Arte, ciencia y tecnología en la Argentina y América Latina: perspectivas situadas | Cuadernos de Historia del Arte | 2022

En las últimas décadas, en parte impulsadas por los movimientos decoloniales y otras propuestas de revisión crítica de la modernidad occidental llevadas a cabo por el posestructuralismo, los feminismos y los posthumanismos críticos, entre otros, las producciones estéticas latinoamericanas han ganado terreno en los circuitos internacionales de producción, exhibición e investigación en arte, no sólo renovando la antigua pregunta por la identidad latinoamericana, sino también movilizando nuevas tensiones y negociaciones en torno a la noción misma de lo contemporáneo.

La conformación de un circuito internacional del arte, se sabe, no es nueva. Tampoco es nueva la instrumentación de tales instancias de formación, producción, exposición y crítica de arte como zonas estratégicas de intervención política en un sentido amplio. Trabajos ya clásicos de Anna María Guasch,3 Andrea Giunta4 y Diana Wechsler,5 entre otrxs, han dado cuenta de que los canales trazados entre bienales, ferias, residencias y demás programas internacionales de arte contemporáneo constituyen espacios públicos en los que se instalan temas, se visibilizan problemas, se establecen formas privilegiadas de abordarlos y, asimismo, se moviliza no sólo un ostentoso mercado de obras asociado a los carriles de consagración de artistas sino que en ellos también se modulan las identidades y pertenencias locales y regionales de acuerdo a un arreglo de participación planetaria. Este escenario ha venido progresando desde las exposiciones industriales del siglo XIX, mediante el circuito de bienales inaugurado en Venecia en 1895 e incluyendo las ferias y residencias más recientes; así, ha resultado en la conformación de un mapa mundial de encuentros y eventos que, hacia los años ’80 y ’90, experimenta una reorganización que torsiona su condición inter-nacional hasta redefinirla como “global” y que abandona el signo de lo moderno/posmoderno hacia la conformación de un ámbito caracterizado por lo “contemporáneo”. Leia Mais

La ciencia y sus públicos: circulación, apropiación y creación científica en Iberoamérica (s. XIX-XX) | História Unisinos | 2021

Henri Poincare Creación científica
Henri Poincare | Imagen: Bill Sanderson

¿Cómo se produce el conocimiento científico? ¿Cómo circula este en un nivel global y local? ¿Qué roles ejercen y cómo interactúan los “expertos” y los públicos profanos en estos procesos? Estas son algunas de las preguntas que motivaron la coordinación de este dossier, que propone una revisión del estatus de la comunicación científica en la construcción del saber desde una perspectiva histórica. Tradicionalmente, el llamado modelo del “déficit” ha influido en las últimas décadas y todavía hoy en la manera de entender la circulación del conocimiento científico. En este marco interpretativo, se percibe la ciencia como el quehacer de un grupo de expertos, que, habiendo elaborado su trabajo y realizado los esperados hallazgos en una primera etapa, difunden posteriormente sus resultados a la sociedad o públicos legos. De este modo, el saber circula desde los expertos dentro de las instituciones, hacia los inexpertos que están fuera de estas. Esta perspectiva asume a su vez que la circulación del saber científico opera bajo la lógica de transmisión desde el centro experto de la producción científica hacia la periferia profana. No obstante, los enfoques teóricos desarrollados durante los últimos años (Hilgartner, 1990; Broks, 1993; Secord, 2004; Topham, 2009; Lipphardt y Ludwig, 2011; Nieto-Galan, 2011) han revisado y cuestionado dicho modelo, al proponer a “los públicos” como agentes activos del proceso de construcción de conocimiento científico. Esta aproximación ha permitido constatar que la ciencia es afectada, moldeada y generada por diferentes personas dentro de la sociedad, más allá de los científicos, de tal modo que la interacción entre estos y aquellos se ha convertido en un asunto importante de analizar. La ciencia, bajo este nuevo paradigma, es entendida como un acto de comunicación en sí misma, por lo que no sería factible desvincular el hacer ciencia con su divulgación (Secord, 2004). Leia Mais

Raça, Ciência e Saúde no contexto da escravidão e do pós-Abolição | Revista Maracanan | 2021

Maconha Creación científica
Maconha | Foto: Notícias Chapecó

Durante as últimas duas décadas tem crescido o interesse historiográfico por temas como saúde, doença e ciência e, em especial, a saúde da população negra. A ampliação do debate sobre as múltiplas intersecções entre esses campos de análise e sociedade é de extrema relevância para reflexões acerca do Pensamento Social Brasileiro. Além disso, tem contribuído para a construção de novos campos de estudo, trazendo à tona pesquisas inovadoras tanto para o campo da História das Ciências e da Saúde como para a História do Negro no Brasil.

A Revista Maracanan publica o Dossiê Temático “Raça, Ciência e Saúde no contexto da escravidão e do pós-Abolição” em um momento crucial para os estudos em Saúde no Brasil e, também, para a História do Brasil. A relação entre saúde, doença e ciência tem sido posta em evidência, por exemplo, com pesquisas que apontam que a população negra tem sido a mais afetada pela pandemia da Covid-19 no Brasil, tanto em número de mortos como também em termos socioeconômicos.[1] Leia Mais

Os mundos do trabalho e suas interfaces com a ciência, a saúde e a doença | Mundos do Trabalho | 2020

Vivemos um presente distópico, de pandemia e mudança repentina de hábitos, paradigmas, maneiras de compreender a realidade e lidar com suas consequências em nossa vida cotidiana. Uma realidade que foi pincelada, de maneira mais ou menos próxima ao que vivenciamos, por autores de ficção do século passado. O historiador Sidney Chalhoub se referiu ao momento que enfrentamos neste ano de 2020, com a pandemia da covid-19, como uma distopia neoliberal. Uma doença desconhecida, um vírus novo, e em poucos meses o mundo inteiro parou – e se trancou em casa. Ao menos quem pode. A pandemia obrigou os mercados a reduzir sua atividade, forçou o isolamento, encerrando viagens locais e internacionais, fechando fronteiras, na contramão da defesa exagerada do consumo e das propostas de um neoliberalismo privatista de extrema direita que se instalou em grande parte do mundo neste começo de século. A tão ovacionada globalização que, como descreveu Frederick Cooper, é sempre invocada para incentivar os países ricos a diminuir o Estado social e os países pobres a reduzir as despesas sociais, sofreu um forte abalo com a covid-19.1 Mais do que nunca, ficou explícita a importância de um sistema de saúde público e eficiente, de um Estado consistente que centralize a organização de todas as forças possíveis para salvar vidas. Leia Mais

Membranas: intersecções entre arte, ciência e tecnologia | ARS | 2019

Não é tarefa simples explicar a escolha do título que nomeia este dossiê especial ao qual Ars dedica sua 35ª edição, tampouco dar conta da singularidade de que o termo membrana aí se reveste, uma vez que uma definição descontextualizada não atenderia às expectativas desta proposta. As duas principais referências que nos levaram a tal enunciado remontam aos anos 2000. A primeira é o livro The postdigital membrane – imagination, technology and desire1, de Robert Pepperel2 e Michael Punt. Para estes autores, membrana seria um conceito capaz de abranger tanto o estado contínuo da realidade – que não deveria ser sacrificado por conveniências conceituais – quanto as mudanças que vêm ocorrendo com a digitalização da informação. Adjetivaram ainda o conceito como membrana pós-digital, apesar de reconhecerem tratar-se de título polêmico, pois procuravam naquele momento reconhecer o estado da tecnologia e a necessidade de novos modelos conceituais que pudessem descrever/reconhecer as intersecções entre arte, computação, filosofia e ciência sem se deixar driblar por binarismos, determinismos ou reducionismos. A metáfora utilizada pelos autores refere-se a uma membrana biológica, que dá forma a fenômenos complexos, ao mesmo tempo que possibilita continuidade e trânsito entre eles. Seria algo como uma malha transparente capaz de conectar, dividir, separar e, ao mesmo tempo, integrar elementos3.

A segunda referência é o livro Information arts: intersections of art, science, and technology de Stephen Wilson4. Neste compêndio, o autor oferece uma pesquisa abrangente de artistas que trabalham nas fronteiras entre arte, investigação científica e tecnologias emergentes. Wilson, no prefácio de seu livro, relata que, em seu último ano na Antioch College (detalhe: cursava faculdade na área de Humanidades/ Ciências Sociais, em 1967, em Yellow Springs, Ohio, EUA), resolveu que, para fazer seu trabalho de conclusão, iria aprender como o rádio funcionava, mesmo não tendo nenhum conhecimento técnico prévio. Por fim, aprendeu algumas coisas que seriam até mais importantes:

That the mystification of science and technology was unjustified; that scientific principles were understandable, just like ideas in other fields; and that technological imagination and scientific inquiry were themselves a kind of poetry – a revolutionary weaving of ideas and a bold sculpture of matter to create new possibilities.5 Leia Mais

Ciência, História e Natureza: objetos e possibilidades | Temporalidades | 2019

“Todas as ciências são humanas!”

“Todas as ciências são humanas!”. Esta frase deu a tônica nas manifestações contra os cortes financeiros na área da educação brasileira no dia 30 de maio de 2019. Para além do sentido inclusivo, – por fazer referência explícita ao apoio à educação pública, gratuita, de qualidade e para todos – a frase carrega outros sentidos e um deles diz respeito a quem pratica a ciência. Se a ciência é praticada por humanos e a História se encarrega de estudar as ações do homem no tempo, logo as práticas científicas são objetos do campo disciplinar da História. De maneira semelhante à história tout court, a narrativa sobre a história das ciências por muito tempo esteve eivada pelo mito fundador e por escritas laudatórias, mas que em determinado momento serviu aos interesses de conformar uma visão específica dos acontecimentos. Na segunda metade do século XX e início do século XXI, o cenário acadêmico vem amadurecendo análises críticas dos processos de produção do conhecimento considerando os aspectos sociais no fazer científico. Os artigos que abordam recortes espaciais e temporais distintos neste dossiê fazem emergir essas questões a partir de pesquisas empíricas e teóricas, mas principalmente apontando diferentes perspectivas interpretativas. Leia Mais

Imprensa e mediadores culturais: ciência, história e literatura / Varia História / 2018

Este dossiê é resultado do trabalho de um grupo de pesquisadores que tem se abrigado sob um título amplo o suficiente, mas também claro o suficiente, para o recorte de seu objeto: “Imprensa e mediadores culturais: ciência, história e literatura”. Composto basicamente por historiadores que trabalham com história da imprensa, história da historiografia, história dos intelectuais, história do livro e da leitura e história das ciências, o grupo é também integrado por estudiosos da literatura e das ciências sociais.

