História, arquivos e mulheres: perspectivas interdisciplinares | História e Cultura | 2022

Luiza Tavora e Virgilio Tavora na Hidreletrica de Paulo Afonso 1965 Imagem Historia da energia no Ceara Ary Bezerra LeiteFortaleza em Fotos
Luiza Távora e Virgílio Távora na Hidrelétrica de Paulo Afonso (1965) | Imagem: História da energia no Ceará (Ary Bezerra Leite)/Fortaleza em Fotos

Desde a década de 1970, historiadoras vêm apontando a ausência das mulheres nas narrativas da história tradicional. Como lembra Michelle Perrot, em seu hoje clássico texto “Práticas da Memória feminina”, “no teatro da memória as mulheres são sombras tênues”. As razões para isso estavam no fato da história privilegiar o espaço público, a política e a guerra, lugares sociais que foram durante muito tempo pouco acessíveis às mulheres, mas também à ausência de fontes para uma escrita da história das mulheres, o que Perrot denominou de “o silêncio dos arquivos”. A ausência das mulheres nas narrativas da história, contrapunha-se com o seu papel como guardiãs da memória. Se, como defendeu Perrot, “a memória feminina é verbo”, as fontes primeiras de uma história das mulheres que começou a ser escrita nas décadas de 1970 e 1980 foram os relatos orais, os diários e autobiografias.

Atualmente, como demonstra Joana Maria Pedro, é possível traçar uma historiografia da “história das mulheres” – de vocação interdisciplinar – e mapear um vocabulário específico que foi construído ao longo do tempo pelo uso de categorias como “mulher”, “mulheres”, “gênero” e “feminismo”, impactado mais recentemente por reflexões decoloniais. A proliferação desse campo de estudo a partir dos anos 2000 e a importância não só acadêmica, mas também política e cultural que ele adquiriu é patente e fica visível nos muitos artigos, publicações e eventos acadêmicos dedicados à área. A própria revista História e Cultura lançou dois dossiês sobre “História e Gênero”, em 2018 e 2019. Leia Mais

História e Arqueologia: diálogos interdisciplinares/Dimensões – Revista de História da UFES/2022

Nos últimos anos, na esteira do spatial turning, 2 a História ampliou suas perspectivas metodológicas e documentais, afastando-se de uma tradicional lógica logocêntrica, o que a posicionou na seara dos estudos atinentes à cultura material e a associou intimamente a disciplinas com agendas afins de investigação, a exemplo da Arqueologia. A materialidade dos homens no tempo emerge, a partir deste momento, como elemento ativo na história. Os lugares ocupados pelos indivíduos são agora percebidos como espaços onde suas ações se desenvolvem, condicionando, não raras vezes, seus movimentos e evocando simbolicamente uma gama de representações. Dentro desta perspectiva, não é mais possível entrever os eventos pretéritos sem considerar o ambiente físico onde eles aconteceram. As paisagens e os lugares construídos, imaginados e apropriados pelos homens não são mais ignorados, sendo compreendidos como uma dimensão fundamental da história (BARROS, 2017; MARTINS; SILVA, 2019, p. 97-101). Leia Mais

História indígena, agência e diálogos interdisciplinares/Acervo/2021

“História indígena, agência e diálogos interdisciplinares”, primeiro dossiê da revista Acervo a tratar da história dos povos originários no Brasil, nos dá a dimensão da significativa presença e atuação dos povos indígenas em nossa história. Ao agregar artigos que abordam temas, temporalidades e espaços diversos, destacando as agências indígenas dos séculos XVI ao XXI, esta edição evidencia o crescente avanço dos estudos sobre os indígenas na condição de sujeitos, cujas ações e escolhas influenciavam os rumos dos processos históricos. Fundamentados nas mais diversas fontes primárias e secundárias problematizadas à luz de análises interdisciplinares, os 28 artigos aqui publicados tratam de operações historiográficas e etnográficas que, no mais das vezes combinadas, revelam agências e trajetórias de homens e mulheres indígenas que vivenciaram realidades diversas em múltiplos processos de contatos interétnicos. Sem desconsiderar a extrema violência que caracterizou esses processos, historiadores e antropólogos desenvolvem narrativas inovadoras e decoloniais que demonstram as atuações políticas e culturais dos inúmeros e diferenciados povos que não se imobilizaram frente às incalculáveis agressões e ameaças com que depararam ao longo dos séculos. Leia Mais

Moçambique em perspectiva. Histórias conectadas, interdisciplinaridade e novos sujeitos históricos | Revista de História | 2019

Uma possível perspectiva analítica para o devir dos estudos africanos no Brasil é pensá-los a partir de suas inflexões, uma vez que o desenvolvimento do campo parece ter dado saltos qualitativos nos últimos anos. Nessa direção, a configuração e a própria concepção do dossiê Moçambique em perspectiva: histórias conectadas, interdisciplinaridade e novos sujeitos históricos, desde o diálogo estabelecido entre as organizadoras até a publicação dos artigos, estão relacionadas à trajetória de implantação e consolidação da área cujos marcos políticos, legais e institucionais são retomados no escopo desta apresentação.

Um marco relevante para os estudos africanos no Brasil foi a aprovação da Lei 10.639/2003 que reformou a Lei de Diretrizes e Bases, introduzindo a obrigatoriedade do ensino da história e cultura da África e afro-brasileira nos currículos escolares.1 Fruto da intensa luta dos movimentos negros de nosso país, e contando com a liderança de figuras expressivas do meio intelectual negro brasileiro, a começar por sua relatora,2 a lei significou um momento de inflexão na maneira pela qual se contava nas instituições de ensino brasileiras a história social, política e econômica do Brasil. Leia Mais

Nas fronteiras da História: diálogos e alianças interdisciplinares na pesquisa histórica / Aedos / 2009

Em sua quinta edição, a Revista Aedos tem o orgulho de apresentar o dossiê “Nas fronteiras da História: diálogos e alianças interdisciplinares na pesquisa histórica”. Trata-se de três artigos, que abordam as possibilidades oferecidas ao conhecimento histórico pelos contatos com diferentes áreas, em especial, da Literatura, Antropologia e Arqueologia. Renata Dal Sasso Freitas, em seu artigo “José de Alencar e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: apontamentos sobre a concepção do romance As minas de Prata (1862-1865) e a cultura histórica brasileira nos oitocentos”, apresenta uma abordagem que analisa a relação interdisciplinar entre a História e a Literatura, na segunda metade do século XIX. Com uma proposta no mesmo sentido, o artigo “História e Antropologia: possíveis diálogos”, de Marcos Felipe Vicente, aborda as aproximações da História com as Ciências Sociais, em especial com a Antropologia, através das considerações de alguns intelectuais destes dois campos, focando a análise em suas propostas para a aproximação entre as duas disciplinas. O terceiro artigo, de Carolina Kesser Barcellos Dias, intitulado “Colonização grega e contato cultural na Magna Grécia: o testemunho dos vasos lucânicos”, aborda os registros materiais cerâmicos de uma região colonizada pelos gregos, a Lucânia. Através deste estudo apresenta traços dos movimentos de resistência da população local aos padrões helênicos que estavam sendo introduzidos. Um interessante artigo sobre as formas de re-elaboração e interpretação dos padrões culturais na produção artística, marcando também as permanências da cultura dos artistas nativos.

A seção artigos diversos conta com três colaborações. O artigo “Bizâncio, Pérsia e Ásia Central, pólos de difusão do nestorianismo” analisa o surgimento e expansão da corrente nestoriana, além da sua recepção entre diversos povos do Oriente. É destacada também a importância das trocas comerciais como meio dessa difusão. Fabrício Gomes Alves, em seu artigo “Entre a Cultura Histórica e a Cultura Historiográfica: implicações, problemas e desafios para a historiografia”, tem como foco a noção de cultura histórica, analisando a emergência da categoria, suas características e sua aplicabilidade. Por fim, o artigo de Vicente Neves da Silva Ribeiro, “Populismo radical e processo bolivariano: o conceito de populismo de Ernesto Laclau e as análises da Venezuela contemporânea” retoma a discussão acerca do conceito de populismo, pensando a sua aplicação no caso da Venezuela contemporânea. Para a próxima edição são aguardados comentários críticos sobre o artigo de Vicente Ribeiro, com o objetivo de estimular o debate acadêmico, visando uma discussão franca sobre as contribuições trazidas por este artigo.

Na seção Mesa Redonda desta edição, apresentamos o debate travado em torno do texto de Keila Auxiliadora Carvalho, doutoranda da Universidade Federal Fluminense, “Tempo de Lembrar: as memórias dos portadores de lepra sobre o isolamento compulsório”. O artigo toma como objeto a construção da memória e identidade de ex-internos do leprosário “Colônia Santa Isabel”, localizado em Minas Gerais, sendo que sua metodologia insere-se no campo de estudos da História Oral. Participaram como comentadores a Prof. Dra. Beatriz Teixeira Weber, do Departamento de História da UFSM, a Prof. Dra. Nikelen Acosta Witter, do Departamento de História da UNIFRA, e Juliane Conceição Primon Serres, doutora em História pela Unisinos. Por fim, Keila apresenta sua resposta aos apontamentos produzidos pelos especialistas convidados.

Na seção resenhas, apresentamos as sínteses construídas por Rodrigo Bragio Bonaldo, Gabriel Requia Gabbardo e Fábio Bastos Rufino. Bonaldo apresenta um trabalho inédito em português de Hans Ulrich Gumbrecht, “Production of Presence: what meaning cannot convey”, no qual o pesquisador alemão explora a historicidade das formas de produção de sentido. Gabbardo apresenta a obra “The Fall of Rome and the end of civilization”, na qual Bryan Ward-Perkins traz novas contribuições para a discussão sobre a Antiguidade Tardia e o fim do Império Romano através de suas pesquisas arqueológicas. Rufino, resenhando o livro organizado por Maria Teresa Toríbio Lemos, “América Latina: identidades em construção – das sociedades tradicionais à globalização”, justifica a pertinência da obra, na medida em que excursa sobre os seus principais temas e ressalta a conjunção de seu carácter controvertido com um tratamento heterodoxo, aberto a novas contribuições.

Finalizando nossa edição, apresentamos a entrevista com o historiador alemão radicado nos EUA, professor da Stanford Universit, Hans Ulrich Gumbrecht. Em uma conversa agradável, iniciada com temas esportivos, Juliano Antoniolli e Vitor Batalhone conversaram com Gumbrecht sobre questões acerca das ideias de verdade e de referência, e sobre as possibilidades de se aprender com a história.

Por fim, nos alegra sobremaneira continuar o excelente trabalho iniciado pelos colegas da gestão anterior, que souberam, através de muito trabalho, comprometimento e diálogo, construir uma revista séria e comprometida. Através desta edição, damos continuidade ao trabalho iniciado, consolidando esta revista como um espaço de diálogo e de divulgação do conhecimento histórico.

Boa Leitura a todos!

Conselho Editorial

Gestão 2009-2010


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.2, n.5, julho-dezembro, 2009. Acessar publicação original [DR]

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História e Meio Ambiente: interdisciplinaridades / Mnemosine Revista / 2018

A Mnemosine Revista, publicação do Programa de pós-Graduação em História da UFCG, é uma revista aberta à múltiplas áreas do conhecimento, em sintonia com a emergência de novos temas, questões e acontecimentos que desafiam a análise dos historiadores. Assim, o presente Dossiê reúne artigos variados selecionados por nossos pareceristas para o volume 2018.2.

Entre os diversos artigos, temos reflexões interdisciplinares que apresentam um entrecruzamento entre a História Ambiental e a área de Ciências Ambientais da Capes, mas, também, resultados de pesquisas sobre escravidão, patrimônio cultural, história Social e História do Pensamento Político e Econômico, apresentados à livre concorrência da chamada da Mnemosine por meio de fluxo contínuo.

Abrindo o volume de forma interdisciplinar, temos o geógrafo Sérgio Murilo Santos Araújo e a doutoranda em Ciências Ambientais Bárbara Denise Ferreira Gonçalves, analisando as tentativas de implementação de sistemas agroflorestais “sustentáveis”, num esforço de escrever uma história ambiental da agricultura nos Sertões do Rio Pajeú. Na sequência, segue o ensaio que escrevi com o historiador Pedro Henrique Dantas Monteiro sobre a compreensão da natureza e as nuances das apropriações do pensamento liberal clássico pelos deputados estaduais cearenses no Segundo Reinado. Continuando, temos os Pesquisadores de Ciências Ambientais Gesinaldo Ataíde Cândido e Joyce Aristercia Siqueira Soares discutindo sobre os projetos e a implementação de um parque eólico para a produção de energia elétrica no litoral da Paraíba na última década.

O Jurista Ademar Cássio Ferreira Neto e a historiadora Mara Karinne Lopes Veriato Barros discutem a trajetória histórica dos planos de acessibilidade turística do centro histórico do município de Areia-PB.

Os historiadores José Pereira de Souza Júnior e Oslan Costa Ribeiro enfocam as narrativas sobre a Igreja Matriz do Município de Canavieiras, narrativas essas históricas veiculadas pelo jornal “Monitor do Sul” que pretendia reforçar seu caráter de patrimônio histórico e arquitetônico.

As biólogas e Cientistas Ambientais Márcia Adelino da Silva Dias e Lais da Silva Barros discutem em caráter histórico e ambiental, a peculiaridade da produção artesanal da comunidade Tradicional Quilombola de Chã da Pia-PB.

Em continuidade, ainda em paradigma de História Ambiental, contribuem os historiadores Celso Gestmeier do Nascimento e Éverton Alves Aragão que estudam as representações do Rio Amazonas no filme “Aguirre, a cólera dos deuses”, produção cinematográfica de 1972.

Em mais uma contribuição historiográfica, André Luiz Rosa Ribeiro e Janete Ruiz de Macedo reflexionam em caráter etno-histórico sobre as manifestações de origem africana na cidade de Salvador- BA, entre 1930 e 1950.

Fechando o dossiê, Leandro Nascimento de Souza e Tássia Fernandes Carvalho Paris de Lima apresentam uma fina discussão documental sobre os africanos livres do Arsenal da Marinha de Pernambuco na década de 1850.

José Otávio Aguiar – Professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão de Recursos Naturais na UFCG. E-mail: [email protected]


AGUIAR, José Otávio. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.9, n.2, jul / dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Diálogos: Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade no Campo Historiográfico / Ofícios de Clio / 2018

Atualmente, a pesquisa historiográfica abrange o trabalho com uma diversidade de objetos e temas – tais como as Artes Visuais, a Literatura, os Estudos de Gênero – que também são, antes de tudo, campos autônomos do conhecimento. Além disso, o historiador recorre frequentemente a áreas como a Antropologia, a Teoria Literária ou as Ciências Sociais, com os quais dialoga constantemente.

Longe de ser apenas uma tendência recente, a questão da interdisciplinaridade parecenos uma questão fundamental para a historiografia, já que o diálogo com outras áreas do saber tem sempre acompanhado o fazer historiográfico. Seja através das chamadas “ciências auxiliares”, que acompanharam o desenvolvimento da historiografia tradicional do século XIX – como a arqueologia, numismática ou heráldica – ou por meio das propostas de diálogo estabelecidas pelos Annales, com a economia ou a antropologia; o historiador constantemente se vê em um diálogo com outras áreas do seu conhecimento. Com as expansões e renovações pelas quais passaram o campo historiográfico ao longo do século XX só vieram ampliar tais perspectivas interdisciplinares, colocando a História em discussão com os Estudos Culturais, as diversas Linguagens, ou mesmo com as relações entre homem e natureza.

Mais recentemente, apresenta-se ainda o debate em torno da transdisciplinaridade, ou seja, a constituição e produção de conhecimento que ultrapassa as fronteiras tradicionais entre as disciplinas, constituindo campos tais como as Teorias de Gênero, com os quais a historiografia contribui significativamente, mas também se enriquece.

Partindo disso, apresentamos o dossiê Diálogos: Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade no Campo Historiográfico que reúne trabalhos dedicados a pensar as possibilidades e os desafios motivados pela interdisciplinaridade e transdisciplinaridade entre a História e suas áreas afins.

Iniciamos esses diálogos por meio do trabalho de Valeska Oliveira Ferreira, graduada em História pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, intitulado A ficção e a narrativa como desafios ao uso da literatura como fonte histórica: contribuições da teoria da história para o debate, que busca tecer suas reflexões em torno das relações entre História, Literatura e Narrativa. O texto retoma autores como Hayden White e Paul Veyne, cujos trabalhos estiveram no centro do debate em torno da ficcionalidade e da validade da narrativa histórica, desenvolvido, principalmente, nas décadas de 1970 e 1980. Além disso, nos instiga ao diálogo com Roger Chartier, Michel Certeau e Jörn Rüsen a fim de pensar a questão da Literatura e da ficionalidade na historiografia. A autora busca pensar, especialmente, sobre as especificidades da questão da narrativa nos âmbitos ficcional e historiográfico, pretendendo abordar algumas das contribuições da teoria da história para este debate.

