Nuevas contribuciones a la arqueología del Nordeste/ Folia Historica del Nordeste/2023

La arqueología del nordeste argentino y, por afinidad temática, de los países vecinos que conforman la Cuenca del Plata está en constante crecimiento. De manera continua, se incorporan nuevas investigaciones al cúmulo de conocimiento y se discuten problemáticas afines con gran distribución espacial. En este proceso, el desarrollo diferencial de la disciplina en las distintas regiones se evidencia no sólo en el volumen de la producción sino también en la organización de eventos científicos específicos.

En particular, la Universidad Nacional del Nordeste llevó adelante la organización de reuniones de arqueología que estuvieron estrictamente orientadas a la arqueología chaqueña. Dichas reuniones no se sostuvieron en el tiempo reflejando las dificultades del desarrollo de la disciplina en la región1. En 1965 se realizó la segunda parte de la Convención Nacional de Antropología;2 ese espacio académico fue elegido para la presentación pública del yacimiento de Km.75 y las investigaciones arqueológicas allí realizadas por Eldo S. Morresi. Con el tiempo este sitio se invistió del valor testimonial de resguardar a la primera ciudad colonial del territorio chaqueño: Concepción del Bermejo (1585-1632) (Guarino, sf). En 1983, se llevó adelante la compilación de los trabajos de arqueología histórica argentina como producción preliminar a una Primera Reunión Nacional de Arqueología Histórica que debía realizarse en la ciudad de Resistencia, pero lamentablemente no pudo concretarse. A partir de los años 2000 y hasta el año 2006, en los Encuentros de Geohistoria Regional se organizaron las mesas temáticas de arqueología. En ese contexto (2002), se realizó el Primer Simposio sobre el Estado Actual del Conocimiento Antropológico del Gran Chaco Meridional que apuntó a incentivar el desarrollo de la arqueología chaqueña. Su continuidad se manifestó en los simposios específicos de los Congresos Nacionales de Arqueología. Leia Mais

História e Arqueologia: diálogos interdisciplinares/Dimensões – Revista de História da UFES/2022

Nos últimos anos, na esteira do spatial turning, 2 a História ampliou suas perspectivas metodológicas e documentais, afastando-se de uma tradicional lógica logocêntrica, o que a posicionou na seara dos estudos atinentes à cultura material e a associou intimamente a disciplinas com agendas afins de investigação, a exemplo da Arqueologia. A materialidade dos homens no tempo emerge, a partir deste momento, como elemento ativo na história. Os lugares ocupados pelos indivíduos são agora percebidos como espaços onde suas ações se desenvolvem, condicionando, não raras vezes, seus movimentos e evocando simbolicamente uma gama de representações. Dentro desta perspectiva, não é mais possível entrever os eventos pretéritos sem considerar o ambiente físico onde eles aconteceram. As paisagens e os lugares construídos, imaginados e apropriados pelos homens não são mais ignorados, sendo compreendidos como uma dimensão fundamental da história (BARROS, 2017; MARTINS; SILVA, 2019, p. 97-101). Leia Mais

Arqueologia, Patrimônio e Gênero: provocações feministas | Revista Arqueologia Pública | 2021

O contexto atual tem sido marcado por retrocessos nas políticas públicas voltadas ao setor educacional, cultural e patrimonial, por manifestações reacionárias frente aos debates sobre identidades de gênero e diversidade sexual e pelo escancaramento do racismo que caracteriza, historicamente, a sociedade brasileira e tantas outras. Tal conjuntura traz, portanto, desafios específicos para pesquisadoras/es e profissionais do campo da Arqueologia e do Patrimônio. Não por acaso, exemplos mundo afora têm evidenciado tensões e descontentamentos vinculados a essas áreas. Insurgências contra monumentos masculinistas e que representam figuras responsáveis pela colonização e escravização de povos indígenas e africanos têm provocado debates acerca da retirada dos mesmos, evidenciando a luta pelo patrimônio e pelo direito à memória.

Este número da Revista de Arqueologia Pública reúne reflexões que, de diferentes formas, demonstram o papel da crítica feminista e dos debates em torno da historicidade das identidades de gênero no campo da Arqueologia, do patrimônio cultural e da memória, bem como refletem a multiplicação de abordagens, inspiradas sobretudo pelas discussões feitas por feministas negras, lésbicas e trans, em diálogo com os marxismos, os estudos culturais, pós-coloniais e decoloniais. Em decorrência disso, variáveis como raça, classe, sexualidade, geração, dentre outras, aparecem como eixos incontornáveis, analisados de forma interseccional ao gênero. Leia Mais

Arqueologia e Paisagem / Revista Mosaico / 2020

Os estudos sobre a paisagem se constituem hoje em um dos campos mais prolíficos e vibrantes da Arqueologia. Sua origem remonta à década de 1920 (ANSCHUETZ et al., 2001, p. 157), época em que se consolidaram os principais métodos e técnicas da disciplina, muitos deles ainda hoje empregados. Na sua trajetória, surgiram abordagens clássicas que influenciaram gerações de arqueólogos, do estabelecimento dos estudos sobre padrões de assentamento (WILLEY, 1953) à sua consolidação por meio de abordagens processuais (BINFORD, 1980) e funcionalistas (CLARKE, 1977); das abordagens distribucionais (DUNNELL, 1992) ao estudo das paisagens vividas e simbólicas (TILLEY, 1994; THOMAS, 2001). Essa trajetória, muito diversa, é uma prova indiscutível da sua energia, bem como do seu grande fôlego teórico e metodológico.

É admirável o projeto de perseguir uma definição ou paradigma que dê conta de abordar a paisagem pela Arqueologia da paisagem (ANSCHUETZ et al., 2001; ASHMORE, 2004) ou pela Geoarqueologia (GOLDBERG; MACPHAIL, 2007). É, todavia, inegável, e para além desse projeto, que é justamente dessa diversidade, em certo sentido difusa, que emana a sua vitalidade. É dentro desse entendimento que o dossiê Arqueologia e Paisagem foi organizado. Sua proposta fundamenta-se na ideia de que é a partir dos seus variados percursos que se abrem possibilidades para novas ideias, percepções e diálogos. Tendo isso em mente, nosso objetivo foi reunir trabalhos envolvendo a paisagem por meio de abordagens arqueológicas, sem que tivéssemos um compromisso estrito com recortes regionais, temporais, teóricos ou metodológicos. Traz essa proposta a vontade de transpor fronteiras tradicionalmente estabelecidas e, com isso, nos fazer olhar para o lado. Nossa crença é que a partir desse tipo de experiência podemos encontrar outras maneiras de interpretar as interações das pessoas com a paisagem.

Dos textos aqui reunidos, e levando em conta essa proposta, emergem alguns pontos que merecem ser destacados. O primeiro, bastante evidente no conjunto, diz respeito à capacidade da Arqueologia da paisagem para operar, seguindo uma prática corrente na Arqueologia, em conjunto com uma enorme variedade de campos dsciplinares. Alinham-se neste dossiê discussões desenvolvidas na interface com a geociências, botânica, arquitetura, museografia, etnologia e conservação.

