê de resenhas sobre “novas direitas”. O fato de ele ser um dos poucos historiadores de ofício a estudarem o fenômeno e de fazê-lo com ferramentas típicas de historiador – a categoria “regimes de historicidade” – foi o que pesou na escolha. Las nuevas caras de la derecha (2021) é a tradução argentina de Les nouveaux visages du fascisme (2017). O título em francês retrata com maior fidelidade o conteúdo desse livro do historiador italiano, atuante na Holanda, França e nos Estados Unidos da América (EUA): a narrativa do processo de transição do fascismo ao pós-fascismo, vivenciada por europeus e estadunidenses nos últimos vinte ou trinta anos, e comunicada imediatamente após atentados terroristas na França, como o massacre do Charlie Hebdo.

Las nuevas caras de la derecha 2O livro é um agregado de entrevistas concedidas ao antropólogo Régis Meyran, em Paris (2016), sobre temas correlatos, atravessados pelo conceito de “pós-fascismo”. O prólogo à edição castelhana, contudo, é inteiramente dedicado a outro conceito: “populismo”. As constantes referências à expressão durante as entrevistas e forte apelo dos estudiosos de Filosofia e História Política ao conceito (em sua visão, já enfraquecido academicamente) levaram-no, provavelmente, a dispender duas páginas para diferenciar populismo e “tendências regressivas solidamente arraigadas” na Europa e nos EUA no século XXI.

Na tipologia, curiosamente, Traverso o reintegra como categoria, quando afirma que o populismo argentino e peronista (nacionalista, messiânico, carismático, autoritário e idealizador do povo) difere dos “populismos reacionários” estadunidense (D. Trump) e francês (M. Le Pen e E. Macron). O primeiro distribui riqueza entre os pobres e os insere no sistema democrático. Os segundos são orientados pela entrega da nação “las fuerzas impersonales del mercado”. (p.21). O primeiro, acrescentamos, foi gestado no imediato pós-guerra em mundo bipolar. O segundo, reitera o autor, foi gestado na “era da globalização neoliberal”. O primeiro, por fim (como vários movimentos políticos do século XIX), pode continuar a ser designado “populismo”. O segundo, entretanto, deve ser tipificado como “pós-fascismo”.

O primeiro capítulo do livro – “¿Del fascismo al posfascismo” – é dedicado à definição dessa nova categoria. O que vemos nas duas primeiras décadas do século XX, segundo Traverso, não é um resíduo nem um prolongamento do fascismo, ou seja, não é o caso de se falar em “neofascismo”. Os fascismos clássicos (italiano ou alemão) eram antidemocráticos e os pós-fascismos (ao menos o de Le Pen) querem “transformar el sistema desde dentro” (p.27). Os fascismos clássicos eram estatistas, imperialistas e queriam criar uma “terceira via entre liberalismo e comunismo” e os pós-fascismos (ao menos o de Trump) são neoliberais. Os fascismos clássicos possuíam uma visão de mundo e um “modelo alternativo de sociedade”, enquanto os pós-fascismos (o de Trump é, novamente o exemplo) não tem programa ou se reduz a um “Make America Great Again”. Os fascismos clássicos estavam fundamentados em uma “ideologia forte” e o pós-fascismo, exemplificado por Macron, significa o “grau zero de ideologia”.

Com as sucessivas comparações, somos levados a definir o pós-fascismo a partir de traços ideológicos na esfera política, econômica e social: combate à democracia, defesa do livre mercado, ausência de projeto societário e de ideologia forte. Traverso, contudo, acrescenta uma marca diacrítica fundamental: “Lo que caracteriza al posfascismo es un régimen de historicidade específico – el comiezo del siglo XXI – que explica su contenido ideológico fluctuante, inestable, a menudo contradictorio, en el cual se mezclan filosofias políticas antinómicas.” (p.26).

A oralidade que marca o texto e a interrupção do entrevistador, provavelmente, o impede de detalhar esse novo “regime de historicidade”. Tomando como base o seu livro anterior (citado pelo apresentador, Régis Meyran), somos induzidos a compreendê-lo como um tempo sem futuro (horizonte de expectativas), algo que explicaria, inclusive, o caráter instável e contraditório das ideologias e as recorrentes antinomias em termos de “filosofia política” no interior dos movimentos e partidos. Esse auxílio, contudo, é insuficiente para relevar as contradições do próprio Traverso nas definições de pós-fascismos por meio de exemplos.

Afinal, se as antinomias são o caráter dos movimentos pós-fascistas, poderíamos rotulá-los como antidemocráticos? Se os fascismos italiano e alemão reuniam “corrientes diferentes, desde las vanguardias futuristas hasta los neoconservadores, de los militaristas más belicosos a los pacifistas muniquenses etc.” as antinomias deveriam continuar traço diferenciador dos movimentos e partidos do século XXI? Se as categorias “horizonte de expectativa” e “espaço de experiência” estão fundadas na ideia de continuidade passado/presente/futuro, porque afirmar peremptoriamente que as novas direitas do século XXI, exemplificadas na figura de Trump, não representariam uma continuidade histórica e nem uma herança com o fascismo histórico (mesmo que o sujeito citado não as reivindicasse conscientemente)?

O segundo capítulo – “Políticas identitarias” – expressa concepções de Traverso sobre o emprego da categoria “identidade”, acompanhada de suas críticas aos discursos identitários difundidos, principalmente, pela Frente Nacional (FN) e o “Partido de Indígenas de la República” (PIR). Sua ideia de identidade é remetida (entre outros referenciais) a P. Ricoeur – que lhe inspira na caracterização das identidades veiculadas pelos partidos de esquerda (ipseidade – identidade histórica) e de direita (mesmidade – identidade essencial). Em termos abstratos, Traverso elogia as políticas identitárias de esquerda que reivindicam o “reconhecimento”, ao passo que as de direita reivindicam a “exclusão”.

A esquerda radical (Traverso lamenta) nunca soube conciliar diferentes pautas identitárias, pondo o fator econômico (a classe) acima das identidades de raça, gênero e religião. Nesse sentido (ainda que de modo irônico, para Traverso), a nova direita representada pela FN, por exemplo, é mais eficiente, pois associa a defesa dos “blancos humildes”, manifestando, assim, a sua simpatia pela categoria interseccionalidade. Quanto às críticas às políticas de direita, estas não são nada genéricas. O laicismo, as identidades nacionais e étnicas difundidos pela FN são reacionárias (defensivas), ilógicas, antieconômicas e antissociais.

A melhor parte da discussão entabulada por Traverso, nesse capítulo segundo, está nas razões que ele aponta para esse reacionarismo. As políticas identitárias das novas direitas (que geram a exclusão de migrantes), o laicismo autoritário de Estado (que negam a cidadania plena aos ex-colonizados e que prometem o retorno à Europa anterior ao Euro) são produtos da própria República e do Colonialismo. Assim, não se pode acusar a FN de antirrepublicana, posto que as exclusões do tipo fazem parte da história da República francesa recente. Nesse trecho, quase que ouvimos Traverso declarar que não há (não houve) um germe ultradireitista. Foi a própria serpente (a República francesa) que pariu os identitarismos excludentes dos novos reacionarismos.

Aqui, vemos como o autor põe grupos de esquerda e de direita sob o mesmo solo – que gera as mesmas distorções. Ele avança ainda mais na indicação de semelhanças quando afirma que as “direitas radicais”, os “expoentes liberais e conservadores” não mais buscam “legitimar uma política” por meio da “ideologia”, que “se improvisa a posteriori”. Chega a empregar a expressão “pós-moderna” para tipificar esse traço do nosso tempo. Mesmo que esteja entre aspas, essa expressão não cabe na passagem.

Se ele admite a legitimidade política não ideológica como consequência de uma relação pós-moderna dos humanos com o tempo, as continuidades de ideias e práticas das novas direitas com as ideias e práticas de direitas do século XIX e XX não mais se sustentam. Se, ao contrário, ele reitera a interpretação das novas direitas dentro dos quadros de um novo regime de historicidade, a condição “pós-moderna” não faz nenhum sentido no seu texto.

Além desse deslise teórico, Traverso revela um misto de idealismo em relação à ideia de partido político, em prejuízo, inclusive da sua abordagem historicista (realista) sobre as novas direitas. A vida partidária, mesmo em tempo anterior ao século XXI, é marcada por estratégias de sobrevivência que resultam em diferentes comportamentos, desde a manutenção de um programa, passando pela captura dos eleitores, até a manutenção do poder, quando à frente do Executivo.

No terceiro capítulo do livro – “Antissemitismo e islamofobia” –, as questões identitárias ganham ainda maior espaço. O entrevistador parece determinado a extrair de Traverso uma crítica às definições dos termos em pauta e uma comparação entre os dois fenômenos, tomando-os em seus elementos aparentemente similares: o antissemitismo na primeira metade do século XX e a islamofobia no início do século XXI. O autor resiste várias vezes a compreendê-los como fenômenos simétricos e, implicitamente, a considerá-los “ideologias”. É certo, julga ele , que as afinidades existem: para os antissemitas dos anos 30 do século passado, judeus e bolchevistas eram um “outro” ameaçador, enquanto para os islamofóbicos, os mulçumanos e os terroristas islâmicos são um novo outro inimigo; o antissemitismo estruturava os ideais nacionalistas do início do século XX, enquanto a islamofobia estrutura os nacionalismos europeus do início do século XXI.

Essas similitudes, contudo, são menos expressivas quando observadas caso a caso, com destaque para a experiência francesa. Para Traverso, a “judeofobia” é combatida pelo Estado francês que, por sua vez, legitima a islamofobia. Os judeus estão integrados econômica, social e culturalmente, enquanto africanos e asiáticos e seus descendentes, mesmo nascidos na França, experimentam uma cidadania de segunda categoria. Nos anos 60 do século passado, ao lado dos negros, judeus marcharam em luta contra o racismo e pelos direitos civis. Hoje, organizações civis que congregam judeus confundem o Estado de Israel e comunidade judaica, oprimindo palestinos em suas próprias terras: “La memoria del Holocausto se há convertido en una religión civil republicana, en tanto que la memoria de los crímenes coloniales sigue negada o acallada, como en el caso de las controvertidas leyes de 2005 sobre el ‘papel positivo’ de la colonización.” (p.88). A emergência da islamofobia contemporânea, conclui o autor, não pode ser reduzida ao racismo clássico dos séculos XIX e XX ou ao fator imigração. O colonialismo entranhado na República é o que explica (na certeira expressão de Meyran) o “racismo de pobre” em vigor na França.