A questão da escrita da história e da ficção e também é o foco do texto Diálogos entre Teoria e Literatura: a escrita de Freud, da autoria de Larissa de Assis Pimenta Rodrigues, mestranda pela Universidade Federal de Outro Preto. Neste trabalho, busca-se investigar as possibilidades suscitadas por uma escrita da história calcada em uma abordagem interdisciplinar, pensada, neste caso, a partir das reflexões de Sigmund Freud. Valendo-se das reflexões de Michel de Certeau e da noção de ficção teórica desenvolvida por Freud – recurso literário utilizado no relato de casos clínicos através da composição de contos que articulam ficção e teoria psicanalítica – o trabalho investiga as possibilidades de se interpretar e depreender traços culturais ou aspectos subjetivos de uma época a partir de tais escritos. Para a autora, a ficção teórica permite que nos aproximemos dos valores e da produção de sentido de uma época ou sociedade.

Já o trabalho intitulado Entre a História, a Literatura e a Bibliografia: a Interdisciplinaridade da História do Livro, nos propõe pensar sobre as relações interdisciplinares existentes no campo da História do Livro, que se constituiu a partir de reflexões das áreas da História, da Bibliografia e da Literatura. Nesse trabalho, as autoras Bruna Braga Fontes, mestranda em História / USP, e Verônica Calsoni Lima, doutoranda em História / USP, buscam construir um panorama sobre as perspectivas e metodologias envolvidas no trabalho de pesquisa que abordam o livro enquanto objeto, pensando a sua materialidade. Para isso, recorrem especialmente às correntes historiográficas anglo-saxãs e francesas como o centro do foco de análise. As autoras ainda destacam as contribuições de outras disciplinas para a construção desse campo de estudo.

Por fim, em Possibilidades e Perigos da Etno-história, a partir da contribuição de Maíra de Mello Silva, graduanda em Antropologia da Universidade Federal de Pelotas, nos aproximamos de uma perspectiva antropológica da História, A pesquisadora buscou pensar a Etno-história a partir das teorias descoloniais, elaborando uma revisão crítica da bibliografia relativa a Etno-história. Além disso, a prática da alteridade é proposta aqui como mediadora das perspectivas teóricas e metodológicas trabalhadas.

É com grande satisfação que apresentamos essas reflexões na Revista Discente Ofícios de Clio, buscando contribuir com os diálogos sempre tão ricos e necessários entre a historiografia e as demais áreas do conhecimento.

Boa leitura!

Thiago Destro Rosa Ferreira – Doutorando em História / Universidade Federal de Uberlândia.


FERREIRA, Thiago Destro Rosa. Apresentação. Revista Discente Ofícios de Clio, Pelotas -RS, v. 3, n. 4, jan./jun., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, mulheres e imagem: diálogos interdisciplinares (II) / Domínios da Imagem / 2017

Os estudos de gênero têm impulsionado pesquisas de múltiplas áreas. Um meio de compreender os sentidos e as relações complexas entre diversas formas de interação humana, gênero se refere, conforme postulado por Joan Scott, às construções históricas, marcadas pela cultura e pelas relações de poder que fundamentam uma hierarquia e uma assimetria social entre homens e mulheres. Percepções, gestos, sentimentos, pensamentos, hábitos e as maneiras de perceber a si e aos demais oferecem suporte para uma compreensão acurada acerca das relações de gênero. Nesse sentido, ganha relevância a aproximação dos estudos de gênero e a cultura visual, uma vez que as imagens desempenham um papel primordial na contemporaneidade por tocar os imaginários sociais e contribuir para a construção das visões de mundo dos indivíduos. As reflexões que possibilitam, permitem problematizar a constituição e distribuição de poder e prestígio nas sociedades.

O Dossiê II que ora apresentamos, mostra a convergência de interesses e preocupações de um conjunto de investigadoras (es), advindos de diferentes campos disciplinares, na tentativa de contemplar uma pluralidade de abordagens tendo como foco gênero, mulheres e imagem. Por isso, uma vez mais, agradecemos a generosa colaboração de todas (os).

Na continuidade das reflexões, esperamos que os resultados das inúmeras perspectivas abertas – criativas e instigantes -, contribuam para desconstruir os papéis, os lugares ocupados, como também por focalizar as funções das mulheres e dos homens ao longo da história e possa favorecer a continuidade dos debates e suas repercussões nas práticas sociais.

Neste segundo volume do dossiê, iniciamos com o artigo de Mariana de Paula Cintra. Tendo como foco o surgimento das crônicas de modas na imprensa do Rio de Janeiro oitocentista e tomando como fonte o jornal Correio das Modas, a autora discute a circulação de periódicos escritos por homens e dedicados às mulheres, no Rio de Janeiro, nas primeiras décadas do século XIX. Ao indagar sobre o intento dos editores, as temáticas eleitas e para quais mulheres propunha-se o jornal, em seu artigo O nascimento da moda feminina na imprensa carioca oitocentista, a autora reflete sobre a contribuição desse periódico para o surgimento da imprensa nacional e o universo complexo – e ainda pouco explorado – da produção de jornais femininos no século XIX. Ao tomar como referência a história da imprensa periódica feminina carioca apresenta-nos em que medida os meios de comunicação fizeram parte do cotidiano das mulheres, influenciando seus comportamentos, ditando regras e forjando novos papéis sociais.

A partir de uma coleção costumbrista que tematizou mulheres, produzida na década de 70 do século XIX na Espanha, Edméia Ribeiro problematiza a produção visual e as relações de gênero que caracterizam a coleção Las mujeres españolas, portuguesas y americanas. Argumenta a autora que a simbologia feminina ali presente configura-se em uma construção exclusivamente masculina, uma vez que toda a produção, desde a concepção até a execução final foi feita por homens. Dessa forma, poderemos perceber em Representar mulheres: produção visual e relações de gênero numa coleção costumbrista espanhola no final do século XIX que tanto as litografias como os textos monográficos que formam a coleção, reforçam e reverberam concepções idealizadas de mulheres no oitocentos.

A representação de mulheres no muralismo, nas décadas de 1930 e 40 na capital da Argentina, é o tema que encontraremos no artigo Detrás de escena: mujeres en los murales de Buenos Aires (1933-1946), de Cecilia Belej. Analisando fragmentos de pinturas murais realizadas em edifícios públicos e privados, percebe imagens que naturalizam papeis de gênero, nas quais a mulher figura como ícone de maternidade e complemento do homem, disseminando e/ou referendando valores tradicionais. Partindo do princípio que tais imagens possuem um propósito político, social e cultural, a autora busca compreender o que tais relatos visuais buscavam transmitir naquele momento histórico.

Em Iconografias sarcásticas na imprensa feminista brasileira: Mulherio e Chanacomchana (1981-1985), Júlia Glaciela da Silva Oliveira fez uso, em suas análises, de charges, cartuns e outras formas de humor gráfico publicados em periódicos feministas da segunda metade do século XX, mais especificamente aqueles publicados na década de 1980. Em Mulherio, a autora apresenta-nos como essa categoria de imprensa procurou, a partir da ironia e do humor, desconstruir papéis de gênero e problematizar as desigualdades naturalizadas. Ao analisar Chanacomchana, percebe que o humor ácido foi utilizado nesse periódico como método para empreender críticas direcionadas ao feminismo que, ao negar a homossexualidade, realçava a heterossexualidade reforçando a opressão às mulheres lésbicas.

Maria Júlia Zarpelão Hernandes e Mara Rúbia Sant’Anna, em A disseminação de padrões femininos através dos anúncios da Lugolina e da Juventude Alexandre na “Fon-Fon!- 1910, utilizam para as reflexões que trazem neste artigo dois anúncios de produtos de beleza destinados ao público feminino, veiculados em uma revista carioca do começo do século XX. As análises empreendidas demonstram como a publicidade, baseada no discurso da modernidade, também difundiu, reforçou e relacionou “padrões de beleza, saúde e felicidade” para as mulheres, propondo um novo modelo de feminilidade – jovem, atraente e bela – estimulando nas consumidoras o desejo de uma aparência moderna, sem, contudo, desvincular-se dos papeis de mãe e esposa, socialmente estabelecidos.

Em Representações das mulheres palestinas na perspectiva do jornalista estadunidense Joe Sacco durante a Primeira Intifada (1992-1996), José Rodolfo Vieira analisa personificações imagéticas de mulheres presentes no livro Palestine que trata das “as memórias de palestinos que estiveram direta ou indiretamente em alguma situação de conflito com as Forças de Defesa de Israel” O autor deste artigo apresenta-nos reflexões acerca de mulheres palestinas em viagem aos territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza durante a Primeira Intifada Palestina, em 1987, a partir dos estereótipos femininos construídos nesta obra, como o da mulher mutilada e vítima da opressão muçulmana e também aquelas que caminham rumo à modernização, na busca por reinterpretar as relações de poder entre homens e mulheres.

Por fim, esperamos que este segundo volume contribua com estudos e pesquisas que utilizam a imagem como fonte e/ou objeto no campo da História das Mulheres, assim como aquelas que tomam as relações de gênero como categoria de análise.

Edméia Ribeiro – Doutora em História. Pesquisadora na área de História da América, mulheres e gênero. Docente do Curso de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: [email protected]

Maria Cristina Cavaleiro – Doutora em Educação. Pesquisadora na área de educação, gênero e diversidade sexual. Docente adjunta do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) / Campus Cornélio Procópio. E-mail: [email protected]


RIBEIRO, Edméia; CAVALEIRO, Maria Cristina. Apresentação. Domínios da imagem, v. 11, n. 21, jul/dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Etno-história indígena: abordagens interdisciplinares / Diálogos / 2017

Com grande satisfação, apresentamos o dossiê “Etno-História Indígena: abordagens interdisciplinares”. Nas últimas três décadas, acompanhamos o crescimento da pesquisa sobre a história dos povos indígenas no Brasil, posicionando-os enquanto protagonistas da história e não apenas como vítimas da inexorabilidade histórica. Essa abordagem trouxe a lume questões e problemas relacionados ao uso de conceitos, e de metodologias. Hoje, existe certo consenso entre os pesquisadores da área de que a reflexão sobre a história indígena deve destacar a importância da conjugação de dados e métodos de várias disciplinas como história, antropologia, arqueologia, linguística, geografia, ecologia, dentre outras, metodologia que chamamos de EtnoHistória. Além disso, é fundamental que se valorize as tradições orais e os conhecimentos desses povos.

Os artigos publicados no dossiê apresentam uma diversidade importante de temas e abordagens, reveladoras do vigor crescente e da atualização da historiografia no Brasil do começo do século XXI, especialmente quando se trata dos povos indígenas na formação da sociedade e do território nacional (ou mesmo para períodos anteriores à chegada dos europeus, com métodos comparados sobre fontes históricas e abordagens multidisciplinares). Tal diversidade é salutar para perceber e dar conta da multiplicidade de eventos e processos ocorridos no Brasil desde o começo do século XVI. Junto com ela é necessário estar disposto a aprender e trocar conteúdos com os desenvolvimentos teóricos e metodológicos realizados em outros países, renovando os eixos temáticos tradicionais que foram estruturados no século XIX.

Ao todo trazemos onze artigos que contemplam diferentes recortes temporais, regionais e diversos povos indígenas.

Lúcio Tadeu Mota, com o artigo “A invasão dos territórios do povo Xetá na Serra dos Dourados/PR em meados do século XX”, apresenta os processo de apropriação e comercialização fundiária no território Xetá na região da Serra dos Dourados, no noroeste do Paraná das décadas de 1940 e 1950.

Em “Caciques sem poder e cacicados negociados nas missões do Chaco”, Guilherme Galhegos Felippe apresenta uma discussão sobre como os missionários, no século XVIII, em busca de uma liderança geral para os indígenas do Chaco, acabaram por constituir o cacicado, anteriormente inexistente, e como os indígenas, nessas relações, se apropriaram e se beneficiaram dessa construção.

O trabalho de João Paulo Peixoto da Costa, “Os índios do Ceará na Revolução Pernambucana de 1817” discute o recrutamento e a participação de indígenas na repressão à Revolução Pernambucana. Os indígenas, na condição de súditos da Coroa portuguesa lutaram em sua defesa. Este artigo dá uma grande contribuição para a compreensão da presença indígena na História do Brasil, fato que merece destaque, pois ainda hoje os indígenas, com muita frequência, são invisibilizados por nossa historiografia não especializada.

Carlos Alexandre Barros Trubiliano, com o artigo “Exploração da força de trabalho indígena na formação dos seringais em Rondônia”, nos leva para a Amazônia do final do século XIX e da primeira metade do século XX. O autor discute as formas de utilização do trabalho indígena nos seringais do atual estado de Rondônia, bem como a expansão das relações capitalistas na região e seu impacto sobre os povos indígenas.

Em “Natureza e Civilização: a resistência indígena e as políticas de aldeamento nas margens dos rios Tocantins e Araguaia (1822-1850)”, Fabíula Sevilha analisa as políticas de aldeamento promovidas pelos presidentes da Província de Goiás entre 1822 e 1850. Para a autora, tais aldeamentos foram uma reação à resistência imposta pelos indígenas à transformação da natureza em “bens de capital”.

Flávio Braune Wiik e Rafael Pereira Simonetti abordam a temática dos discursos e representações produzidos pela imprensa sobre os indígenas. No artigo “Discursos na imprensa sobre índios e caboclos durante o Contestado: o caso do Diário da Tarde”, os autores analisam os discursos publicados no jornal O Diário da Tarde sobre indígenas e caboclos na região do Contestado durante o período da guerra de mesmo nome, ocorrida entre 1912-1916.

Em “A justiça contra o índio Kaiowá, Lucas Antônio Barros: conflitos interétnicos e cotidiano no Aldeamento do Paranpanema, Paraná (1867)”, a partir da análise de um processo crime, Jaisson Teixeira Lino e Ana Paula Galvão de Meira fazem uma análise de conflitos e relações interétnicas no Aldeamento Paranapanema.

“Entre a catequese e a tutela, do aldeamento à povoação: os indígenas de São Jerônimo – PR”, Éder da Silva Novak, demonstra a agência indígena para se manterem em seus territórios diante do avanço da colonização entre 1889 e 1922.

Alexandre Navarro em “As cidades lacustres do Maranhão: as estearias sob um olhar histórico e arqueológico” nos apresenta os resultados de um projeto arqueológico sobre habitações indígenas palafíticas localizadas na Baixada Maranhense, lançando de uma perspectiva multidisciplinar no uso de fontes históricas.

O texto de Francisco Torres Cancela, “Política indigenista e políticas indígenas na antiga Capitania de Porto Seguro no governo de José Marcelino da Cunha (1810 -1819), valorizando o protagonismo indígena, analisa o embate entre as políticas indigenistas e indígenas na Capitania de Porto Seguro durante as primeiras décadas do século XIX.

Fechando o dossiê, em “De aculturado exótico a raiz profunda: indigenismo e história indígena em narrativas de Ailton Krenak”, Cristiane de Assis Portela busca no pensamento do reputado intelectual e ativista das causas indígenas reflexões sobre importantes oposições semânticas presentes no discurso do indigenismo brasileiro.

Uma boa leitura aos colegas estudantes e pesquisadores da história dos povos indígenas.

Francisco Silva Noelli –  Professor aposentado da Universidade Estadual de Maringá, Paraná, pesquisador no Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história (LAEE) da UEM. E-mail: [email protected]

Lucio Tadeu Mota –  Doutor em História pela UNESP/Assis-SP, professor no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Pesquisador no Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história (LAEE) da UEM. Maringá, PR, Brasil. E-mail: [email protected]

Thiago Leandro Vieira Cavalcante –  Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2013). Atualmente é professor da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD onde atua no curso de Licenciatura e Bacharelado em História e no Programa de Pós-Graduação em História. E-mail: [email protected]

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Interdisciplinaridade e Educação | Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais | 2016

A perspectiva de lançamento de um dossiê sobre Interdisciplinaridade e Educação na Revista EDaPECI objetiva uma análise interdisciplinar, ao congregar pesquisas empíricas e estudos teóricos que usam estas concepções em seus processos de investigação ou que estudam como estes artefatos estão sendo incorporados em atividades de ensino ou de aprendizagem.