Há alguns anos, membros do grupo vêm se debruçando sobre uma questão chave da área de investigações denominada história dos intelectuais, em cuja abordagem os intelectuais estão sempre imersos em redes de sociabilidade que os situam, inspiram, demarcam e deslocam através do tempo / espaço. Uma das contribuições importantes dessa abordagem é a maneira como se define (ainda que de forma fluida) a figura do intelectual. Entendido como um sujeito histórico que se envolve na produção cultural de bens simbólicos, sendo reconhecido por sua comunidade de pares, o intelectual, em uma acepção mais ampla, também é aquele que se volta para práticas culturais de difusão e transmissão, ou seja, que faz “circular” os produtos culturais em grupos sociais mais amplos e não especializados, razão pela qual pode ser identificado, entre outras possibilidades, como vulgarizador ou divulgador. As dificuldades, mas também as potencialidades de se investir em pesquisas para explorar a categoria de intelectuais e de intelectuais mediadores fizeram com que a maioria dos autores desse dossiê tenha participado do projeto de um livro, intitulado, Intelectuais mediadores: práticas culturais e projetos políticos, organizado por Angela de Castro Gomes e Patrícia Hansen.[1]

A possibilidade do grupo – naturalmente reconfigurado, mas sempre aberto – continuar e avançar na investigação sobre a questão das práticas culturais de mediação e dos perfis dos intelectuais mediadores se renovou e ganhou força com o convite para participar de um projeto maior, “Imprensa e circulação de ideias: o papel dos periódicos nos séculos XIX e XX”, coordenado por Isabel Lustosa (FCRB) e Tânia de Luca (UNESP / Assis). Ora, o objetivo principal deste projeto era justamente aproximar pesquisadores que se dedicassem ao estudo da imprensa brasileira – jornais, revistas e almanaques – neste período de tempo, seja em âmbito local ou nacional, sem desconhecer sua necessária inserção no contexto internacional.

Como uma das orientações de nosso grupo era trabalhar teoricamente com uma gama de sujeitos históricos que atuava fortemente na imprensa escrita – embora não exclusivamente – realizando nela suas ações de mediação cultural no campo científico, artístico e político, integrar uma grande rede voltada para o estudo da imprensa adequava-se perfeitamente aos nossos objetivos. Isso significava aproximar esses intelectuais mediadores das atividades jornalísticas (inclusive, porque muitas vezes eles eram jornalistas), mas também demarcar o tipo de atuação que tinham na imprensa, pois, o que desejamos destacar é a atenção que davam a práticas culturais explicitamente voltadas à divulgação de ideias e conhecimentos para públicos variados. Até porque, para se trabalhar com o papel dos periódicos faz-se necessário um conjunto de atores entendido como muito diferenciado, já que se envolve diretamente tanto na feitura material dos impressos como na produção das ideias que eles propagam, o que exige uma grande preocupação com estratégias de promoção de seus títulos e de atração de públicos, segmentados ou não. Daí a importância da ação de editores, livreiros, escritores, jornalistas, tradutores, ilustradores, críticos literários e teatrais etc, muitos deles, embora não todos eles, podendo ser considerados intelectuais dedicados e até mesmo especializados em práticas de mediação cultural.

Se o interesse de fundo do projeto “Imprensa e circulação de ideias: o papel dos periódicos nos séculos XIX e XX” é detectar e acompanhar a circulação dos títulos, formatos, propostas gráficas, organização do material textual e imagético, e também dos conteúdos publicados; o objetivo específico do subprojeto “Imprensa e mediadores culturais: ciência, história e literatura” é trabalhar com a relação entre imprensa e intelectuais que estejam se dedicando à mediação cultural, situando, nessa dinâmica, o teor extremamente diversificado de seus temas, bem como as múltiplas formas assumidas por suas práticas (direta ou indiretamente ligadas aos periódicos), sempre entendidas em dupla dimensão: política e cultural.

Nesse sentido, a opção teórica realizada pelos artigos que compõem este dossiê é tratar esses intelectuais que estão atuando como mediadores culturais na imprensa, como sujeitos orientados por projetos individuais e coletivos que possuem dimensões políticas e socioculturais, e que sempre estão imersos em redes de sociabilidade diversas, fundamentais para a conformação de seu perfil de intelectual. Sendo assim, a figura dos mediadores culturais e suas formas de ação na imprensa se tornam o foco principal das reflexões dos pesquisadores que colaboram para o dossiê, aliando-se ainda ao enfrentamento de outra questão.

Nas pesquisas históricas recentes que contemplam a relação entre imprensa e mediadores culturais, destacam-se aquelas que apontam a centralidade dessa combinatória para se entender melhor os processos de fabricação e circulação de ideias, valores e conhecimentos no espaço e no tempo, na medida em que, por meio dela, é possível privilegiar seus múltiplos agentes e suas variadas formas de ação, que se beneficiam, crescentemente, do lugar estratégico do impresso no século XIX e XX. Dito de outra forma, o impresso funcionou, durante a maior parte desses séculos, como um vetor incontornável para qualquer projeto político-cultural de produção e divulgação de ideias e conhecimentos.

Por isso, a questão teórica da mediação cultural exige investigações que contemplem a imprensa escrita, lócus de debates e, sobretudo, da ação de divulgação para um público diversificado e não especializado. No caso deste dossiê, interessa atentar para processos e estratégias de divulgação que abarquem as artes (com ênfase para a literatura) e as ciências – quer as ciências da natureza quer as ciências sociais – com particular destaque para a história e, no caso do Brasil, para os chamados estudos brasileiros. Tal tratamento enfatiza a dimensão político-pedagógica dessas ações, ao menos para parte desses mediadores culturais que “militavam” na imprensa, acreditando na possibilidade e viabilidade de permitir a um público mais amplo acesso ao conhecimento científico e artístico, quando estampado de maneira acessível nas páginas dos periódicos. Uma proposta que guardava relações com uma “concepção democrática de ciência” então vigente. Isto é, da defesa do conhecimento “para todos” e / ou para públicos geralmente menos contemplados, como os trabalhadores, as crianças e, no limite, o “povo” de uma nação que desejasse ser moderna.

Os textos reunidos no dossiê foram apresentados, entre outros, no workshop de mesmo nome do subprojeto, “Imprensa e mediadores culturais: ciência, história e literatura”. Ele foi realizado na Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, em 30 de outubro de 2017. Assim como na proposta do evento, o dossiê busca explorar algumas possibilidades de análise de práticas de mediação cultural na imprensa, a partir de dois caminhos que, embora possam ser tratados separadamente, acabam se interpelando por muitas vias: o de uma história da divulgação científica; e o de uma história dos intelectuais aliada à história da historiografia. Em um primeiro plano, dá-se destaque aos mediadores das ciências da natureza e da ciência histórica em suas diferentes estratégias de divulgação, cuja legitimação ou “popularização” pela imprensa, impôs determinadas hierarquizações frente aos saberes – academicamente constituídos. Nesse sentido, Kaori Kodama apresenta um estudo de caso sobre o intelectual Louis Figuier – um dos vulgarizadores das ciências mais reconhecidos da segunda metade do século XIX – cujo nome circulou na imprensa brasileira até ao menos a primeira metade do século seguinte. Por meio da trajetória de Figuier, que fez de sua atividade um meio de vida e de carreira, o texto conduz a reflexões sobre uma das questões centrais sinalizadas na historiografia sobre divulgação científica: a dupla posição / identidade dos vulgarizadores desse período, que são vulgarizadores e também autoridades que falam em nome da ciência. Paralelamente, o artigo pretende mostrar como o público de Figuier se modificou ao longo das décadas de 1850 e 1870, conforme se dava a maior circulação de seus textos. Assim, busca-se apresentar alguns aspectos das relações entre as variações do público leitor e o estabelecimento de novas culturas científicas.

Por um ângulo um pouco diferente, mas também tratando da divulgação do conhecimento científico nas publicações brasileiras, ao longo do século XIX, o texto de Maria Rachel Fróes da Fonseca procura mapear jornais e revistas, apontando-os como significativos loci para a afirmação da ideia de uma “ciência para todos”. Nessa perspectiva, apresenta um conjunto de periódicos dedicado à “vulgarização das ciências” e à promoção da instrução, dirigido e redigido por intelectuais mediadores. Entre eles estão A semana: Jornal litterario, scientifico e noticioso; a Academia popular – Semanário de Instrucção e Recreio para o Povo; e a Sciencia para o povo. A ideia do valor central da ciência e da educação para o Brasil era difundida nas páginas de muitos destes periódicos. O artigo igualmente ressalta a importância do pensamento de Rui Barbosa em relação ao ensino da ciência e ao método, na época, considerado mais adequado para seu ensino: o das lições de coisas.

Uma atenção particular é dada ao próprio suporte ou veículo através do qual alguns mediadores criaram seus bens culturais e se consagraram diante de seus públicos. Os vulgarizadores das ciências (como eram chamados) atuaram na imprensa das últimas décadas do século XIX e certamente se inseriram e se beneficiaram de uma conjuntura de crescimento da leitura. Alguns jornais e revistas chegaram a ter uma seção de ciências em suas páginas, e outros passaram a se dedicar exclusivamente a esses assuntos, adotando uma linguagem mais compreensível para a população em geral, o que também ocorria com a publicação de livros. Pode-se dizer, portanto, que no momento em que se ampliava o acesso aos impressos e se discutia, nos países ocidentais, a “educação popular”, os mediadores tornavam-se, eles mesmos, produtores de novas modalidades de bens culturais dentro da mídia impressa e, também, autores de um novo tipo, produzidos por esse mesmo suporte. Assim, transfiguravam-se em intelectuais altamente reconhecidos por seu público, bem como por aqueles que realizavam a crítica de seus textos na imprensa, valorizando-os ainda mais.