É igualmente relevante a diversidade em termos dos conceitos empregados, que neste volume são claramente multidirecionais. Em Paisajes geoculturales de la region Este de Uruguay, Caffa, por exemplo, emprega o conceito de ‘paisagem geocultural’, de modo a buscar manifestações do binômio cultura / ambiente na região de Laguna Merín, Uruguai, tendo como foco a evolução geomorfológica da ecozona que favoreceu a ocupação e mobilidade dos grupos humanos. Em Bitucas e a materialização do equívoco: Qurna e suas paisagens potenciais, Pellini utiliza o conceito de ‘paisagens múltiplas’, no sentido de voltar-se às percepções locais de paisagem e, com isso, reconhecer mundos e experiências outros e alternativos à cosmovisão ocidental. Em Caminhos que levam à Glória: Villa Aymoré – apontamentos arqueológico-paisagísticos de um sítio histórico, Macedo e Andrade utilizam uma matriz conceitual denominada ‘arqueologia histórico-paisagística, que é voltada à análise de espaços edificados e baseada na capacidade da paisagem para produzir sentidos. Ao lado do uso desses conceitos, identifica-se neste dossiê análises clássicas e contemporâneas sobre a paisagem, com discussões que incluem temas como economia, território, mobilidade, constituições simbólicas, memória, poder, entre outros.

Destaca-se entre essas análises a capacidade para revelar práticas, processos e formas de constituição social insuficientemente explorados até aqui ou envolvendo sujeitos antes invisibilizados. Esse, por exemplo, é o caso das discussões realizadas por Pellini, que expõe o afastamento forçado da população qurnawi, que vive em Qurna, Egito, com vistas a atender interesses turísticos associados ao passado faraônico. Em A floresta como esconderijo: arqueologia da paisagem na mata Atlântica do Rio de Janeiro, Oliveira, Patzlaff e Scheel-Ybert revelam algumas das práticas associadas aos carvoeiros, que integrando os extratos menos favorecidos da sociedade brasileira nos séculos 18 e 19, tiveram suas trajetórias invisibilizadas nas fontes documentais. Nesse caso, esses autores se valem da grande capacidade da Arqueologia da paisagem para pensar a constituição de experiências espaciais ligadas a segmentos ou classes sociais particulares no Mundo Moderno (MROZOWSKI et al., 1989; SHACKEL; PALUS, 2006; O’KEEFE, 2009).

Este dossiê abre-se também para a proposta de utilizar a Arqueologia da paisagem e a Geoarqueologia como um laboratório voltado ao desenvolvimento de abordagens regionais. Em A paisagem como elemento de análise: mesopotâmia dos rios Araguaia e Peixe, Goiás, Rubin e colaboradores apresentam alguns dos resultados de um projeto sobre as populações pré-coloniais do Brasil Central, examinando por meio de um ensaio teórico e de natureza exploratória, as alternativas interpretativas do estudo paisagístico dessa região. Considerando elementos advindos das fontes orais, arqueológicas, geoarqueológicas e etnográficas, buscam identificar percursos possíveis, com vistas ao desenvolvimento de novas interpretações dessa paisagem.

Um ponto de interesse em relação aos estudos da paisagem e que, no caso deste volume, merece ser destacado, diz respeito à possibilidade de construções no tempo longo, o que em última análise nos estimula a olhar com atenção as complexas relações estabelecidas entre pessoas, o espaço e o tempo. Esse é o caso, por exemplo, do trabalho de Gonçalves, Abreu e Pereira intitulado Arrábida, território da espiritualidade: geologia, arqueologia e arte, no qual apresentam a longuíssima e impressionante trajetória do gênero Homo na Cordilheira da Arrábida, Portugal, e sua relação com essa paisagem ao longo do tempo. Em Aproximación geoarqueológica en los ciclos de poblamiento y abandono del Cauca medio colombiano, Echeverri estabelece uma correlação entre atividades vulcânicas, formação das paisagens, manejos de plantas e o povoamento inicial do médio curso do Rio Cauca, Colômbia, em um contexto em que eventos sísmicos também estão presentes.

Nas análises apresentadas neste dossiê, e ainda levando em conta a perspectiva do tempo, é relevante assinalar também as interpenetrações entre memória e paisagem, ou entre os elementos a eles relacionados. A paisagem pode inscrever processos de esquecimento e lembrança, pertencimento e negação, apropriação e controvérsia, aversão e afeto (DUNCAN; LEY, 1993; VAN DYKE; ALCOCK, 2003; JONES, 2007; KOHL et al., 2007). Isso implica diretamente a forma como se organiza, por intermédio da paisagem, o patrimônio material de uma dada sociedade, e interessa aqui notar que um dos fios condutores desses processos é o tempo. Pode-se perceber nas contribuições de Macedo e Andrade, bem como de Pellini, que a Arqueologia da paisagem não se apresenta apenas no sentido de revelar processos encobertos, mas também como uma ferramenta para a transformação, na medida em que é capaz de oferecer à sociedade elementos para novas formulações ligadas à memória. Em Museu, cultura material e gravura rupestre: a construção da paisagem no universo das coisas polidas, Marques, Veríssimo e Santos apresentam uma perspectiva também de interesse. Seu texto envolve o estudo de artefatos líticos pré-coloniais usados para polimento, encontrados na Serra Azul, Ceará, e que foram deslocados da paisagem, na medida em que alguns deles foram retirados do seu lugar de origem e expostos em um museu local. O estudo feito pelos autores, que é fundamentado em uma perspectiva simétrica, aponta para uma possibilidade interessante, na medida em que abre-se para a criação de uma narrativa que pode permitir inscrever lugares, artefatos e seus produtores em um mesmo regime de memória, sem perder de vista as suas trajetórias no tempo presente.

Associa-se ainda ao tempo as inúmeras relações entre as variantes que compõem um dado ambiente e a conservação de sítios arqueológicos. Em Paisagem, gravuras, problemas de conservação: um olhar sobre o sítio Poço da Bebidinha, Lage, Lage e Nascimento desenvolveram um estudo sobre a paisagem do Cânion do Rio Poti, situado entre o Ceará e o Piauí, e onde se localiza o sítio Poço da Bebidinha. A proposta dos autores na análise dessa paisagem foi entender os problemas de conservação que agem sobre esse tipo de sítio com o intuito de enfrentá-los.

Uma questão de ordem teórica ligada à relação cultura-natureza merece ainda ser contemplada, sobretudo em função da sua importância crescente na disciplina. Atualmente, dois desafios têm se apresentado aos estudiosos da paisagem na Arqueologia, sobretudo em algumas regiões das Américas. O primeiro desafio, que gradualmente vem sendo rompido, envolve o uso diferencial de paradigmas teóricos nas arqueologias histórica e pré-colonial, uma vez que, na primeira, têm predominado abordagens com uma orientação humanista, subjetivista e contextual, geralmente abrigadas no amplo guarda-chuva da arqueologia pós-processual, enquanto na segunda, têm predominado abordagens com uma orientação positivista, objetiva e cientifica. O segundo desafio, intimamente conectado a esse problema e cujas bases são claramente ontológicas, envolve, por um lado, uma preferência da Arqueologia histórica por análises envolvendo a denominada ‘paisagem social’, que geralmente está limitada ao ambiente edificado e onde quase que invariavelmente a cultura parece triunfar sobre a natureza. Por outro lado, na Arqueologia pré-colonial verifica-se uma predileção por análises voltadas ao que poderia ser denominado de ‘paisagem natural’ e que, muitas das vezes, dão aos elementos presentes no meio-ambiente um peso mais decisivo, na medida em que eles geralmente aparecem influenciando ou complicando certas práticas culturais ou sociais (SOUZA; COSTA, 2018).