A seleção dos artigos deste dossiê teve sua gênese no 3º Congresso Internacional de Interdisciplinaridade em Educação (III CIIE), realizado entre os dias 07 a 09 de novembro de 2016, em Catalão – Goiás. Os artigos selecionados e aprovados pela comissão científica do evento foram novamente analisados, revisados e ampliados, visando proporcionar aos autores e à comunidade acadêmica e científica uma ampliação conceitual e epistemológica dos resumos apresentados no evento. Leia Mais

História e Fotografia: interdisciplinaridade, arquivo e memória / História Revista / 2016

O tema inicial deste dossiê apontava para uma reflexão sobre a articulação entre História e Fotografia, arquivo e memória, tomando esse entrelaçamento nas suas vertentes diversas e do ponto de vista de uma interdisciplinaridade profícua. A intenção era dar ênfase aos interesses da historiografia e da Cultura Visual, dos estudos sobre a Imagem e, até, uma iconografia, ligada à representação da história e da(s) temporalidade(s) que a atravessa(m). Finalizado o trabalho de leitura e organização dos textos recebidos, concluímos que nossa expectativa foi superada pelas reflexões que seguem, pois nelas se enxerga o vigor da interdisciplinaridade e o rigor das análises teórico‐metodológicas.

Podemos, assim, considerar três eixos fundamentais neste dossiê. Um primeiro prende‐se às questões da teoria da história e da historiografia e tem o seu início numa inédita colaboração do prestigiado filósofo Gérard Bensussan. Com o texto Rosenzweig, Schelling et l’histoire: quelques aperçus, veio mostrar‐nos o enraizamento da teoria da história contemporânea, que conhece em Rosenzweig, Ernst Bloch e Walter Benjamin os mais ferozes críticos da concepção hegeliana da história e de todos os positivismos subsequentes. Ainda nessa linha de reflexão, incluimos o texto de Maria João Cantinho, Aby Warburg e Walter Benjamin: a legibilidade da memória, que, ao partir da relação entre o conceito de memória e imagem (incluindo esta noção a representação fotográfica), examina, nos dois mencionados autores, a forma como a história e o passado podem ser interpelados mais figurativamente e menos como narrativa clássica e tradicional. Tais perspectivas abrem o caminho a uma nova visão, tanto da história como da própria história da arte, pondo a tônica numa imprescindível interdisciplinaridade que contamina toda a historiografia contemporânea.

Um outro eixo, ligado às possibilidades que a técnica e a reprodução imprimiram à fixação do passado, começou a impor‐se cada vez mais na fotografia contemporânea, lançando as bases teóricas para uma reflexão imprescindível: a ideia do arquivo fotográfico tornado indispensável à história. Nessa linha, sobretudo ao nível da fundamentação teórica, que antecede as reflexões de Barthes sobre a importância da fotografia como registro e potencialidade da construção do arquivo, temos o texto do filósofo Márcio Seligmann‐Silva, A fotografia na obra de Walter Benjamin: dialéctica congelada e a “segunda técnica”. Duas abordagens interessam a este texto: 1) o papel da fotografia como possibilidade técnica de reprodução, que permite a fixação do testemunho histórico; 2) o modo como a fotografia – expressão máxima de uma época em que a técnica desmonta todo o valor cultual e ritualístico da arte – alavancou, ela própria, a possibilidade (rizomática) de um novo olhar para a história, contribuindo para a construção da historiografia assentada no conceito de “imagem dialéctica”. Acompanha esse exame teórico‐metodológico o texto de Cristina Susigan, Desastres da Guerra, que aponta para as interrogações em torno da representação pela imagem (da pintura, da gravura e da fotografia), pela história e pelo passado. Parte a autora da análise de Aby Warburg e de Susan Sontag e da forma como a catástrofe e os desastres da história são registrados cada vez com maior precisão e rigor, permitindo a criação do arquivo e do testemunho histórico. Se as relações entre a história e a fotografia sempre foram visíveis e inegáveis a partir da década de 1930, graças à importância crescente da fotografia documental, o registro, entretanto, começou muito antes, com a fotografia trazendo uma capacidade de fixação do passado que se acentuou, eficazmente, nos nossos dias. Esse convívio entre ambas, história e fotografia, nem sempre foi fácil, pois os teóricos da fotografia recusavam a ideia de que a fotografia pudesse ser um mero instrumento de utilização para a história, o que poria em causa a sua autonomia. Certo é que essa relação era imperiosa, e tanto uma como a outra beneficiavam‐se dela, no sentido em que a contextualização histórica dava à fotografia uma nova consistência, convocando‐a à construção da história.

Um último vetor engloba os textos de Miguel Vieira e de João Oliveira Duarte, apontando para uma interdisciplinaridade que se encontra aqui contemplada, pois remete‐ nos para as questões da literatura e da Teoria da Literatura, da hermenêutica e da interpretação da obra de reconhecidos escritores portugueses como Sophia de Mello Breyner Andresen e Rui Nunes, repectivamente. Se Miguel Vieira, no seu texto sobre a poeta Sophia, procura resgatar a importância da obra e da biografia da autora, esse não é o mais importante aspecto do texto, todavia. O modo como a literatura e a poesia incorporam uma tradição da epopeia e da narrativa tradicionais, rememorando a mitologia clássica e assinalando o passado, é convocado na sua máxima expressão na poética de Sophia, que estabelece um diálogo vivo com a poesia, a tragédia e a epopeia gregas. Já o texto de João Oliveira Duarte cuida de outra questão mais contemporânea, que é a do luto e da melancolia na experiência moderna e o modo como essa experiência se inscreve na literatura. Por fim, alcançamos o último texto do dossiê, Imagens e estereótipos na construção de uma visão do Brasil nos anos de 1950, de Marlise Regina Meyrer. Nele, encontramos a associação entre a memória afetiva e a identidade, explicitando como a fixação do passado se inscreve, também, em um processo de procura identitária.

Organizamos o dossiê e apresentamos seus temas por meio do que compreendemos como “vetores” ou “eixos”. Isso porque essa foi a opção teórico‐ metodológica que nos capacitou a dar conta do modo pelo qual os autores circulam entre a história, a fotografia e a imagem, contribuindo para uma reflexão pertinente entre as várias disciplinas que aqui dialogam. A escrita que ruma ao passado é comparável a um trabalho arqueológico. Escava, busca o detalhe e, então, ilumina o passado para dele obter um encontro com a explicação e o sentido.

Fabiana de Souza Fredrigo – Professora Doutora (UFG)

Maria João Cantinho – Professora Doutora (Iade, Portugal)

Organizadoras


FREDRIGO, Fabiana de Souza; CANTINHO, Maria João. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 21, n. 2, maio / ago., 2016. Acessar publicação original [DR]

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História e etnologia: diálogos interdisciplinares / História Unisinos / 2016

Ao longo das últimas décadas é possível constatar instigantes aproximações de reflexão teórico-metodológica entre historiadores e antropólogos, dentre as quais o emprego de conceitos e noções de natureza antropológica em pesquisas historiográficas e aos aportes de caráter diacrônico que deveriam informar antropólogos em seu trabalho de campo com os chamados “nativos”. Nesses tipos de abordagem, os diálogos interdisciplinares teóricos e metodológicos servem para alimentar a constituição do conhecimento sobre sujeitos localizados em outras épocas e / ou em outros lugares, cujos resultados tornam cada vez mais ricas e férteis ambas as áreas de conhecimento, na medida em que historiadores e antropólogos disponham de forma correta tais ferramentas analíticas. Tais aproximações, contudo, não são novas, tendo em vista, por exemplo, dois textos de autoria do etnólogo francês, de origem belga, Claude Lévi-Strauss.

Apesar de apresentarem o mesmo título – “História e Etnologia” –, os textos foram redigidos em distintos momentos da carreira do pai do Estruturalismo e não guardam relações intrínsecas entre si. O primeiro “História e Etnologia”, o mais conhecido dos dois, é parte da coletânea Antropologia Estrutural e foi publicado pela primeira vez sob a forma de artigo no final dos anos 1940. O segundo, resultado de uma palestra apresentada na Sorbonne em 1983, por ocasião de uma homenagem a Marc Bloch, foi publicado no início dos anos 1980 na revista dos Annales. Embora não sejam estas as intenções de Lévi-Strauss, muito mais interessado em um exercício de alteridade e de delimitação disciplinar, o fato é que rígidas dicotomias foram cristalizando-se ao longo do tempo no que diz respeito aos domínios da História e da Antropologia.

Em que medida a História continua como o campo por excelência da diacronia e do tempo, enquanto à Antropologia é reservado o lócus da sincronia e da estrutura? É válido ainda pensar que aos historiadores cabem somente os arquivos, enquanto aos antropólogos (etnólogos, como diria Lévi-Strauss) é reservado o trabalho de campo? Quais inovações teórico-metodológicas os diálogos entre historiadores e antropólogos podem engendrar? Qual o papel que historiadores como Carlo Ginzburg ou antropólogos como Marshall Sahlins têm nas aproximações e distanciamentos entre História e Antropologia? A proposta do dossiê é, portanto, oferecer um panorama dos encontros / desencontros de duas áreas do conhecimento que ainda têm muito a dialogar uma com a outra.

Livros, coletâneas, artigos científicos, monografias, dissertações e teses têm aparecido nos cenários acadêmicos nacional e internacional trazendo importantes contribuições para ambas as áreas do conhecimento no sentido mais amplo. Para tanto, conclamamos autores da Antropologia e da História a submeterem seus manuscritos ao dossiê.

A proposta deste dossiê foi a de reunir artigos em que sejam apresentadas conexões entre a História e a Antropologia, referindo-se a um mesmo objeto / sujeito de investigação. Foram aprovados quatro artigos que, de alguma maneira, promovem o diálogo transdisciplinar, seja conceitual ou metodológico.

O artigo de Guilherme Galhegos Felippe apresenta a correlação existente entre as narrativas mitológicas indígenas e as práticas rituais realizadas no cotidiano dos grupos do Chaco. O autor utiliza fragmentos de mitos coletados por missionários do século XVIII, bem como narrativas mitológicas de grupos chaquenhos contemporâneos. O autor demonstra que o mito pode ser de interesse analítico e uma das fontes para o pesquisador compreender a complexidade das relações interétnicas. Outro mérito de utilizar o mito como fonte de análise é permitir que distintas vozes sejam incluídas nas narrativas historiográficas, uma vez que, partindo da proposição de Levi-Strauss, o conhecimento indígena é de boa ordem, embora operada com outros caminhos intelectuais. A inclusão do mito na análise do contexto colonial pode suscitar novas questões e contribuir para a compreensão do ponto de vista dos indígenas.

No artigo Cultura em movimento: Natalie Davis entre a antropologia e a história social, Leonardo Affonso de Miranda Pereira e Julia O’Donnell analisam a obra de Natalie Zemon Davis, historiadora canadense e representante da História cultural. Essa autora dialoga com a Antropologia ao longo de sua trajetória, por meio do conceito de cultura, de análises que dão atenção a pessoas e grupos sociais marginalizados e pobres e às mulheres. O objetivo do artigo é refletir essas relações com a Antropologia, bem como mostrar como isso se processa ao longo do tempo na obra de Davis. Pereira e O’Donnell demonstram que Natalie Davis, ao aderir à perspectiva antropológica, elegeu a metodologia de análise mais microscópica, o que permitiu que a autora revelasse mundos não contemplados pelas grandes narrativas históricas, bem como segmentos sociais não contemplados por elas.

Iára Quelho de Castro e Vera Lúcia Ferreira Vargas procuram mostrar que novas ou renovadas concepções no campo da Antropologia permitem abordagens diferenciadas dos povos indígenas, que incluem suas percepções e adotam uma perspectiva histórica, possibilitando uma recomposição de suas experiências que escapa da história construída sob um único ponto de vista. O “desaparecimento” do grupo indígena Kinikinau, em Mato Grosso do Sul, constituiu-se como um produto histórico e teórico que se esfacelou frente à sua presença na sociedade brasileira e que invalidou todos os prognósticos pessimistas quanto à sua permanência. Trata-se, especificamente, de se apontar os recursos teórico-metodológicos que permitem conferir visibilidade a povos considerados desaparecidos, a partir da experiência da escrita da história dos Kinikinau, que exigiu um diálogo entre distintos campos dos saberes.

Finalmente, Cristiane de Assis Portela e Mônica Celeida Rabelo Nogueira propõem uma análise do indigenismo a partir de narrativas de autoria indígena que sinalizam novas epistemologias. Para tanto, investigam trabalhos produzidos a partir da inserção destes sujeitos coletivos nas universidades. O artigo apresentado foi produzido por meio da interlocução entre uma historiadora e uma antropóloga, rememorando a experiência compartilhada pelas autoras na orientação de trabalhos produzidos por estudantes indígenas em um curso de mestrado na Universidade de Brasília. Assim, a compreensão do indigenismo é realizada a partir de uma noção de autoria indígena que sinaliza novas epistemologias na contemporaneidade. Consideram, ainda, que a produção acadêmica de pesquisadores indígenas ainda não foi devidamente visibilizada ou analisada em suas particularidades, procurando explorar aspectos que reiteram a pertinência de reconhecer a autoria indígena como parte da ação política desses sujeitos no campo do indigenismo.

Os artigos reunidos para o dossiê, em suas particularidades, trazem uma contribuição para a multifacetada relação entre História e Antropologia. Com vigor, demostram que a perspectiva antropológica influencia historiadores e vice e versa. Não por coincidência, dos quatro artigos selecionados, três estão voltados à temática indígena, o que certamente demanda um diálogo transdisciplinar para que questões cruciais sejam mais bem compreendidas, tais como o poder colonial, as novas experiências de alunos indígenas nas universidades brasileiras e a ameaça de extinção de povos. O quarto artigo, que trata da trajetória de uma historiadora canadense que trabalhou em universidades estadunidenses, demonstra que a Antropologia pode contribuir enormemente para a constituição dos objetos da História.

Desejamos a todos boas leituras e instigantes reflexões sobre História e Etnologia!

Joana A. Fernandes Silva – Universidade Federal de Goiás.

Giovani José da Silva – Universidade Federal do Amapá.


SILVA, Joana A. Fernandes; SILVA, Giovani José da. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.20, n.2., maio / agosto, 2016. Acessar publicação original [DR]

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História Indígena na Contemporaneidade: Diálogos interdisciplinares e pesquisas colaborativas / Mnemosine Revista / 2016

Este dossiê organizado pela Drª Juciene Ricarte, da Universidade Federal de Campina Grande e pelo professor que assina esta apresentação nasceu da constatação inevitável que cada vez mais vem sendo ampliado os estudos sobre a temática indígena e com uma característica marcante: na área de História. São diversas pesquisas realizadas nos programas de pós-graduação espalhados pelo país – e fora dele –, que juntamente com os estudos antropológicos iniciados na década de 1980 definitivamente tornaram os indígenas um tema significativo entre os nas Ciências Humanas e Sociais.

O contexto sociopolítico vivenciado nas últimas décadas, com as mobilizações dos próprios indígenas pelo reconhecimento, conquistas e garantia de direitos, os conflitos quase sempre bastante violentos enfrentados pelos índios com as invasões das terras que habitam; a constatação oficial do crescimento demográfico indígena; as reinvindicações de políticas públicas específicas para essas populações e a considerável presença indígena nos centros urbanos, dentre outros temas, desafiam os estudos acadêmicos para refletirem sobre situações supostamente resolvidas com o advogado “desaparecimento” ocorrido ou gradual dos índios, como equivocadamente se acreditava em uma perspectiva evolucionista.

Nas pesquisas recentes são revisitadas fontes conhecidas bem como novos e diversos documentos foram explorados. Os diálogos com categorias antropológicas, sobretudo, as reflexões sobre as relações socioculturais em contextos de dominação e hegemonia políticas enriquecem os estudos históricos, inclusive quando as reflexões também dão conta de temporalidades precedentes na nossa história de onde se originaram as questões contemporâneas. Os textos ora publicados situam-se, portanto, nesse esforço de discutir, buscar compreender certos aspectos de situações, contextos, evidenciando a partir de uma abordagem histórica os indígenas como protagonistas.

Nesse sentido, no texto “A experiência de trabalhadores tutelados: a presença de indígenas em obras públicas da Província de Alagoas”, Aldemir Barros da Silva Júnior pensando o indígena com a categoria “trabalhador tutelado” no Século XIX, baseado principalmente em documentos da Diretoria Geral dos Índios em Alagoas, discutiu as diversas formas e os espaços em que ocorreu o trabalho indígena naquela Província a partir de meados do Século XIX. O autor discorreu sobre a utilização compulsória da mão-de-obra indígena principalmente nas obras públicas de aterros e construções de canais na alagada Maceió, a capital alagoana.