Observem que não apresentei nenhum senão ao capítulo terceiro e o mesmo ocorre com o quarto capítulo – “¿Islamismo radical o islomofascismo? El Estado Islãmico a la luz de la historia del fascismo”. Nele, novamente, Meyran tenta extrair de Traverso uma posição sobre a potência heurística da categoria (“islamofascismo”) e, consequentemente, sobre a validade de tipificar o Estado Islâmico (EI) com expressão do fascismo. Ele  rechaça a proposição, embora reconheça semelhanças entre os fascismos italiano, alemão e francês e as ações do EI.

Elas estariam principalmente, nos contextos de emergência do primeiro e do segundo fenômeno (desestabilização da Europa pós Primeira Guerra Mundial e desestabilização de países árabes pós invasões soviéticas, estadunidenses e europeias no Iraque e Afeganistão, por exemplo) e no caráter conservador das suas revoluções (o emprego da tecnologia para propagandear uma sociedade “obscurantista”, baseada em um “passado imaginário”. As diferenças, contudo, superam as similaridades mais gerais, quando, segundo Traverso, o analista aborda os fenômenos diacronicamente e em suas particularidades.

hemos visto surgir fascismos en América Latina, es decir, fuera de Europa: ahora bien, estos se instalaron en el poder gracias al apoyo de los imperialismos, las grandes potencias. En Chile, uno de los peores regímenes fascistas latinoamericanos se instaló mediante un golpe de Estado organizado por la CIA. […] La fuerza del EI, al contrario, radica en el hecho de mostrarse ante los ojos de muchos musulmanes como un movimiento de lucha contra el Occidente opresor. Eso vuelve problemático definir este movimiento como fascista.

Henry Kissinger e Augusto Pinochet 1976 Imagem Ministerio de Relaciones Exteriores de ChileWikipedia

Henry Kissinger e Augusto Pinochet (1976) | Imagem: Ministerio de Relaciones Exteriores de Chile/Wikipédia

Fascismo é conceito histórico, não devendo ser usado como categoria analítica. Totalitarismo (de H. Arendt) é categoria analítica adequada ao exame do EI, mas limitada à sua natureza abstrata (de categoria), a exemplo da categoria nacionalismo. O nacionalismo fascista é cimentado pelo “culto ao sangue” (Itália) e “culto ao solo” (Alemanha) e o nacionalismo do EI é “universalista”; o fascismo (categoria ou conceito histórico?) do Chile foi apoiado pelo imperialismo estadunidense que combate agora as ações do EI; o fascismo da Itália e da Alemanha emergem como alternativa à democracia liberal, enquanto o EI emerge em território que nunca praticou a democracia; o fascismo da Itália e da Alemanha eram anticomunistas enquanto o EI nunca encontrou a resistência de “uma esquerda radical”.

Ao listar meia dezena de razões para não tipificar o EI como fascista, Traverso demonstra os perigos das conclusões sobre causas e consequências de fenômenos históricos com base apenas no emprego de categorias (sobre todo os tipos ideais). Ideologias são apenas uma variável. Não é a religião que explica o EI: “hay que estudiar l la relacion que existe entre Marx, el marxismo, la Revolución Rusa y el estalinismo […] resulta evidente que el EI no es la revelación del islan ni la única expresión posible del islam, pero si uma de sus expresiones […] la Inquisición no es la única expresión posible del cristianismo, !también existe la teologia de la Liberación”. (p.92) Traverso, por fim, deixa implícito que quando cientistas sociais e historiadores tomam a ideologia como causa eles enviesam os resultados. Quando estrategistas e políticos agem dessa forma, o prejuízo é em escala. Eles criam “espantalhos”, omitem o assentimento popular ao EI, o financiamento ocidental ao EI, a contribuição ocidental midiática à banalização da violência (adotada pelo EI), a instrumentalização das ideias de direitos humanos, liberalismo e democracia para exterminar os movimentos emancipatórios de povos africanos e asiáticos.

Nas conclusões do livro – “Imaginario político y surgimento del posfascismo” –, mais uma vez, o leitor perceberá a tensão entre o reiterar de uma tese (a falência das utopias do século XX, a exemplo do comunismo e do fascismo, dá vasão às investidas pós-fascistas, encarnadas pelas novas direitas e o terrorismo islâmico), a instabilidade da aplicação dos conceitos (o “modelo antropológico do neoliberalismo”, também referido como “idolatria do mercado”, é ou não uma ideologia dos últimos 20 anos?) e a atribuição de valor na causação das novas direitas (a extinção das ideologias do século XX, a precariedade socioeconômica de grandes segmentos populacionais, na Europa, Ásia e África ou os dois condicionantes simultaneamente?).

Da mesma forma, ainda na conclusão, Traverso consolidará,  sinteticamente, as principais ideias que se propôs a defender durante a entrevista: 1. Novas direitas (ou direitas radicais) e islamismos não são fascistas; 2. Novas direitas e islamismos são “sucedâneos” reacionários (passadistas e xenófobos) das utopias do século XX; 3. Movimentos sociais e partidos políticos de esquerda (com suas iniciativas, ironicamente, dispersas em um mundo globalizado) não são capazes, no curto prazo, de preencher esse vazio utópico; 4. “Religiões cívicas” como o republicanismo francês pós massacre Charlie Ebdo e memorialismo anti-holocausto, respectivamente, acrítico e vitimista, são incompetentes como freios às novas direitas. Sua percepção de futuro, contudo, é otimista: “no hay inexorabilidade alguna. Pueden myy biente aparecer en cualquer momento mentes creadoras, dotadas de una poderosa imaginación, y proponer una alternativa, outro modelo de sociedad.” (p.116).

No início desta resenha, anunciei a razão da minha escolha: queria observar o que caracterizaria o trabalho de um historiador de formação e ofício que estuda o fenômeno das “novas direitas”. A resposta serve como avaliação geral do livro. Em Las nuevas caras de la derecha o noviço de história é beneficiado, talvez, pelo gênero textual (marcado pelos diálogos entre Meyran e Traverso) que elimina a organização lógica de um texto e (se o noviço aceita participar como observador) em benefício da liberdade de suspender a leitura e refletir sobre o lido sem perder o fio da meada (já que as questões ou temas se encerram ao final de uma ou duas intervenções do entrevistador).

Esse expediente possibilita a percepção das várias tensões que atravessam o livro e que ensinam de modo mais realista como trabalha um historiador que se ocupa do referido tema, obviamente, aos que estão predispostos a aprender: a tensão sobre as escolhas de variáveis para a comparação (sobre o que serve e o que não serve para fazer analogias, se mais as semelhanças, se mais as diferenças) e as justificativas políticas empregadas para fazê-lo; a tensão sobre a adequabilidade e a eficácia do emprego do conceito histórico e da categoria analítica; a tensão da escolha entre se comportar como historiador tipicamente historicista (examinando múltiplas variáveis e construindo contextos prováveis a partir de múltiplos pontos de vista) e um cientista social (empregando modelos/tipos e fazendo generalizações sobre sujeitos concretos a partir de categorias/abstrações); a tensão de perceber a oportunidade para problematizar uma situação concreta, mediante antinomias ou explicações unilaterais, e de encontrar o melhor momento para reiterar a sua tese sobre os estados de coisas nos quais estamos envolvidos no início do século XXI (Estado Islâmico, Trump, Le Pen): fenômenos pós-fascistas resultam do fracasso das revoluções do século XX e da crise do capitalismo como fornecedores de horizontes de expectativas para populações alijadas da globalização e vitimadas pelo colonialismo.

Sumário de Las nuevas caras de la drecha

  • Prefacio a la edición castellana
  • 1. Prólogo
  • 2. ¿Del fascismo al posfascismo
  • 3. Políticas identitarias
  • 4. Antisemitismo e islamofobia
  • 5. ¿Islamismo radical o “islamofascismo”? El Estado Islámico a la luz
  • de la historia del fascismo
  • Conclusión. Imaginario político y surgimiento del posfascismo
  • Sobre el autor

Para citar esta resenha

TRAVERSO, Enzo. Las nuevas caras de la drecha. Buenos Aires: Titivillus, 2021. 234p. Resenha de: FREITAS, Itamar. As recentes direitas de um historiador. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n. esp. (Novas Direitas em discussão), ago. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/3237/>.

Migrant City: A New History of London | Panilos Panayi

Panilos Panayi Imagem Times Higher Education
Panilos Panayi | Imagem: Times Higher Education

According to a survey carried out by the National Federation of Fish Fryers in the 1960s, the first fish and chip shop was opened by Joseph Malins in 1860 on Old Ford Road in the East End of London (p. 234). The combination of the fried fish that had been sold and eaten in the Jewish East End since the early nineteenth century with chips created what became a quintessentially British meal. This is one of many examples included in Panikos Panayi’s Migrant City: A New History of London of how migrants have contributed to the culture and economy of London and in turn the United Kingdom.

Panayi makes clear the crucial role that migrants have played in the development of London as a global centre of trade, finance, culture, and politics. He ties this to London’s status as both the centre of a global empire and the largest city in the world for much of the nineteenth and twentieth centuries. More than half of migrants arriving in the United Kingdom from abroad moved to London, whose history of migration stretches back to its Roman founding. London, therefore, had long been cosmopolitan and by the late twentieth century had become ‘super-diverse’, with residents born in more than 179 countries, many beyond Europe or the former British Empire. Leia Mais

Estranhos à nossa porta – BAUMAN (FH)

BAUMAN, Zygmunt. Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2017. 76p. Resenha de: GOMES, Gilvan Figueiredo. “Enquanto escrevo estas palavras, outra tragédia está à espreita”: Bauman e a crise migratória em Estranhos à nossa porta (2017). Faces da História, Assis, v.5, n.1, p.362-365, jan./jun., 2018.