Porém, as características da consagração de um intelectual mediador quer pelo público, quer pela crítica – o que, em certo sentido, pode ser avaliado por sua capacidade de “popularizar” um determinado saber – podem ser encontradas também na primeira metade do século XX, como no artigo de Angela de Castro Gomes, que trabalha com o texto e a recepção da peça, A Marquesa de Santos, de Viriato Corrêa, estreada em 1938. Nesse caso, o teatro histórico, enquanto texto e encenação, é que ganha destaque, estimulado pelo Estado Novo, então promovendo a nacionalização do ensino e a valorização do conhecimento histórico, que devia ser divulgado a partir de novas e variadas mídias. A Marquesa de Santos foi uma entre diversas produções de teatro histórico desse período a fazer muito sucesso. A numerosa e, em geral, elogiosa crítica publicada na imprensa permite tanto uma aproximação do espetáculo como a realização de reflexões sobre: o tipo de cultura histórica que estava então sendo construída e difundida; o tipo de batalhas de memória que eram travadas, quando um projeto nacionalista de Estado precisava “negociar” com eventos e heróis já conhecidos e consagrados; e o tipo de diálogo que se estabelecia entre uma escrita da história científica e uma escrita da história de teor cívico-patriótico, dirigida a um grande público, diálogo que, nesse caso, beneficiava-se do vetor das artes cênicas. Ambas, na verdade, em processo de construção e afirmação e, portanto, de discussão, dentro e fora das instituições acadêmicas.

Com o artigo de Angela de Castro Gomes, o dossiê começa a enveredar pelo segundo caminho nele contemplado, a saber, o que lida mais de perto com o enfoque dos estudos brasileiros e da história da historiografia. Se um dos interesses deste dossiê é o de situar a própria imprensa como objeto de análise, vislumbrando nela as possibilidades e significados da atuação dos mediadores culturais, é fundamental atentar para tudo que a estrutura e organiza materialmente, tal como os suplementos, as seções, os anúncios, as colunas, as fotografias, as manchetes, os encartes etc. Assim, Robertha Triches, volta-se para a coluna – “Terras de Nossa Terra” – do jornal, A Voz de Portugal, um entre os muitos periódicos da imprensa étnica que circulava pelo Brasil em meados do século XX. Mostra também como essa forma de imprensa se relacionava com o desenvolvimento de outras mídias populares à época, em particular, os programas de rádio. O jornalista e escritor encarregado da coluna era José Correia Varella, um imigrante português que por décadas se dedicou às mais diversas atividades culturais, tendo uma vasta rede de sociabilidade tanto entre a intelectualidade carioca como entre a vasta colônia portuguesa do Rio de Janeiro. Nesta coluna, ele se dedicou especialmente às históricas relações políticas e culturais entre Brasil e Portugal, celebrando a figura de Salazar e se transformando em um agente de propaganda do Estado Novo português no Brasil.

Por fim, Robert Wegner e Giselle Venancio elaboram uma instigante análise sobre o gênero do ensaio, a partir de uma série de artigos publicados no Suplemento Literário doDiário de Notícias, entre 1948 e 1950, com especial atenção para os escritos por dois intelectuais reconhecidos e festejados no momento em que escrevem: Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. Os debates sobre esse gênero de escrita histórica, travados entre eles, nas páginas do jornal (portanto, lidos por um público não acadêmico), abrem uma janela para um período muito especial: o da implementação das pesquisas históricas em instituições universitárias no país. Um período de mudanças e deslocamentos, com as decorrentes redefinições dos lugares do intelectual acadêmico-universitário e, por conseguinte, do erudito que estava “fora” dessa nova rede de sociabilidade, distinta das associações de pares até então dominantes, a exemplo dos institutos históricos e geográficos.

As diversas caixas de diálogo abertas neste dossiê esperam por contribuições e esforços, individuais ou coletivos, para que melhor possamos compreender o complexo perfil do intelectual que se delineia, quando consideramos que diversificadas práticas de mediação cultural são igualmente parte constitutiva de sua identidade. Algo que, como fica aqui demonstrado, não é tão novo, mas que se torna urgente e quase incontornável no mundo mediatizado em que vivemos no século XXI. Que a leitura do dossiê seja um convite estimulante e convincente.

Nota

1.. GOMES; HANSEN, 2016. O livro recebeu o Prêmio Sérgio Buarque de Holanda, na categoria Ensaio Social, atribuído pela Biblioteca Nacional em 2017.

Referência

GOMES, Angela de Castro e HANSEN, Patrícia. Intelectuais mediadores: práticas culturais e projetos políticos. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2016. [ Links ]

Angela Maria de Castro Gomes – Programa de Pós-Graduação em História Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected] 

Kaori Kodama – Casa de Oswaldo Cruz Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0002-5327-2689

Maria Rachel Fróes da Fonseca – Casa de Oswaldo Cruz Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0003-0865-2436


GOMES, Angela Maria de Castro; KODAMA, Kaori; FONSECA, Maria Rachel Fróes da. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.34, n.66, set. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Percursos históricos: ciência, tecnologia e meio ambiente / Dimensões / 2018

Este dossiê especial da Revista Dimensões conduz o leitor, a partir da ciência histórica, a direcionar sua atenção para uma visão interligada de temas sempre atuais: ciência, tecnologia e meio ambiente. Com artigos que abarcam o início desses temas no mundo da história, a partir do século XVIII, as discussões propostas objetivam revelar as transformações nas sociedades, entrelaçadas com os impactos provocados pela ciência e tecnologia nos diversos meio ambientes, seja no cotidiano urbano ou rural.

Os constantes avanços na ciência e na tecnologia ao longo dos anos trazem novos desafios e oportunidades na construção da historiografia que se dedica a esses temas. A necessidade de compreender a fase atual do desenvolvimento global, provocada por esses avanços, traz consigo uma certa urgência: o impacto crescente no meio ambiente de todas as sociedades e suas muitas ramificações. Não falamos aqui apenas dos impactos sociais, econômicos e culturais, mas também do processo de politização da ciência ambiental, que carece de uma análise mais aprofundada. Leia Mais

Ciência, raça e eugenia na segunda metade do século XX: novos objetos e nova temporalidade em um panorama internacional / Varia História / 2017

Desde fins do século XIX, não só no Brasil, raça foi um dos temas mais recorrentes entre pensadores sociais, literatos e cientistas, sobretudo aqueles ligados à medicina, à antropologia e à história natural. Com a emergente discussão sobre evolução, saúde pública, imigração e ocupação dos territórios nacionais, o tema se tornou ainda mais premente, mobilizando uma série de ideias, teorias e explicações sobre a formação e o desenvolvimento biológico dos povos dos vários países do ocidente – que se pretendiam em processo de modernização -, o que teve como um dos desdobramentos o pensamento médico-eugênico. Miscigenação racial e degeneração, branqueamento e assimilação, classificações físicas e psicológicas dos grupos populacionais foram alguns dos assuntos privilegiados pelos cientistas e pensadores, sobretudo no Brasil, país visto pela comunidade científica internacional como “um laboratório racial”. Importante também foi a influência dos estudos sociais e de viés cultural, que tencionaram os discursos eugênicos e raciais, pautados no determinismo biológico. Desde meados do século XX, com a reconfiguração dos olhares sobre a diversidade humana, os debates ganhariam novos significados, orientados pelos pressupostos científicos da genética, dos estudos populacionais, dos estudos culturais e novas perspectivas das ciências sociais.

Conforme já demonstrado por uma ampla historiografia, o conceito de raça foi introduzido pela História Natural no século XVIII, com imediata aplicação para classificar a diversidade dos seres humanos. Ao longo do século XIX e XX, vários foram os médicos, cientistas e intelectuais que contribuíram para a elaboração e transformação dos saberes sobre raça, consolidando-se o que conhecemos como racismo científico, o que serviu como um dos fundamentos para pensar a formação dos estados-nações. A partir do início do século XX, com o avanço de ideologias imperialistas e nacionalistas, o racismo se disseminou pelo mundo todo, alimentado pelos interesses políticos e econômicos e justificados pelo racismo científico, mobilizando uma série de ideias, teorias e explicações – “legítimas por serem científicas”- sobre as diferenças biológicas entre as nações e suas populações. Diferenças biológicas, tidas como hereditárias, inscritas em formas de hierarquização dos diferentes grupos humanos, e que eram consideradas como passíveis de modificação por meio da eugenia, visando o melhoramento dos indivíduos e, por consequência, das sociedades. Aliás, eugenia e racismo foram perspectivados como termos praticamente intercambiáveis. Porém, as intervenções eugênicas – sobretudo dirigidas para a reprodução – não se reduziram às questões raciais, mas a uma política científica de controle de todos aqueles sujeitos tidos como degenerados ou que não se enquadravam nos supostos ideias de aptidão. Reformas sanitárias e medidas de saúde pública, puericultura, esterilização, contracepção, aborto e, no seu extremo, a eutanásia e o extermínio foram algumas das diversas práticas eugênicas implementadas ao longo do século XX para operacionalizar certa lógica em que algumas vidas valeriam mais do que outras.

No contexto do pós-segunda guerra, doravante, ocorreu um revisionismo envolvendo o conceito de raça, no qual a genética e a noção de população tiveram papel fundamental. Tal revisão é reflexo da repulsa provocada pelas consequências ético-políticas do extremismo das abordagens eugênicas e dos usos perversos do racismo científico nazista. A propósito, em contraposição, tentou-se descreditar a eugenia e a ciência racial como pseudociências. E é nesse novo contexto que o presente dossiê temático centrará suas discussões, para que possamos refletir sobre as transformações e continuidades nas concepções de raça e eugenia; que, vale chamar a atenção, persistem em povoar o nosso presente, mesmo que retraduzidas e com novas configurações científicas e sócio-políticas. Pretendeu-se com esta reunião de artigos, de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, desenvolver uma discussão histórica sobre a construção de discursos acerca da eugenia e da questão racial, propondo uma problematização a partir de novos objetos em torno desses consagrados temas, aqui então perspectivados em um cenário nacional e internacional, com o recorte principal na segunda metade do século XX.

O artigo que abre o dossiê, de autoria da pesquisadora americana Diane Paul trata das transformações, nos anos 1990, dos parâmetros normativos de controle da reprodução, em que interromper ou impedir o nascimento de pessoas com doenças hereditárias graves passou a ser aceito socialmente em alguns países ocidentais, como uma questão de ordem privada, uma escolha individual, e não mais uma prática rotulada de eugênica. O artigo de Mariza Miranda e Gustavo Vallejo, ambos argentinos, também aborda as propostas eugênicas de controle da reprodução na Argentina, por meio da normatização e da disciplinarização da sexualidade, ainda muito difundida pelo ideário argentino católico e liberal anticomunista, pós anos 1950 (pós-holocausto). A originalidade deste artigo está em problematizar a continuidade da eugenia nesse cenário, até os anos 1980, como um saber universitário, com reconhecimento acadêmico, mesmo em um tempo em que a sua legitimidade científica passou a ser desconsiderada.