Um trabalho em condições insalubres, do qual os indígenas fugiam antes mesmo dos recrutamentos forçados nas aldeias a mando de autoridades provinciais ou diretores dos aldeamentos. Em um contexto sociopolítico em que recrudesceram as disputas pelas terras dos antigos aldeamentos situados em regiões de férteis e bastante irrigadas, invadidas por fazendeiros, os índios elaboraram diferentes estratégias para se livrar do trabalho coercitivo, como trabalhar nas fazendas o que lhes garantia até certo ponto autonomia para negociações e o sustento para si e para as famílias.

O estudo torna-se muito importante em pelo menos dois aspectos. O primeiro, quando tratou do trabalho indígena, tema desconhecido e até certo ponto um tabu nas discussões sobre a História do Brasil. E o segundo, porque mesmo no que passou após os anos 1980 a se chamada no país como a “nova história indígena”, ainda não se debruçou devidamente sobre o assunto. Isso porque além da comum alegada ausência de fontes para abordar a temática, o trabalho indígena foi desconsiderado em razão da ênfase na utilização da mão-de-obra negra escravizada e afirmações da “inadaptabilidade” dos índios para o trabalho. O que resultou no senso comum no arraigado preconceito de “preguiçoso” atribuído aos indígenas.

Portanto, o texto de Aldemir ao evidenciar a importância, as formas, os espaços e o protagonismo, particularmente dos Xukuru-Kariri (Palmeira dos Índios / AL), no trabalho indígena, contribui sobremaneira para um tema desconhecido e além do mais em se tratando de discussões relativas ao Nordeste, onde durante muito tempo foi negada a existência de indígena nessa Região. São reflexões relevantes também porque possibilita compreender as dinâmicas das atuais relações com as disputas pelas terras e o trabalho indígena naquela localidade, inspirando pensar em outros lugares no Nordeste.

No texto “Tradições adormecidas: práticas culturais e narrativas no cotidiano das índias parteiras da Aldeia Forte-Baía da Traição”, Aline de Castro retomou uma discussão muito cara aos indígenas no Nordeste: a afirmação de expressões socioculturais, saberes, conhecimentos “tradicionais” em espaços onde a população circunvizinha não indígena, autoridades e poderes públicos em geral, negam a existência indígena. E ainda mais se tratando de mulheres indígenas parteiras, desqualificadas frente ao exaltado saber médico como “herança” Ocidental, porém que esconde interesses mercantis.

Ao discutir as práticas das parteiras indígenas na Aldeia do Forte, Baía da Traição / PB, a autora evidenciou a importância de saberes específicos no contexto e conectados com a afirmação das expressões socioculturais indígenas, notadamente como tema inédito para as reflexões históricas e como contribuição para compreensão das relações dos povos indígenas na nossa sociedade em tempos atuais.

As migrações indígenas, principalmente para os centros urbanos, tem sido um tema de alguns estudos. A contribuição original de Edmundo Monte com o texto “História e memórias de migrações no Nordeste indígena: o “vaivém” dos Xukuru do Ororubá (Pesqueira / PE)”, estar no enfoque sobre um povo indígena habitando o Nordeste. É até possível afirmar que os estudiosos sobre migrações na Região não conseguiram perceber as particularidades identitárias indígena de alguns migrantes, o que é compreensível diante do até recentemente afirmado sistemático discurso da inexistência indígena no Nordeste.

No texto, o autor discutiu as migrações de período mais longo para o Sudeste em geral São Paulo, e sazonais dos índios Xukuru do Ororubá, habitantes em Pesqueira e Poção, região do Semiárido pernambucano, que em épocas de secas se deslocavam principalmente o “Sul”: a região da Mata Sul de Pernambuco e Norte alagoana, em busca de trabalho na lavoura canavieira. Baseado em memórias orais, Edmundo Monte buscou compreender as motivações, experiências cotidianas de sociabilidades e as formas do trabalho realizado pelos indígenas nos locais para onde se destinaram. As reflexões possibilitam além de discutir o desconhecido trabalho indígena, atualizá-las nos debates contemporâneos sobre os índios no Nordeste.

Para o pesquisador que se dedica ao estudo da temática indígena no Nordeste em suas peculiaridades, as experiências de povos indígenas em outras regiões no país parece algo distante. O que pode ser relativizado na leitura de textos como o de Manoel Gomes Rabelo Filho, intitulado “Interpretações do Kanaimî no contexto religioso Macuxi” onde o autor discorreu sobre uma dimensão mítica e religiosa, fundamental para aquele povo indígena habitante em Roraima.

Baseado na categoria das representações sociais, na literatura socioantropologica que tratou do assunto e ainda em entrevistas orais com indígenas que vivenciaram experiências distintas com o Kanaimî, o pesquisador Manoel Rabelo buscou refletir sobre os significados dessa entidade mítica para o universo religioso Macuxi. Uma discussão que possibilita conhecer outras situações, bem como de alguma forma aproximar-se das abordagens sobre as expressões religiosas indígenas em nossa Região.

No texto “O Estado Novo e os povos indígenas: o silêncio das palavras”, Zeneide Rios de Jesus analisou a política de colonização empreendida naquele período com a chamada Marcha para o Oeste, quando ocorreram invasões de terras indígenas ignoradas pelas reflexões históricas da época e posteriores. A autora evidenciou a participação de intelectuais no projeto governamental e como a imprensa silenciou a respeito dos impactos das políticas governamentais sobre os povos indígenas.

A discussão sobre as relações entre políticas governamentais, violências contra os povos indígenas e atuação da imprensa são bastante atuais. E as reflexões apresentadas no texto, questionam o papel dos historiadores na escrita da História do Brasil republicano e como pensam o lugar dos povos indígenas nos processos históricos recentes. E ainda o silêncio sobre o tema no Ensino de História.

Os Tupinambá em Olivença de forma sistemática tem a identidade étnica negada por fazendeiros, imobiliárias e empresários do turismo, invasores das terras habitadas pelos indígenas, em uma região paradisíaca no Sul da Bahia. A afirmação identitária Tupinambá e as mobilizações desses indígenas por reivindicação e garantia de direitos foram discutidas por Edson Silva e Tamires Brito no texto “Índios Tupinambá / BA: ‘o manto foi roubado’! O despertar pelos encantados de uma “identidade adormecida”’.

Observando um contexto de permanentes tensões, com várias formas de violências contras os Tupinambá, desde as prisões e assassinatos de lideranças, queima de casas, perseguições e expulsões de indígenas, a partir da pesquisa historiográfica e também de memórias orais, os autores buscaram evidenciar as diferentes estratégias dos indígenas para afirmação étnica, marcada pela dimensão simbólica intimamente relacionada com as expressões religiosas. A situação vivenciada pelos Tupinambá é por demais emblemáticas para discussões de processos semelhantes vivenciados por outros povos indígenas no Brasil.

As relações entre as expressões religiosas e a identidade étnica foram também analisadas por José Peixoto e Lucas Gueiros, no texto “Religiosidade e encantamento: o pagamento de promessa no ritual indígena Jiripankó”, onde os autores trataram dos rituais desse povo indígena habitante no Sertão de Alagoas. O estudo foi baseado nas reflexões de teóricos clássicos da Antropologia, assim como estudos recentes e ainda a partir de uma pesquisa e observações de campo, buscando melhor compreender os significados da prática do ritual para a afirmação da identidade indígena.

As reflexões apresentadas no texto somam-se aos poucos estudos que foram dedicados à temática das expressões religiosas indígenas no Nordeste atual. E possibilita pensar sobre as leituras indígenas dos encontros no passado dos universos religiosos nativos e colonial, as traduções e expressões indígenas desse encontro, as (des)continuidades, ressignificações, reformulações, associações e afirmações identitárias correlacionadas no universo simbólico religioso Jiripankó, possibilitando pensar outras situações assemelhadas ocorridas em áreas mais antigas da colonização, a exemplo do Nordeste.

A este conjunto de debates somam-se outros trabalhos de fundamental importância, resultantes do III Seminário Internacional América Indígena: processos de mediação e mestiçagens, que teve lugar no campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro em Seropédica entre os dias 28 e 29 de setembro de 2015, sob a coordenação das profas. Izabel Missagia e Vânia Moreira e contou com o auxílio da CAPES.

Os artigos apresentados contém as reflexões do Dr. José Ribamar Bessa Freire e Ana Paula da Silva, Professor do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade do Rio de Janeiro / UniRIO e doutoranda do mesmo programa, onde discutem o protagonismo e a atuação política indígenas na dinâmica de conflitos e interesses que marcaram o período historicamente conhecido como França Equinocial, notadamente o caso dos índios embaixadores na França, sobretudo Itapucu, refletindo sobre a participação destes na produção de “redes globais de conhecimento e poder” suas estratégias em contextos de interação sociocultural e política, destacando especialmente o papel de mediadores e articuladores de alguns líderes indígenas que a exemplo dos embaixadores Tupi foram buscar uma resposta oficial para seus problemas.

Juciene Ricarte da Universidade Federal de Campina Grande discute processos de incorporação de algumas chefias indígenas na política da administração portuguesa no Brasil nos sertões das capitanias do norte e o fundamento da legislação indigenista nas fronteiras interétnicas que lhe oferecia fundamento, notadamente o Diretório dos Índios na segunda metade do século XVIII. Nesse processo as lideranças adquiriam status de intermediários políticos que os conduziram a ostentar patentes de oficiais das vilas implantadas a partir do Diretório, por vezes em favor dos seus grupos étnicos de origem trazidos a ordem. Constata-se, que as iniciativas de cooptação e valorização das chefias indígenas tornaram-se tradição do Estado monárquico português no trato com as populações conquistadas, objetivando o controle de novas populações.

Além destes, o conjunto de textos se encerra com às conferências de abertura e encerramento do evento, a primeira, realizada pelo professor Hal Langfur, da Universidade de Nova Iorque em Buffalo, que em sua conferência inaugural apresentou o estado da arte dos debates das questões etinoindigenas através de um recenseamento de pesquisas e debates sobre as questões relacionadas as populações indígenas, relacionando os estudos realizados nos Estados Unidos e no Brasil consideradas as suas convergências e singularidades. Na conferência de encerramento, a Drª. Danna Levin Rojo da Universidade Autonoma Metropolitana, México, apresentou em sua conferência a organização e a burocracia do estado colonial, investigando a relação do estado colonial espanhol como agente interventor e as populações indígenas nos diversos espaços de convívio em que estes foram assimilando os nativos como servidores o colaboradores que aparecem referidos indistintamente na documentação investigada como “índios amigos”. É uma análise comparativa de experiências nos diversos territórios ocupados que permite reconhecer que estas populações nativas agiram muitas vezes como artífices conscientes de seu próprio destino e não como meros objetos da manipulação habilidosa do espanhol invasor, num complexo tecido de relações.

Enfim, os textos que compõem o Dossiê são contribuições significativas para pensarmos os índios na História do Brasil, particularmente no Nordeste. E se revestem de igual importância quando também pensados na perspectiva dos questionamentos provocados pela demandas para efetivação da Lei 11.645 / 2008, que determinou na Educação Básica a inclusão do ensino da história e culturas dos povos indígenas, com a reclamada ausência de subsídios sobre o assunto. Além disso, o papel da academia seja de formar pesquisadores na pós-graduação e professores nos cursos de licenciatura, embora ao final todos sejam de alguma forma e em algum nível docentes, requer o (re) conhecimento sobre os povos indígenas como sujeitos sociopolíticos na História do Brasil e a superação de desinformações, equívocos e preconceitos sobre o tema. E os textos ora publicados em muito contribuirão para que isso ocorra. Resta desejar boas leituras, reflexões e discussões.

Edson Silva – Doutor Professor da Universidade Federal de Pernambuco / CA e da Pós-Graduação em História da Universidade federal de Campina Grande.


SILVA, Edson. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.7, n.1, jan. / mar., 2016. Acessar publicação original [DR]

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História, Gênero e Sexualidade: Abordagens Interdisciplinares / História, Histórias / 2015

Apresentação

“História, Gênero e Sexualidade: Abordagens Interdisciplinares” é o título deste dossiê. Nos tempos atuais, constitui-se em grande valentia publicar tal edição. Vivemos em tempos de retrocesso político e social em que falas e atos comprometem o estado democrático de direitos civis. O debate teórico proposto aqui visa reunir pesquisadoras e pesquisadores dos estudos de gênero que discutem questões que envolvem poderes sociais, políticos, econômicos e culturais, suas disputas e efeitos sobre os corpos, as subjetividades, os comportamentos sexuais e as relações de gênero. As diferenças e hierarquias entre o masculino e o feminino, produzidas historicamente através de jogos de significação e de relações de poder, marcam as desigualdades nas relações de gênero e as possibilidades de inserção e interdição dos indivíduos na vida social. Assim, este dossiê busca de maneira interdisciplinar articular pesquisas e reflexões preocupadas com as construções das sexualidades, das masculinidades e das feminilidades na história, a fim de desvelar os seus processos de difusão, construção e funcionamento, e os poderes que atravessam e mantêmessas construções.

O primeiro artigo desse dossiê, de autoriadeNatanael de Freitas Silva (UFRRJ), apresenta reflexões sobre a necessidade de investigarmos, no campo da história, as experiências de masculinidades e suas implicações em uma política de gênero. Desse modo, à luz dos estudos de Richard Miskolci e Albuquerque Júnior, o autor tece algumas considerações sobre o estudo das masculinidades e discute a articulação de uma histórica concepção de masculinidade na elaboração de projetos de poder engendrados em fins doséculoXIX e início do XX.

Já o segundo artigo, de Pollyana Dourado (UFG) e Ana Carolina Eiras Coelho Soares (UFG), apresenta uma análise das representações do feminino e dos mitos construídos sobre a Amazônia na minissérie “Amazônia –de Galvez a Chico Mendes”.

Ao abordar temas relativos à homossexualidade e à heterossexualidade compulsória, o terceiro artigo, de Elias Veras (UFSC) e Oscar Andreu (Universidad de Barcelona), analisa a invenção do estigma travesti no Brasil, destacando sua construção discursiva na mídia, especialmente em enunciados produzidos em Fortaleza (Ceará),nos anos de 1980. Seus olhares são precisos ao sugerir o quanto as representações dominantes constituídas pelos modelos de masculino e feminino encontram-se fragilizadas com a emergência de imagens e sentidos ancorados na experiência travesti.

do envelhecimento, da memória e das condutas homossexuaisna região do Pantanal de Mato Grosso do Sul, nas cidades de Corumbá e Ladário,nas cercanias da fronteira com a Bolívia.

Ao adentrar nos arquivos da Polícia Militar, Andrea Schactae (UEPG), no sexto artigo, propõe uma reflexão sobre as feminilidades e masculinidades na Polícia Militar do Paraná, através de um estudo de caso de transgressão disciplinar praticado por uma agente da Polícia Feminina e por um oficial da PMPR, em 1979.

No sétimo artigo, Marilia Rodrigues de Oliveira (PUC-RIO) discute “narrativas de crimes” presentes na imprensa carioca da Primeira República, com o objetivo de mostrar como os jornalistas lançavam mão de uma gramática emocional e de uma estética melodramática para criarem diferentes representações de gênero que transgrediam e reiteravam padrões normativos de moralidade até então considerados bem definidos.

Lindsay Jemima Cresto (UTFPR) e Marinês Ribeiro Dos Santos (UTFPR), no oitavo artigo, discutem as representações de gênero na decoração de interioresdomésticos. Analisando um blog de decoração (Homens da Casa) voltado para um público masculino, as autoras observam como os textos eimagensque circulam nesse blog estão carregadosderepresentações de feminilidade e masculinidade que reforçam os estereótipos e desigualdades de gênero em nossa sociedade.

O nono e último artigo do dossiê, de Caetana de Andrade Martins Pereira (UnB), analisa o modo como a feminilidade é construída na revista Jornal das Moças,nos anos 1960, destacando o seu funcionamento como uma “tecnologia de gênero”, heteronormativa e racializada.