“Crianças afogadas, muros apressadamente erguidos, cercas de arame farpado e campos de concentração superlotados” (BAUMAN, 2017, p. 05) atraíram os olhares do mundo para as fronteiras europeias nos últimos anos. O aumento dos conflitos na África e no Oriente Médio gerados a partir do movimento pró democracia conhecido como Primavera Árabe transformaram-se rapidamente em guerras civis, a repressão por parte de líderes da região como Bashar al-Asad e Muhamad Morsi aliada à atuação de insurgências com diversas bandeiras, acabaram desenvolvendo um novo fluxo migratório massivo na década de 2010. A “crise migratória”, como ficou conhecida, trouxe todo tipo de narrativa e, enquanto os governos se reuniam para discutir uma saída comum, os migrantes chegavam ininterruptamente, processo marcado tanto pela ajuda de grupos humanitários como pelas agressões de militares e civis. Os sobreviventes escancararam como a guerra, a fome e o medo podem levar as pessoas a atitudes extremas.

O cenário chamou a atenção do sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), um dos mais reconhecidos intelectuais dos séculos XX e XXI. Grande parte dos seus trabalhos discute a modernidade a partir de sua fluidez, seja no amor, medo, política e sociabilidade, e seu caráter efêmero, passageiro, volátil e imprevisível, enfim, as relações travadas na contemporaneidade são, segundo o autor, líquidas e instáveis.

Combatente de origem judaica na Segunda Guerra Mundial, Bauman, tem suas reflexões voltadas ao futuro permeadas por um sentimento pessimista. Observador de seu presente, escreveu, em 2016, Estranhos à nossa porta, no qual analisa as políticas públicas e as relações sociais a partir das experiências notoriamente trágicas que caracterizaram os grandes afluxos de refugiados nos anos de 2015 e 2016.

As reflexões de Bauman confluem com trabalhos anteriores, como Modernidade Líquida (2001) e Comunidade (2003), nos quais problematizou o conceito de comunidade.

Para o autor, diante do contínuo aumento de estranhos e indesejáveis com os quais as pessoas são forçadas a conviver, se desenvolvem tentativas de fuga dessa sociedade instável, como os condomínios fechados, ou os espaços higienizados – shoppings –, que utilizam o termo comunidade de modo nostálgico, em referência a uma inocência da sociedade que fora corrompida e já não é mais a mesma (BAUMAN, 2001; 2003). Essa distorção da sociedade também foi discutida pelo filósofo francês Alain Badiou, em Notre mal vient de plus loin:penser les tueries du 13 novembre (2016), que desenvolve uma análise do fenômeno “terrorismo” de forma mais profunda, discutindo como a noção de uma sociedade hegemônica pode afetar os excluídos dessa lógica. Para Badiou, o “mal” vem de mais longe pois a violência e a exclusão são problemas diacrônicos, e, em última análise, a motivação para grupos classificados como “terroristas”, como o Estado Islâmico, que defendem a violência embutida em suas práticas, a partir de referências históricas do processo colonial no sudeste asiático e nas resistências nacionalistas e islamistas.

Estranhos à nossa porta foi publicado no Brasil em 2017 pela Editora Zahar – tanto em formato físico como digital – pouco tempo depois da morte de Bauman, em 9 de janeiro do mesmo ano. No formato digital, apresenta variação na diagramação e é composto por 76 páginas divididas em seis breves e ricos capítulos que discutem tanto as políticas adotadas quanto os problemas estruturais das sociedades que recebem os migrantes.

No primeiro capítulo, O pânico migratório e seus (ab)usos, o sociólogo ressalta que o trânsito de refugiados não é um fenômeno recente, contudo o aumento no fluxo de migrantes levanta questões sobre a forma de recebê-los. Para Bauman, o incômodo gerado pela presença desses estranhos – acompanhado, muitas vezes, por maus tratos, violências e abusos – pode ser observado em duas formas: primeiramente, a reação de setores marginalizados da sociedade que identificam mais similaridades nos migrantes do que em seus patrões – indivíduos cuja condição é mais miserável que a sua. Em segundo lugar, o pânico de grupos estabilizados com a possibilidade de perder seu status, “esses nômades […] nos lembram, de modo irritante, exasperante e aterrador a (incurável?) vulnerabilidade de nossa própria posição e a endêmica fragilidade de nosso bem-estar arduamente conquistado.” (BAUMAN, 2017, p. 12).

Pode-se observar nos capítulos 2, Flutuando pela insegurança em busca de uma âncora, e 3, Sobre a trilha de tiranos (ou tiranas), uma discussão sobre as sociedades que recebem os migrantes. Segundo Bauman, a sensação de insegurança aliada à diversidade dos indivíduos dentro do território nacional gera ansiedade e dúvida em relação ao futuro. Nesse contexto, “aspirantes a ditadores”(BAUMAN, 2017, p. 30) não surgem com promessas de combate à desigualdade, mas de enfrentamento dos “estranhos”, reais responsáveis pelo desemprego e falta de moradias para imigrantes, “terroristas em potencial”. Todavia, essas políticas de estigmatização social, afirma o autor, além de cruéis, tendem a favorecer os recrutadores de movimentos terroristas, sempre dispostos a oferecer novas perspectivas de vida para os excluídos (BAUMAN, 2017, p. 23).

Em Juntos e amontoados, o autor parte do desafio do filósofo Kwame Anthony Appiah de substituir a formação pautada na diferença por ideias e instituições que privilegiem a sobrevivência da humanidade.2 Bauman argumenta que para isso seria necessário recolocar a ética e a moral como condicionantes no desenvolvimento de políticas públicas. Entretanto, vale ressaltar que o autor salienta que tais conceitos têm produzido muito mais conflitos do que paz. A saída proposta se pautaria na solidariedade, que só poderia ser alcançada mediante o reconhecimento da humanidade dos migrantes, mas o autor se mantém pessimista diante dos casos de agressão física, humilhação e difamação que, segundo sua ótica, passaram impunes.3 O quinto capítulo, Problemáticos, irritantes, indesejados: inadmissíveis, tem este título em alusão aos adjetivos que refletem, segundo o sociólogo, o tratamento recebido pelos migrantes. Bauman analisa como a questão migratória ganhou importância no cenário político europeu, produzindo discussões não apenas em relação à pouca aceitação dos migrantes, com também sobre as barreiras materiais, muros e cercas, construídos com o objetivo de obstruir a entrada dos migrantes que sobreviveram aos percalços da viagem. Em suma, o autor ressalta a incapacidade das políticas adotadas tanto no atendimento das demandas dos migrantes quanto em relação à contenção de sua entrada.

No sexto e último capítulo, Antropológicas versus temporárias: origens do ódio, Bauman investiga como, na ausência de fatos materiais que comprovem os malefícios causados pelos migrantes, parcela considerável da sociedade acaba por reproduzir as “práticas da maioria”, ou seja, incorporam discursos de intolerância de outros grupos.

Seu ponto privilegiado de análise é o antagonismo entre off-line e online, um mundo incontrolável e submerso nos problemas da sobrevivência contra a paz de ambientes personalizáveis a cada “click”. Porém, fugir do embate gera apenas mais desconforto nos momentos em que o indivíduo é obrigado a se relacionar, as sevícias de outrem tendem a lembrar que não é possível estar online o tempo todo. Superar tal desconforto, para o autor, perpassa pelo incentivo ao diálogo, um caminho sempre criticado e ao mesmo tempo nunca trilhado.

Toda a discussão de Bauman está em torno da questão: constatada a ausência de perspectivas de melhora no pais de origem, ou mesmo a falta de vontade política das nações originárias desses migrantes para a resolução dos problemas político-sociais, como lidar com um fluxo migratório que apresenta um crescimento vertiginoso? Os governantes que sustentam políticas públicas voltadas à construção de fronteiras irão, efetivamente, reduzir o incômodo de olharmos para esses indivíduos à medida que a maioria deles deixará de existir no mundo? Seremos sensíveis ao sofrimento alheio em outros momentos além dos marcados pela comoção extrema? No Brasil, são encontradas questões similares. A sociedade brasileira também é confrontada com a pobreza e a miséria de indesejáveis, oriundos de outros países como Síria e Haiti, bem como dos nativos e migrantes internos, constantemente questionados sobre suas intenções, ideias e projetos de vida. Bauman coloca a necessidade de se reconhecer nesses estranhos e trabalhar em conjunto em prol de uma vida com menos sofrimento, em que a alteridade seja aceita como parte da sociedade e não como a origem “do mal”.

O livro em tela torna evidente a relevância e a contemporaneidade do pensamento de Zygmunt Bauman. Ao debater tanto de modo sincrônico quanto diacrônico a condição dos imigrantes e sua genealogia, o autor apresenta várias temporalidades, lançando luz sobre a construção do conservadorismo e denunciando a desumanização presente em políticas públicas voltadas ao fechamento de fronteiras, sejam estas físicas ou comportamentais. Desse modo, fornece importantes contribuições para discutir o acontecimento de maneira mais profunda, evidenciando a presença de passados que não passam, sempre à nossa porta como um estranho, muitas vezes indesejável.

Notas

2 Cf. APPIAH, K. A. Cosmopolitanism: Ethics in a world ofstrangers, Penguin, 2007.

3 Bauman ressalta principalmente o caso de Katie Hopkins que não foi indiciada por ter chamado os migrantes de baratas em abril de 2015. Disponvel em: <http://www.dailymail.co.uk/news/article-3301963/Katie-Hopkins-not-face-charges-allegations-incited-racial-hatred-article-comparing-migrants-cockroaches.html>, acesso em 10 maio 2018.

Referências

BADIOU, Alain. Notre mal vient de plusloin: penserlestueriesdu 13 novembre. Paris: Fayard, 2016.

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. 141 p.

____________. Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2017. 76 p.

____________. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2001. 278 p.

ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente e o contemporâneo; Tradução Fernando Coelho, Fabrício Coelho. – Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016. 344 p.

Gilvan Figueiredo Gomes – Mestrando no Programa de Pós Graduação em História da UDESC.

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A dinâmica das fronteiras: os brasiguaios entre o Brasil e o Paraguai – ALBUQUERQUE (RTF)

ALBUQUERQUE, José Lindomar Coelho. A dinâmica das fronteiras: os brasiguaios entre o Brasil e o Paraguai. São Paulo: Annablume, 2010, 268p. Resenha de: BALLER, Leandro. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 5, n. 2, jul.-dez., 2012.