Com o artigo de Robert Wegner, pesquisador da COC-Fiocruz, recuamos alguns anos no tempo, entre 1929 e 1940, para problematizar a emergência no Brasil de concepções de hereditariedade segundo o ponto de vista da genética mendeliana – em dois geneticistas brasileiros, Octavio Domingues e Salvador de Toledo Piza -, suas implicações sobre o pensamento eugênico e o debate local acerca da miscigenação racial, em diálogo com o eugenista Renato Kehl. Tal discussão a respeito da história da genética, eugenia e raça no Brasil, é a ponte para uma reflexão mais ampla da pesquisadora alemã Veronika Lipphardt, que trata das transformações e permanências, em termos práticos e epistemológicos, com a passagem de uma ciência racial para as pesquisas em variação genética humana em meados do século XX. Como exercício empírico, a autora discute a persistente fascinação pela diferença biológica humana, abordando as permanências de uma lógica racial (segregacionista e discriminatória) nos estudos de genética populacional em ciganos, denominados também de os “Roma”.

Finalmente, o dossiê completa-se com dois artigos versando sobre o tema do antirracismo pós-1950. Marcos Chor Maio, também pesquisador da COC-Fiocruz, problematiza a oposição ao racismo científico e à eugenia presente na crítica do psicólogo e antropólogo judeu-canadense Otto Klineberg aos Testes de Inteligência e na sua atuação na Unesco. Crítica fundamentada nos argumentos sobre a importância de aspectos socioeconômicos e culturais no desenvolvimento da capacidade intelectual e que tomava as relações étnico-raciais no Brasil como um bom exemplo da inconsistência dos argumentos sobre a associação entre raça e inteligência. Para além da trama médico-científica e no âmbito das ciências sociais, este dossiê traz uma discussão sobre como os próprios sujeitos, alvos do racismo, enfrentaram relações e políticas raciais discriminatórias. O pesquisador americano Jerry Dávila contribui com um instigante artigo que justamente explora as tentativas para definir, reagir e combater a discriminação, partindo da análise de ações judiciais provocadas pela “Lei Anti-discriminação” brasileira de 1951. O autor busca demonstrar que tais enfrentamentos tinham inspiração nas experiências raciais estadunidenses, mas foram adaptados às circunstâncias legais, políticas, sociais e culturais locais.

Esperamos com este dossiê apresentar aos leitores da Varia Historia uma pequena amostra de uma produção historiográfica recente sobre ciência, raça e eugenia na segunda metade do século XX, procurando demonstrar as potencialidades e várias outras possibilidades de se explorar o assunto.

Ana Carolina Vimieiro Gomes – Departamento de História, Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]

Robert Wegner – Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Avenida Brasil 4036 / 407, Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ, 21.040-360, Brasil, [email protected]

Vanderlei de Souza – Departamento de História, Universidade Estadual do Centro-Oeste, Campus Santa Cruz. E-mail: [email protected]


GOMES, Ana Carolina Vimieiro; WEGNER, Robert; SOUZA, Vanderlei de. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.33, n.61, jan. / abr., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Arte e Ciência, um processo operativo / Varia História / 2016

Apresentamos, nesta nossa publicação, três textos que se inserem no dossier da Revista Varia do Departamento de História da UFMG. Nossa preocupação foi dispor ao estudioso da história da arte alguns textos inéditos dedicados à reflexão do objeto artístico. Estes estudos discutem e investigam a arte sob pontos de vista não apenas históricos ou sob as vestes culturais, mas analisam ainda sob concepções formalistas, numa dinâmica imagética mais atual, apesar dos temas aqui exibidos não disporem de uma mesma cronologia, ao contrário, insistimos numa abordagem diversificada, tanto sob o ponto de vista da forma, como do espectro cultural. Optamos igualmente por uma estrutura diversificada dos temas, muito mais que um processo homogêneo e linear.

É importante ver a História da Arte estudada em sua conjuntura ampla nas possibilidades de investigação. Não apenas uma pesquisa filológica ou de pura catalogação ou inventário, mas um estudo mais abrangente e interdisciplinar. Estão aqui não apenas o curioso objeto como uma pintura ou uma construção arquitetônica, mas um processo operativo vinculado a dispositivos culturais arraigados ao universo de produção do próprio objeto.

O nosso propósito foi o de discutir aspectos do objeto artístico, mas contemplando a História Cultural e a História da Arte (e também a história da ciência) em suas múltiplas e diversas formas de apresentação imagética. Este dossier pretendeu abranger toda e qualquer abordagem no âmbito cultural, seja especificamente com discussões formalistas em relação à arte, seja em reflexões históricas e metodológicas. O universo imagético pressupõe-se a partir de estudos entre os tons culturais, entre as formas e a iconografia. Uma engrenagem voltada para debates profícuos e específicos da História da Arte e da História da Ciência. Este universo tenciona abarcar toda a discussão da imagem como arte, desse modo, novas problematizações, novos conceitos e novas dinâmicas foram utilizados numa experiência interdisciplinar, o que permitiu uma discussão mais profícua e menos engessada dos conceitos tradicionais da História da Arte. O leitor terá em mãos temas (assuntos) diluídos entre os três artigos de modo a promover uma interlocução entre os textos e sua interação nos diferentes conteúdos aqui apresentados. Essa organização permitirá avançarmos em assuntos diversos sem ter de seguir uma linha condutora exclusiva.

leitor-estudioso perceberá nossa preocupação desde o discurso formal, até a discussão histórico-cultural. Não está esquecido o artista e a obra; os trânsitos culturais – legados culturais artísticos; os vestígios e a construção histórica da arquitetura; o saber ver e as discussões culturais; as variantes arquitetônicas e cenográficas; a história da imagem como construção de um ideal cultural; a literatura científica; as considerações técnicas e os processos operativos na obra de arte. Nossas discussões permearam todos esses temas e, sendo assim, os artigos, que hora se apresentam estão inseridos numa ampla contextura. Tencionou-se estimular a abertura de novas propostas metodológicas no estudo do objeto artístico com vistas a renovar as investigações com novas sugestões de pesquisas. O organizador espera que este dossier exponha um tributo essencial aos estudos sobre o conhecimento artístico tanto a partir de enfoques específicos da arte como também da História da Arte, do que vale lembrar que história da arte é, história e arte.

Não nos custa lembrar que a História da Arte ocupa um lugar de destaque nas Ciências Sociais, no entanto, é conveniente realizar uma revisão crítica de seus métodos para então conhecer seus fundamentos e a realidade científica de seus posicionamentos operacionais (ou operativos), sejam no campo da teoria ou das disposições da práxis. A revisão prática historiográfica da arte permitirá saber como se estruturar esta História da Arte e em que situação ela existe. Damos aqui apenas algumas das ferramentas para que o leitor possa construir seu imaginário.

Sabe-se que a História da Arte se formou ao longo de décadas como resultado de conceitos operativos e critérios de investigação diante do manancial de obras artísticas. O uso dos discursos, dos seus métodos depende de circunstâncias plenamente culturais. A principal questão é o enfoque. Muda-se isto, e, consequentemente, a História da Arte apresenta novo leque de proposições. Segundo alguns autores, tantas histórias da arte, quanto práticas historiadoras.

Contextualizado nestas poucas observações o dossier proposto pretendeu absorver reflexões sobre a produção artística em suas mais variadas seções. Os autores escolhidos, Sara Fuentes, Beatriz Hidalgo e Alfredo Morales são investigadores (e professores) que se preocupam com a dinâmica clara e objetiva da Arte, mas igualmente com suas estruturas históricas e contribuições científicas nas diversidades das análises: tudo apresentado numa problemática inédita. No artigo El perfil de Andrea Pozzo como maestro de perspectiva encontramos uma diversa análise e um estudo metódico do jesuíta trentino e um dos perspécticos mais influentes do século de setecentos desde o estudo sistemático da perspectiva, passando pelo simulacro arquitetônico, tudo transformado num método didático e prático, publicado em forma de dois tomos no fim do século XVII, com uma repercussão global entre os séculos XVIII e XIX, atingindo não apenas o Continente Europeu, mas avançando para as Américas e ainda o Oriente. As análises são bem construídas exemplificando não apenas a formação cultural de Pozzo, mas também seus enfoques técnicos e suas preocupações em atender ao artista praticante da pintura de falsa arquitetura com pressupostos perspécticos, isto é, a quadratura ou a pintura de Sotto in sù, como ele mesmo denomina em seu texto. Já o estudo de Beatriz Hidalgo, com o título A originalidade técnica no desenho de Goya e seus contemporâneos. Abordagens sobre o desenho na segunda metade do século XVIII, nos apresenta um estudo instigante sobre “a arte do desenho”, uma expressão artística de grande variedade e que aqui concentra seus esforços durante o século XVIII num dos mais significativos artistas espanhóis: Francisco Goya. O desenho não é apenas a representação da forma sobre um suporte, como o papel, uma parede ou mesmo coberturas abobadadas e cupuladas, mas o desenho expressa o contexto de uma época, de um mecanismo estilístico e, naturalmente, um contexto operativo-cultural. Enfim, adaptações e estratégicas culturais que motivaram Goya em suas criações, mas também com outros artistas, como a autora bem demonstra (ou demonstrou). O estudo de Alfredo Morales sobre Cartografía y cartografía simbólica. Las “Theses de Mathematicas, de Cosmographia e Hidrographia” de Vicente De Memije nos brinda com um tema abordado de modo original e que cobre a rota marítima entre a Península Ibérica e as Filipinas. Para além de apresentar um contexto histórico abordando a missionação no Oriente, este texto expõe de modo analítico e meticuloso nova proposta cartográfica que se pode chamar artística, não apenas por suas concepções imagéticas / simbólicas, mas porque atrela-se a outro valor científico / funcional. Mudanças de paradigmas, evidências num novo contexto entre o espaço tridimensional e a representação no papel. Além da restituição gráfica operacional do relevo territorial e seu controle, o autor nos mostra a fruição consciente de um novo espaço conhecido não apenas em contexto específico da gnomônica, mas em espectros culturais por meio do vasto universo das belas estampas que escondem um mágico universo simbólico que entre Ocidente e Oriente preenchia todo o imaginário dos “homens do mar” e suas dinâmicas de apreensão entre espaço projetado e mensurabilidade, entre áreas percorridas e ícones / imagens em seus mais intrínsecos significados.