A dicotomia cultura / natureza está não apenas presente na origem da Antropologia enquanto área do conhecimento, mas também no fulcro da constituição moderna (COLLINGWOOD, 1945; LATOUR, 1991). Seu enfrentamento na arqueologia passa, por exemplo, pelas escolhas que têm orientado os estudos sobre a paisagem nos termos acima expostos, o que, no nosso entendimento, precisa ser desafiado, em benefício de todos. Parte do problema reside no fato que, independente do contexto ou período que está sendo tratado, cultura e natureza se inter-relacionam de uma forma recíproca, permeável e sempre mutante. Para seu enfrentamento, faz-se necessária a compreensão de que a experiência na paisagem envolve, fundamentalmente, interações amplas entre as pessoas e o mundo. Conforme pontuado especialmente por Ingold (2000, 2011), nossa experiência na paisagem é um processo de coprodução que ocorre por meio de transformação mútuas e contínuas. Nos termos por ele colocados, o mundo é um local de misturas e entrelaçamentos. Nos cabe, portanto, analisá-las, não em termos de influências ou trocas, mas de constituições recíprocas, essencialmente híbridas.

No que se refere a essas questões, este dossiê oferece alguns elementos muito interessantes para repensarmos o que até aqui temos praticado. O trabalho realizado por Oliveira e colaboradores, por exemplo, traz para a Arqueologia histórica uma vertente, ainda que bem conhecida na Arqueologia pré-colonial, pouquíssimo explorada nesse campo e que inclui o estudo de espécies vegetais. Quando examinada de perto, a vegetação, ou em termos mais abrangentes, a ‘paisagem natural’, mostra-se para o caso dos contextos históricos, assim como em outros tantos, como um mosaico ecológico de usos pretéritos e, a nosso ver, parte indissociável da experiência moderna. Igualmente importante é a perspectiva assumida por alguns autores que levam em conta a ideia de coprodução entre pessoas e coisas, como nas discussões elaboradas por Rubin e colaboradores no seu trabalho sobre a paisagem dos rios Peixe e Araguaia, e Marques, Veríssimo e Santos, na sua análise sobre a Serra Azul.

Convidamos então os leitores a percorrerem este dossiê. Nossa proposta, em especial, é que façam isso pensando para além dos seus interesses de pesquisa mais imediatos. Estamos certos de que assim procedendo irão encontrar novas e produtivas possibilidades para pensar a paisagem por meio de uma perspectiva arqueológica.

Referências

ANSCHUETZ, Kurt F.; WILSHUSEN, Richard H.; SCHEICK, Cherie L. An archaeology of landscapes: perspectives and directions. Journal of Archaeological Research, v. 9, n. 2, p. 157-221, 2001.

ASHMORE, Wendy. Social Archaeologies of Landscape. In: MESKELL, Lynn e PREUCEL, Robert W. (ed.): A companion to social archaeology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 255-271.

BINFORD, Lewis R. Willow smoke and dog’s tails: hunter-gatherer settlement systems and archaeological site formation. American Antiquity, v. 45, n. 1, p. 4-18, 1980.

CLARKE, David L. Spatial archaeology. London, Academic Press, 1977.

COLLINGWOOD, Robin G. The idea of nature. Oxford, Claredon Press, 1945.

DUNCAN, James S.; LEY, David. Place / culture / representation. London, Routledge, 1993.

DUNNELL, Robert C. The notion site. In: ROSSIGNOL, Jacqueline; WANDSNIDER, LuAnn (ed.). Space, time and archaeological landscapes. New York: Springer, 1992. p. 21-42.

GOLDBERG, Paul; MACPHAIL, Richard. Practical and theoretical geoarchaeology. Oxford, Blackwell, 2007.

INGOLD, Tim. Being alive: essays on movement, knowledge and description. London, Routledge, 2011.

INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling & skill. New York, Routledge, 2000.

JONES, Andrew. Memory and material culture. Topics in contemporary archaeology. Cambridge, Cambridge University Press, 2007.

KOHL, Philip L.; KOZELSKY, Mara; BEN-YEHUDA, Nachman. Selective remembrances: archaeology in the construction, commemoration, and consecration of national pasts. Chicago, University of Chicago Press, 2007.

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro, Editora 34, 1991.

MROZOWSKI, Stephen A. et al. Living on the Boott: health and well being in a boardinghouse population. World Archaeology, v. 21, n. 2, p. 299-319, 1989.

O’KEEFE, Tadhg. What landscape means to me. Landscapes, v. 10, n. 1, p. 123-130, 2009.

SHACKEL, Paul A.; PALUS, Mattew. Remembering an Industrial Landscape. International Journal of Historical Archaeology, v. 10, n. 1, p. 49-71, 2006.

SOUZA, Marcos André Torres de; COSTA, Diogo Menezes. Introduction: historical archaeology and environment. In: SOUZA, Marcos André Torres de; COSTA, Diogo Menezes (ed.). Historical Archaeology and Environment. New York: Springer, 2018. p. 1-15.

THOMAS, Julian. Archaeologies of place and landscape. In: HODDER, Ian (ed.): Archaeological theory today. Cambridge: Polity Press, 2001. p. 165-186.

TILLEY, Christopher Y. A phenomenology of landscape: places, paths, and monuments. Oxford, Berg, 1994.

VAN DYKE, Ruth M.; ALCOCK, Susan E. Archaeologies of memory. Malden, Blackwell, 2003.

WILLEY, Gordon R. Prehistoric Settlement Patterns in the Virú Valley. Bulletin. Ethnology, Bureau of American. Washington D.C., 1953.

Marcos André Torres de Souza – Doutor em Antropologia por Syracuse University, EUA. Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás. Graduado em Arqueologia pela Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro. Professor Adjunto do Museu Nacional / Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Antropologia, Programa de Pós-Graduação em Arqueologia (PPGArq). Pesquisador do CNPq. E-mail: [email protected]

Julio Cezar Rubin de Rubin – Doutor em Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002). Graduado em Geologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1988). Professor Adjunto I na Pontifícia Universidade Católica de Goiás dos cursos de graduação em Arqueologia e Biologia e dos Mestrados em Ciências Ambientais e Saúde e História. E-mail: [email protected]


SOUZA, Marcos André Torres de; RUBIN, Julio Cezar Rubin de. Apresentação. Revista Mosaico. Goiânia, v.13, n.2, jul. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Cultura Material, Arqueologia e Patrimônio | Memória em Rede | 2020

Memória apresenta duas facetas, a individual e a social, interlaçadas, mas diferentes. Em termos individuais (ἴδιος = dele), ou próprios (αὐτός = auto, próprio) a cada um, a lembrança é algo efêmero, seletivo, sujeito a contingências biológicas, além das psicológicas. As enfermidades podem alterar ou mesmo impedir as lembranças, a mostrar a sua base na fisiologia cerebral. Além disso, as recordações estão sujeitas à seletividade psicológica, a impulsos ou afetos, no sentido proposto pelo filósofo Bento de Espinosa (1632-1677) (Ética, 3,3,3,), de modo que qualquer impressão do passado é sempre uma invenção no presente, em constante mutação. Invenção vem de “eu encontro” (inuenio), sempre experiência objetiva e subjetiva, daí descoberta/invenção, a cada momento. A cerimônia de casamento, a primeira experiência no mundo do trabalho ou na escola, são reinventadas, a depender da época e das circunstâncias.

A utilização do mesmo termo, memória, para referir-se à lembrança social parte de uma transposição metafórica do indivíduo para o coletivo (Halbwachs 1950). Convém refletir um pouco sobre o sentido mesmo da palavra: a raiz -men, mente, pensamento, desejo, remete à vontade e, daí, à mente. Lembrança e prazer, parceiros insuspeitos. Se não há memória biológica, à diferença daquela de um indivíduo, como ela se manifesta na sociedade? Outro conceito, desta vez do hebraico, talvez possa jogar luz sobre isso: Zikaron, dispositivo de memória (da mesma raiz de “zakhor” = lembrar), de , zécher = resto. Leia Mais

História, Arqueologia e Ontologia / Oficina do Historiador / 2020

Esta introdução tem como objetivo apresentar e contextualizar os artigos que compõem este dossiê sobre História, Arqueologia e Ontologia, que reúne estudos que versam sobre os materiais e os seus múltiplos papéis sociais no tempo, com o foco estabelecido, portanto, nas disciplinas de História, Arqueologia e as questões ontológicas da Filosofia.