De forma clara o autor no início do livro observa as suas relações com os su-jeitos, ou atores sociais da pesquisa, mostrando ao leitor a sua análise metodológica e teórica, sem perder de vista o seu metiê, que é a Sociologia, ou melhor, às Ciências So-ciais, sem, todavia, esquecer dos perigos que uma pesquisa no ambiente fronteiriço re-presenta ao pesquisador.

Isso posto, auxilia na compreensão do objetivo central do trabalho que está ligado a pensar as representações nacionais e as relações de poder entre o Brasil e o Paraguai, a partir dos discursos dos imigrantes, líderes camponeses paraguaios, jornalistas, empresários, religiosos, entre outros. Acredito que as tipologias de fontes utilizadas supriram os objetivos no tratamento da problemática, as entrevistas, as reportagens nos jornais e revistas, e os documentos analisados foram suportes para pensar tais representações, no recorte da análise.

Referente à bibliografia ela se mostrou variada tanto no tocante às explicações teóricas e do tema específico, percebi uma preocupação em aplicar a interdisciplinaridade especialmente na construção textual, mesmo compreendendo que tal preo-cupação é resultado imediato do trabalho de campo, ou seja, não basta utilizar a inter-disciplinaridade referindo-se apenas a autores e obras de outras áreas, mas sim, esta-belecer da melhor forma possível um diálogo interdisciplinar.

As fronteiras são conceituadas na pesquisa como um limite territorial nas migrações fronteiriças, quanto à presença de brasileiros no Paraguai, sem deixar de lado, as questões políticas, jurídicas e culturais. As representações abordadas pelo au-tor muitas vezes são negativas por meio de conflitos violentos e disputas de território, a imigração clandestina, o tráfico de drogas e o roubo de carros é uma das realidades reforçadas pela imprensa, não que isso seja mentira, mas auxilia na estigmatização acentuada dessas ocorrências. O fenômeno da imigração produz pluralidades de fronteiras, entre o material e o simbólico, a abordagem historiográfica como paradigma a ser seguido nos leva a aplicar grande parte de seus significados na Marcha para o Oeste, algumas vezes confundida até mesmo com a abordagem de Turner, como um mito fundacional da identidade que é elaborada pelos historiadores, a percepção da alteridade pelos antropólogos, sociólogos e geógrafos, que tentam explicar o movi-mento migratório no Brasil pelas frentes de expansão e frente pioneira. No caso dos Brasiguaios isso não se aplica nas migrações fronteiriças. O autor reconhece as diferentes perspectivas e inovações no cenário dos atuais estudos fronteiriços especial-mente etnográficos e históricos, e não apenas aqueles que se dão em relação aos estudos que refletem sobre locais privilegiados de análise, dessa forma encontramos nesses atores sociais o cruzador de fronteiras e o reforçador de fronteiras, tais processos po-dem ser vistos nas teorias pós-coloniais.

A articulação do autor entre as vertentes de pensamento se dá de maneira bastante clara, como por exemplo, com o que denominamos na historiografia de pós-moderno. “Os espaços de intercâmbio cultural não significam espaços de integração social. Hibridismo não é sinônimo de integração” (p. 51). O que parece ser uma característica do pesquisador em relação ao tema; quero dizer que a clareza entre correntes de pensa-mento é para mim um “trânsito” intelectual que coloca o autor em evidência na perspectiva dos estudos fronteiriços.

Seguindo como referência as teorias dos movimentos migratórios tradicionais – migrar do mais pobre para o mais rico – a tônica migracional do Brasil para o Para-guai está invertida, e a grande quantidade de brasileiros indo para o país vizinho a par-tir de 1960 e se acentuando na década de 1970 se explica por alguns fatores; como a proximidade geopolítica, a migração espontânea, as políticas de incentivo, a construção da Itaipu, e o boom do comércio fronteiriço.

O autor retoma os principais eventos históricos do século XIX para dar um ponto de partida à sua explicação e mostrar a ocorrência histórica do movimento migratório, bem como denota a situação política entre 1870 e 1932, um período entre guerras que o Paraguai sobreviveu entre golpes políticos. A abordagem que o pesquisador dá na retomada da articulação política entre os dois países após a Guerra da Tríplice Aliança, mostra um período de ditaduras, concessões e apoio, inclusive na construção de grandes projetos. O que se denominou de estratégias geopolíticas que mostrava o crescimento do Paraguai, era na verdade a legitimação do governo de Stroessner (1954-1989), com o Brasil atuando como expansionista e subimperialista naquele país, Stroessner facilitou a entrada e a compra de grandes extensões de terras nas zonas de fronteiras por estrangeiros, entre eles a maioria brasileiros.

No tocante ao comércio e o seu crescimento o autor denota a importância que é a baixa carga de impostos naquele país e o crescimento das cidades mais próximas ao Brasil, o que se percebe é a forma de fazer este comércio “ilegal” de exportação e importação entre os dois países (sacoleiros, muambeiros, camelôs, atravessadores, […]). O que se percebe é que a economia paraguaia se volta para fora do país e não ao seu interior, especialmente uma dependência para com o Brasil, frutos das políticas de expansão dos dois países que ultrapassa os territórios nacionais.

O quantitativo demográfico brasileiro no Paraguai não é exato, até pela diferente metodologia de controle que é exercida pelos dois países, mas por outro lado, é também fruto de interesses políticos e econômicos, seja do governo, da igreja, da imprensa em geral, etc. essa inexatidão não é neutra de valores, e quanto à ilegalidade e legalidade demográfica há um receio político nessas áreas de fronteiras, como, por exemplo, brasileiros “legais” ocupando cargos políticos, ou mesmo em questões mais diretas como a questão de votos e bases eleitorais em cidades nos dois países.

Os fluxos migratórios ao Paraguai são frutos de duas frentes, uma vinda do sul do Brasil – a maior – e outra do norte e nordeste – a menor. O que ocorre segundo o autor, são várias migrações internas no interior do Brasil e depois ultrapassa-se a barreira internacional, como percebemos nas fontes orais (p. 73/74/75), dessa forma há uma mescla migracional e de naturalidade no interior das famílias. O Paraná é uma das últimas fronteiras nacionais em direção ao Paraguai, desses dois fluxos migratórios.

O autor com o auxílio da bibliografia de Sprandel denota classificações ou estratificações sociais dos brasileiros no Paraguai em seis grupos diferentes (p. 76/77). Há outros autores como Oliveira que pensa essas classificações como categorias na-tivas, tendo assim um sentido histórico e analítico mais rico, do que um sistema de conceitos sociológicos. O autor “utiliza também as classificações dos próprios agentes sociais, que a todo instante estabelecem suas hierarquias sociais e as nomeiam de várias formas” (p. 78). Essa realidade é diversa e complexa para o autor, justamente porque a problemática estudada, em relação às identidades dos imigrantes que viera já de regiões distintas do Brasil.

No Paraguai a frente de expansão capitalista atua em antagonismo, pois en-riquece os de “fora”, ao mesmo tempo em que empobrece e expulsa os pequenos agricultores, o que provoca uma mudança nos sistemas políticos e econômicos, justamente por causa dos organismos de fomento – Bancos – com o fim das ditaduras, os agricultores pobres vislumbram novas possibilidades de propriedade no Brasil com o Pl-no Nacional de Reforma Agrária (PNRA), para muitos pesquisadores esse é o movimento que deu origem aos denominados Brasiguaios. Nesse mesmo contexto, os empresários e grandes agricultores se mantiveram no país e se fortaleceram, com outros incentivos, acordos e demandas, como por exemplo, com o Mercosul em 1995 (Tratado de Assunção), especialmente com o plantio de soja e a aplicação de novas tecnologias, sendo desse montante entre 70 e 80% responsáveis os imigrantes e desses em sua maioria brasileiros.

O autor denota alguns exemplos de como essa expansão é desigual no Paraguai. Por exemplo, ele cita a renda per capita no departamento de Alto Paraná no Paraguai que gira em torno de 14 mil dólares, enquanto no restante do país ela cai para aproximadamente 950 dólares. Os principais indicadores dessa expansão é a pre sença brasileira que se dá pelo plantio em larga escala de soja, pela Usina de Itaipu, e pelo comércio da Ciudad del Este, o que de certa forma legitima nesse contexto espacial um crescimento na zona fronteiriça, não descartando em momento algum a expansão em seus moldes para o interior daquele país. No interior do país ocorrem outras formas de vislumbrar essa expansão ocorrendo até mesmo atritos interclasses, haja vista que adentram as áreas dos Menonitas.

Esses atritos e conflitos fazem com que muitos empresários agrícolas, e grandes agricultores brasileiros voltem seus olhares para a aquisição de propriedades no Brasil comprando terras especialmente em MT, RN, PA, e GO. Por outro lado, quem permanece no Paraguai acaba aumentando seu poder econômico e político com a nacionalização dos filhos e descendentes, como ocorre em Santa Rita. “Nessa perspectiva, os estrangeiros seriam os porta vozes dos ideais da modernidade, enquanto os paraguaios seriam tradicionais e atrasados […]” (p. 90).

A influência cultural brasileira no Paraguai se dá muito em relação ao idioma português nas zonas fronteiriças, essa questão mexe com “todos” os aspectos culturais nacionais paraguaios desde as escolas, televisão, rádios, fachadas de lojas, letreiros públicos, entre outras formas. Tais aspectos acabam mesclando as culturas em um com-plexo, ambíguo e ambivalente movimento migratório, com seus conflitos, sejam “bons ou ruins”, em permanente desequilíbrio econômico de um país que se adapta no interior do outro.

O autor explora de maneira hábil as fontes a que se propõe sobre os conflitos na zona de fronteiras, mostrando a perspectiva bilateral das questões que envolvem brasileiros e paraguaios, e ainda que há outros imigrantes que não são brasileiros nestes locais. Existe até mesmo de maneira bastante visível uma tendência conflituosa entre paraguaios e indígenas naquele país, o que mostra que as relações de poder não são uníssonas. Aparecem nesse contexto de disputas de terras as várias narrativas coletadas pelo autor como a visão de paraguaios, brasileiros, jornalistas, autoridades, professores, motoristas, diretores de escolas, entre outros profissionais e segmentos. Muitos deles pela perspectiva do autor buscam mostrar a origem do movimento migratório para o Paraguai na “oferta” que se dava no período ditatorial em ambos os países.