Assim, espero que a diversidade destes textos possa ser um estímulo para o jovem leitor e estudioso da arte, mas também do pesquisador mais acurado e determinado em pesquisas específicas, em novos processos e em novas dinâmicas interdisciplinares.

Magno Moraes Mello – Departamento de História, Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]


MELLO, Magno Moraes. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.32, n.60, set. / dez., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Imagens, história e ciência / Domínios da Imagem / 2016

As reflexões acerca do uso de imagem na escrita e no ensino de História ganharam corpo nos últimos anos no Brasil. As representações iconográficas e audiovisuais não apenas ilustram o trabalho do historiador, mas também são objetos de análise em suas narrativas. Nas ciências, a fronteira entre a fidedignidade do que é representado e as concepções artísticas são tênues. A representação de uma planta feita por um naturalista oitocentista ou as imagens captadas por telescópios orbitais no século XXI exemplificam bem a questão, pois em ambos os casos elas são ao mesmo tempo representação e arte, pois o ato de vulgarizar ou divulgar o conhecimento científico congrega tanto o ato da investigação racional quanto certa liberdade artística. Nesse sentido, a proposta desse dossiê é reunir trabalhos que reflitam, explorem ou tomem como objeto a relação entre os usos da imagem na História da Ciência.

Este dossiê apresenta três frentes associadas: história, imagem e ciência. Delas decorrem outras ramificações que transversalmente abordam o eixo temático básico do presente. Abordagens plurais colaboraram para o alargamento da proposta temática, pois contemplou historiadores do político, da arte, da ciência, da literatura, bem como arquitetos, artistas plásticos, antropólogos e biólogos, o que dá multiplicidade e multidisciplinaridade a esta proposta.

Transitando pelo pluriverso da História das Ciências dois artigos abordam questões até hoje pouco aprofundadas na área. Em As primeiras imagens ocidentais da anatomia do útero humano, Vera Cecilia Machline discute um tema caro aos historiadores da Ciência. Afirma que coube à escola liderada por Aristóteles (384-322 a.E.C.) não só os primeiros estudos anatômicos de animais realizados no Ocidente, mas também as primeiras representações visuais a respeito. De acordo com a historiadora, há muito perdidas, sabe-se da existência dessas imagens mercê referências a ’Ανατοµαί (i.e., Esquemas anatômicos) em obras aristotélicas analisando sob diferentes ângulos a multiplicidade do reino animal. Compensando essa irreparável perda, desde o Renascimento ensaiou-se reconstituições de tais ’Ανατοµαί, com base nas descrições verbais nessas obras. Isto se aplica até ao útero de certos animais, incluindo o do ente humano, descrito no início do Livro II da História dos animais. Diante disso, será enfocado a reconstituição algo anacrônica de D’Arcy W. Thompson (1860-1948), bem como a ilustração do útero num manuscrito de c. 850, possivelmente inspirada na descrição presente no tratado ginecológico composto por Sorano de Éfeso (fl. 98-c. 129).

A ampliação do uso da imagem pelas descrições científicas e, especialmente, em sua vulgarização para um público amplo por meio da imprensa periódica é objeto do texto Representações, vulgarização e imagética científicas na imprensa da Corte fluminense do século XIX, do historiador Cesar Agenor Fernandes da Silva, que tenta compreender as nuances e os contornos da vulgarização científica e seu papel no projeto civilizatório para o Brasil veiculado pela imprensa periódica. A questão discutida nesse artigo gira exatamente em torno da difusão dos saberes científicos e as imagens associadas a essa veiculação por meio das publicações periódicas do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XIX. Um dos pontos centrais é justamente descrever como o conhecimento técnico-científico e, sobretudo, o uso público da razão tiveram papel fundamental no projeto de civilização dos homens de letras que viviam no Brasil. Além disso, coloca-se em perspectiva a possibilidade de se pensar possíveis impactos nas representações sobre o mundo pelos brasileiros que tinham contato com essas publicações.

Na interface entre a criação imagético/psíquica e a percepção filosófica, o texto de Elly Rozo Ferrari retoma essa discussão sobre outro prisma. Em Deslocamentos das narrativas viajantes: as fotografias de Mário de Andrade no processo de construção de conceitos da exposição Id: retratos contemporâneos, a artista plástica apresenta o ato fotográfico moderno nas fotografias de Mário de Andrade, pertencentes ao Arquivo do IEB-USP, como gerador de propostas conceituais a fim de discutir a imagem na contemporaneidade em relação à construção de identidades atualizadas neste processo de curadoria. Nesse sentido, analisa a intervenção na concepção fotográfica a partir das narrativas visuais apresentadas sem a intervenção legendada de textos e, a partir dessas relações, discute as representações presentes nesses retratos fotográficos contemporâneos que remetam à estereotipia, à banalização dos registros que, segundo autora, inundam ferozmente os espaços escolares e de cultura.

O espectro desse dossiê é necessariamente amplo, o que possibilita textos de gramaturas bastante diferentes. Em uma seara pouco discutida no âmbito da história da ciência, e mesmo da história política, o texto de Rodrigo Christofoletti apresenta a percepção sui generis do movimento integralista brasileiro sobre Ciência. Em A Enciclopédia do Integralismo frente à Educação, Estética e Poética: ciências da mente e do corpo, o historiador afirma que a tríade essencial do integralismo (Deus, Pátria, Família) teve um corolário bastante divulgado pelo movimento: uma sui generis concepção de ciência, que englobava experiências ligadas à Educação, à Estética e à Poética. Buscava-se com este tripé publicizar a crença integralista de que “o terreno fértil do protagonismo só seria fertilizado por meio do conhecimento, da beleza e da palavra em todos os seus sentidos!”. A ideia de que o binômio ciência/educação sempre foi um dos pilares da civilização era levada à risca pelo movimento integralista. Tal premissa alertava para o fato de que “o acúmulo de conhecimento não se bastava em si, e que era necessário uma educação que rompesse as fronteiras do intelecto, tornando-se o conceito do binômio ciência/educação algo polissêmico”. Este texto analisará as concepções negativas de ciência propaladas pelo integralismo no seu mais importante compêndio a Enciclopédia do Integralismo, publicado de 1957 a 1961.

Outra abordagem trabalhada neste dossiê é construída por textos que transitam pela fronteira entre arquitetura e suas representações imagéticas. O texto Experimentações gráfico-espaciais na confluência dos estudos do Imaginário e das representações da Arquitetura, da dupla Artur S. Rozestraten e Paula Brazão Gerencer, investiga, sob uma perspectiva crítica e experimental, instrumentos metodológicos e fundamentos conceituais advindos do campo de estudos do Imaginário quanto às suas possibilidades de interação com temas e modos de operar próprios do universo das representações da Arquitetura. Além da fundamentação conceitual em Gilbert Durand (1921-2012) e no universo iconográfico do ‘Recueil et Parallèle des édifices de tout genre, ancien et modernes’ de Jean-Nicolas-Louis Durand (1760-1834), o texto toma como base experiências construtivas, ensaios como inter-relações visuais entre imagens, estimuladas pelo Atlas Mnemosyne de Aby Warburg (1866-1929). Tais estudos têm a intenção de sondar novas potencialidades das articulações entre imagens, no plano e no espaço, como ferramenta de investigação e construção de conhecimento.

Em contraste com o texto de Machline que abriu o dossiê, o artigo apresentado pela antropóloga Priscila Enrique de Oliveira aborda as políticas públicas de saúde do Sistema de Proteção ao índio. Ideias, escopetas e bacilos: políticas de saúde do SPI e os diálogos com as populações indígenas do Brasil discute primeiramente como as políticas de saúde do SPI (Serviço de Proteção ao Índio, 1910-1967) foram pensadas, articuladas, colocadas em prática a partir de suas ligações com as políticas e ideais nacionais de civilização e progresso, bem como os pressupostos científicos vigentes no período. Analisa como as sociedades indígenas receberam e responderam a estas ações, enfocando particularmente as diferentes narrativas e lógicas culturais que perpassavam o contato, os diálogos e mediações frente à inserção das ideias de saneamento, higienização, medicalização e cura.

As análises expressas neste dossiê pretendem contribuir para o aprofundamento e a visibilidade de concepções e posicionamentos comprometidos com a ética científica e o respeito à diversidade intelectual. Esperamos que, em tempos de fragilidades éticas, como o que vivemos atualmente, os fundamentos que unem história, imagem e ciência possam ajudar a construir uma sociedade mais sábia de si mesma, e por isso, mais apta a enfrentar mudanças e crises.

Cesar Agenor Fernandes da Silva

Rodrigo Christofoletti


CHRISTOFOLETTI, Rodrigo; SILVA, Cesar Agenor Fernandes da. Apresentação. Domínios da Imagem, Londrina, v. 10, n. 19, jul/dez, 2016. Acessar publicação original [DR]

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História, Imagem, Ciência & Cultura | ArtCultura | 2016

O minidossiê História, Imagem, Ciência & Cultura tem como objetivo trazer a público uma análise do papel cultural da ciência no mundo ocidental, enfatizando suas formas de divulgação e de difusão. Tal empreitada faz coro ao movimento mais recente da historiografia de não considerar o desenvolvimento das ciências tão somente com base na demarcação entre ciência e não ciência, ou, segundo Thomas Gieryn, entre o “analítico (teorizações) e o prático”1 , mas de buscar uma apreensão a partir das práticas e dos jogos de acomodação/negociação que propiciam sua circulação.

Com uma proposta integradora, centrada na temática de cultura visual da ciência construída no tempo histórico, o minidossiê reúne trabalhos que discutem a utilização de imagens e os diferentes contextos de visibilidade, suas práticas representacionais e objetivação do conhecimento, procurando reconhecer, valorizar e (re)significar as relações constituintes entre imagem e produção do conhecimento. Leia Mais

Intelectuais, ciência e modernidade / Intellèctus / 2014

A revista Intellèctus (Uerj), em seu segundo número do volume XIII, dá início a uma nova fase de seu projeto editorial, passando a incluir dossiês temáticos organizados por especialistas convidados, como este que temos o prazer de apresentar sobre o tema “Intelectuais, ciência e modernidade”.