Os estudos de gênero adquirem novos contornos frente à insuficiência e às críticas em abordagens discursivas que não consideramas persistências das desigualdades entremulheres e homens,e que tratam a heterossexualidade, assim como a feminilidade e a masculinidade como dados biológicos e naturais. Os estudos de gênero não podem ser vistos apenas como sinônimos de estudos sobre as mulheres. Em volta do termo há o reconhecimento do caráter relacional e de sua constituição histórica, social e cultural, além de instâncias de poder que atribuem valores e características às subjetividades e às relações entre os sexos. Nesse sentido, os estudos feministas trazem importantes contribuições ao abordar o gênero como uma categoria que se relaciona com outros marcadores de diferenças (classe, raça, etnia, religião, idade, nacionalidade, orientação sexual, etc.) na constituição das subjetividades e experiências e, desse modo, buscam problematizar e desnaturalizar as concepções de sexo/gênero fundadas em preceitos universais e essencialistas.

As diferenças são históricas e socialmente forjadas e construídas. Portanto, as sensibilidades, comportamentos, valores, organizações e posicionamentos sociais dos indivíduos são construções. Nesse sentido, gênero, como categoria de análise, pode também contribuir no enriquecimento da historiografia, colocando em debate as verdades, convicções e poderes em torno de discursos e práticas baseados na existência de uma natureza humana imutável que rege as ações e pensamentos de homens e mulheres na história.

Não somos universais. Somos compostos da mesma matéria que as nuvens. Clivados, densos, leves e únicos: somos históricos. Esperamos que as leitorase os leitores desfrutem e se inspirem com esse dossiê.

Goiânia, 06 de agosto de 2015.

Profa. Dra. Ana Carolina Eiras Coelho Soares (UFG)

ORGANIZADORA

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Ensino de História e Interdisciplinaridade / Revista do LHISTE / 2015

Com um pequeno dossiê sobre Ensino de História e Interdisciplinaridade, chega ao público o segundo número da Revista do LHISTE. As três contribuições sobre o tema trazem reflexões sobre práticas educativas específicas, mas que apontam para problemas compartilhados em nosso campo. No primeiro artigo, Letícia Ferreira examina algumas experiências do Instituto Federal do Rio Grande do Sul na integração da História a disciplinas técnicas. A seguir, Jezulino Braga analisa possibilidades de ensino através da narrativa visual do Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte, espaço de memória e linguagem particulares, que exigem do professor uma abordagem atenta a outras áreas do conhecimento. No terceiro texto, Eduardo Ferreira e Samuel da Silva discutem a formação do professor de História, confrontando teoria e prática, em busca de novas didáticas para a sala de aula.

Aproveitando o tema, apresentamos uma novidade: a seção Painel. A partir desta edição, publicaremos notas de profissionais convidados a respeito de assuntos “quentes” da área. São textos curtos, descritivos e / ou de opinião, que, acreditamos, permitem construir um painel de pontos de vista variados. Organizada pelo professor Benito Schmidt, a seção traz contribuições de Valdei Araújo, Itamar Oliveira, Jocelito Zalla e Viviane Gnecco.

Também publicamos neste número dois artigos na seção livre. Jaqueline Zarbato explora as interfaces entre currículo e práticas docentes no tocante à formação do professor de História. Mateus Meireles reflete sobre a temática dos Direitos Humanos no ensino da disciplina, recorrendo à sua experiência de estágio supervisionado.

Na seção Relatos de Práticas, Jefferson da Silva fala do PIBID-História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e Leandro Mayer discute o Projeto História Local Porto Novo, desenvolvido em Itapiranga – Santa Catarina.

Caroline Pacievitch e Amanda Oliveira nos apresentam o livro Peabiru: um caminho, muitas trilhas, organizado pelas professoras Ernesta Zamboni, Maria de Fátima Sabino Dias e Silvia Finocchio, na seção Resenhas. Por fim, Pacievitch introduz um depoimento do professor Jean-Christophe Sanchez, do Lycée Pierre d’Aragon, em Muret (França), e da École Superieure du Professorat et de l’Éducation da Académie de Toulouse, na seção Entrevista.

Com este número, também inauguramos a nova identidade visual da Revista do LHISTE e sua publicação paralela via ISSUU, plataforma que permite a visualização digital da revista conforme a estrutura e as características das edições impressas. Com isso, buscamos qualificar a experiência de leitura e ampliar a circulação dos textos publicados, acreditando ser nosso papel estabelecer um espaço amplo de troca de ideias entre a universidade e a escola.

Equipe Editorial


Equipe Editorial. Editorial. Revista do LHISTE. Porto Alegre, v.2, n.2, jan. / jun., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Celtas e Germanos: olhares interdisciplinares / Brathair / 2013

Seguindo a tradição da revista Brathair de unir pesquisadores de várias áreas tratando de temáticas sobre os celtas e germanos, a edição de 2013.1 é consagrada aos olhares interdisciplinares, relacionados a esses povos. Neste sentido, os trabalhos dessa edição, percorrem os caminhos da História, Literatura, Filologia e Filosofia.

Pode-se dizer que a temática central é a relação entre História e Literatura, na medida em que entre os documentos analisados pelos autores temos o tratado médico, Capsula eburnea, obras hagiografias, biografia, textos literários e os escritos filosóficos de Heidegger e sua apropriação pelo nazismo.

Chiara Benati, da Università degli Studi di Genova, Itália, analisa o tratado médico Capsula eburnea (séculos IV / V), cuja versão original grega os medievais atribuíam ao médico Hipócrates, valendo-se do dispositivo retórico típico – um verdadeiro topos nas obras escritas e mesmo nos conteúdos orais disseminados na Idade Média – a que designamos por auctoritas. Trata-se de uma lógica segundo a qual a predicação de autoria a um clássico, padre da igreja, santo, filósofo / teólogo, autor inspirado de um Evangelho ou personagem bíblica, por exemplo, garantia ao conteúdo credibilidade e potencial de ampla difusão entre as camadas letradas e mesmo no lastro da cultura oral.

Nestes termos, o artigo de Benati denota rigor filológico ao traçar o estema das versões alto e centro-medievais alemãs do pequeno tratado médico, evidenciando-se as conexões e as interações culturais entre o Sul da Europa e as regiões alemãs. Desta forma, o texto revela o mérito de exemplificar, para os pesquisadores brasileiros – entre eles os historiadores – como proceder, de modo rigoroso e conceitualmente lastreado, ao trabalho filológico como instrumento de análise, crítica e reconstituição historiográfica e literária.

Analisando as relações entre História, Economia e Historiografia, tendo por base textos de pensadores cristãos como Ildelfonso, Isidoro de Sevilha e Aurélio Prudêncio, Mário Jorge da Motta Bastos (UFF / Translatio Studii) se propõe repensar, analisando e problematizando, um artigo do clássico medievalista francês Georges Duby. Trata-se de breve artigo publicado, em 1958, na prestigiosa Revue des Annales, sob o título de La Féodalité? Une mentalité médiévale, cujo intuito era rediscutir a noção de feudalidade (féodalité). Esta revisão historiográfica deu-se por ocasião da comemoração do clássico Qu’est-ce que la féodalité (1944) do historiador belga François-Louis Ganshof.

Com este objetivo, o autor realiza uma apropriada e necessária definição do campo semântico do feudalismo como complexo mais amplo de relações sociais de produção, dominação, resistência e elaboração de formas de pensar e representar o mundo. Desta noção abrangente e sistêmica, o autor destaca e particulariza, para fazer justiça ao pensamento de Duby, a ideia de feudalidade como traço de mentalidade, conjunto de representações de mundo conscientes ou irracionais, uma forma de sensibilidade coletiva. A originalidade do enfoque proposto no artigo reside no fato de que o autor demonstra, sofisticadamente e com o imprescindível recurso às fontes primárias, como o batismo engendrou, como legitimação ideológica, a fides enquanto instrumento contratual entre Deus e os integrantes do grêmio da Igreja. Os últimos, redimidos do pecado da insubordinação a Deus e libertos do domínio demoníaco, celebram com Deus um pacto em que se tornam mancipium Christi. Esta lógica produz, reproduz e é, por sua vez, reproduzida e ampliada pelos vínculos de feudovassalagem e de dominação senhorial.

Ronaldo Amaral (UFMT) tece relações entre História, Santidade e Religiosidade, em um texto adequadamente didático e, como tal, oportuno para a difusão e exemplificação do trabalho historiográfico com fontes hagiográficas. Partindo da Vita Fructuosi (século VII), o autor pretende problematizar o papel do imaginário e do contexto mental e ideológico na gesta da hagiografia como gênero retórico destinado a propagar um modelo de homem e de história. O trabalho prima pelo ineditismo da fonte e por conseguir ultrapassar a tendência à história interna ou filológica do corpus textual. O recorte, conquanto evidente para os historiadores de ofício, mostra-se inovador quando considerada a Vita Fructuosi, vez que não se cinge a discussões sobre a autoria ou gênese do documento. Evita-se, assim, recair em uma falsa questão historiográfica.

Márcia Manir Miguel Feitosa (UFMA / Mnemosyne) analisa textos literários que possuem um fundo celta. A partir do romance Crônica do Imperador Clarimundo, obra portuguesa de João de Barros, composta no século XVI, relaciona o romance com obras da Matéria da Bretanha, em especial A Demanda do Santo Graal, que teve uma importante circulação no reino luso.

Dentre as analogias entre a Crônica e a Demanda salientadas por Feitosa podemos destacar as qualidades do herói, semelhantes a do rei Artur, e sua espada, que guarda analogias com Excalibur. Além disso, Clarimundo, de acordo com o artigo, também possui analogias com outro herói da Demanda, Lancelot, por se voltar aos valores do cavaleiro cortês (a proteção das damas e a realização de façanhas heroicas).

Já o artigo, de redação inglesa, escrito por Ismael Iván Teomiro García (UNEDEspanha) prima pela erudição filológica e linguística, filiando-se, em sua linha de estudos, a uma concepção de gramática generativa, muito cara à teoria de Algirdas Julius Greimas, semiólogo lituano paradigmático para os estudos da linguagem. O autor evidencia alguns aspectos peculiares da sintaxe do atual irlandês, que evolui do antigo gaelic e adquire estatuto de língua nacional oficial em 1922, com a independência da Irlanda do Sul em relação ao Reino Unido. Neste esforço, faz-se oportuna a tradução de fonemas e sua sintaxe para o inglês, idioma do texto, uma vez que o mesmo foi o instrumento cultural de assimilação e imposição de suserania por parte da Inglaterra às populações gaélicas da Irlanda, hoje figurando como uma das línguas oficiais da República da Irlanda e sua verdadeira língua franca.

Analisando a relação entre História e Política, Dominique Vieira Coelho dos Santos e Anderson Souza (FURB) analisam uma biografia anglo-saxã dedicada ao rei Alfredo, a Vita Ælfredi Regis Angul Saxonum, escrita por Asser. Neste relato, o monge galês procura valorizar as características do rei Alfred como bom guerreiro e letrado. De acordo com o artigo, pode-se fazer uma analogia entre o Renascimento Carolíngio e o Renascimento Anglo-Saxão ocorrido no período de Alfred, que assim como Carlos Magno estimulou no seu governo a circulação de obras clássicas. O artigo é bem construído e discute o uso da narrativa para a valorização do rei e sua ligação com valores positivos como a guerra e a cultura.

Também tratando das relações entre História e Política na relação do uso da Filosofia pelo poder, temos o artigo de Moisés Romanazzi Tôrres (UFSJ), que problematiza, mobilizando um amplo espectro de conceitos e noções fundamentais da ontologia de Martin Heidegger (1889-1976), um aspecto de relevância para a compreensão não apenas do complexo pensamento do autor alemão, como de sua participação política e comprometimento ideológico com o Nazismo.

O ensaio, conquanto breve, é bastante denso e evidencia domínio do autor sobre os temas fundamentais desta ontologia histórica e pós-metafísica, ainda pouco problematizada pelos historiadores. Tratando-se de uma proposta de fundamentação da historicidade da condição humana e sua aderência à dimensão inescapável da temporalidade, a filosofia de Heidegger oferece contribuição inegável para uma Teoria da História.

Como tradução, Gesner las Casas Brito Filho apresenta-nos O sermão do Lobo aos ingleses (c. 1010-1016). A homilia – gênero retórico renovado na Idade Média Central, sobretudo por parte dos dominicanos, franciscanos e beneditinos, com fulcro no sermo rusticus ou sermo humilis herdado da Patrística – é uma das composições mais conhecidas de Wulfstan de York. O mesmo se intitulava Lupus (lobo, em latim) em seus textos, pois Wulfstan, traduzido do inglês antigo, significa pedra-lobo (wulf-stan).

O Sermo Lupi ad Anglos é um dos únicos documentos que descreve as invasões nórdicas à Inglaterra anglo-saxônica. No período de sua escrita, vivia-se nova fase da ofensiva nórdica, que redundaria em um processo de tomada política do reino inglês. Processo que culminará – entre batalhas, acordos, fugas do rei Æthereld para o continente e outros conflitos – com a coroação do rei dinamarquês Cnut, o grande, como rei da Inglaterra em 1016. Por conseguinte, trata-se de uma fonte para a História das práticas de poder e suas tensões, latentes e patentes, no norte da Europa, durante o início da Idade Média Central, tão mais importante e adequada para a presente edição de Brathair quanto ainda rara e inexplorada pela Medievalística brasileira.

Nas resenhas, Álvaro Alfredo Bragança Júnior (UFRJ) analisa o livro de Ruy Oliveira de Andrade, Imagem e Reflexo, que estuda a cultura, religiosidade e política no reino visigodo de Toledo na Alta Idade Média. João Lupi (UFSC) detalha a importância do Kalevala, edição portuguesa de um conjunto de poemas da Finlândia, compilada no século XIX, por Elias Lönnrot, mas cujo fundo mítico tem influência do período medieval, em especial de aspectos da cultura viking. Lupi destaca também os elementos do poema, sua importância para a cultura da Finlândia, seus aspectos míticos, a relação destes com outras culturas e as características da tradução da obra, daí a importância em estudá-la nos dias atuais.

Por fim, cumpre ressaltar que, à pluralidade de temas, fontes primárias e enfoques analíticos aqui presentes, esta edição de Brathair procurou somar um incentivo à reflexão acerca das fecundas possibilidades de interface entre História, Filosofia e Teoria Literária para a exegese não apenas dos documentos coligidos, mas, principalmente, para nos conceder uma visão mais ampla e sistêmica a respeito da cultura letrada medieval, seja latina ou vernácula. As análises que aqui ofertamos aos leitores, colegas ou diletantes que nos honram com sua leitura, procuram evidenciar a interação entre escrita e oralidade na gesta do cotidiano e das práticas de poder, bélicas ou simbólicas, dos homens e mulheres da Idade Média.

Marcus Baccega – Professor Doutor (UFMA). Pós-Doutorado Université Paris I, 2013. E-mail: [email protected]

Adriana Zierer – Professora Doutora (UEMA). Pós-Doutorado École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2013-2014. E-mail: [email protected]


ZIERER, Adriana; BACCEGA, Marcus. Editorial. Brathair, São Luís, v.13, n.1, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Historiografia, Comparação e Interdisciplinaridade / Tempos históricos / 2013

O dossiê Historiografia, comparação e interdisciplinaridade foi proposto como um desafio a pensar para além dos cômodos escaninhos onde nos situamos. Todos sabemos das implicações epistemológicas de uma formação acadêmica que opera no registro das disciplinas, dos objetos autocentrados e com pouco ou nenhum diálogo consistente com a produção historiográfica, esteja ela inserida em nosso próprio campo disciplinar, ou, de maneira mais evidente ainda, com as “disciplinas alheias”.

Embora possamos reconhecer a necessidade da produção de um conhecimento científico que esteja aberto ao diálogo com outras perspectivas (disciplinares, teóricas, metodológicas e historiográficas), o esforço por conhecer ‘o outro’, ainda que apenas isto, não tem resultado em um avanço significativo na produção do conhecimento histórico.

Cada uma das dimensões mencionadas aqui propõe um complexo e sofisticado escrutínio das condições de possibilidade de efetivá-las. Não é tarefa para iniciantes levar a cabo, com qualidade, este debate. Entretanto, é necessário estar disposto a enfrentá-lo, porquanto só assim conseguiremos ultrapassar os estreitos limites que constrangem a historiografia.

A comunidade dos historiadores brasileiros encontrou ocasião privilegiada para discutir, em alguma medida, os termos propostos neste dossiê durante a realização do XXIV Simpósio Nacional de História da ANPUH, sediado na Unisinos, no Rio Grande do Sul, no ano de 2007. “História e Multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos”, naquela oportunidade, foi o tema do encontro.