Atualmente e na visão do autor ele percebe as formas de resistência nestas relações de poder, bem como se ordenam os discursos políticos de políticos brasileiros no Paraguai, e de discursos políticos paraguaios, ou seja, as decisões se dão na maioria das vezes obedecendo a conjunturas políticas da atualidade, e propósitos políticos lo-cais, sempre atuando sobre forte pressão, um exemplo, é a aprovação da Lei de Segurança Nacional Fronteiriça, que antes era defendida sob o jugo da questão territorial e não era aprovada, no momento de sua aprovação ela foi defendida enquanto propósito da identidade e do nacionalismo. E mais atualmente a criação do Mercosul deu espaços de infiltração multinacional nessas mesmas áreas. Considero as percepções do autor excelentes ao remeter muitas dessas questões atuais a um passado memoria-lístico dramático nas relações dos dois países, ou seja, mesmo em momentos de “apa rente” tranqüilidade, a disputa é um ponto efervescente em qualquer discussão entre pessoas desses dois países, seja nos meios políticos, intelectuais especialmente de es-querda, e muito mais ainda entre proprietários e campesinos, isto é, se estabelece na percepção do autor uma disputa cotidiana no senso comum. E este aspecto mostra co-mo o autor se relaciona com seus interlocutores, bem como, a maneira como explora a literatura em relação ao método da História Oral.

A narração histórica da nação na fronteira ocorre por recortes sincrônicos, sem uma perspectiva linear, dilemas que remontam aos impérios metropolitanos, sem-do primeiro por questões religiosas – Jesuítas – depois por questões de enfrentamento – Guerra da Tríplice Aliança – e por último a influência geopolítica – proximidade territorial – entre Brasil e Paraguai.

O autor percebe um discurso atual no Paraguai que os leva a uma imagem negativa da presença dos brasileiros, como os coloniais Bandeirantes, esses discurso se fortalece com a monumentalização dos locais de memória, que para as “pessoas comuns” possui um valor simbólico importante. A visualização é propagada por bispos que exercem forte influência política, além de religiosa em alguns Departamentos, por outro lado, estes discursos sofrem resistências internas por parte da imprensa que muitas vezes defende os brasileiros que ali residem. Nota-se que as fronteiras imprecisas do século XVII, fazem com que religiosos até hoje se vejam como guardiões das fronteiras, como ocorria, por exemplo, com as reduções indígenas, o Paraguai atual-mente herda excessivamente esse discurso, de proteção espanhola, seja na Argentina guaranítica, e nas margens dos grandes rios dessas regiões. O Brasil traz consigo o es-tigma de imperialista e/ ou expansionista, como se apresentavam os Bandeirantes do Século VXII, contra os indígenas convocados pelos espanhóis para defender esse território.

Outros defendem o progresso que os brasileiros levam ao Paraguai, podemos perceber isso como uma luta simbólica, em que o brasileiro está em permanente avanço silencioso no outro país, na visão de segmentos de esquerda. Não se negou em mo-mento algum a ressignificação da memória que se herdou das duas batalhas – Tríplice Aliança, e Guerra do Chaco. Bem como, os marcos simbólicos de ambas que se juntam num mesmo sentimento nas experiências bélicas do passado, reforçando com isso o nacionalismo paraguaio. Pelo lado brasileiro essas experiências segundo o autor podem ser denotadas pelos escravos, ou seja, as questões bélicas funcionam como um espécie de calvário para o Paraguai. Terminam-se os combates, mas continuam as lu-tas simbólicas de heróis e traidores. O autor retoma e conduz muito bem o revisionismo historiográfico do pós-guerra no Paraguai, especialmente com Leon Pomer, Ju-lio José Chiavenatto, e Francisco Doratioto, sem deixar de lado outras abordagens so-bre a questão, como uma que se apresenta nos livros didáticos do Paraguai em que a figura de Solano Lopes não é aceita como herói pelos próprios paraguaios.

Nesse ínterim a figura de Stroessner não demora à aparecer como o “pa-triarca do progresso”, sendo ele o principal personagem da imigração brasileira para o Paraguai, essa questão durante anos personificou sua imagem com o auxílio das forças armadas, às vezes se compara à outros heróis do passado surgindo lado-a-lado com outros famosos personagens. Em 35 anos de ditadura ele apoiou a entrada de capital estrangeiro e de imigrantes com o “intuito” de desenvolver o país, uma ditadura personalista que viu desde a ascensão com a construção da Usina de Itaipu Binacional, até a decadência com o final das ditaduras na América do Sul. Mas para o povo para-guaio apenas em 2008 se rompeu com o Partido Político Colorado e os ideais de Stroessner com a eleição do bispo Fernando Lugo, nota-se uma espécie de nostalgia a Stroessner no Paraguai, que o autor denota como a necessidade de uma construção identitária forte e coletiva espelhada no General, especialmente para pessoas que viveram naquele período, bem como pelos imigrantes brasileiros que foram favorecidos pelo seu sistema de governo.

As lembranças dos momentos significativos servem para demarcar fronteiras políticas e culturais, e reafirmar identidades nacionais no confronto contemporâneo na zona fronteiriça […], as recordações do passado servem para reativar e alimentar os sentidos das lutas do presente” (p. 159). Percebe-se que de uma coletividade pode haver a reativação e intensificação dos ressentimentos, reafirmando inferioridades e superioridades nacionais.

O autor denota o “jogo” de representações que se configuram, nestas “fronteiras entre ‘nós’ e ‘eles’”, a partir de discursos classificatórios entre imigrantes brasileiros e os paraguaios, faz inclusive uma rememoração no tempo histórico na in-tenção de mostrar os caracteres do jogo identitário e de alteridade, desde o movimento migratório europeu para a América e em consequência para o Brasil e seus principais descendentes – italianos, alemães, portugueses, holandeses (…). Nesse sentido, muito do que é representado no Paraguai é o que se herdou desses discursos provindos da Europa, com ideologias prontas e que são reproduzidas no Paraguai, como por exemplo, a ideologia do trabalho, da limpeza, da organização, e a valorização dessa cultura considerada superior tanto por parcelas paraguaias, quanto por parcelas brasileiras. Esse ethos classificatório mostra na relação entre as pessoas dos dois países a gestação de preconceitos que também ganham força em outro tempo histórico – a Guerra da Tríplice Aliança no século XIX.

Tais analises valorativas mostradas por meio de suas fontes cria estigmas que provocam outras conseqüências, como as ondas nacionalistas nesses países e a construção de discursos de ambos os lados que fazem com que se generalizam aspectos culturais, sociais, agrícolas, econômicos, religiosos, entre outros, nos dois países. Esses aspectos estigmatizantes encontram teses que advém do período colonial, como já foi posto anteriormente. A relação de poder nessa construção de discursos encontra variá-veis que servem para denotar a realidade, ou para atender um objetivo atual ligado a questões políticas e de propriedade, o que o autor chama de figuração de poder, que está diretamente permeada nas relações de poder, momentos em que as construções das imagens são feitas, aparecendo geralmente o valorativo superior e inferior, isto é, é a produção das identidades que estão em disputa, em um meio bastante dinâmico que são os movimentos migratórios nas zonas fronteiriças e nesse contexto “todos” os fa-tores culturais estão atuantes.

Talvez a grande expectativa que o autor lançou e que é difícil de conferir em sua escrita clara e objetiva, é de como legitimar estes discursos, por se tratar, como ele mesmo afirma, de realidades heterogêneas, e de representações homogêneas, para isso o esforço do autor é interessante, pois a percepção desses discursos classificatórios neste contexto fronteiriço é um jogo de expressões que de certa forma explicam tais expectativas como disputas simbólicas, em que se percebe as resistências, as imposições, as micro relações sociais, as tensões culturais e especialmente como isso “tudo” é res-significado pelas pessoas, isso quer dizer “os termos estão em permanente mudança de sentido e são ativados conforme as relações conflituosas que se estabelecem no cenário das relações interculturais” (p. 191). As relações discursivas muitas vezes são produzidas pela imagem do espelho do ‘outro’, e este ‘outro’ não pode ser generalizado, seja em seu espaço, tempo, ou história. Enfim o que denota-se aqui é um Brasil com aspectos supe-riores, e um Paraguai inferiorizado.

Acredito que as identidades fronteiriças é o cerne da pesquisa do autor, o entrelaçamento das propostas que discute no decorrer do livro, é resultado de uma extensa pesquisa. Consolidar identidades a meu ver é impossível, em um ambiente fronteiriço e que envolvem práticas culturais discrepantes, e a latente sociabilidade co-mo percebe-se na coexistência entre brasileiros, paraguaios, e Brasiguaios, isso se torna ainda mais complexo, pois não existem construções/produções/processos humanos eternos, e a identidade faz parte desse jugo em meio as expressões e dos discursos pro-duzidos e que alimentam essas práticas e o seu cotidiano; como ocorre com a im-prensa, intelectuais, políticos, empresários, religiosos, camponeses, campesinos, entre outros grupos, sejam eles grupos étnicos, nacionais, de proprietários, comunidades, etc.

Percebe-se que são os vários conflitos de ordem objetiva e subjetiva que demonstram a complexidade da pesquisa, ao observar a tentativa de construção indentitária como algo que não age sem a resistência de grupos, comunidades, nações, etnias, ou seja, as relações de poder que o autor inúmeras vezes aborda é uma complexa rede de simbologias e concretudes que não se auto explicam, muito pelo comtrário servem para legitimar perspectivas despreparadas que não percebem a ambiva-lência que está alocada nos dois lados desses países, isto é, o olhar bilateral do autor nos leva a ver que a noção de cidadania se conquista e se perde ao longo do processo histórico que existe enquanto ocorrência histórica entre Brasil e Paraguai, e posterior-mente com os Brasiguaios. Uma história que tem genealogia próxima de meio século de ocorrência e que sofre interferências desde o século XVII, até a atualidade.