Os artigos que reunimos trazem resultados de pesquisas originais, vinculadas às distintas matrizes no campo da história intelectual, na sua especial interface com a história da ciência. Voltam-se a temáticas como a circulação de ideias e saberes – por meio da formação de redes de interlocução, leituras e correspondência entre intelectuais –, e o surgimento dos espaços formais e informais a partir dos quais, no Brasil e no espaço ibero-americano, de modo mais amplo, se constituíram os campos científicos na modernidade. Leia Mais

História e Ciência / História Unisinos / 2014

Os artigos aqui apresentados foram submetidos ao Dossiê História e Ciência. A intenção inicial das organizadoras foi a de agregar produções de historiadores que abordassem a temática, mesmo que não atuassem exclusivamente na área de história da ciência e da medicina. Os textos recebidos demonstraram que há um bom número de pesquisas sendo feitas na área e que os assuntos relacionados à temática do dossiê deixaram de ser marginais. Além disso, foi possível constatar não apenas uma grande diversidade de temas explorados pelos pesquisadores, como também de abordagens teóricas e metodológicas nos trabalhos, o que aponta para uma saudável vitalidade dos programas de pós-graduação e dos centros de pesquisa brasileiros e internacionais.

As questões tratadas nos artigos que compõem o presente número da revista História Unisinos se enquadram nas atuais tendências e vertentes de tratamento da temática, e que podem ser constatadas nas principais revistas de história e de história das ciências e da medicina nacionais e internacionais.

A ordem de apresentação dos artigos obedece, primeiramente, o critério de afinidade temática, e, secundariamente, o da delimitação temporal. O primeiro grupo reúne, assim, trabalhos que tratam da circulação de práticas científicas e médicas e da apropriação de conceitos e ideias. Estes artigos contemplam análises embasadas no já clássico debate sobre alteridade e “invenção” do “outro”, acrescidas de reflexões sobre circulação, circularidade e apropriação das ciências e da arte médica.

O artigo de Thomás Haddad demonstra como o jesuíta Jacome Fenicio relatou costumes e crenças dos “índios orientais”, sobretudo, as cosmologias hindus, visando a sua crítica e refutação. Para o autor, a astronomia europeia teve papel central na construção da identidade “ocidental”, sendo inegável a contribuição jesuítica na conformação deste pensamento sobre a cultura indiana.

André Nogueira estabelece um diálogo entre as práticas de cura ilegais das Minas Gerais no século XVIII e a medicina douta. O autor mostra uma assimetria nesse diálogo, devido à repressão às práticas ilegais tanto por parte da Igreja, quanto das autoridades civis. Há alguns pontos de semelhança e convergência entre as diferentes terapêuticas abordadas, porém, há também fortes diferenças, principalmente, as referentes à presença de práticas africanas crioulizadas no universo das práticas ilegais.

Marília de Azambuja Ribeiro, a partir das discussões travadas sobre a natureza da luz, no século XVII, reflete sobre a prática científica da Companhia de Jesus em Portugal. Esse artigo se inscreve na vertente historiográfica recente de reavaliação da atuação dos jesuítas na construção da chamada ciência moderna e de um suposto isolamento de Portugal neste contexto.

O texto de Bruno Martins Boto Leite analisa concepções médicas de Estêvão Rodrigues de Castro, relacionando-as com o debate filosófico e médico europeu em curso na Europa seiscentista. As definições de epidemia e de contágio propostas pelo médico português são, desse modo, referidas às discussões sobre atomismo e física pneumática. O autor demonstra como, no século XVII, medicina e filosofia natural devem ser consideradas em conjunto.

Os trabalhos reunidos no segundo tópico retomam, apresentando novos enfoques, um tema caro ao campo da História da Ciência e da Tecnologia, qual seja o de explorar o papel de saberes na expansão imperial do século XIX e na formação das nações americanas. Abrindo a seção, Claudio Llanos e José Antonio Gonzáles avaliam o peso que as descrições de regiões do Chile, patrocinadas pela Royal Geographical Society of London, tiveram na formulação da política britânica para a região Sul do Oceano Pacífico.

Em seguida, o artigo de Maria Rachel Froes da Fonseca, que tem como objeto a Escuela Nacional Preparatoria do México, ao mesmo tempo em que explora o processo de institucionalização das ciências, avalia as relações estabelecidas entre a instituição e o processo de formação do Estado. O trabalho é parte de pesquisa mais ampla que pretende uma comparação com a experiência do Império do Brasil.

O texto de Karoline Viana Texeira faz uma análise das descrições dos sertões enunciadas por Francisco Freire Alemão, demonstrando como elas estavam inseridas num projeto mais amplo de escrita da História do Brasil veiculado por Carl Von Martius, onde os elementos da natureza apareciam como chave interpretativa e se sobrepunham aos marcos históricos. Fechando essa sessão, Karoline Carula explora o tema da sociabilidade dos cientistas que atuavam na cidade do Rio de Janeiro em finais do século XIX, contemplando os espaços públicos voltados para a vulgarização da ciência na capital.

Os dois artigos que compõem a terceira parte do Dossiê apresentam análises que valorizam o uso de artefatos de ciência e tecnologia para a construção e comprovação de seus argumentos. Tatiana Roque e Gert Schubring, por meio de uma análise de textos clássicos da História da Matemática, exploram o papel do uso da régua e do compasso na construção da geometria euclidiana. Em seguida, Bruno Capilé e Moema Vergara se detêm nas inovações técnicas e científicas introduzidas a partir do uso do fototeodolito no contexto dos trabalhos de demarcação de fronteiras entre o Brasil e a Argentina, no início do século XX.

Fechando o Dossiê, encontram-se os artigos de Yonissa Marmitt Wadi, Claudia Castelo, Monique de Siqueira Gonçalves e Sônia Maria de Magalhães, que abordam tanto a formação de acervos documentais – vinculados ou não a instituições de pesquisa científica –, quanto chamam a atenção para a importância do acesso e da divulgação de fontes e de pesquisas, que, ao recorrerem a novas metodologias de análise, contribuem para a revisão da literatura existente.

Coerentemente com o proposto pelas organizadoras, o Dossiê História e Ciência reúne contribuições de historiadores das ciências bastante especializados, que trabalham com referências bibliográficas específicas e questões próprias, mas também de historiadores que têm incluído temas afetos às ciências e à tecnologia entre seus objetos de estudo. Em comum, os artigos apresentam abordagens que rejeitam a ideia de que existe progresso científico necessário, cujo sentido seria único e previsível, convergindo, igualmente, quando consideram que as ciências e a tecnologia não constituem um campo neutro e apartado das demais esferas da vida em sociedade.

Eliane Cristina Deckmann Fleck

Heloisa Meireles Gesteira

Lorelai Brilhante Kury

Organizadoras do dossiê


FLECK, Eliane Cristina Deckmann; GESTEIRA, Heloisa Meireles; KURY, Lorelai Brilhante. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.18, n.1., janeiro / abril, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Ciências, natureza e território / Revista Brasileira de História da Ciência / 2012

O marco zero deste dossiê foi o 12° Seminário Nacional de História da Ciência, organizado pela Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC) em novembro de 2010. O evento, que ocorreu paralelamente ao 7º Congresso Latino-Americano de História da Ciência e da Tecnologia, foi realizado em Salvador, na Universidade Federal da Bahia. Nessa ocasião, nós, responsáveis por este dossiê, organizamos o simpósio Ciências, Natureza e Território. O encontro possibilitou amplo debate acadêmico entre pesquisadores de diferentes instituições do Brasil. Seus resultados nos pareceram tão satisfatórios, sobretudo em relação à diversificação regional da sua composição e à qualidade dos trabalhos apresentados, que, então, surgiu a ideia da organização de um número de periódico científico dedicado à temática.

A Revista Brasileira de História da Ciência pareceu-nos, desde sempre, o espaço mais adequado para abrigar tal iniciativa, uma vez que foi na SBHC que esse grupo nasceu. Consideramos também que a Revista, por ser um importante espaço de intercâmbio profissional na área, contribuirá decerto para o fortalecimento desse campo de atuação e pesquisa no Brasil. Nós já nos reunimos novamente, em julho de 2011, no âmbito do XXVI Simpósio Nacional de História, organizado pela ANPUH, e voltaremos a nos encontrar em setembro de 2012, na USP, para o 13º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia. Este número expressa, assim, a constituição e a consolidação de rede de pesquisadores dedicados a temas afins, alguns ainda em formação nas suas pós-graduações e cuja produção esperamos divulgar ao público brasileiro agora.

A edição resulta de pesquisas originais dedicadas a compreender a importância das atividades e saberes científicos para as políticas públicas de inventário da natureza e ocupação de territórios nacionais nos séculos XIX e XX. Trata-se, pois, da análise de conteúdos relevantes da própria história da constituição de alguns Estados Nacionais da América Latina, como Argentina e Colômbia, mas, sobretudo, do Brasil. O leitor verá, por meio de diferentes enfoques e variados conjuntos documentais, que esses objetos de estudo têm sido contemplados na Geografia, na Literatura, História das Ciências e História Ambiental. Esses campos possuem poucas oportunidades de diálogo, e este volume, ao reunir trabalhos dessas diferentes áreas, pretende estimular o debate interdisciplinar sobre tais temas, em suas diferentes inter-relações e abordagens.

O dossiê está composto de doze artigos orientados por três eixos temáticos: 1) viagens e expedições científicas em articulação com a atuação profissional e a produção intelectual de agentes do conhecimento da natureza e da ocupação do território, como militares, engenheiros, literatos e cientistas; 2) as relações entre Ciência e projetos estatais de civilização, modernização e construção de infraestrutura de transportes e comunicações e 3) a história da constituição de saberes e problemáticas científicas referentes ao estudo dos recursos naturais e humanos de territórios nacionais, como Cartografia e Geografia; Medicina, doenças e populações; Botânica, Agronomia e História Natural; ambiente, meio físico e práticas de exploração e conservação da natureza.

María Silvia Di Liscia e Federico Martocci, em De la abundancia a la desesperación: viajes y representaciones sobre los recursos naturales en el interior argentino (La Pampa, ca. 1880-1940), examinam, na produção de naturalistas, viajantes e cientistas, a história da constituição do imaginário relativo à preservação da natureza do Pampa argentino, sobretudo no que se refere à problematização dos seus usos para a produção agrícola.