A atividade social, por mais abstrato que seu estudo e manipulação possa ser, é desempenhada e embasada sobre a sensibilidade da existência física e consequente relação com outras formas físicas estabelecidas – o que podemos conceituar, com a devida flexibilidade, como “coisas”.

A partir deste largo escopo, diversas abordagens se desenham, dado que o espírito do tempo exerce sua força incomensurável sobre tudo o que há no mundo. Isso nos obriga a reconsiderar algumas noções tradicionais do pensamento ocidental, onde a História registra a alteração da condição de “sujeito” para “coisa” em eterna atualização, e o resultado dessa atividade fica marcado na matéria humana e não-humana que nos rodeia.

Os estudos aqui reunidos cruzam, portanto, as experiências que pessoas, materiais e coisas atravessaram juntos diante de uma perspectiva crítica sobre a relação “natural” entre essas diferentes entidades que povoam a existência.

Não é surpresa que a Arqueologia é uma disciplina interdisciplinar. Mas o que exatamente isso quer dizer? Sempre foi muito claro para quem a pratica que é necessário deter um tanto do chamado “conhecimento enciclopédico”: noções básicas de Antropologia, Geologia e Geomorfologia, Linguística, Informática, Zoologia, Filosofia, Artes Plásticas, Matemática, Restauro, História, Química e Museologia podem ser necessárias a qualquer momento; tanto em meio aos livros e artefatos dentro de um laboratório, quanto debaixo do sol ou do dossel vegetal num dia de campo.

Há um paradoxo nisso; embora a Arqueologia não seja a única beneficiária da interdisciplinaridade, não é inadequado afirmar que apenas ela depende disso para existir propriamente. Quando recortamos um tema, um período e uma área de pesquisa, também se torna necessário para nós delimitarmos quais empréstimos teóricos e técnicos serão empregados. Por que essa noção não é falsa? Ora, porque sempre que um artefato atinge a condição de evidência – ou seja, quando ele se torna intelectual e materialmente sensível para nós – ele comprova de modo inequívoco que algo aconteceu, algo existe – o quê, exatamente, é o que procuramos descobrir e é para isso que serve o intercâmbio com as outras disciplinas. Desta forma, a conceituação do que é arqueologia pode ser bastante móvel e variar de acordo com a necessidade do contexto; sabemos que estudamos as relações entre as pessoas e as coisas; mas definir quem é quem tem se tornado cada vez mais difícil.

Seja, como enfatiza o sociólogo e economista indiano Arjun Appadurai (1986), estudar a vida social das coisas, ou, como sugere a antropóloga Mary Douglas (2002), parafraseando Claude Lévi-Strauss, que as coisas não apenas têm suas funções, mas, principalmente, são boas para pensar “good for thinking”. Coisas também são objetos biográficos, contam histórias da vida das pessoas, como nos demonstra Janet Hoskins (1998).

“Como andam as coisas?” Uma pergunta que deveria incentivar uma breve conversa entre duas pessoas, colegas de arqueologia, com genuíno interesse sobre como suas pesquisas estão se desenvolvendo. É uma pergunta estranha, as coisas andam, se movimentam, têm vontades próprias – tudo indica que sim. As coisas fazem coisas com a gente, pois, de certa forma, sempre estamos em contato com as coisas, dentro de uma perspectiva, arqueológica ou não. A Arqueologia não pretende se situar como um ponto privilegiado de perspectiva sobre as coisas em si mesmas, senão ser uma das formas possíveis de desvelar quais coisas existem e para quem.

Nessa toada, muitas atividades podem ser arqueológicas, mesmo que não pareçam à primeira vista. Usando um exemplo clássico, a Arqueologia do Saber de Foucault (1972) é mais do que apenas uma metáfora útil. De fato, é promovida uma regressão intelectual que escava um outro tipo de sítio arqueológico e busca um outro tipo de evidência, através de um método especificamente construído para aquilo – muito similar à necessidade que cada sítio arqueológico impõe a quem se interessa em escavá-lo. Claro, os seus artefatos são diferentes de uma Arqueologia “tradicional”; mas o filósofo francês, ao preferir usar o termo “arqueologia”, o fez justamente no sentido de que a noção de “Arqueologia” cria, ou estabelece, artefatos – em seu caso particular, os diferentes discursos da História das ideias:

[…] it’s problem is to define discourses in their specificity; to show in what way the set of rules that they put to operation is irreducible to any other; to follow them the whole length of his exterior ridges, in order to underline them the better. It does not proceed, in slow progression, from the confused field of opinion to the uniqueness of the system or the definitive stability of science; i’ts not a ‘doxology’; but a differential analysis of the modalities of the discourse (FOUCAULT, 1972, p. 139).

Assim, é evidente o favorecimento não apenas de outras histórias, senão, como em nosso caso, de outras Arqueologias. Aqui, diferentes estudos e perspectivas tentam abordar, assim como Foucault, outras espécies de Arqueologia. Algumas são mais tradicionais, enquanto outras favorecem uma distensão similar. Uma observação atenta, contanto, tornará flagrante a ambiguidade em considerar alguns estudos e metodologias aqui presentes como “tradicionais” ou “clássicos”; e outros como “modernos” ou “contemporâneos”: “Jamais fomos modernos”, diria a chamada de Bruno Latour (2013). Como se deve saber, Latour critica a distância construída pelo pensamento ocidental, que relativiza o conhecimento produzido fora das escalas e dos laboratórios que são o belo brasão do fazer científico atual (dos últimos 520 anos). Ao considerar sabiamente que não há apenas um ponto privilegiado de percepção na classificação deste ou daquele mundo, ele crê que:

O balanço deste exame não chega a ser desfavorável. Podemos conservar as Luzes [o Iluminismo e suas reflexões] sem a modernidade, contanto que reintegremos, na Constituição, os objetos das ciências e das técnicas, quase-objetos entre tantos outros, cuja gênese não deve mais ser clandestina, mas antes acompanhada passo a passo, dos acontecimentos quentes que os originam até esse resfriamento progressivo que os transforma em essências da natureza ou sociedade (LATOUR, 2013, p. 133).

Essa simetria não deve se iludir na percepção de que “há um caminho melhor”; todas estradas levam a Roma. Convém a nós, praticantes da Arqueologia, saber o que cada estudo e estrada traz como contribuição. Em suma, se é inútil perpetuar a divisão entre natureza e cultura, sujeito e objeto, primitivo e moderno – também é inútil condenar o passado pronapiano, por exemplo, sem entender qual era o seu contexto (HILBERT, 2007) – sem pensá-lo como uma coisa ainda viva em nós, da qual jamais nos desvencilharemos, senão antes, transformar a nossa prática para além de uma “Arqueologia negativa”.

Portanto, estudos que trabalham com quantificações puras e estatísticas, como é o caso da contribuição “Memória de pertencimento soterrada pelo tempo”, de Alexandre Matos e Joyce Macedo, onde os dados numéricos permitem notar uma variação na qualificação dos habitantes da cidade de Quevedos sobre qual é a importância real do seu patrimônio local.