As práticas culturais que fazem parte da convivência de brasileiros e paraguaios considerados “puros” são claras, como por exemplo, a música, o tererê, o idio-ma, a moeda, as escolas, as famílias […]. Tais práticas corroboram na hibridação desse novo grupo e dos considerados “puros” como um processo inacabado. Por último concordo com a abrangência maior que o autor dá ao termo Brasiguaio, algo que já de-fendi em outros estudos, isso quer dizer que a compreensão em torno do que é ser brasiguaio é independente do entendimento desse grupo, como sentido de etnicidade; quero pensar que muitos estudos auxiliam a pensar esta perspectiva enquanto escolha teórica e metodológica em relação ao tema, mas que não dá conta da totalidade que representa a formação do grupo, bem como a sua manutenção no tempo presente, sem, todavia deixar de reconhecer a importância de outras abordagens, no ambiente fronteiriço, especialmente entre os conflitos harmoniosos ou de tensões que o Brasil mantem com os países vizinhos na América do Sul.

As hipóteses de futuras e prováveis pesquisas que o autor levanta no final do livro são riquíssimas, justamente por que não se pode cair em perspectivas generalizantes em relação às fronteiras e aos países e suas gentes que circundam o Brasil. Ou seja, cada caso possui suas especificidades. Acredito que a mobilidade do autor em re-lação às diferentes “correntes” de pensamento, seja na Sociologia, na Antropologia, na Geografia e na História, é importante para a que a obra não sofra classificações teóricas e metodológicas, quero dizer que a preocupação em abordar diferentes perspectivas como a pós-modernidade, o marxismo, a história do tempo presente, a história oral, a imprensa, entre outras sintetiza para o leitor não especialista no assunto uma realidade complexa da fronteira e que pode ser compreendida por meio das fontes trabalhadas, independente das questões simétricas ou assimétricas sobre a identidade. Esta resenha não substitui a leitura integral do livro, tem como objetivo, estabelecer pontos de reflexões e de abordagens que a pesquisa do autor denota.

Leandro Baller – Universidade Federal Mato Grosso do Sul. Centro de Ciências Humanas e Sociais Campus de Nova Andradina, Cidade Universitária Rodovia MS 134 Km 3. CEP 79750-000. Nova Andradina – MS – Brasil. E-mail: [email protected].

Um nordeste em São Paulo: trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista, 1945/1966 – FONTES (RBH)

FONTES, Paulo. Um nordeste em São Paulo: trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista, 1945/1966. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2008. 436p. Resenha de: DUARTE, Adriano Luiz. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.30, n.60, 2010.

Um nordeste é desses livros raros que arejam nossas ideias, ampliam nossos horizontes e abrem inúmeras janelas à reflexão. Areja nossas ideias por nos mostrar que devemos pensar a história social e política da cidade de São Paulo considerando o impacto das migrações internas, nos últimos 60 anos. Nesse período, aproximadamente 38 milhões de pessoas saíram do campo em direção às áreas urbanas, e seu principal destino era a cidade de São Paulo. A capital paulista triplicou seu tamanho, enquanto sua população de origem nordestina cresceu dez vezes. Entre 1950 e 1960, a cidade recebeu 1 milhão de migrantes, representando 60% do seu crescimento. Em 1970, o censo apontava que “70% da população economicamente ativa na cidade havia passado por algum tipo de experiência migratória” (p.46).

Norte, Nordeste, nordestino, como mostra o autor, são categorias genéricas que se referem a diferentes lugares, origens e experiências. No entanto, ao chegar à cidade de São Paulo, as diferenças eram esquecidas e todos se tornavam “baianos”. Ser “baiano” tinha uma implicação cultural e étnica, cuja função era, principalmente, marcar a sua diferença em relação aos moradores mais antigos: “[nordestinos] são essas pessoas morenas e de pele mais escura que não eram como nós” (p.78). A migração nordestina cruzava dois elementos bastante explosivos: a origem racial e o baixo grau de instrução. Pesquisas discutidas com muita propriedade por Paulo Fontes mostram que, em 1962, 60% dos trabalhadores que migravam para a capital paulista eram analfabetos (p.64). Não demorou muito para que “os nordestinos” fossem responsabiliza-dos pelas mazelas do crescimento urbano desordenado da cidade: a debilidade dos serviços públicos, o crescimento da criminalidade, a expansão de cortiços e favelas.

A segregação era tanto espacial quanto social e cultural. Uma pesquisa realizada entre universitários paulistas, em 1949, revelou que um em cada três não considerava a hipótese de matrimônio com “baianos ou nortistas” (p.69). Por isso é possível dizer que a identidade de muitos bairros paulistanos, nas décadas de 1960 e 1970, está profundamente marcada por certa percepção dos “nordestinos” como o lado obscuro do progresso: sua presença seria o preço a pagar pelo desenvolvimento. Junte-se a isso a violenta segregação espacial do processo de urbanização da cidade. O seu “padrão periférico de crescimento urbano” – que reservava áreas vazias próximas ao centro da cidade para especulação imobiliária – alterou completamente o cenário. Os trabalhadores foram paulatinamente expulsos das áreas centrais e de industrialização antiga e forçados a se deslocar para áreas periféricas desprovidas de serviços urbanos como água, luz, esgoto, correios etc. Esse processo desencadeou o fenômeno da autoconstrução, que marcou fortemente o cenário suburbano. Segundo Paulo Fontes, em 1980 calculava-se que 63% das moradias na grande São Paulo haviam sido construídas desse modo. São Miguel Paulista, a “Bahia Nova”, foi um exemplo: de um vilarejo com 7 mil habitantes em 1940, chegou a 140 mil em 1960. Mas a autoconstrução supunha a inestimável ajuda de parentes e amigos expressa no mutirão, fortalecendo os laços de solidariedade e consolidando a identidade de moradores e trabalhadores.

Um nordeste em São Paulo amplia nossos horizontes ao mostrar que não era apenas de segregação, isolamento, baixos níveis educacionais e “barbarismo” que se fazia a epopeia da migração nordestina para São Paulo. Solidariedade talvez seja o substantivo que melhor define as múltiplas redes que conectavam os migrantes. Começando pelo simples fato de que sair do Nordeste pressupunha um contato prévio na cidade grande. Ou seja, o processo de migração não era, de modo geral, desordenando e desprovido de planejamento. Era escolha racional, assentada numa cuidadosa teia de contatos que facilitava a decisão de partir, ajudava na viagem e no processo de adaptação na cidade. Essas “redes” forjavam as relações de vizinhança e alcançavam o interior das fábricas, chegando sólidas aos partidos políticos. Elas foram fundamentais para tecer uma identidade específica de trabalhador nordestino, identidade de classe, embora nem sempre suficientes para configurar uma comunidade.

A migração nordestina era fartamente descrita na imprensa como associada à ignorância, à violência irracional e à pobreza. Caracterizados como grosseiros e rudes, tinham sua “propensão natural à violência” atribuída ora à herança de um ambiente hostil e agressivo, ora a um estágio civilizacional inferior. Paradoxalmente, a imagem do “cabra-macho que não leva desaforo pra casa”, simbolizada pelo cangaceiro, foi largamente cultivada pelos migran tes como símbolo de coragem, força e determinação que os diferenciava dos sulistas. Porém, a reação mais comum diante das hostilidades que recebiam não implicava violência, mas a valorização da sua capacidade de trabalho – e, portanto, da sua identidade de operário – sob o argumento de que sem eles São Paulo não seria o que é.

Ao seu suposto atraso, responderam também com forte atuação política no pós-guerra. A despeito de suas ambiguidades, o PCB contou com forte adesão dos moradores de São Miguel e dos operários da Nitro Química. Sua popularidade expressou-se na célula Augusto Pinto, a maior célula comunista do estado, e nos mais de 35% de votos dados ao partido nas eleições para a Assembleia Legislativa, em janeiro de 1947. A cassação do registro legal do PCB pulverizou as fidelidades partidárias em São Miguel, embora não tenha arrefecido o envolvimento político no bairro. As agremiações partidárias saíram a campo para disputar o espólio do “partidão” – espólio eleitoral e organizativo. Adhemar de Barros e Jânio Quadros seriam os principais destinatários do voto operário em São Miguel. Mas não eram apenas os partidos políticos que disputavam a consciência dos operários: o Círculo Operário Cristão também contou com a adesão dos operários, embora – para tristeza dos circulistas – não pelas razões “certas”. A estreitíssima relação entre o Círculo Operário e a Nitro Química era vista com grande desconfiança pelos trabalhadores que o utilizavam como um clube, um espaço de lazer e assistência numa cidade profundamente carente de ambos, mas recusavam seu pacote ideológico.

A crescente repressão do governo Dutra e a cassação da direção do sindicato dos químicos levaram muitos militantes para as Sociedades Amigos de Bairro (SABs) que se tornaram os centros da chamada “luta pelo direito à cidade”. O golpe civil-militar de 1964 acentuaria os vínculos entre as SABs e os sindicatos, visto que muitos militantes e simpatizantes de esquerda se refugiaram nelas. Estabelecendo uma conexão entre as SABs e os chamados “novos movimentos sociais” surgidos na cidade no final da década de 1970, Paulo Fontes sugere que a existência de “uma longa e subterrânea tradição organizativa no bairro iria alimentar e ‘dialogar’ com esses novos militantes e organizações” (p.284). As SABs foram fundamentais também nas campanhas pela autonomia de São Miguel Paulista, movimento iniciado em 1962 e por três vezes derrotado. A primeira metade da década de 1960 foi marcada também pelo crescimento da ação sindical na Nitro Química e no bairro de São Miguel. A expectativa pelas “reformas de base”, prometidas pelo governo de João Goulart, mobilizou a população e desencadeou inúmeras greves. Mas esse período coincidiu também com uma profunda crise econômica na empresa, cuja resposta imediata foi o esvaziamento do famoso serviço social que ela mantiverapor mais de 30 anos. Às milhares de demissões, seguiu-se a deslegitimação do papel desempenhado pela empresa no bairro; assim, o ano de 1966 marcou o fim de uma era.

Um nordeste em São Paulo abre inúmeras janelas à nossa reflexão ao tomar com desassombro a decisão de lidar com o cotidiano operário, com a cultura popular, com as relações de gênero, as identidades étnicas, as formas de lazer e sociabilidade dos trabalhadores na chave das mais atualizadas abordagens sobre esses temas. Problematiza as relações entre campo e cidade, não apenas colocando sub judice uma versão tradicional que percebia a migração como a destruição dos vínculos de solidariedade, mas também mostrando que ela não significava, em geral, rompimento com o campo. O “problema” da comunidade, que emerge quando os historiados buscam a ampliação das análises da formação de classe para além do espaço fabril, é tratado com o devido cuidado, supondo a solidariedade não como uma consequência “natural” da proximidade geográfica, mas como resultado de um esforço humano deliberado e reatualizado cotidianamente, tanto nas redes de lazer quanto nas lutas. Comunidade emerge não como simples categoria teórica, mas como problema historiográfico a ser investigado. Um nordeste em São Paulo é leitura obrigatória não apenas para os historiadores preocupados com o problema da formação da classe operária no Brasil, mas para historiadores, sociólogos, antropólogos e outros preocupados em entender este misterioso lugar chamado Brasil.