Entre as tantas contribuições importantes feitas naquele Congresso, destaco a conferência da professora Sílvia Regina Ferraz Petersen, da UFRGS, na qual, com a lucidez que caracteriza suas reflexões epistemológicas, chama a atenção para os cuidados metodológicos que devem acompanhar qualquer tentativa de estabelecer um trânsito mais fluido entre as disciplinas. Diz ela, neste sentido:

Cada disciplina em geral utiliza um sistema teórico-conceitual próprio, relacionado a uma ou mais lógicas que lhes são particulares. A transferência de conceitos de uma disciplina para outra ou a mescla desses conceitos sem perceber suas distintas matrizes e os debates a eles relacionados são obstáculos a qualquer integração e podem produzir composições híbridas sem qualquer valor analítico (PETERSEN, 2008: 43)

De certa forma, temos aqui, nesta apreciação, um dos motivos pelos quais a História não tem levado a efeito, com proficiência, os trânsitos que a historiografia, a comparação e a interdisciplinaridade propõem como algo intrínseco a seus próprios termos. É preciso querer aprender com os outros a fim de instruir e manter o próprio de cada área do conhecimento. Ou, no limite, para, eventualmente, rompê-lo em benefício de um terceiro elemento. Na avaliação de Petersen, com a qual concordamos, temos demonstrado pouca habilidade de realizar uma ou outra tarefa, e, por esta razão, ficamos apenas no campo das intenções retóricas e inconseqüentes.

Entendemos que, de uma maneira geral, um dos limites fundamentais do conhecimento histórico se revela pela falta de clareza metodológica a instruir a investigação dos historiadores. Quando o método é precário, o caminho se torna errático, e os resultados dependem, em boa medida, do imponderável. Enquanto não suplantarmos esta deficiência, que se revela, em medidas distintas, tanto na produção de pesquisadores iniciantes, quanto na produção dos historiadores estabelecidos, não conseguiremos ir muito adiante no caminho da consolidação de um campo de saber que almeja ganhar visibilidade por aquilo que lhe é particular, mas que precisa, paralelamente, abrir-se ao distinto que também pode constituir a legitimidade de nosso ofício.

Um esforço no sentido de enfrentar o debate circunscrito pelo tema do dossiê é o que visualizamos nos seis artigos que o compõe. São textos escritos por pesquisadores e professores, majoritariamente formados no campo da disciplina histórica, que expressam e expõe à leitura dos interessados, uma diversidade de interpretações. O dossiê coloca lado a lado historiadores oriundos e / ou vinculados a universidades brasileiras e estrangeiras, de diferentes gerações. Isto lhe confere uma riqueza peculiar, pois ao mesmo tempo que oferece pontos de vista de autores de formação e atuação consolidada no campo, agrega a contribuição de pesquisadores em início de carreira, que individualmente ou em conjunto com pesquisadores mais experientes, expõe resultados de suas pesquisas

No artigo que abre este dossiê, “Transgredir fronteras: reflexiones sobre lo nacional, disciplinar y paradigmático a partir del análisis histórico del neoliberalismo”, Hernán Ramírez discute o potencial e os desafios postos por abordagens que propõe-se a superar o enquadramento “nacional, disciplinar e paradigmático” na análise historiográfica, tomando como exemplo os estudos sobre o chamado “neoliberalismo” em países da América Latina. Para o autor, um objeto como este requer, necessariamente, um estudo que contemple estas três dimensões, porém a sua complexidade, a amplitude de questionamentos que se colocam para o tema, fazem com que proponha seu estudo a partir do transnacional, transdisciplinar e transparadigmático, instâncias que se revelam mais fecundas para a compreensão de um objeto que transcende todas as fronteiras.

Em “Historia de las ciencias, historia a secas: dos disciplinas”, segundo artigo do dossiê, Álvaro Léon Casas Orrego apresenta elementos para o debate sobre a constituição das disciplinas chamadas do saber, das ideias ou das ciências – tomadas como sinônimos – e sua distinção da velha história tradicional de sentido historizante. Reivindicando para as primeiras o importante papel de perguntar sobre as transformações em distintos campos do saber e seus entrelaçamentos, o autor repassa as contribuições da Escola dos Annales, da Escola de Frankfurt e de Michel Foucault para o debate, apresentando também as contribuições de autores colombianos.

“As Revoluções Comuneras de Castela (1520-1522) e do Paraguai (1721-1735): uma análise sobre suas apropriações e abordagens historiográficas”, de Eliane Cristina Deckmann Fleck e Luis Alexandre Cerveira, é o terceiro artigo a compor o dossiê. Partindo de abordagens que a historiografia espanhola e latinoamericana produziu sobre os levantes revolucionários nominados de revoluções comuneras, os autores reconstituem historicamente os eventos ocorridos em Castela (1520-1522) e no Paraguai (1721-1735). Fazem assim um exercício de comparação, discutindo apropriações e ressignificações historiográficas construídas sobre os levantes, em diferentes momentos da história dos dois países, indicando como a historiografia contribuiu para a mitificação, manipulação e instrumentalização política dos mesmos.

André Fabiano Voigt em seu artigo, “Gaston Bachelard e Jacques Rancière: uma visão comparativa dos problemas entre história, arte e imagem”, o quarto do dossiê, realiza uma comparação entre as ideias de Gaston Bachelard e de Jacques Rancière acerca das complexas relações entre história, arte e imagem. O autor parte da análise do pensamento de Bachelard, apontando questões suscitadas por este – como, por exemplo, a da temporalidade da imagem literário-poética – e buscando compreendê-las para além da obra daquele filósofo. Para tanto, Voigt debruça-se sobre a obra de Rancière, apontando para o conceito de “regime estético da arte”, extraído desta, como um elemento inovador no debate sobre as relações entre história, arte e imagem.

No quinto artigo deste dossiê, intitulado “Evocação Pernambucana: O Rubro Veio, de Evaldo Cabral de Mello”, George Silva do Nascimento, constrói inicialmente um breve relato da trajetória pessoal e profissional e sua implicação na produção historiográfica do importante e reconhecido intelectual referido no título. Sua intenção é, a partir de então, compreender através de uma das obras de Cabral de Mello, o livro Rubro veio: o imaginário da restauração pernambucana, os principais pressupostos teóricos utilizados pelo autor para problematizar o tema fundamental de sua obra: a desconstrução da identidade pernambucana.

Bruna Silva e Beatriz Anselmo Olinto, escrevem o sexto artigo deste dossiê, “Revista História: questões e debates: uma escrita de lugares (1980-1989)”. Neste, as autoras problematizam os artigos publicados pela revista na temporalidade indicada, período em que esteve vinculada a Associação Paranaense de História – APAH. A questão central gira em torno das percepções de “região” esboçadas nos artigos do periódico, num momento histórico no qual, segundo as autoras, havia a percepção da necessidade de publicar pesquisas e suscitar discussões entre os historiadores. O artigo apresenta e discute também as ações da APAH no sentido de estabelecer o seu reconhecimento, portanto, um local de onde se fala.

Referência

PETERSEN, Sílvia R. F. História e multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. In: HEINZ, Flávio; HARRES, Marluza (Org.). A história e seus territórios. São Leopoldo: Oikos, 2008, p. 25-48.

Cláudio Pereira Elmir – Doutor em História; Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).

Yonissa Marmitt Wadi – Doutora em História; Professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Pesquisadora do CNPq.


ELMIR, Cláudio Pereira; WADI, Yonissa Marmitt. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.17, n.1, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Interdisciplinaridade: contribuições para a narrativa histórica / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2012

É com muito orgulho e satisfação que apresentamos mais uma edição Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR). No ano de 2012 ela completou seis anos de existência. Sua editoração é e sempre foi fruto de um esforço coletivo dos editores discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados, dos membros do Conselho Editorial e do Consultivo. Nesse tempo, a REHR tem se consolidado como um meio significativo de interlocução de pesquisas na área de História e nas Ciências Humanas em Mato Grosso do Sul, e no cenário brasileiro. Nesta perspectiva, destacam-se os diversos autores e autoras de Instituições de todo o país que contribuem com seus trabalhos e acreditam na qualidade e seriedade da Revista.

Ao propor a publicação da presente edição da REHR, volume 6, número 12, de julho / dezembro de 2012, que aborda o dossiê Interdisciplinaridade: contribuições para a narrativa histórica, este periódico reverbera, de certa forma, partes das reflexões que o célebre historiador Marc Bloch apresentou no clássico texto Apologia da história, ou, O ofício de historiador [1]. A construção da história utilizando-se de conceitos, métodos e mecanismos de diferentes Ciências, além da diversificação da matriz documental e de uma maior divulgação do conhecimento sobre eventos pretéritos da sociedade foram decisivos para que a forma de se compreender o passado sofresse mutações ainda no início do século XX, a partir da publicação da revista francesa Les Annales d’Histoire Économique et Sociale, no ano de 1929. Ciro Flamarion Cardoso na obra Domínios da História escreve que uma das principais características da primeira geração da Escola dos Annales, tendo como seus principais articuladores Marc Bloch e Lucien Febre, era o debate crítico entre as Ciências Humanas, partindo do pressuposto de que não existiam fronteiras estritas e definitivas entre elas [2].

Com o advento da denominada Nova História, por volta de 1970, este traço característico dos Annales também foi latente. Jacques Le Goff [3] e Peter Burke [4] defendiam também a necessidade de garantir um intercâmbio fecundo entre a História e outras Ciências, visando ampliar os horizontes e os campos de atuação do historiador. Após décadas da publicação das ideias de Bloch sobre a importância do consórcio entre história e demais áreas do conhecimento para uma construção holística da história, historiadores e pesquisadores ainda encontraram entraves frente à utilização da interdisciplinaridade como ferramenta para a construção da narrativa do passado. Contudo, o diálogo com outras áreas do conhecimento foi se tornando uma necessidade, e a resistência frente à interdisciplinaridade foi paulatinamente superada. Tal problemática disponibiliza um campo bastante fértil que tem na inserção de conhecimentos da Semiótica, Sociologia, Antropologia, Economia, Artes, Filosofia, Pedagogia, Relações Internacionais, Psicologia, Geografia, Linguística, Arquitetura, entre outras, uma maior diversidade de sentidos para a compreensão das ações e acontecimentos do passado. É neste sentido que a atual edição da REHR apresenta este dossiê. Os trabalhos que compõem a XII edição da REHR são experiências de pesquisa que carregam em seu interior o diálogo com concepções teóricometodológicas de distintas áreas do conhecimento.

O artigo que inaugura o dossiê é A Lei 10.639 / 03, possíveis diálogos, do autor Hermes Gilber Uberti. O artigo reflete sobre as possibilidades de trabalho interdisciplinar a partir do entrelaçamento das narrativas artística e histórica se valendo do uso de imagens enquanto recurso pedagógico. Premissas essas pensadas a partir da lei 10.639 / 03 que almejou dar maior evidência a história e a cultura afro-brasileira buscando romper certos estigmas que foram construídos em torno da figura do negro, tanto durante o período escravista quanto no momento posterior a abolição. Nesse sentido, debate sobre o papel da escola nesse processo de construção de negritudes por entender que se trata de um lócus por onde circularam e ainda circulam uma série de estereótipos envolvendo essa parcela da sociedade brasileira.

Em No Afrouxar dos Espartilhos: uma análise interdisciplinar acerca da formação da identidade ocidental feminina durante Primeira Guerra Mundial sob a ótica da indumentária, Ludimila Caliman Campos objetiva compreender as mudanças no papel social da mulher ocidental ao longo da Primeira Guerra Mundial a partir do contexto norte-americano e inglês. Para analisar as transformações do comportamento social feminino, utiliza como fonte imagens da indumentária da época, entendendo que o vestuário é uma importante expressão comunicativa. Como tal, a roupa é ainda uma linguagem que referencia eficazmente mutações sociais e sinaliza identidades pessoais e comunitárias. Ao final, define o conceito de prêt-à-changer próprio para caracterizar essa mudança de paradigma no habitus da mulher no início do século XX.

Marcelo Eduardo Leite e Carla Adelina Craveiro Silva em Imagens Múltiplas: algumas considerações sobre a(s) fotografia(s) do século XIX pretenderam lançar luz sobre a história da fotografia oitocentista atentando para as questões técnicas, assim como, para a existência de diversas formas de apropriação do fazer fotográfico nesse período. Nesta perspectiva, apresentam brevemente o ambiente cultural no qual esses “modos de fazer” se desenvolveram, vislumbrando os processos pioneiros de reprodução de imagens fotográficas, e, considerando, contudo, que um contexto técnico e ideológico específico é o que faz com que tais processos surjam.

No artigo Representações da Cultura Paraguaia: tradições e memórias na construção identitária de imigrantes e descendentes, Alan Luiz Jara reflete que o Mato Grosso do Sul conta com uma significativa população paraguaia imigrante que, a partir da década de 1970, começou a articular-se em torno de associações culturais. Este movimento de imigração e organização sociocultural foi objeto da primeira parte do trabalho. Adiante, a proposta central debate – tendo como marco o período entre 1990 e 2012 – as formas com que em alguns elementos desta cultura, considerados tradicionais (música, gastronomia, religiosidade, etc.) articulam memórias e, assim, atuam no sentido de construir e reforçar as identidades. Desta forma, entende este último conceito como uma estrutura que reconhece e incorpora as variações de expressão, negando, portanto, as perspectivas holistas. A metodologia utilizada foi a história oral, e as questões colocadas emergem das narrativas de imigrantes e descendentes, produzidas na cidade de Dourados / MS.

O Mundo Antigo a partir dos Escritos de F. Nietzsche: a eterna luta entre a moral aristocrática antiga e a moral judaico-cristã é o trabalho de Thiago Gomes da Silva. Conforme o autor, muitos foram aqueles que contribuíram para a perpetuação de uma série de preconceitos contra a política, a cultura e a própria concepção de existência das civilizações antigas. Em contrapartida, os textos de Friedrich Nietzsche possibilitam, de certa forma, resgatar uma imagem fortalecida do mundo antigo, apresentando-o com uma ótica peculiar. O filósofo também interpreta de maneira distinta a queda do Império Romano e frisa que sua representatividade moral esteve, e ainda estaria presente no próprio movimento que é história da humanidade, numa constante e eterna luta com aqueles valores responsáveis pela queda formal do Império. Uma luta entre as tábuas valorativas que compreendem os conceitos de bom e ruim contra bem e mal, a vigência do embate entre Roma contra Judéia, ou ainda, do Império Greco-Romano contra o Judaico-Cristianismo.

Geane Bezerra Cavalcanti em seu artigo Vigilância e Repressão do DOPS-PE contra as Associações de Moradores do Bairro de Casa Amarela e Adjacências (1955-1964) busca revelar os estudos sobre as intervenções do DOPS-PE sobre as associações de moradores do bairro de Casa Amarela e comunidades circunvizinhas. Justifica-se pela força, resistência e importância, que estas organizações tiveram para a história recente da cidade do Recife. Para desenvolvimento do trabalho se apropria como aporte teórico de Montenegro, Maria da Glória Gonh e Ilse Scherer-Warren. Como metodologia utilizou-se jornais de grande circulação em Pernambuco, bem como os apreendidos pelo DOPS-PE, além das informações referentes às associações de moradores de Casa Amarela, os inquéritos contra moradores, os documentos administrativos e os relatórios da polícia.

Os artistas e as Sociedades nos Estudos de História Comparada ou as Vidas Paralelas é o artigo de Leandro Couto Carreira Ricon, que objetiva demonstrar, através da análise teórica e metodológica, a possibilidade da utilização da produção de artistasintelectuais como fonte para a análise de realidades sociais, políticas e culturais díspares dentro do modelo proposto pela História Comparada. Desta forma, abre um foco de interdisciplinaridade com os estudos artísticos para a construção da História enquanto disciplina. Para tal, construiu um debate através da Sociologia Histórica, da História dos Conceitos, da História Social e da Historiografia Comparativa, buscando relacionar os conceitos de Artista, principalmente aquele proposto por Norbert Elias e de Intelectual.

Em O “grande” como solução à identificação regional: ampliações e retratações das delimitações da região de Dourados – MS, Bruno Bomfim Moreno propõe reflexões sobre a trajetória da utilização da terminologia grande Dourados como instrumento de delimitação da região da cidade de Dourados e municípios vizinhos, abarcando conceitos da geografia, da história e da sociologia. Em um texto envolvente e ilustrado por dados cartográficos e estatísticos, Moreno apresenta também uma reflexão historiográfica acerca da ocupação territorial desta região e como o grande surge como elemento de associação simbólica entre a região e a população local.