Lucía Duque Muñoz, em Vasos comunicantes entre cartografía e historia en el Mapa de la república de la Nueva Granada (1847) de Joaquín Acosta, explora as relações entre Geografia Física, História e Cartografia na construção de um dos primeiros mapas do período nacional colombiano. A história da elaboração da carta nacional também é analisada no artigo Circunstâncias da Cartografia no Brasil oitocentista e a necessidade de uma Carta Geral do Império, de Bruno Capilé e Moema de Rezende Vergara.

Atividades de conhecimento do mundo natural para o povoamento do território brasileiro no século XIX é o tema do artigo de Fabíula Sevilha de Souza, intitulado Natureza, ocupação territorial e vias de comunicação de Goiás nos relatos de viagens do século XIX. Fabíula elegeu relatos de viajantes estrangeiros de passagem pelo Planalto Central brasileiro no oitocentos para a análise da sua visão de natureza como recurso a ser explorado em proveito da felicidade dos homens e sua civilização.

A articulação entre projetos civilizatórios e a história da ideia de natureza também é acessada em O Doutor Benignus: A origem do homem na concepção de natureza de Emílio Zaluar de Ricardo Waizbort. O autor, ao enfatizar as relações entre Ciência e Literatura no século XIX brasileiro, demonstra que, na obra literária de Zaluar, o darwinismo, como repertório intelectual, ocupou papel central no desenvolvimento do tema central do livro: a origem do homem no Brasil e a transformação da espécie humana na Terra.

Os processos de institucionalização da Ciência e o conhecimento do território foram fatores concomitantes e complementares na história recente do Brasil, e essa, exatamente, é uma das premissas a guiar os artigos de André Vasques Vital, Visões do Alto Madeira: Comissão Rondon, malária e política em Santo Antônio do Madeira (1910-1915), e de Patrícia Marinho Aranha, Levantamentos territoriais e construção de saberes geográficos na Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas (1907-1915). Os autores abordam as contribuições da Medicina e da Geografia para iniciativas estatais de exploração territorial e obras de construção de infraestrutura de comunicações no país, no caso vertente para a Comissão Rondon. Nas interpretações de André e Patrícia também podemos verificar a riqueza dos usos de relatórios de comissões exploradoras, cadernetas de campo, imprensa e diários de viajantes como fontes para historiadores da ciência.

O artigo Um jardim para a ciência: o Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1915-1931), de Ingrid Fonseca Casazza, examina a produção científica de botânicos nas primeiras décadas da República brasileira. Vanessa Pereira da Silva e Mello, em A Sociedade Nacional de Agricultura em revista: divulgação científica e uso racional da natureza em A lavoura (1897-1926), discute a propaganda da conservação dos recursos naturais brasileiros junto a pequenos, médios e grandes lavradores do país. Ambas as autoras enfatizam o protagonismo do Estado brasileiro na promoção e difusão de atividades científicas, com destaque para a atuação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC), e refletem sobre o conhecimento da natureza nacional e o utilitarismo dos saberes científicos na sua associação com os projetos modernizantes da República para o país.

A história da modernização brasileira na sua relação com a pauta dos usos da natureza como recurso econômico também é o tema dos artigos de Jó Klanovicz, Corrigir os erros da natureza: húbris, conhecimento agronômico e produção de maçãs no sul do Brasil, e de Claiton Marcio da Silva, De um Dust Bowl paulista à busca de fertilidade no Cerrado: a trajetória do IRI Research Institute (IRI) e as pesquisas em ciências do solo no Brasil (1951-1963). Transformações de paisagens agrícolas e mudanças ambientais em grandes áreas de diferentes regiões brasileiras, a partir de meados do século XX e em função dos usos da ciência para a remodelação de processos tidos como “naturais”, são igualmente abordadas nesses artigos.

Em Os norte-americanos na missão à Amazônia, em 1923, de Luciene Pereira Carris Cardoso e Alda Heizer, as relações entre Ciência, política e ambiente são examinadas para a compreensão de importante capítulo da história da economia da borracha na região amazônica. Articulada a temas candentes da atualidade, como o da preservação ambiental, a análise de Cardoso e Heizer contribui para a reflexão da importância de comissões de exploração e expedições de naturalistas para a realização de estudos de Ecologia das regiões percorridas.

O número traz ainda notícia sobre Razón Cartográfica, site para trocas profissionais e intercâmbio acadêmico entre interessados e especialistas na História da Cartografia e da Geografia na América Latina. A rede é apresentada no dossiê por Sebastián Díaz Ángel e David Ramírez Palácios.

Gostaríamos, por fim, de agradecer às editoras da RBHC, Heloisa Gesteira e Silvia Figueirôa, por terem acolhido a nossa iniciativa, e também aos autores, pela seriedade com que contribuíram para a elaboração deste volume. Esperamos que este número, ao contemplar diferentes períodos e regiões, personagens e saberes científicos, conjuntos documentais e abordagens, estimule a interpretação interdisciplinar sobre – região –, ‘natureza’, – paisagem – espaço – e – território –. Que ele seja também apenas a primeira expressão do nosso entusiasmo com a troca intelectual, e motivo para novas parcerias acadêmicas, na forma de estudos comparativos, muitos outros artigos e eventos em comum.

Dominichi Miranda de Sá – Casa de Oswaldo Cruz. Fiocruz

Moema de Rezende Vergara – Museu de Astronomia e Ciências Afins. MAST

Organizadoras


SÁ, Dominichi Miranda de; VERGARA, Moema de Rezende. Apresentação. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Ciência e Mídia / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2010

Tenho o prazer de anunciar novo integrante do corpo de editores das seções da revista: Luisa Massarani, investigadora que há muito tempo se dedica ao estudo da divulgação da ciência, atual chefe do Museu da Vida da Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz. Em seu âmbito, Luisa havia criado o Núcleo de Estudos da Divulgação Científica (http: / / bit.ly / 63zyWY), que tem por objetivo promover a reflexão sobre temas concernentes a essa dimensão tão importante da ciência, antípoda ao encastelamento na ‘torre de marfim’, ao confinamento na linguagem esotérica que circula somente entre pares, no mundo competitivo do ‘publique ou pereça’, mundo muitas vezes alheio às necessidades, racionalidades e linguagens dos grupos sociais que não fazem parte do mundo acadêmico.

História, Ciências, Saúde – Manguinhos já teve uma seção dedicada a museus, que não perdurou, não obstante a presença frequente de artigos dedicados ao tema, inclusive uma edição especial, esgotadíssima – Museus e Ciências (v.12, suplemento de 2005 disponível somente on line, no site da SciELO). Diálogos Entre Ciência e Arte (v.13, suplemento de outubro de 2006) foi outra experiência bem-sucedida da revista, que busca, agora, com a ajuda de Massarani, entronizar de vez, na nossa linha editorial, os estudos sobre a divulgação científica. Eles são importantes para os leitores e colaboradores que já frequentam suas páginas e serão para aqueles que vierem a fazê-lo por força dessa iniciativa. Divulgação científica não constitui uma seção da revista, como foi, por um tempo, Museus. Sua editora incrementará a captação de bons materiais para as seções existentes, estudos – inclusive do tempo presente – sobre a comunicação de temas de ciência e tecnologia através de distintos meios: museus, jornais, internet, televisão, exposições, desenhos animados, filmes, histórias em quadrinhos, eventos de rua, artes plásticas etc.

No Brasil, a divulgação científica vem se aprimorando – cito como exemplo, da melhor qualidade, o Boletim da Fapesp (http: / / bit.ly / 93aU20). Como área acadêmica, tem crescido também. Em 1985 foi defendida apenas uma tese de doutorado sobre o assunto, conforme o banco de dados da Capes; atualmente são cerca de quarenta teses e dissertações a cada ano. Em 2009 a Casa de Oswaldo Cruz, a Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Fundação Centro de Ciências e Educação Superior à Distância do Estado do Rio de Janeiro e o Museu de Astronomia e Ciências Afins, com apoio da Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia da América Latina e do Caribe (Red-Pop), da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência e do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia (Ministério da Ciência e Tecnologia), inauguraram um curso de especialização em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde, que veio se somar a iniciativas educacionais mais antigas, entre elas o Núcleo José Reis, na Universidade de São Paulo, e o programa em Educação, Difusão e Gestão em Biociências do Instituto de Bioquímica Médica, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Para mostrar que levamos a coisa a sério, na presente edição da revista reunimos num dossiê três artigos. Em “A ciência na primeira página”, Flavia Natércia da Silva Medeiros, Marina Ramalho e a própria Luisa Massarani analisam as chamadas de capa relativas à ciência e tecnologia veiculadas em 2006 na Folha de S.Paulo, jornal de elite nacional, e em dois jornais regionais: Jornal do Commercio, de Pernambuco, e Zero Hora, do Rio Grande do Sul. “Enquadramentos de transgênicos nos jornais paulistas”, de Danilo Rothberg e Danilo Brancalhão Berbel, trata dos enquadramentos e das agendas construídas pelos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo sobre a segurança de alimentos transgênicos, a fim de avaliar o potencial das informações oferecidas como subsídios à participação política, tendo os autores em mente, especificamente, uma consulta pública a esse respeito, promovida em 2007 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Iara Maria de Almeida Souza e Amanda Muniz Logeto Caitité assinam “A incrível história da fraude dos embriões clonados e o que ela nos diz sobre ciência, tecnologia e mídia”. A partir de notícias publicadas em jornais brasileiros, analisam a fraude cometida pelo cientista sul-coreano Woo Suk Hwang. Habitual-mente a exposição da ciência pela mídia põe em evidência descobertas e promessas de aplicação, mas nesse caso a ciência é mostrada em seu avesso, sendo a sua fabricação desnudada em virtude das tensões entre seus diferentes elementos e dos ilícitos em questão.

Os leitores encontrarão, em outra seção da revista, texto que guarda estreita relação com o tema do dossiê Ciência e Mídia. Trata-se da resenha de livro organizado por Regina Maria Marteleto e Eduardo Navarro Stotz, Informação, saúde e redes sociais: diálogos de conhecimentos nas comunidades da Maré, cujos capítulos estão em consonância com a revisão contemporânea dos processos de divulgação científica, analisando com propriedade as dimensões sociais e coletivas da construção do conhecimento.