Adriano Luiz Duarte – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Campus Trindade – Departamento de História. Av. Engenheiro Max de Souza, 620 – Florianópolis – SC. E-mail: [email protected].

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Aprender a ser chilenos: identidad, trabajo y residencia de migrantes en el Alto Valle del Río Negro – TRPIN (IA)

TRPIN, Verónica. Aprender a ser chilenos: identidad, trabajo y residencia de migrantes en el Alto Valle del Río Negro. Buenos Aires: Antropofagia, 2004. 118p. Resenha de: ZAPATA, Laura. Intersecciones en Antropología, Olavarría, v.10 n.2, jul./dic. 2009.

El libro de Verónica Trpin es una inmersión en los intersticios de un sistema económico de base agraria particular: el de la fruticultura, basada en el régimen de pequeña propiedad asociada de manera subordinada al gran capital agrario exportador, que demanda trabajo familiar intensivo y que se caracteriza por la explotación por parte de los “chacareros” del contingente considerado “chileno” en el Alto Valle del Río Negro en la Patagonia argentina. El mayor mérito de la obra de Trpin se encuentra en la descripción de este sistema de sujeción de la fuerza de trabajo, que recurre a diacríticos étnicos para garantizar la reproducción de las posiciones de clase y la acumulación de capital. Cuestión agraria y etnicidad son los ejes teóricos que atraviesan la obra. La pregunta a responder es: por qué “alumnos argentinos hijos de chilenos no sólo eran tratados como chilenos por los maestros, sino que además ellos se ratifi can como tales pese a las habituales connotaciones peyorativas” del término chileno (p. 13). La autora afirma que chileno alude tanto a una clase social (trabajador) como a una nacionalidad (la chilena), ambas categorías “etnificadas” en las interacciones de “chilenos” y “chacareros” del paraje rural que analiza: Guerrico. Basándose en autores que analizan la clase operaria inglesa, como E. Thompson y P. Willis, Trpin describe el “proceso de reproducción de la chilenidad en descendientes de migrantes chilenos” (p. 17) como una forma de reproducción de una clase social. Analiza para ello los significados de la chilenidad en la escuela, las chacras, las calles ciegas y las fiestas.

La autora sitúa el inicio de su descripción en la escuela de Guerrico, una comunidad de dos mil habitantes, donde maestras, directivos escolares y alumnos mantienen relaciones tensas y asimétricas. Los funcionarios escolares son “dueños de chacras” (p. 17), “parientes de chacareros” (p. 32), “descendientes de inmigrantes europeos devenidos en chacareros de la zona” (p. 31), “argentinos” (p. 33). Entre tanto algunos de los niños que asisten a la escuela son “alumnos argentinos hijos de chilenos” (p. 13), “alumnos descendientes de migrantes chilenos” (p. 14), “hijos de trabajadores” de las chacras (pp. 32-33). Frente a los niños trabajadores y chilenos “…los maestros descendientes de chacareros (…) encarnan la patronal y el progreso argentinos” (p. 110). La asociación de clase y nación (p. 77) produce relaciones singulares: trabajador/chileno se opone de manera antagónica a patrón/argentino en la estructura social de esa localidad. Por ejemplo: “robarle al chacarero es un ‘reto’ de clase encarnada en la familia” (p. 43) trabajadora. Lo cual equivale a robarle al “argentino”, al “descendiente de migrantes europeos”, al “blanco” (p. 13), al “chacarero”.

El libro está organizado en seis capítulos. El capítulo 1 sitúa a la Patagonia como el espacio liminal de la argentinidad y muestra al estado-nación y a sus iniciativas civilizadoras -una de ellas las de colonización con población blanca de origen europeo- como las productoras de categorías estigmatizantes, indio y chileno entre otras, que llevaron al exterminio y a la segregación de la población que habitaba ese territorio porque su existencia hacía “peligrar la uni- ficación identitaria de ‘lo argentino’” (p. 21). En el capítulo 2, lo chileno emerge como significativo en relación a la empresa nacionalizadora que ejerce el dispositivo escolar. Ahora bien, los maestros son, como los alumnos, descendientes de migrantes llegados al país a principios del siglo XX, y sin embargo, sus herencias europeas (italiana y española, entre otras) no son experimentadas ni problematizadas como atentados contra la nación. En cambio, la herencia chilena de los trabajadores “choca” y “amenaza” el sentido de argentinidad de maestras y chacareros (p. 33). La chilenidad aparece asociada a la clase, a la nacionalidad (pp. 22-23, 32) por medio del proceso de etni- ficación. ¿Qué significa “etnificar” la clase? Y ¿qué significa “etnificar” la nación? En el texto no hay una respuesta clara. Categorizar a una clase social como “chileno” es recurrir a la misma palabra que equivale a nacionalidad y a los principios ciudadanos de participación política y de derecho a ella asociados. Al clasificarse y ser clasificada como chilena, una porción de la población del Valle es simbólicamente excluida de la comunidad nacional al tiempo que es integrada en términos económicos enfatizando su condición de explotados. Por ello, en el caso analizado, chileno no sólo significa “mantener cierta fidelidad a sus orígenes nacionales” (p. 80) como afirma Trpin, puede aludir a mecanismos institucionales de exclusión/inclusión de grupos sociales tendientes a la producción y control de la fuerza de trabajo en la región. Lo impactante es que ese mecanismo de exclusión política produce prácticas y sentimientos de distintividad que la autora intenta sintetizar en categorías compuestas tales como “etnonacionalidad” (pp. 107-108). Chileno, en su positividad, designa una forma de vida, un sistema de relaciones en el que la familia casi coincide con la unidad productiva y de consumo, la división del trabajo expresando la estructura familiar. Podría decirse que chileno tiende a coincidir con la categoría campesinos proletarizados o trabajadores rurales. Su situación mostraría la doble dominación a que están sujetos: la económica en base a su situación de desposeído de la propiedad de la tierra; la política, dada su condición de extranjero. Ahora bien el problema teórico fundamental que la etnografía de Trpin descubre es ¿por qué en el Valle el trabajador rural es desnacionalizado antes que etnificado como minoría o como clase? La designación chileno no es sólo una forma peculiar de organizar la diferencia en la interacción social; es una categoría efi caz que opera al interior de un sistema fundiario y un mecanismo de producción de la fuerza de trabajo que para garantizar su reproducción se expresa en términos nacionalistas.

En el capítulo 3 la autora explica: “Los chacareros accedieron a la propiedad en una coyuntura histórica en la que el capital inglés promocionó la pequeña propiedad con trabajo familiar como la unidad productiva base de la fruticultura. En cambio, los migrantes chilenos llegaron al Valle para trabajar como asalariados en pequeñas propiedades que ya tenían dueños, su acceso a la propiedad estaba bloqueado, no poseían capital inicial y el estado no promovió su asentamiento” (p. 47). Españoles e italianos, principalmente, se convirtieron en propietarios de tierras, basada en la auto-explotación familiar y en la nacionalización de su descendencia. Los chacareros y sus descendientes pasaron a ocupar con respecto a los chilenos posiciones de dominio como patrones y funcionarios de bajo rango en la estructuras estatales como son las maestras (pp. 56-57). Los chacareros intensifi caron su producción incorporando tecnología y fuerza de trabajo ajena a la propia familia, generando con ello un fondo de acumulación de capital mediante la sujeción de la población denominada chilena. Mientras los chilenos eran proletarizados, los chacareros “desaparecían” de Guerrico pero permanecían allí como “patrones” (p. 63) y funcionarios del estado-nación.

La explotación del trabajador rural asume dos formas espaciales. A esas formas los chilenos las denominan “la chacra” y “las calles ciegas”. Éstas constituyen el objeto de los capítulos cuatro y cinco. En el capítulo 4, el informante Roble y su familia ocupan la escena principal. Él es chileno, encargado de una chacra, donde vive y trabaja. No es un campesino independiente ni puede hablarse de un “trabajador” a secas. Es un campesino proletarizado. Los patrones de Roble viven en Allen, una ciudad cercana, poseen un pequeño comercio, para ellos la chacra es “‘como un complemento’” (p. 67). Este informante le revela a la autora que la chilenidad es una forma de “garantizar la disciplina de trabajo como un atributo a destacar frente al empleador” (p. 78). Es aquí donde Trpin afirma la etnicidad de la clase: ser chileno facilita y garantiza un medio de vida para los trabajadores rurales. Más aún: facilita la reproducción de las condiciones de explotación de la fuerza de trabajo considerada extranjera a favor de los chacareros argentinos, fracción dominada de la industria frutícola.

En el capítulo 5, la chacra es descalificada por los chilenos como opción de residencia y trabajo. Le dicen a la autora: “te controlan todo el día. Yo opté por no ser humillado y me fui a una ‘rancha’. Hay mucho abuso de los chacareros” (p. 89). En la calle ciega de los Saldía la autora describe formas de producción casi ausentes en la chacra: cría de gallinas, cerdos y conejos, la huerta, el intercambio de productos agrícolas por manufacturas (materiales de construcción) en la ciudad (p. 92). Mientras que Roble constituye el paradigma del campesino proletarizado, los Saldía recrean al campesino semi-independiente, que tiende a coincidir con la plena chilenidad. La calle ciega, para la autora, permite “romper los lazos de dependencia y subordinación que experimentan las familias de chilenos que viven dentro de las chacras” (p. 97). En esta calle ciega transcurre casi todo el capítulo 6, donde Trpin describe con detalle una la celebración del 18 de septiembre, fiesta de la Independencia de Chile. El consumo del mote con huesillo, las empanadas con mucha cebolla, el vino, la chicha y la chupilca, llevan a la autora a descubrir que afirmarse chileno excede la condición de clase y la adscripción nacional, pues supone una forma de hablar, de comer, de reunirse con amigos y parientes, un tipo de sociabilidad (p. 107).