O artigo de André Luiz de Vasconcelos é intitulado Batalha de Stalingrado: o documentário como agente da história. O tema em questão é fruto de uma pesquisa que volta sua atenção para a memória relacionada à Batalha de Stalingrado. Para desenvolver a análise, fez-se a escolha de um documentário como fonte denominada “Stalingrad” realizado no ano de 2006 pelos diretores alemães Jörg Müllner e Sebastian Dehnhardt. Esta produção fílmica retrata a questão social de civis e militares, sejam alemães ou soviéticos ao longo da Batalha de Stalingrado. Esse filme documentário tornou-se interessante pelo fato de fazer uso da memória de sobreviventes que estiveram no ocorrido para tentar refazer uma reconstrução do passado vivido.

Recentemente, no início de dezembro de 2012, a UNESCO conferiu ao frevo (dança típica do estado de Pernambuco) o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Exatamente neste momento de júbilo da cultura brasileira e tendo este ritmo nordestino como o plano de fundo para o desenvolvimento de suas ideias, Marcelo Martins Ianino apresenta o artigo Clube das Máscaras O Galo da Madrugada: o maior bloco de carnaval do Brasil é Patrimônio Cultural e tradição em Pernambuco. Narrando a trajetória desse bloco carnavalesco o autor aponta como o Estado se apropriou dessa tradição popular urbana para criar um canal de comunicação com a população. Ainda no bojo da história d’O Galo da Madrugada Ianino fornece dados do processo de patrimonialização das expressões populares, ações lideradas por entidades como a UNESCO, o ICOMOS e o IPHAN cada vez mais frequentes e que representam, sem dúvida, uma seara para o desenvolvimento do ofício do historiador.

Tiago Alinor Hoissa Benfica escreveu o artigo Superar os Achados: método quantitativo para a história do tempo presente. O trabalho apresenta uma discussão sobre a utilização de questionários fechados com questões respondíveis em escala, método próprio para pesquisas na área de história do tempo presente. O debate está alicerçado na teoria das representações sociais. A sistematização e a exploração dos dados realizam-se a partir de recursos da informática.

O artigo intitulado Pelas Ruas, Escolas, Comércios e Propriedades Rurais: o itinerário dos Integralistas em Garanhuns-PE entre os anos de 1935 até 1937 é de autoria de Márcio André Martins de Moraes. De acordo com o autor, a Ação Integralista Brasileira (AIB), criada pelo intelectual católico Plínio Salgado, ocupou importante papel na política nacional nos anos 1930, pautando seus discursos doutrinários no lema: Deus, Pátria e Família. Em Pernambuco foram fundadas 66 sedes, das quais 12 ficaram entre o Recife e região metropolitana e as demais no interior do estado. O objetivo do artigo foi analisar as práticas cotidianas desses militantes em uma dessas cidades, no caso, Garanhuns (1935- 1937), observando as estratégias de atuação desses nos espaços públicos e privados. As atividades políticas e ideológicas dos membros da AIB, não ficavam restritas às reuniões no núcleo local, mas ganharam as principais ruas e estabelecimentos educacionais e comerciais, contribuindo, assim, para a divulgação e popularização do pensamento integralista entre os garanhuenses.

A parceria firmada entre Leandro de Araújo Crestani e Jefferson Andronio Ramundo Staduto tem como resultado O atraso tecnológico no setor agropecuário brasileiro: Lei de Terras de 1850 em perspectiva, uma análise da relação entre a estrutura fundiária do Brasil e a perpetuação de práticas rudimentares no setor agropecuário. Balizado pela Lei de Terras (1850) este texto contribui para o entendimento da proliferação das grandes propriedades rurais desde meados do século XIX a partir dos pressupostos da História Agrária e de conceitos da Economia, bem como a ocupação das terras brasileiras no período que antecedeu 1850.

Finalizando sua XII Edição, a REHR apresenta três resenhas: Memoria y Política en la Historia Argentina Reciente: una lectura desde Córdoba (2009), de Marta Philp, resenhada por María A. Zurlo. A obra Dourados e a Democratização da terra: povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956) (2008), de Maria Aparecida Ferreira Carli é resenhada por André Dioney Fonseca. Fechando essa sessão, Daniel Rincon Caires resenha a obra As Famílias Principais: redes de poder no Maranhão colonial (2012), de autoria de Antonia da Silva Mota.

Desejamos que a leitura desta edição da REHR seja agradável, proveitosa e que estimule novos olhares para a gama de possibilidades em que a História se permite entender. Parafraseando o saudoso e exímio historiador inglês Eric Hobsbawm, que faleceu aos 95 anos em 01 / 10 / 2012, concluímos esta apresentação com uma de suas célebres frases: A única generalização cem por cento segura sobre a história é aquela que diz que enquanto houver raça humana haverá história [5].

Notas

1. BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

2. CARDOSO, Ciro F. História e Paradigmas Rivais. In: CARDOSO, Ciro F.; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 1-23.

3. LE GOFF, Jacques. A História Nova. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

4. BURKE, Peter (Org.) A escrita da História: novas perspectivas. 2ª ed. São Paulo: Editora UNESP, 1992.

5. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 15-16.

Fabiano Coelho

Bruno Mendes Tulux

Anatólio Medeiros Arce

(Editores)

Dourados / MS, Primavera de 2012.


ARCE, Anatólio Medeiros; COELHO, Fabiano; TULUX, Bruno Mendes. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 6, n. 12, jul. / dez., 2012. Acessar publicação original [DR]

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História Indígena no Brasil: diálogos interdisciplinares / Revista Mosaico / 2011

A partir dos anos 1990, a história indígena vem se solidificando, sendo escolhida como tema de dissertações e teses dos programas de pós-graduação em nosso país, tendência que também se verifica na América-Latina. Desde então, tem havido publicações de inúmeros trabalhos acadêmicos, completos ou sob a forma de resumos, em anais de eventos científicos, ou ainda como livros, capítulos de livro e artigos em periódicos. Uma das características presentes na maioria dos trabalhos científicos sobre a temática indígena no campo da História é o diálogo interdisciplinar necessário com a Antropologia, a Arqueologia, a Linguística, a Educação, entre outras. Temos deixado de delegar especialmente ao campo da Antropologia a responsabilidade sobre o passado dos diferentes grupos étnicos em nosso país, e nos temos permitido, através de um caminho interdisicplinar, realizar pesquisas históricas diferenciadas sobre o referido tema. Esse diálogo contínuo e o uso de diferentes fontes históricas, assim como de variadas temporalidades, permite-nos negar a tese do historiador oitocentista Francisco Adolfo Varnhagen de que para os índios não haveria história, mas apenas etnografia. O mais importante é que uma das preocupações da historiografia recente sobre história indígena é não construir mais uma imagem do índio genérico, ou apenas de vítima dos primeiros contatos com os não indígenas na América portuguesa, “dizimados” e “assimilados”, ou seja em processo de desaparecimento. Ao contrário, Silvia Porto Alegre assevera que, nos últimos anos, os campos da História e da Antropologia revelaram que cada grupo indígena tinha um caráter étnico de posicionamento frente ao não indígena nas diferentes regiões brasileiras. E, mesmo que negados no plano discursivo, os grupos étnicos continuavam e continuam existindo e estão cada vez mais organizados politicamente, afirmando a sua etnicidade. O recorte da etnicidade entendido como fenômeno político é importante porque revela que as práticas políticas integracionistas criadas desde o Antigo Regime até o Brasil república não conseguiram fazer “desaparecerem” os povos indígenas até os dias atuais.

Diante do exposto, é com grande satisfação que a revista Mosaico dedica este dossiê à história indígena no Brasil, em que foram selecionados textos de autores de vários estados brasileiros que optaram por manter diálogos interdisciplinares, seja na perspectiva teórico-metodológica, seja na perspectiva das fontes documentais. Textos que trazem aportes para mergulharmos nas diferentes formas de relações interétnicas entre povos indígenas e colonizadores, assim como nas agências indígenas, nas questões culturais, religiosas e políticas, enquanto sujeitos históricos que souberam se reinventar nos espaços criados pelos interesses dos não indígenas ao longo da história do Brasil.

Juciene Ricarte Apolinário


APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. Editorial. Revista Mosaico. Goiânia, v.4, n.2, jul. / dez., 2011. Acessar publicação original [DR]

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A cidade como objeto de reflexão interdisciplinar (II) / Albuquerque: Revista de História / 2011

Mesmo enfrentando as dificuldades inerentes à publicação de um periódico acadêmico e superando o descrédito de alguns que não acreditam que os cursos de história da UFMS podem ter uma vitrine de pesquisas, não somente de seus docentes mas também dos pesquisadores de outras instituições, a Revista Albuquerque chega ao seu terceiro ano. Assim, consolida-se cada vez mais este projeto editorial e também mostra a relevância das atividades desenvolvidas pela Base de Pesquisas Históricas e Culturais das Bacias dos Rios Aquidauana e Miranda / BPRAM / DHI / CPAQ / UFMS.

Neste número estão incluídos na seção “Artigos” dois textos inovadores, frutos de pesquisas dos professores Bruno Torquato Silva, Luciene Lemos de Campos e Luciano Rodrigues. O artigo “Acerca dos problemas enfrentados pela burocracia do Exército na introdução do sorteio militar no Estado de Mato Grosso (1916-1945)”, insere-se no terreno da chamada Nova História Militar e contempla um problema central enfrentado pelo Exército Brasileiro, em Mato Grosso, no tocante à reposição de seus quadros efetivos. Ao mesmo tempo aponta fontes que possibilitem discussões sobre as implicações estratégicas da presença militar na região, sobretudo no concernente à defesa das fronteiras ocidentais, à manutenção da coesão nacional e da ordem social.

A seção é encerrada com “Migrantes e migrações: entre a história e a literatura”, texto no qual, a partir da interface da História com a Literatura, os autores discutem o fenômeno da migração, enfatizando os significados contidos nos fluxos populacionais, bem como o papel que os migrantes exerceram e exercem na formação sócio-cultural de diversas etnias.

A Revista Albuquerque, neste número, também dá continuidade na seção “Dossiê” ao assunto “A cidade como objeto de reflexão interdisciplinar”, iniciado no número anterior. Assim, os textos selecionados para este dossiê, produzidos por especialistas vinculados a variadas áreas do conhecimento, as problemáticas da cidade são delineadas como questões significativas, nas quais emergem temáticas variadas que vão desde representações urbanas sobre a modernidade, até a presença de um léxico urbano para nomear e dar significados aos lugares e às gentes.

Finalmente, na seção “Caderno Especial” está inserido um precioso documento, raro e inédito, do frei Mariano de Bagnaia, que vivenciou um momento difícil em sua passagem pela fronteira sul de Mato Grosso, quando foi prisioneiro dos paraguaios durante a Guerra com o Paraguai. Este documento faz parte do acervo histórico do arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul e foi gentilmente cedido para a sua reprodução nesta revista. São importantes informações sobre as consequências da guerra que retratam os danos financeiros e materiais das igrejas de Corumbá, Miranda, Nioaque, Albuquerque e da Missão Bom Conselho.

Com certeza, a Revista Albuquerque, mais uma vez, contribui como um veículo apropriado à divulgação da produção científica na área da história, para uma profícua reflexão sobre temas históricos e culturais.


Editores. Apresentação. Albuquerque: revista de história, Mato Grosso do Sul, v.3, n.5, 2011. Acessar publicação original [DR]

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História, educação e interdisciplinaridade / Revista Brasileira de História / 2010

O número 60 da RBH apresenta o dossiê “História, educação e interdisciplinaridade”, o qual traduz a expressiva dimensão que os debates sobre o ensino de História vêm assumindo nos meios acadêmicos brasileiros. Se por muito tempo os professores universitários de História foram resistentes a esse tipo de reflexão, o volume e a diversidade de artigos recebidos mostra uma positiva mudança em direção ao aprofundamento das questões relativas ao ensino da disciplina.

Os textos que compõem o dossiê procuram refletir sobre o saber escolar, entendido aqui como uma construção histórica, ou seja, como um produto de seu tempo, guardando muito do contexto em que foi elaborado. A perspectiva de que o ensino deve ser pensado em sua historicidade é um passo importante para entendermos a constituição da História como uma disciplina acadêmica e escolar, bem como as relações entre a carreira acadêmica e a formação docente no contexto brasileiro. A ideia básica do dossiê é contribuir para o debate sobre a formação dos docentes e apresentar subsídios para pensarmos sobre as funções e o alcance do ensino de História, tanto no passado como nos dias de hoje.

O dossiê é composto de sete artigos: Marcos Antônio da Silva e Selva Guimarães Fonseca analisam tradições de debate sobre ensino de História no Brasil desde a ditadura de 1964-1984. O artigo discute as mudanças, permanências, conquistas e perdas na história da disciplina. Destaca a importância da cultura escolar, a necessária continuidade da escola como instituição e o diálogo com formas não escolares de ensino. Aryana Lima Costa nos apresenta um artigo sobre a extensão na formação dos profissionais, pensando o papel que cabe (ou caberia) aos cursos de História na contemporaneidade através de atividades concebidas para extrapolar os muros das universidades. O texto de Maria Aparecida Bergamaschi e Juliana Schneider Medeiros analisa como a educação escolar indígena no Brasil foi imposta aos povos originários desde os primórdios da colonização, com o intuito de catequizá-los e civilizá-los, e de que maneira, coerentes com suas cosmologias, esses povos mantiveram um modo próprio de educação. O artigo de Maria Rita de Almeida Toledo e Daniel Revah apresenta um estudo sobre a revista Escola e a política educacional do regime militar a partir da difusão da reforma de ensino instituída pela Lei 5.692, de 1971. Outro texto que versa sobre a problemática do ensino durante a ditadura militar é de autoria de Elaine Lourenço e enfoca memórias da atuação docente no período. O artigo de Helenice Aparecida Bastos Rocha trata de um problema existente na escola brasileira que afeta diretamente o trabalho de ensino e aprendizagem de história: as condições de seus alunos no que se refere ao domínio da leitura e da escrita. Considerando o quadro apresentado, a autora sinaliza algumas alternativas para o ensino de história no Ensino Básico. Finalizando o dossiê, Ricardo de Aguiar Pacheco analisa as ações educativas em museu e suas relações com o ensino de história.

Os demais artigos deste número focalizam temáticas variadas. O texto de Raquel Discini de Campos analisa a atuação do médico carioca Floriano de Lemos na região Noroeste Paulista, na década de 1920 e procura situá-lo como personagem possuidor de uma trajetória emblemática a uma geração de intelectuais que intencionou mapear, analisar e organizar discursivamente o interior do país nas primeiras décadas do século XX. Francisca L. Nogueira de Azevedo e Roberta Teixeira Gonçalves estudam um documento do século XIX intitulado Novella pollítica e sentimental, e o ponto central do artigo é a análise da narrativa novelesca, no sentido de perceber os elementos discursivos utilizados como persuasão em defesa da Espanha. Ana Carolina Eiras Coelho Soares busca entender as relações entre os espaços urbanos do Rio de Janeiro oitocentista e as relações de gênero expressas na narrativa de José de Alencar em seus romances urbanos femininos: DivaLucíola e Senhora. O artigo de Andrea Dupuy focaliza como os primeiros núcleos populacionais da América Hispânica eram abastecidos de carne e o impacto do estanco, sistema de monopólio voltado para assegurar um eficiente fornecimento de alimentos às cidades. Para finalizar, Maria Helena Versiani apresenta alguns valores correlacionados à ideia de República presentes em um repertório de práticas políticas que tiveram lugar na sociedade brasileira, na segunda metade da década de 1980.

Conselho Editorial


Conselho editorial. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.30, n.60, 2010. Acessar publicação original [DR]

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A cidade como objeto de reflexão interdisciplinar (I) / Albuquerque: Revista de História / 2010

Com o lançamento do quarto número, a Revista Albuquerque completa seu segundo ano de existência. Possibilitando aos pesquisadores a divulgação dos resultados de suas pesquisas, propiciando aos estudantes e professores o amplo acesso a informações e à produção acadêmica mais recente, acreditamos que nesse período desempenhamos um papel fundamental, não só para o processo de socialização do conhecimento, mas também para o desenvolvimento científico da área de história, das humanidades e de áreas afins, em Mato Grosso do Sul e no restante do país. Por isso, o número que ora vem a público assume um significado especial, pois representa o momento de consolidação deste periódico, que reafirma seu compromisso de publicar textos de qualidade e relevância científica.