Outro estudo revisita uma abordagem qualitativa que tem se escapado de uma visão teórica. Seria realmente fato que imagens fotográficas geoespaciais, tomadas por drones, representam uma realidade autoevidente, dada e imutável da paisagem? Assim, o uso da fotogrametria para produção documental fotográfica subitamente se transforma na assunção de um ponto de vista a partir da máquina; onde os processos de produção de documentação interagem de igual para igual com seus controles e controladores, nos céus do Forte Dunbeg, na Irlanda, como demonstra Sterling MacKinnon.

A troca de perspectiva também está em um sentido de reencontro com algo de aparência casual, como talvez a atividade artesanal de um pescador. Por trás da falsa ideia primeira de tranquila transparência, está a firme e fluida rede de relações tecida entre diferentes tipos de pescadores, tralhas, fainas e conhecimentos, se estende na maré – onde flutua sua própria noção de território como uma tarrafa. O artigo de Lucas Silva e Gustavo Wagner apresenta o movimento constante onde os nós dessa rede se tocam e distanciam juntos em direção do peixe, onde é possível observar a sua coesão social e identitária, trazendo um caráter inédito sobre a arte da haliêutica desenvolvida pelas comunidades pesqueiras ao longo do litoral meridional brasileiro.

A partir daí fica simples notar que a atividade artesanal também é um ponto onde conceitos prévios de identidade e visão de mundo estão imbricados a partir das condições de seu fazer. O estudo de Ana Paula Bezerra e Filipi Pompeu sobre o relato de um estilo único de olaria que combinava em si não apenas técnicas e formas de universos completamente diferentes, mas também reunia ali uma visão peculiar de mundo, também explora o fazer de aparência trivial. A moça surda-muda, anônima mesmo diante de todos os coadjuvantes do curto relato original, imprime como combinações insólitas diante da noção primeira de cerâmica, como excrementos, gordura e argila, a sua própria visão de mundo. A conexão íntima entre essas e outras características que aparentam forte repulsão à sociabilidade e o aguçamento de algumas sensibilidades em prol de outras, permite pensar a louça como uma outra forma de estar e interagir com um mundo onde ainda não existia a ideia de cultura Surda-Muda.

Outros dois textos apresentam diferentes implicações ontológicas da prática como substrato para a elaboração e intuição de um ponto de vista. Um deles, de Antônio Soares se volta para a construção de uma “casa de índio” como parte das atividades de educação patrimonial junto ao Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul, no município de Taquara. Após constatar que a casa Mbyá-Guarani erigida junto ao museu segue a forma usualmente descrita na literatura – mas não associa de igual modo alguns traços pertinentes, como orientação espacial e território, se torna claro que os Guaranis interpretaram a necessidade de conhecimento não indígena, adaptando a sua realidade no mundo do Outro através de uma casa que é funcional e prática para o branco no tocante ao contato com o ameríndio. A casa é um híbrido que engendra sob suas colunas, dois mundos.

A Arte, um conceito ocidental, também é pensada como algo antagônico à ciência, é aproximada e traz à tona o laboratório como ateliê. Segundo o autor, Felipe Tramasoli, ambas são pontos de partida distintos, mas poderiam apoiar-se no sentido da capacidade que tanto Arte quanto Arqueologia exigem uma reação discursiva – ou seja, são reativas no sentido de incitarem a diversidade criativa, mesmo que dentro de seus próprios termos e conceitos. Contanto, é possível fazer Arte da Arqueologia, assim como Arqueologia da Arte, buscando não apenas um referencial, mas um modo de trazer o sensível do passado para o presente, e vice-versa, negando a delimitação antes clara sobre onde começa o ontem, o hoje, a criatividade e o fazer científico.

A presença dos materiais e das substâncias como contentores de um mundo também é apreciada neste volume; inicialmente junto a vinte e duas garrafas de grés do século XIX, encontradas em plena Amazônia. Teriam elas pertencido ao biopirata inglês Henry Wickham, que contrabandeou sementes para a Ásia, quebrando o monopólio sul-americano? Teriam sido utilizadas para transportar as sementes, testemunhas diretas da usurpação? Ou seriam mero fruto da “coleção particular” de algum seringueiro influenciado pelo afluir de bens estrangeiros e / ou pelas “visagens” que habitam a floresta? As diversas possibilidades que se abrem diante da existência de algo trivial em um contexto incomum, favorecem a tomada de consciência para as narrativas não hegemônicas – fornecendo origens pouco óbvias que merecem ser investigadas, conforme comprova Tiago Muniz.

O fluxo das matérias e materiais, portanto, supera a forma, e deve ser pensado a partir de outros pontos de vista que não são humanos em sua origem primeira – como é o caso do drone e do estudo que versa sobre as coisas propriamente ditas e suas qualidades. Essas, como demonstrado, interferem constantemente nos assuntos “não coisas”, ou humanos, em uma percepção não apenas sociológica, mas arqueológica. Aí podem ser vislumbrados como uma constante mutável que aproxima a prática arqueológica de tudo aquilo que meramente existe, como uma forma ontológica essencial, como desperta no pensamento a contribuição de Klaus Hilbert.

Finalizando e amarrando estes trabalhos dentro de um apanhado teórico geral, estão as reflexões de John O’Donnell que permitem pensar, afinal, como a disciplina arqueológica tem se portado e absorvido as tensões e assimetrias perspectivas pós-modernas dentro de uma noção ideológica. Este balizamento ajuda a situar não apenas a onipresença de qualquer categoria dentro da Arqueologia, como permite notar suas consequências e desdobramentos lógicos.

Todos trabalhos aqui presentes possuem algum agregar que pode ou não ser útil para determinadas pesquisas. Mas, para o todo da Arqueologia, incorporando a noção de totalidade da disciplina, toda pesquisa arqueológica é um incremento para quem sabe ver que ela não pertence ao número ou a hipótese; senão se constitui permanentemente do atrito entre estes dois (dentre outros tantos) elementos.

Este Dossiê, bem como trabalhos e ramificações de pesquisas direta ou indiretamente ligados a ele, é uma homenagem póstuma ao querido colega Alexandre Pena Matos. Arqueólogo atuante na área de licenciamento, era graduado em História, especialista em Cultura Material e Arqueologia, mestre em História Regional e doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), fazendo parte de nossa equipe durante a sua pesquisa. Alexandre nos deixou aos 49 anos, cedo demais, e o artigo aqui publicado com a sua atual companheira, Joyce Macedo, é sua última obra acadêmica finalizada em vida. Que nossos votos de consolo fortifiquem a família e a todos que o rodeavam.

Referências

APPADURAI, Arjun. Introduction: Commodities and the Politics of Value. In: APPADURAI, Arjun (ed.). The Social Life of Things: Commodities in Cultural Perspective. Cambridge: Cambridge UP, 1986. p. 3-63. https: / / doi.org / 10.1017 / CBO9780511819582.

DOUGLAS, Mary. The World of Goods: Towards an Anthropology of Consumption. London: Routledge, 2002. https: / / doi.org / 10.4324 / 9780203434857.

FOUCAULT, Michel. Archaeology of Knowledge. New York: Pantheon Books. 1972.

HILBERT, Klaus. “Cave Canem!”: cuidado com os “Pronapianos”! Em busca dos jovens da arqueologia brasileira. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi: Ciências Humanas, Belém, v. 2, n. 1, p. 117-130, 2007. https: / / doi.org / 10.1590 / S1981-81222007000100009.

HOSKINS, Janet. Biographical Objects: How Things Tell the Stories of People’s Lives. London: Routledge, 1998.