Trpin concluye que la reproducción de los “trabajadores” en el Valle no sigue la lógica de la reproducción económica de una clase social sino que precisa articularse con los diacríticos nacionales y que es dependiente de la forma en la que se comporten las relaciones familiares, productivas y las residenciales (p.108). Afirma, además: “La, hasta los ’90, sumamente exitosa integración económica de las familias chilenas a la dinámica de la fruticultura valletana no ha sido traducida en una adscripción identitaria nacional; la descendencia argentina se reconoce por el origen nacional de sus padres y se recrean prácticas que tienden a reproducirla. Esta situación no puede explicarse por una falta de asimilación a la sociedad receptora o por la empecinada marginalidad de estos grupos sociales, condenados sin remedio por las imágenes descalificadoras de ‘los argentinos’” (p. 108, cursivas agregadas). El hecho de que no todo acto de reconocimiento de las diferencias deba, necesariamente, significar segregación es una aseveración suficientemente demostrada en el texto. Pero ¿cómo evaluar esa “sumamente exitosa integración” de las “familias chilenas”? ¿Por qué algunos deciden huir de la disciplina de las chacras y residir en las ilegales “calles ciegas”? Apuntando a la relación teórica que la autora establece entre nación y clase: ¿Qué significados asume lo chileno cuando los trabajadores rurales ya no aceptan reproducirse como tales? ¿Para ocupar otras posiciones sociales, siguiendo el modelo de los antepasados europeos de los chacareros, acaso, deben deschilenizarse y, por lo tanto, argentinizarse? ¿Es posible en esa localidad ser al mismo tiempo chileno y chacarero; chilena y maestra?

La respuesta negativa a estas interrogantes demuestra que la asimilación sigue siendo una política nacionalista eficaz. Esos grupos de campesinos proletarizados que se reconocen como chilenos, muestran de qué manera los procesos de nacionalización corren paralelos a los procesos de desnacionalización y exotización de poblaciones indeseables, puestas al margen político y simbólico de la comunidad pero reintegradas económicamente como grupos desposeídos (de los derechos asociados a la nacionalidad y a la tierra). El libro de Trpin muestra que los mecanismos institucionales de exclusión/inclusión de grupos sociales son imprescindibles para el funcionamiento del sistema fundiario existente en el Valle del Río Negro. De ahí la necesidad de investigar su dinámica y su eficacia, como hace la autora.

El libro de forma parte de la colección Serie Etnográfica que edita el Centro de Antropología Social (CAS) del Instituto de Desarrollo Económico y Social (IDES), que dirigen Rosana Guber y Federico Neiburg. Basada en un trabajo de campo prolongado y consulta de fuentes secundarias y documentales, la autora muestra la polivalencia de las categorías de adscripción nacional. “Aprender a ser chilenos” es la reelaboración de la tesis de Maestría de la autora, defendida en 2003 en el Programa de Post-Graduación en Antropología Social (PPAS) de la Universidad Nacional de Misiones (UNaM). Se trata de un texto de inestimable valor para la comprensión de la cultura política y los procesos agrarios argentinos.

Laura Zapata – Facultad de de Ciencias Sociales (FACSO), Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires (UNICEN). Lavalle 3721, (7400) Olavarría, Buenos Aires. E-mail: [email protected]

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Portugueses no Brasil: migrantes em dois atos | Ismênia de Lima Martins

MARTINS, Ismênia de Lima; SOUSA, Fernando (Orgs.). Portugueses no Brasil: migrantes em dois atos.  Niterói: Muiraquitã, 2006. Resenha de: KUSHNIR, Beatriz. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, v.3, n.3, p. 183-184, 2007.

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La terra abitata dagli uomini – BRUSA et al (CC)

BRUSA, Antonio; BRUSA,  Anna; CECALUPO, Marco. La terra abitata dagli uomini. Bari, Irrsae Puglia: Progedit, 2000, 205p. Resenha de: HEIMBERG, Charles. Le cartable de Clio – Revue romande et tessinoise sur les didactiques de l’histoire, Lausanne, n.3, p.326, 2003.

Cet ouvrage traite de l’histoire enseignée sous l’angle de l’éducation interculturelle. La réalité du fait migratoire dans les écoles italiennes est relativement récente et n’a pas manqué de provoquer une large réflexion du monde de l’éducation sur la manière de s’adresser à tous les élèves qui sont désormais présents dans les classes. Mais le rôle de l’histoire scolaire pour les processus interculturels, dans un premier temps, est demeuré occulté. Dans son introduction, Antonio Brusa explique en quoi il est pourtant essentiel, et évoque ce qui a été fait depuis lors en la matière. L’ajout de nouvelles thématiques dans les programmes a d’abord provoque une telle surcharge qu’il a bien fallu se résigner à repenser l’ ensembre du curriculum. La réflexions est malheureusement déroulée em dehors des structures universitaires, mais elle a permis de remettre enfin en cause un récit linéaire et seulement européen de l’histoire humaine. De fait, le dépassement d’une histoire ethnocentrique et le développement d’une histoire qui tienne bien compte de la dimension mondiale sont équivalents, dans le domaine de l’histoire, à ce que représente l’antiracisme dans l’espace public.

Le schéma traditionnel et linéaire de l’histoire ne comprend aucune donnée spatiale, il se déroule à partir d’un lieu donné sans prendre suffisamment en considération des tableaux synchroniques du monde, sans interroger l’altérité dans la contemporanéité. En outre, ce grand récit pourrait être repensé autour des trois modèles d’organisation sociale que séparent les deux grands changements ayant marqué l’histoire de l’humanité, la révolution néolithique et l’industrialisation. La reconstruction de l’histoire enseignée par des synthèses globales et des récits qui les donnent à voir permet aussi de faire construire une grammaire de l’histoire et d’exercer des activités dans ce sens. Une typologie des exercices que l’on peut développer en classe d’histoire est ainsi proposée. De même que des exemples de jeux de rôles ou de simulation qui permettent aux élèves de construire des connaissances d’histoire sur des thèmes très variés.

Ce volume, avec les nombreux exemples didactiques qu’il présente, concerne avant tout la scolarité obligatoire, soit l’enseignement primaire et l’école moyenne. Sa dernière partie suggère toute une série d’activités scolaires qui peuvent être développées dans le cadre du « laboratoire d’histoire ». Il dégage ainsi de nouvelles perspectives pour l’histoire enseignée qui sont vraiment très stimulantes.

Charles Heimberg –  Institut de Formation des Maîtres (IFMES), Genève.

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Khmer American: Identity and Moral Education in a Diasporic Community – SMITH-HEFNER (CSS)

SMITH-HEFNER, Nancy J. Khmer American: Identity and Moral Education in a Diasporic Community. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 1999. 237p. Resenha de: HOFFMAN, George. Canadian Social Studies, v.35, n.1, 2000.

In Khmer American Nancy Smith-Hefner examines the movement of Cambodians, most of whom were refugees, into the United States. She provides a moving portrait of their trials and tribulations as they attempted to adjust and make their way in a new society. She shows that they faced many of the same challenges that earlier immigrant groups, such as the Irish, Germans, Poles, Italians and others, had faced. At the same time, however, because of their cultural background and the circumstances of their arrival, there are also important differences.

Smith-Hefner’s account is not a history of Cambodian Americans. Rather it is an anthropological study of the Khmer (because the overwhelming majority of Cambodians are ethnic Khmer, the terms Khmer and Cambodian are both used in the book in reference to the language and the people of Cambodia) refugees and their families who live in metropolitan Boston and some neighbouring cities of eastern Massachusetts. The story is told largely from the perspective of the parental generation of Khmer refugees.

Since 1979 approximately 152,000 Cambodians have settled in the United States. Today the Khmer population of Boston and surrounding area is about 25,000. The city of Lowell, north of Boston, is said to have the second largest Khmer population in the United States after Long Beach, California. Most of the refugees, upon whom Smith-Hefner’s study is based, fled the horror of Pol Pot and the Khmer Rouge. The experiences under Pol Pot’s murderous regime exacted a high toll on the Khmer. Many of Cambodian refugees in the Boston area spoke openly when interviewed of having personally witnessed torture, rape and killings.

Khmer American includes a discussion of the basic beliefs and practices of Buddhism which, the author states, is essential for understanding Khmer culture. Khmer child rearing practices are described with particular emphasis on the moral education of children. Smith-Hefner shows that these beliefs relate directly to the cultural discontinuities that Khmer children face in American schools. Cultural practices in regard to sexuality and marriage are also explained, including a fascinating account of a Khmer wedding. Through examining these various social processes, it is shown how acculturation occurred and how a reconstructed Khmer identity emerged in the United States during the 1990s.

Khmer American is a well-documented study. It is based on an impressive amount of published and unpublished material which is referred to in the notes and references at the end of the book. As well, Smith-Hefner spoke with members of the Khmer community in the Boston region. She allows people to speak for themselves by quoting at some length from these interviews. Many of the excerpts are moving and filled with human interest. The author’s knowledge of the Khmer language adds greatly to her work. There are frequent references to the Khmer language and how certain key words can best be translated into English. The book shows an understanding of both traditional Khmer culture and contemporary American society. As a result the study contributes substantially to an overall interpretation of the immigrant experience in twentieth century America.

Both because of the subject and the academic level, it is unlikely that Khmer American will be widely read by Canadian high school students. However, they would find parts of it interesting and understandable. The book refers to inter-generation conflict between parents and their children over such matters as respect for elders, religion, dating and arranged marriages — subjects on which Canadian teenagers no doubt would express strong opinions.

Certainly history and social studies teachers could usefully apply the book to their classes. It provides an excellent description of Buddhism and Khmer culture. It contains a case study of a relatively unassimilated ethnic group within a multicultural society. This could be compared with earlier immigrant groups or with those of different cultural backgrounds. Another approach would be to compare the American experience with the Canadian. How many Cambodians came to Canada in the 1970s and 1980s, and how has Khmer culture fared in Canada? Do the two experiences prove or disprove the theory of an American ‘melting pot’ and a Canadian ‘mosaic’? In conclusion, I strongly recommend Khmer American. It is a serious academic study of an important and interesting subject.

George Hoffman – Weyburn, Saskatchewan.

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