Neste quarto número da Revista Albuquerque, a seção “Artigos” se abre com três textos de suma importância para a compreensão do processo de ocupação colonial dos territórios situados ao longo do rio Paraguai, a rigor uma extensa área de fronteiras indefinidas até praticamente o século XIX, da qual fazem parte os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Partindo da constatação de que o controle daquele território fazia parte dos projetos expansionistas portugueses e espanhóis, no texto intitulado “Mato Grosso e Concepción, uma experiência de fronteira no período colonial (século XVIII)”, Ney Iared Reynaldo debruça-se sobre as estratégias adotadas pelas monarquias ibéricas para ocupar e salvaguardar suas áreas de domínio na região platina, então povoada por diferentes populações indígenas.

Em “Curumaí: uma povoação no caminho de Xerez”, Paulo Cezar Vargas Freire coloca em evidência a povoação de Curumiaí, um pueblo colonial espanhol formado por indígenas guaranis e fundado por religiosos franciscanos na década de 1580, cuja localização ainda é desconhecida. Partindo da proposição de que as escolhas dos locais de moradia, nesta parte da América do Sul, estão imbricadas com os traçados dos caminhos pré-coloniais, que durante os séculos XVI e XVII foram utilizados nos deslocamentos com igual ou maior constância que as vias fluviais, o autor objetiva, de um lado, contribuir para a localização do sítio da povoação de Curumiaí e, de outro, analisar a importância de considerar os caminhos pré-coloniais como um dos elementos para compreender a sucessão de deslocamentos das aldeias, dos pueblos ou das villas numa região em que as transmigrações das populações coloniais foram acentuadas.

A temática de Xerez é retomada por Sandra Nara da Silva Novais e Aguinaldo Rodrigues Gomes em “Campos de Xerez: palco de lutas e conflitos pela exploração da mão-de-obra indígena”, texto no qual os autores propõem apresentar os fatores históricos que inviabilizaram a perpetuação do projeto assuncenho- -castelhano no atual território sul-mato-grossense, abrangendo especificamente a região que na toponímia colonial foi denominada “Campos de Xerez”.

Seguindo a trajetória iniciada com a publicação de seu segundo número, o presente volume da Revista Albuquerque traz o Dossiê “A cidade como objeto de reflexão interdisciplinar”. Dado o volume de artigos apresentados, os editores resolveram dividí-los em duas partes, uma no presente volume e a segunda no volume seguinte. Reconhecendo as cidades como elementos constitutivos da trama cultural e histórica, podendo, portanto, ser observadas como espaços que condicionam múltiplas experiências pessoais e coletivas, tecidos de memórias do passado e de impressões recolhidas ao longo das diversas experiências urbanas, nos textos selecionados para este dossiê, produzidos por especialistas vinculados a variadas áreas do conhecimento, as problemáticas da cidade são delineadas como questões significativas, nas quais emergem temáticas variadas que vão desde representações urbanas sobre a modernidade, até a presença de um léxico urbano para nomear e dar significados aos lugares e às gentes.

Por fim, a seção “Caderno Especial” apresenta dois documentos importantes como contribuição para a compreensão histórica da fronteira oeste. O primeiro, “A retomada de Corumbá vista pelos paraguayos”, é um extrato do Album Graphico de la Republica del Paraguay, de Arsenio Lopez Decoud, e que traz uma visão diferente deste fato importante da Guerra com o Paraguai. O outro, “Repressão ao contrabando no Apa. Instruções. 1917”, demonstrou a preocupação das autoridades alfandegárias em legislar o combate aos descaminhos característicos da região fronteiriça.

Assim, a Revista Albuquerque segue superando os obstáculos comuns de um veículo de divulgação de produção histórica, matendo a sua regularidade e a qualidade de seus artigos.


Editores. Apresentação. Albuquerque: revista de história, Mato Grosso do Sul, v.2, n.4, 2010. Acessar publicação original [DR]

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Os índios na História: abordagens interdisciplinares / Tempo / 2007

Onde estão os índios na História do Brasil? Foi a pergunta feita, recentemente, aos editores da Tempo por Nancy de Castro Faria, nossa revisora de português por mais de uma década. A pergunta colocada por alguém acostumada a ler inúmeros artigos de História sobre os mais diversos temas é significativa a respeito dessa grande lacuna em nossa historiografia.

Em nossos dias, no entanto, tal situação vem-se alterando, e a organização deste dossiê já é um reflexo dessa lenta mudança. No Brasil, em proporções menores que em outras regiões da América, as populações indígenas vão, aos poucos, ganhando espaço em nossa historiografia. Nas últimas décadas, a aproximação crescente entre historiadores e antropólogos tem conduzido a novas proposições teóricas, que, ao complexificarem conceitos como cultura e etnicidade, questionam antigos dualismos como índio puro / índio aculturado; estruturas culturais / processos históricos; aculturação / resistência e permitem um novo olhar sobre as relações de contato entre os índios e as sociedades envolventes. O resultado tem sido o desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares que tendem a valorizar as atuações dos índios como importantes variáveis para a compreensão dos processos históricos nos quais se inserem. Assim, de vítimas passivas ou selvagens rebeldes que, uma vez vencidos, não movimentavam a história, diferentes grupos étnicos da América passam, a partir dessas pesquisas, a figurar como agentes sociais que, diante da violência, não se limitaram ao imobilismo ou à rebeldia. Impulsionados por interesses próprios e visando à sobrevivência diante das mais variadas situações caóticas e desestruturadoras, movimentaram-se em diferentes direções, buscando múltiplas estratégias que incluíam rearticulações culturais e identitárias continuamente transformadas na interação com outros grupos étnicos e sociais.

Este dossiê reúne artigos de historiadores e antropólogos que analisam tais interações por meio de estudos de casos concretos em temporalidades e espaços diversos. Quatro artigos tratam de regiões de fronteira, nas quais os índios e os colonizadores desenvolveram diferentes formas de relações que continuamente se modificavam, conforme suas próprias dinâmicas. Os três primeiros abordam esses encontros, no século XVIII, em três diferentes regiões da América Portuguesa, que constituem hoje os estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Amazonas, enquanto o quarto, com recorte temporal mais longo, do século XVI ao XIX, aborda a região sul da América Espanhola, no atual centro-sul do Chile. No quinto artigo, as relações entre as populações em contato são enfocadas por meio da análise de um objeto de coleção de museu: o retrato de Guido, um menino Bororo, que, revestido de historicidade, revela instigantes conexões entre os agentes em contato e os diferentes significados que os objetos podem adquirir nas coleções dos museus para índios e não-índios.

No primeiro artigo, Maria Leônia Chaves de Resende e Hal Langfur desvelam a significativa atuação dos índios nos sertões e nas vilas mineiras. Os conflitos nos sertões complexificam-se, na análise dos autores, de forma que, nas intrincadas relações ali estabelecidas entre posseiros, soldados e índios, estes últimos deixam de figurar nos extremos de selvagens ou vítimas indefesas dos bandeirantes. Nas vilas, o foco recai sobre os índios inseridos na sociedade colonial, que desafiavam seus administradores, ao rejeitarem a condição de mestiços e afirmarem, nas “ações de liberdade”, a identidade indígena que os livrava da escravidão, conforme a legislação de Pombal.

O artigo de Elisa Frühauf Garcia trata da política pombalina de integração dos índios guaranis ao império português, enfocando os limites e as implicações da política lingüística desenvolvida em dois estabelecimentos de ensino criados na Aldeia dos Anjos, no Rio Grande de São Pedro. As dificuldades de implementação dessa política que visava proibir o guarani e obrigar os índios a falarem o português são analisadas de forma complexa e interdisciplinar, o que permite à autora levantar instigantes questões sobre os processos de mudança cultural e reafirmação étnica vivenciados pelos grupos em contato.

Patrícia Maria Melo Sampaio enfoca as ações e estratégias dos índios nas vilas coloniais da Amazônia Portuguesa no momento da implantação da Carta Régia de 1798, que aboliu o Diretório dos Índios (1757-1798). Ressaltando a importância dos vassalos índios naquela capitania e o temor das autoridades de que eles passassem para o lado espanhol, a autora apresenta as adaptações das legislações como resultado de negociações sistemáticas com as lideranças indígenas, de forma que as ações e estratégias dos índios são vistas como fatores essenciais para a construção das políticas indígenas e indigenistas da Amazônia.

Guillaume Boccara estuda, ao longo dos séculos, o processo de construção da identidade Mapuche, abordando as complexas relações de conflitos e negociações entre os índios Reche / Mapuche e os agentes coloniais. Evidencia-se que as mudanças culturais e identitárias daí resultantes foram fruto tanto das atuações dos índios quanto dos colonizadores. O suposto caráter exclusivamente conflitivo das áreas de fronteira dá lugar à idéia de espaço de interações fluidas e dinâmicas entre diferentes grupos étnicos e sociais, no qual se alteram relações de hostilidade e de trocas comerciais e culturais.

Combinando estudos históricos e etnográficos, João Pacheco de Oliveira analisa o retrato de Guido, o menino Bororo, identificando seus múltiplos significados. No contexto da chamada pacificação dos Bororo, o autor analisa as complexas relações entre os atores, refletindo sobre suas compreensões a respeito das próprias histórias, que se revelam por meio de textos, desenhos e objetos. Apresenta, pois, uma reflexão sobre os diferentes sentidos desses objetos para as populações em contato e sobre o significado de que se revestem no âmbito da coleção do Museu Nacional, lembrando que as representações dos índios ali expostas não se encerram em suas vitrines, mas possuem conexões com identidades dos índios no presente. O artigo aponta para a importância de se levar em conta a historicidade dos objetos museológicos, cujos sentidos são continuamente reinterpretados e ressemantizados, conforme os contextos e os agentes sociais.

Todos os estudos, portanto, se inserem num quadro teórico-conceitual no qual se enfatiza a historicidade das culturas e das identidades étnicas, valorizando-se as ações dos índios e os processos históricos como elementos importantes para a compreensão do desenvolvimento das próprias relações de contato e das sociedades daí resultantes. Nesse sentido, contribuem não apenas para uma revisão da história indígena, mas das próprias histórias nacionais e coloniais. Lembrando Jonathan Hill, desde a chegada dos europeus às Américas, as histórias dos índios passaram a se entrelaçar com as dos colonizadores e não devem ser vistas de forma distinta, nem em oposição a elas. Ao apresentar histórias indígenas imbricadas com as histórias coloniais / nacionais, os trabalhos deste dossiê convidam os leitores a repensarem o lugar dos índios na História do Brasil e da América e respondem, ao menos em parte, à pergunta colocada por nossa estimada revisora.

A entrevista com Serge Gruzinski e a resenha de Ronald Raminelli, publicadas neste número, complementam o dossiê. Serge Gruzinski, historiador da École des Hautes Études en Sciences Sociales e referência internacional para estudos interdisciplinares sobre relações interétnicas e mestiçagens culturais, nos fala sobre as dificuldades e os avanços da história indígena na América em perspectivas interdisciplinares e comparativas. Ronald Raminelli, historiador da UFF, especialista em pesquisas no campo histórico-antropológico, incluindo a temática indígena, levanta importantes questões sobre o dilema do tempo na etno-história, ao nos apresentar o livro Religião como tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil Colonial, de Cristina Pompa, antropóloga com alma de historiadora, cujo trabalho mereceu o primeiro lugar no concurso ANPOCS de 2002.

Maria Regina Celestino de Almeida – Professora Associada do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. E-mail: [email protected]


ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Apresentação. Tempo. Niterói, v.12, n.23, 2007. Acessar publicação original [DR]

Cidade, imagem, história e interdisciplinaridade / Urbana / 2007

A alegria de trazer a público este segundo número da revista Urbana se alimenta, especialmente, da satisfação em poder reunir um conjunto expressivo de estudos que abordam a cidade, bem como da percepção do significativo diálogo que se esboça entre esses textos. Elaborados em primeira versão para os debates da edição de julho de 2007 do Simpósio Nacional da Associação Nacional de História – ANPUH, ocorrido na cidade de São Leopoldo, os artigos desta segunda Urbana são conduzidos pelo fio da interdisciplinaridade – aspecto, aliás, que acompanha o CIEC desde seus inícios, e também este periódico.

Inspirados pelos debates na ANPUH-2007, partimos de uma seleção de textos apresentados em dois Simpósios Temáticos do evento para compor o dossiê Cidade, Imagem, História e Interdisciplinaridade. Na composição, ambos os Simpósios Temáticos, “Cidade, História e Interdisciplinaridade” (coordenado por mim e por Marisa Varanda Teixeira Carpintero) e “Cultura Visual, Imagem e História” (coordenado por Iara Lis Schiavinatto e Charles Monteiro), interagem continuamente, sem que se revele ao leitor, numa primeira tomada, quais autores estiveram presentes em um ou outro debate. [1]

A seleção que fizemos resulta em passagens por variados espaços – como não podia deixar de ser, quando as temáticas se entrecruzam justamente na cidade e na história. Somos levados com os autores por diversos espaços, alguns revisitados em tempos e miradas diferentes: por Guaratuba, Campinas, Porto Alegre e interior sul-riograndense, João Pessoa, Rio de Janeiro, São Paulo e mais, ora conduzidos pelas margens, ora levados aos centros, aos parques, ao lazer, aos dilemas, às figurações, às tensões, às ilusões… Por vezes são os gestos do urbanista e do capitão-mór que norteiam essas passagens, noutras vezes as tomadas do jornalista, do fotógrafo e do cineasta, ou ainda os ângulos do especialista e do governante, ou as penas do chargista e do literato, narrativas daqueles que vivenciam e pensam, em lugares diversos, os espaços do urbano. Passagens, aliás, apreendidas por meio de narrativas que avançam para além da suposta fugacidade ou ineficiência das ações – e transformações – no urbano, para além de uma imaginada coesão da cidade possivelmente convertida em dispersão. Pode-se dizer que, de modos distintos, os estudos aqui reunidos acolhem o “descontrole” e a imprevisibilidade da cidade e se movem em direção a outros espaços, despidos de ilusões de ordem, envoltos pelo desejo de desvelar algo mais, de avançar mais alguns passos na compreensão desse fenômeno complexo e instigante que é a cidade.

As passagens nesses estudos, portanto, não se reduzem à(s) espacialidade(s). Abarcam a multiplicidade que perpassa a cidade, entendida como fenômeno histórico ou na condição de objeto de conhecimento. A dimensão inegavelmente complexa e múltipla do urbano é visível ao longo dos textos, não apenas quando a abordagem conceitual ou documental, sobretudo da cultura visual, implica na compreensão de seus diversos suportes materiais, suas fontes visuais e iconográficas, suas linguagens, seus lugares de enunciação, circuitos e fluxos. O múltiplo e o complexo se fazem presentes também quando os estudos se desdobram sobre a heterogeneidade das formas e sujeitos na / da cidade, a variedade de seus atores e autores, a pluralidade dos discursos e leituras que a percebem, a diversidade de diagnósticos e perspectivas que a avaliam, em sua mobilidade e transformação constante. A visualidade e a dimensão narrativa, que dialogam entre esses textos, configuram um processo continuado de produção de sentidos sociais, apreendidos neste dossiê.

Entendemos que abordar historicamente a cidade considerando-se essa complexidade nos coloca, sobretudo, o desafio de se constituir uma visão antes interdisciplinar do que multidisciplinar do urbano. Mais que dispor lado a lado disciplinas e seus campos de reflexão, esse desafio implica considerar ainda os contatos e entrelaçamentos nos quais é possível vislumbrar os diálogos indispensáveis à apreensão da cidade. Trata-se, na verdade, de uma opção que se construiu ao longo do trabalho editorial, desde as primeiras formulações para o projeto deste periódico, e esperamos que o leitor possa percebê-la no percurso destes textos.

Os editores da Urbana – Revista Eletrônica do Centro Interdisciplinar de Estudos da Cidade-CIEC / Unicamp – são amplamente gratos aos autores, que prontamente enviaram e aprimoraram seus textos, aguardando pacientemente por esta edição que, por “injustificáveis justificativas”, demorou mais que se previa para vir a público. Hoje na condição de editora deste número, agradeço ainda ao imprescindível apoio dos colegas do CIEC, virtualmente presentes desde os momentos de seleção dos textos, bem como nas revisões e afins. Esperamos, por fim, que o resultado de todos esses encontros possa ampliar e renovar os debates que iniciamos noutros tempos.

Nota

1 Para conhecer cada proposta em sua versão original e sua relação com cada um dos dois simpósios temáticos, o leitor pode aproveitar-se da “virtualidade” desta leitura e navegar pelos arquivos da ANPUH-2007: http: / / snh2007.anpuh.org / site / saoleopoldo

Josianne Francia Cerasoli – Membro do conselho editorial da Urbana, responsável por este número. E-mail: [email protected]


CERASOLI, Josianne Francia. Apresentação. Urbana. Campinas, v.2, n.1, 2007. Acessar publicação original [DR]

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