LATOUR, Bruno. Jamais Fomos Modernos. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2013.

Klaus Hilbert – Doutor em Arqueologia pela Philipps Universität Marburg (Marburg, Hesse, Alemanha). Docente no Programa de Pós-Graduação em História PUCRS orcid.org / 0000-0002-7672-6540 E-mail: [email protected]

Filipi Gomes de Pompeu – Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS, Rio Grande do Sul, RS, Brasil); doutorando em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS, Porto Alegre, RS, Brasil)  orcid.org / 0000-0002-5929-3237 E-mail: [email protected]

Ana Paula Gomes Bezerra – Mestra em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE, Fortaleza, CE, Brasil), Doutoranda em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS, Porto Alegre, RS, Brasil), Coordenadora do G.T. de Cultura Material e Arqueologia da ANPUH / RS. orcid.org / 0000-0003-0441-8925 E-mail: [email protected]

Carlos Eduardo Ferreira Melchiades – Doutorando em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS, Porto Alegre, RS, Brasil). orcid.org / 0000-0003-3904-6607 E-mail: [email protected]


HILBERT, Klaus; POMPEU, Filipi Gomes de; BEZERRA, Ana Paula; MELCHIADES, Carlos Eduardo Ferreira. Apresentação. Oficina do Historiador. Porto Alegre, v. 13, n. 1, jan. / jun., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Conexões mediterrâneas: Oriente e Ocidente através da História, Literatura e Arqueologia / Hélade / 2019

O estudo das conexões mediterrânicas e as humanidades

Os estudos sobre as conexões mediterrânicas trazem um histórico de pesquisas desde os anos 80 do século passado, nos quais historiadores, arqueólogos, antropólogos, geógrafos e literatos passaram a observar com mais acuidade e criticidade modelos que enfatizam o caráter estático e limitante de culturas passando a realçar de maneira mais aguda a fluidez e conectividade dos povos, pensando o tempo presente e a Antiguidade. Já na primeira metade do século XX, mais intensamente nas últimas décadas deste século e primeiras décadas do século XXI, críticas foram e são feitas aos modelos de entendimento sobre conectividade, muitas delas pautadas em uma perspectiva eurocentrista e nacionalista. Tais modelos negligenciavam a força e prevalência do local em detrimento ao destaque dado ao ‘global’, observados na perspectiva econômica de centro-periferia, perspectiva esta inserida no conceito de sistema-mundo, com suas bases no conceito de economia-mundo, criado por Braudel (1949) e desenvolvido por Wallerstein (1974, 1980, 1989), Arrighi (1994) e Amin (1974), com bases anticolonialistas.

Destacamos ainda o estudo de Price (2012) onde afirma que existem dois tipos de cultos nas províncias romanas: os cultos étnicos e os cultos eletivos. Estes últimos, responsáveis por uma maior interação e circulação cultural das divindades. De acordo com o autor, os cultos eletivos eram, em sua grande maioria cultos estrangeiros, e necessitavam, assim, da criação de novos grupos de adoradores nos locais onde estes residiam. Dessa forma, os cultos se movimentavam, circulavam assim como as pessoas, assim como as ideias (PRICE, 2012, p. 7-8). Novas reflexões trouxeram à tona novas compreensões sobre as manifestações culturais, políticas e religiosas que giravam em torno de um Mediterrâneo fluido, atemporal, e fortaleceram a necessidade de encontrar categorias analíticas mais precisas. É sabido hoje o quão importante é reconhecer a necessidade em se respeitar as singularidades dos povos – o que podemos chamar de pesquisas sobre localismo – em meio a natureza global das relações políticas e econômicas e suas repercussões cultural, social e religiosa intragrupos.

Outro estudo de fundamental importância foi realizado por Polanyi (1944), porque apresentava ao mundo uma perspectiva antropológica inovadora às reflexões sobre a economia dos povos antigos. Mais adiante, Braudel revolucionou os estudos sobre a economia e cultura mediterrânica ao abranger o mundo natural e a vida material, economia, demografia, política e diplomacia vivida no Mediterrâneo da segunda metade do século XVI. Renfrew e Cherry (1986) desenvolvem na arqueologia o conceito de Peer Polity Interaction para explicar as mudanças na sociedade e na cultura material. De acordo com este modelo, resumidamente, havia três tipos principais de interação: competição, incluindo guerra e emulação competitiva; ‘transmissão simbólica’, em que as sociedades absorveriam sistemas simbólicos de seus vizinhos, como sistemas numéricos, estruturas sociais e crenças religiosas, porque preenchiam um nicho vazio em sua sociedade; e, por fim, a ‘transmissão de inovação’, onde a tecnologia se espalharia pelo comércio, doações e outras formas de troca.

Em vista dos recursos teóricos que estes célebres e basilares autores nos legaram, este dossiê Conexões mediterrânicas: Oriente e Ocidente através da História, Literatura e Arqueologia pretende apresentar ao leitor as questões concernentes às conectividades entre os povos que habitaram os litorais Leste e Oeste do Mediterrâneo. Oito artigos, uma entrevista com Hans Beck, professor da Universidade de Münster, Alemanha, e um posfácio redigido por Tamar Hodos, professora da Universidade Bristol, Inglaterra, compõem este dossiê. Estes buscam refletir sobre esta intricada rede de relações comerciais, políticas e religiosas existentes nas cidades que circundavam o Mediterrâneo e naquelas que adentravam rumo ao interior, com discussões conceituais e estudos de caso com grande qualidade e profundidade.

Assim como os navegantes, os bens materiais e as ideias que singraram este ‘cimento líquido’ – usando o termo cunhado por Gras (1998, p. 7) – os pesquisadores, ao longo dos séculos XX e XXI vem singrando os conceitos que circundam este imenso mar e os povos que por ele passavam e dependiam. Acreditamos que as contribuições de nossos autores façam com que o leitor navegue conosco neste mar de reflexões, e se encante com as proposições e interações recíprocas sugeridas.

Boa leitura!

Referências

AMIN, S. Accumulation on a World Scale: A Critique of the Theory of Underdevelopment. Nova York: Monthly Review Press, 1974.

ARRIGHI, G. The Long Twentieth Century: Money, Power, and the Origins of Our Times. New York: Verso, 1994.

BRAUDEL, F. La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Paris: Armand Colin. 1949.

GRAS, M. O Mediterrâneo Arcaico. Lisboa: Ed. Teorema, 1998 (1995).

POLANYI, K. The Great Transformation. Foreword by Robert M. MacIver. New York: Farrar & Rinehart. 1944.

PRICE, S. Religious Mobility in the Roman Empire. The Journal of Roman Studies. Vol. 102, 2012, pp. 1-19

RENFREW, C.; CHERRY, J. F. (Eds.): Peer Polity Interaction and Socio-Political Change. Cambridge University Press, Cambridge, 1986.

WALLERSTEIN, I. The Modern World-System, Capitalist Agriculture and the Origins of the European World-Economy in the Sixteenth Century. New York / London: Academic Press. Vol. 1, Vol. 2 e Vol. 3, 1974, 1980 e 1989.