Esperamos que essa ‘inauguração’ atraia contribuições igualmente valiosas para História, Ciências, Saúde – Manguinhos, e eu, para terminar, desejo aos leitores e colaboradores grandes alegrias e muita fraternidade no transcurso dos emocionantes jogos da Copa do Mundo. Que vençam os melhores!

Jaime L. Benchimol – Editor


BENCHIMOL, Jaime L. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.17, n.2, abr. / jun., 2010. Acessar publicação original [DR]

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História, Ciência e Saúde: práticas e saberes / Varia História / 2004

Estamos diante de um campo de pesquisa em expansão. A partir do cenário da História Cultural podemos identificar uma série de temas que se mesclam com as especificidades da História da Ciência. Desta fusão encontramos a história da ciência e suas interfaces culturais. Neste número da revista Varia História, no dossiê intitulado História, Ciência e Saúde: práticas e saberes apresentamos algumas das pesquisa que indicam as possibilidades analíticas na área.

A linha Ciência e Cultura na História, do Programa de Pós Graduação em História / UFMG, possui duas ênfases: a História Social da Ciência e a História das Idéias Científicas. Ao estabelecer essas duas ênfases de estruturação das pesquisas, não se busca conformá-las à tradicional dicotomia entre uma história interna da ciência e uma história externa da ciência. Pretende-se, através da mediação cultural, dissolver essa dicotomia, mudando o eixo do debate. Assim, a divisão dos trabalhos entre as duas ênfases complementares reflete muito mais uma dimensão metodológica do que propriamente uma perspectiva epistemológica.

As pesquisas em História Social da Ciência procuram analisar as diversas relações existentes entre a ciência e a sociedade. Os impasses entre a produção do conhecimento científico e a sociedade no seu contexto histórico é o objeto da análise. As investigações procuram refletir a construção social da ciência através de biografias, instituições, práticas, procedimentos, descobertas, rupturas.

As pesquisas em História das idéias Científicas procuram compreender, a partir das relações culturais, a formação dos conceitos e das idéias que caracterizam as teorias científicas em seus diversos contextos. Nesse sentido, não se trata de tomar idéias e conceitos científicos por eles mesmos, mas de compreender como os determinantes culturais desempenham um importante papel na formação dessas idéias e conceitos e na elaboração das teorias científicas.

Na linha de pesquisa Ciência e Cultura na História são realizados estudos que contemplam a formação e o desenvolvimento da ciência moderna, bem com, em particular, o surgimento e o desenvolvimento das ciências no Brasil.

O presente dossiê recortou como objeto a história da saúde e apresenta em seus 5 artigos um espectro bastante diversificado da produção na área.

O artigo de María Silvia Di Liscia aborda a intercessão entre a prática médica e a escola, a partir da discussão em torno da regeneração racial, no final do século XIX e primeiras décadas do século XX na Argentina. Além de apresentar a interface com a história da educação o artigo pode instigar análises comparativas entre Brasil e Argentina.

O artigo de Vera Marques Beltrão investiga um campo de análise inusitado: os manuais de divulgação de ciência, especificamente na área da saúde, no século XVIII. Está em discussão novamente a interface com a história da educação e a circulação de saberes na medida em que há uma apropriação do conhecimento acadêmico pela parcela da população distante dos espaços privilegiados de formação do saber.

A seguir o texto de Flávio Coelho Edler investiga a formação de conceitos na história da saúde, especialmente a sociologia de uma descoberta, em questão a ancilostomíase. O material de análise do autor são as publicações e os debates na área médica expressos entre os membros da Academia Imperial de Medicina e no periódico Gazeta Médica da Bahia. A investigação proposta por Edler permite vislumbrar um campo de análise promissor, mas ainda pouco explorado no Brasil.

Já o artigo de Yonissa Marmitt Wadi, de forma especial, discute o campo da psiquiatria fugindo da tradição das histórias institucionais ao privilegiar os paradoxos da vivência em uma instituição psiquiátrica. Os discursos e práticas médicas são abordados na medida que surgem não pela escrita médica (tratados, relatórios, compêndios, receituários), mas a partir da escrita da paciente que utiliza o pseudônimo de Pierina Cechini. O percurso que Yonissa Wadi nos apresenta é ao mesmo tempo fascinante e impressionante ao mesclar um relato pessoal que toca na temática das instituições asilares e suas repercussões sociais.

Encerra o dossiê o artigo de Henrique Carneiro “As plantas sagradas na história da América”. Nele o autor investiga as plantas sagradas das tradições indígenas de diferentes regiões das Américas.

História institucional, construção de conceitos na área da saúde, práticas médicas são alguns dos temas que apresentamos nesse dossiê. Como um campo em construção, novos dossiês deverão ser apresentados em breve com temáticas envolvendo a circulação do saber, a história das doenças e as concepções de corpo e saúde. Aguardamos sua colaboração.

Belo Horizonte, Julho / 2004

Betânia Gonçalves Figueiredo – Organizadora.


FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.20, n.32, jul., 2004. Acessar publicação original [DR]

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Ciência e Sociedade / Revista Brasileira de História / 2001

Trazer a público uma discussão acerca das relações entre Ciência e Sociedade constituiu um desafio na medida em que se trata de temática pouco contemplada nas revistas da área de História, apesar da vigorosa e diversificada produção que vem sendo realizada pelos historiadores das ciências.

A resposta rápida, copiosa e diversificada dos autores ao tema proposto indica o acerto da escolha em termos de proporcionar um canal de debate e divulgação desses trabalhos que de hábito são publicados em periódicos das áreas específicas do conhecimento, constituindo assim uma historiografia até certo ponto “invisível” ou de difícil localização. Os artigos aqui reunidos são significativos para a compreensão das relações entre ciência e sociedade em grande abrangência analítica, pois se reportam até o século XVII, não apenas do Brasil, mas do mundo ocidental, com destaque para os estudos voltados para a Inglaterra e a França. A relevância social e científica do tema, revela-se no amplo leque de assuntos abordados em perspectiva de revisão historiográfica, em artigos cujas temáticas interligadas evidenciam o diálogo entre o conhecimento histórico e as demais ciências. Em suma, trata-se de um número especial da revista, de interesse amplo para historiadores e pesquisadores em geral.

Especificamente em relação aos autores da França, ficam registrados os agradecimentos a Laurent Mucchielli, que reuniu os artigos de Claude Blanckaert, Olivier Martin e Pierre-Henri Castel, possibilitando assim um diálogo enriquecedor com a história da sociologia e da temática do transexualismo. A formação de uma tradição durkheimiana na França, a constituição de uma Sociologia acadêmica e os embates institucionais que acompanharam essa trajetória, aqui analisados com o instrumental teórico-metodológico de Bourdieu em perspectiva crítica,possibilitam uma renovação dos estudos das relações entre História e Sociologia e abrem perspectivas inovadoras. O estudo das origens da Sociologia estatística e da Bio-sociologia delineia o percurso institucional e político da constituição da Sociologia e de suas relações com a sociedade francesa, em direção à sua autonomia enquanto disciplina. Completando esta vertente, o tema do transexualismo em perspectiva historiográfica traz importante questionamento acerca desse entrelaçamento, colocando em questão a construção dos conceitos de identidade sexual e de gênero a partir das interpretações psicanalíticas, médicas e sociológicas.

O estudo de Luís Carlos Soares integra a perspectiva analítica voltada para a Europa, com a análise das relações entre Ilustração e academias de ensino no interior da dissidência religiosa inglesa do século XVIII. Abre assim vertente inovadora ao abordar as instituições de ensino mantidas pelos não-conformistas, nas quais o ensino das novas ciências naturais alcançou um espaço privilegiado.

Os estudos sobre o Brasil abrangem os dois últimos séculos e apresentam-se bastante variados e abrangentes em temáticas, perspectivas e problemáticas. Os artigos de Maria Margaret Lopes, Lorelai Kury e Benito Bisso Schmidt colocam em discussão o cientificismo dos séculos XIX e XX, ao realizarem abordagens das missões científicas e da volumosa literatura de viagem por elas produzida, dos museus que foram constituídos para responder a esse interesse e do discurso do movimento operário, igualmente permeado pelas preocupações que estabeleciam algum tipo de nexo entre ciência e progresso, com intuitos civilizadores. Ainda uma vez, a preocupação com o percurso institucional das disciplinas, desta feita na América Latina e especificamente no Brasil, contribui para a compreensão da trajetória da Arqueologia, da Antropologia e da Paleontologia, bem como da difusão das teorias darwinistas, kardecistas e da antropologia criminal, temática também presente na abordagem da Antropotecnia feita por Claude Blanckaert a partir dos estudos de Manouvrier. Teorias raciais e biogeográficas são trazidas à discussão e analisadas em sua dimensão social e política.

Voltados para a Medicina, os artigos de James Roberto Silva e Luiz Antonio Teixeira trazem novas perspectivas. O primeiro deles, ao colocar em questão o olhar médico sobre a doença, e sobretudo sobre o paciente, aborda a constituição de rico documentário fotográfico, ainda pouco explorado pela historiografia, revelando assim um mundo de intencionalidades e subjetividades que se tornaram paradigmáticas de tais registros. O artigo sobre a transmissão da febre amarela recupera os embates sociais que acompanharam o combate à moléstia que tanto afligiu a população no final do século XIX e motivou intensos estudos na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, na qual o médico Luís Pereira Barreto teve atuação destacada.

Comunicação, ciência e tecnologia constitui o tema de dois artigos. O de Laura Antunes Maciel, que aborda a constituição do serviço telegráfico no Brasil, discute questões relevantes sobre cultura e tecnologia, recuperando experiências de modernização técnica e do papel do Estado no campo das telecomunicações. O trabalho de Ana Maria Ribeiro de Andrade e José Leandro Rocha Cardoso analisa a divulgação de ciência e tecnologia em periódicos como Manchete e O Cruzeiro que nos anos 50 constituíam importante veículo de comunicação de massa mediante fotorreportagens que ao idealizarem os construtores da ciência, contribuíram para a divulgação de uma representação estereotipada dos cientistas e para o distanciamento entre ciência e sociedade.

Com este número temático, o Conselho Editorial da Revista Brasileira de História encerra sua gestão, registrando os agradecimentos a todos os autores que enviaram suas contribuições e aos pareceristas que no decorrer desta jornada constituíram o suporte inestimável deste trabalho.


Conselho editorial. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.21, n.41, 2001. Acessar publicação original [DR]

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