Juliana Figueira da Hora – Pesquisadora de pós-doutorado no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), doutora e Mestre em Arqueologia pela mesma instituição. Professora do Mestrado Interdisciplinar da Universidade Santo Amaro (UNISA) e membro pesquisador do Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga (LABECA). Para consultar demais publicações da autora: https: / / usp-br.academia.edu / JulianaHora. E-mail: [email protected]

Maria Aparecida de Oliveira Silva – Doutora em História Social (2007) pela Universidade de São Paulo, com estágios na École française de Rome (PDEE / CAPES) e na Universidade Nova de Lisboa (FAPESP). Pós-Doutora em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista (2010) e em Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo (2012). Pesquisadora do Grupo Heródoto / Unifesp, do Grupo de Pesquisa em Práticas Mortuárias no Mediterrâneo Antigo (Taphos / USP). Professora Orientadora Ad-hoc do PPGH / UnB e líder do Grupo CNPq LABHAN / UFPI. Para consultar demais publicações da autora: https: / / independent.academia.edu / MariaAparecidadeOliveiraSilva. E-mail: [email protected]

Vagner Carvalheiro Porto – Professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. É Co-coordenador do LARP, Laboratório de Arqueologia Romana Provincial (USP) no qual desenvolve pesquisa docente sobre as províncias romanas da Síria-Palestina e da Península Ibérica. É Coordenador do Grupo de Pesquisas CNPq-ARISE – Arqueologia Interativa e Simulações Eletrônicas. Para consultar demais publicações do autor: https: / / usp-br1.academia.edu / VagnerCarvalheiroPorto. E-mail: [email protected]


HORA, Juliana Figueira da; SILVA, Maria Aparecida de Oliveira; PORTO, Vagner Carvalheiro. Editorial. Hélade. Rio de Janeiro, v.,5, n.3, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Arqueología del pasado contemporáneo: una mirada desde la Península Ibérica/Vestígios – Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica/2019

La arqueología del pasado contemporáneo es un campo emergente pero cada vez más consolidado dentro de la disciplina. En su forma actual, se puede situar su nacimiento en torno al año 2001, cuando se publica el libro ya clásico de Victor Buchli & Gavin Lucas (2001) Archaeologies of the Contemporary Past. En este volumen colectivo se recogían contribuciones procedentes de diversos países: además de las potencias académicas hegemónicas en arqueología (Estados Unidos y Reino Unido), había también capítulos de arqueólogos argentinos (Doretti & Fondebrider, 2001) y franceses (Olivier, 2001). Francia y los países sudamericanos, de hecho, han tenido un papel fundamental en la emergencia de las arqueologías contemporáneas y han contribuido decisivamente a su diversidad teórica, metodológica y temática. En el primer caso ha primado la reflexión teórica (Olivier, 2008) y la práctica arqueológica más convencional, sobre todo a través de la arqueología de gestión (Journot & Bellan, 2012), en el segundo caso las aproximaciones al pasado traumático más reciente, marcado por las dictaduras (Funari & Zarankin, 2006). Una de las características de la arqueología contemporánea ha sido, de hecho, la aparición de diferentes escuelas con sus propias agendas, determinadas en buena medida por las realidades históricas y políticas nacionales. Leia Mais

Arqueologia e cultura material / História – Debates e Tendências / 2017

Este dossiê se circunscreve na importância que a arqueologia e a cultura material adquiriram na última década, potencializadas pela complexa legislação de defesa do patrimônio, criadas e em vigência nos países da América do Sul. Em consequência, multiplicaram-se as demandas de profissionais para as diversas áreas de estudo e preservação dos patrimônios materiais e imateriais. Como resultado dessa nova realidade, a Universidade de Passo Fundo passou a ofertar um curso de Especialização em Cultura Material e Arqueologia, abriu vagas para pós-graduandos para mestrado e doutorado nesses temas, constituiu o seu Laboratório de Cultura Material e Arqueologia (Lacuma), vinculado ao Núcleo de Pré-História e Arqueologia (NuPHA), do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), além de desenvolver diversos programas educativos e de formação.

Esta publicação refere as legislações específicas, analisa as mudanças na definição da Unesco em termos de contextos temporais, sociopolíticos, filosóficos e culturais. No geral, quando se trata de políticas públicas, os profissionais estão sempre diante do dilema de que, socialmente, a construção e a geração de necessidades para criação de patrimônios culturais vêm de grupos hegemônicos, portanto, seu uso é imposto para a sociedade, quase sempre com a intenção de afirmar uma memória confortável. Leia Mais

História, Arqueologia e Literatura entre Celtas e Germanos / Brathair / 2014

História – Arqueologia – Literatura entre Celtas e Germanos / Brathair / 2014

Este volume se dedica aos estudos do diálogo entre História, Arqueologia e Literatura. De acordo com Schiffer (2010), a Arqueologia estuda o comportamento humano no tempo e no espaço através da cultura material, ou da relação das pessoas com a cultura material (SCHIFFER apud BARRETO, 2013, p. 272). Segundo Vítor Oliveira Jorge (1990, p. 24) a Arqueologia é uma forma própria de estudar o mundo material, as relações do homem com a realidade física que o rodeia e da qual ele mesmo faz parte. Diversas são as abordagens que hoje analisam os artefatos como vestígios do comportamento social e humano. Em particular, os estudos de Arqueologia da Paisagem (nas suas mais diversas vertentes) têm procurado aprofundar a análise desses vestígios, entendendo as modificações feitas pelo homem na paisagem. Os trabalhos desenvolvidos neste campo procuram dar conta dos assentamentos, das estruturas e artefatos, tendo em mente a relação entre cultura e ambiente. Analisam, assim, de forma holística a relação entre o homem, o que ele necessita, os artefatos e estruturas por ele produzidos e o espaço onde viveu (ROBRAHN-GONZÁLEZ, 1999-2000, p. 18).

Nesta edição duas resenhas discutem a relação entre História e Arqueologia. A primeira, de Ana Carolina Moliterno Lopes de Oliveira (PPGH-UFF) discute o livro de Richard Bradley, professor de Arqueologia da Universidade de Reading, sobre o arquétipo circular nos antigos monumentos europeus desde o neolítico em estudo comparativo com as sociedades europeias atlânticas. O livro é dividido em 10 capítulos. O trabalho se insere na Arqueologia da Paisagem, integrando o estudo de monumentos e assentamentos aos espaços, partindo a análise do aspecto socioeconômico para o cultural.

A segunda resenha, de Benito Márquez Castro, da Universidade de Vigo apresenta o livro escrito em galego em 2013 por Adolfo Fernández Fernández, fruto de sua tese de doutorado, sobre o comércio no noroeste peninsular – Galícia Sueva e Visigoda, com base em registros arqueológicos. Fernández Fernández analisa as relações comerciais entre galo-romanos e povos germânicos nessa região, mostrando a riqueza dessas relações, não apenas violentas, mas também pacíficas, através do comércio. A análise vai do século IV ao século VII, constituindo uma importante contribuição aos estudos sobre essa região europeia.

Quanto aos artigos do dossiê, discutem a relação entre História e fontes literárias. Proeminentes historiadores tem destacado a importância dos estudos dessas obras para a compreensão do imaginário de uma determinada época. De acordo com Patlagean (1993, p. 201), o imaginário abrange todo o campo da experiência humana e nos auxilia a decifrar elementos simbólicos de outros momentos históricos. Para Pesavento o imaginário pode ser entendido como um “sistema de imagens e ideias de representação coletiva que os homens, em todas as épocas construíram, dando um sentido para si e para o mundo” (PESAVENTO, 2004, p. 43). Esse imaginário é construído e deve ser lido historicamente.

As fontes literárias e todos os registros históricos produzidos pelos humanos não são neutros, motivo pelo qual devemos ter um olhar questionador sobre qual o motivo da produção de um documento numa determinada época, por quem foi encomendado, a quem ele era destinado e com qual finalidade.

No caso do período Antigo e Medieval também temos a riqueza de perceber que as relações entre produção, circulação e recepção de muitos documentos estão associadas à inter-relação entre as culturas erudita e popular e também à oralidade, uma vez que muitos registros circulavam oralmente e demonstravam absorver elementos de uma cultura não letrada.

Neste sentido, a Profª. Marie Anne Polo, da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) e do Groupe d’Anthropologie Historique de l’Occident Médiéval (GAHOM) analisa os exempla, narrativas curtas com o objetivo da evangelização da população e o papel dos pregadores, como Jacques de Vitry, Cesário de Heisterbach e Bernardino de Siena que, através da oralidade, buscavam estratégias para atingir o seu público. Desta forma, absorviam narrativas da cultura popular, misturando o vernáculo com o latim e fazendo uso do apelo teatral para passar a mensagem cristã ao público. Vale destacar que como forma de convencimento da sua mensagem era muito importante a performance dos pregadores e a empatia que conseguiam causar nos seus ouvintes. O GAHOM possui em sua homepage vários exempla disponíveis para auxiliar e ampliar os estudos deste tipo de narrativa.

O Prof. Ruy Oliveira Andrade Filho e o Doutorando Germano Favaro Esteves (UNESP-Assis) investigam os sentidos da Vita Desiderii, obra do século VII, escrita pelo monarca Sisebuto, através da análise crítica do discurso. O documento constitui-se na única hagiografia escrita por um rei visigodo e os autores buscam identificar os motivos disso, identificando através do estudo da obra, as relações de poder que são construídas entre rei e seus súditos. Destaque para os elementos negativos dos reis burgúndios que aparecem no relato de Sisebuto.

Ainda enfocando a Hispânia Visigótica, precisamente na transição entre os séculos VI e VII, sob o prisma de uma História do imaginário político, o artigo da Profª Pâmela Torres Michelette (UFPI / UNESP) trata da gesta do conceito de realeza cristã nos escritos de um clérigo destacado da Patrística Primeira Idade Média, Isidoro de Sevilha (560-636). Com efeito, como os leitores poderão perceber ao longo da exposição, este pensador clerical foi um verdadeiro ideólogo orgânico da legitimação cristológica e agregadora entre hispano-romanos católicos e visigodos arianos, quando da conversão do Regnum ao Catolicismo, no III Concílio de Toledo (589), sob o reinado de Recaredo (587- 601).

João Paulo Charrone, docente da UFPI, analisa a figura de um erudito, Venâncio Fortunato, proveniente de Ravena, na Itália, que viveu no século VI, fez estudos voltados para a área do Direito e de Letras e dedicou-se a produzir poesia latina, fazendo referência aos autores clássicos em suas obras. Em virtude de seus poemas, alcançou grande reputação na Gália Merovíngia. Ele estaria entre os dois mundos, segundo o autor, em virtude de ser um representante da época clássica tardia e de uma nova era que se iniciava, a Idade Média. De acordo com esse estudo, é importante um maior aprofundamento de suas obras para o entendimento da cultura erudita nesse momento de passagem entre Antiguidade e Idade Média.

Nossa atual edição conta ainda com um provocante estudo poético-identitário acerca do hino nacional alemão (Deutschlandlied), efetuado por uma pesquisadora alemã, Profª. Andrea Grafetstätter, que desenvolve hoje seus trabalhos na França, na Université du littoral côte d’opale. Longe de se constituir em um manifesto nacionalista ou insistente na originalidade da letra do ilustrado filólogo e poeta romântico alemão August Heinrich Hoffmann von Fallersleben (1798-1874), a autora investiga as origens dos versos nas disputas retóricas entre trovadores franceses e alemães dos séculos XII e XIII. Eis mais um brilhante exercício presente-passado-presente, que confronta e desnaturaliza – como deve ser, efetivamente, o intuito da História – as construções nacionalistas do Romantismo oitocentista e seus corolários no século XX.

A contribuição dos emergentes estudos da Germanística medieval brasileira vem complementar o ensaio anterior, no presente volume, sob a pena de um de seus mais destacados pesquisadores, o Prof. Álvaro Bragança Júnior (UFRJ). A partir de um exercício não menos instigante passado-passado, o artigo apresenta os (des)caminhos ideológicos e os circuitos de apropriação e ressignificação político-ideológica do ideal de cavaleiro (o Ritter) das narrativas alemãs centro e tardo-medievais pelo discurso e, sobretudo, pela indústria de propaganda e doutrinação do III Reich, sob o totalitarismo nacional-socialista.

Já o texto da promisora doutoranda Maria de Nazareth Corrêa Accioli Lobato (UFRJ), valendo-se da análise comparativa entre a História da Cultura e a Teoria Literária, problematiza os aspectos ideológico e político das relações feudo-vassálicas presentes em uma narrativa inglesa do século XII, intitulada Esope. Conjunto de apólogos cujos enredos mimetizam as relações sociais estruturantes do contrato feudal, Esope ainda importa para a análise medievalística, como se evidencia ao longo deste alentado estudo, por denotar outro processo social. Trata-se aqui de um expediente retórico tipológico nos escritos medievais: a atribuição da composição do texto à auctoritas de um autor ou rhetor clásico, neste caso Esopo, como forma de atrair fortuna crítica e capilaridade social ao escrito.

No mesmo escopo e nas mesmas Ilhas Britânicas, mas a oeste da antiga Albion, finalizamos este Volume da Revista Brathair com um precioso ensaio filológico da Profª. Luciana Cordo Russo (IMHICIHU-CONICET / UBA), recordando-nos de que também é tarefa dos historiadores capturar as permanências e mudanças nos campos semântico e morfológico dos idiomas. São aqui tratadas, em cotejo com as narrativas celtas arturianas contidas nos Mabinogion, as venturas da adaptação galesa – mais que mera “tradução” – da Chanson de Roland (a Canção de Rolando), comumente associada à data aproximada de 1084. Além do interesse despertado pela análise filológica, este artigo aborda o exemplo inaugural do primeiro gênero retórico-poético propriamente medieval, a canção de gesta, sucessora das grandes epopeias do Mundo Clássico e lugar da memória estilizada dos feitos de cavalaria do Ciclo Carolíngio, que tanto influenciou a prtodução escrita popular no Brasil, com destaque para a região nordeste.

Convidamos nossos leitores a apreciar este conjunto de textos instrutivos, cativantes e que unem, com singular habilidade, um amplo recorte temático e preleções de método literário e historiográfico.

Boa leitura!

Referências

BARRETO, Bruno de Souza. Historiografia e Interfaces: um diálogo entre História, Antropologia e Arqueologia, Revista de Teoria da História (UFG). Ano 5, nº 9, jul 2013, p. 247-279.

JORGE, Vítor Oliveira. Arqueologia e História: algumas reflexões prévias. Homenagem ao Prof. Dr. Jorge Borges de Macedo, 1990. Disponível em: http: / / ler.letras.up.pt / uploads / ficheiros / 2210.pdf . Acesso em 20 / 05 / 2015.

PATLAGEAN, Evelyne. História do Imaginário. In: LE GOFF (Dir.). A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 291-318.

PESAVENTO, Sandra. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

ROBRAHN-GONZÁLEZ, Erika Marion. Arqueologia em Perspectiva: 150 anos de prática e reflexão no estudo de nosso passado, Revista USP, São Paulo, n. 44, dez-fev 1999-2000, p. 10-31.

Adriana Zierer – UEMA. École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2013-2014. E-mail: [email protected]

Marcus Baccega – UFMA. Pós-Doutorado Université Paris I, 2013. E-mail: [email protected]


ZIERER, Adriana; BACCEGA, Marcus. Editorial. Brathair, São Luís, v.14, n.2, 2014. Acessar publicação original [DR]

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