Encontros e desencontros de lá e de cá do Atlântico: mulheres Africanas e Afro-brasileiras em perspectiva de gênero / Patrícia G. Gomes e Claudio A. Furtado

GOMES Patricia Godinho Mulheres africanas
Patrícia Godinho Gomes / Foto: Elaine Schmitt – UFSC Notícias /

GOMES P e FURTADO C Encontros e desencontros de la e de ca do Atlantico Mulheres africanasEm um breve ensaio na introdução é apresentada a ideia de modernidade, acentuada no desenvolvimento do capitalismo e na industrialização. Esta faz com que transformações socioculturais e de categorias como as de gênero e raça derivem de fundamentos sociais euro-peus, influenciando em desigualdades e estratificações sociais. Destaca-se uma cronologia dos estudos e temas publicados sobre mulheres e relações de gênero, representando seus impasses, como a predominância de textos escritos por homens e a partir de seus olhares, mas também o crescimento significativo da produção literária sobre mulheres africanas e a partir de suas perspectivas. Quanto ao Brasil, mostra-se dados em relação ao período da escravidão e o peso da visão machista e eurocêntrica sobre eles, como o ideal do colonizador sobre o colonizado. Por isso, a importância de uma literatura produzida sobre as lutas das mulheres negras no Bra-sil, fazendo com que conceitos de raça e gênero sejam considerados intrínsecos, “insepará-veis”.

No primeiro capítulo, “De emancipadas a invisíveis: as mulheres guineenses na produ-ção intelectual do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas”, a autora Patrícia Godinho Go-mes apresenta um breve excursus teórico de Houtondji e Oyèwùmi e a questão dos estudos sobre mulheres e gênero, no qual destaca a origem da produção deste conhecimento e seus principais destinatários. No processo de independência de Guiné-Bissau, em 1973, a partici-pação das mulheres constituiu-se em um elemento-chave para seu desenvolvimento do pro-cesso, tanto externo como interno. Porém, a importância das mesmas é inviabilizada nos dis-cursos, como discutido no diálogo apresentado entre dois intelectuais guineenses- Carlos Lo-pes e Diana Lima Handem, que debatem temas como patriarcado, subalternização e relações de gênero e mercado de trabalho. É abordada a ausência de mulheres na produção intelectual do INEP, juntamente com a de temas sobre as mesmas, dando destaque às atitudes de alguns órgãos como A União Democrática das Mulheres Guineenses (Udemu) em relação a isto. Leia Mais

As faces de John Dube: memória, história e nação na África do Sul / Antonio E. A. Barros

A reconstituição progressiva das diferentes estratégias, tramas de competição política e batalhas pela memória da nação sul-africana contemporânea constituídas em torno do legado e da biografia de uma de suas figuras centrais, John Langalibalele Mafukuzela Dube (1871-1946), constituem o objeto principal do mais recente livro do historiador maranhense Antônio Evaldo Almeida Barros. Resultante de sua tese de doutorado, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia, em 2012, sob orientação de Lívio Sansone, o livro constitui um convite etnográfico, interdisciplinar e bem documentado para acompanhar o autor na aventura da exploração das artimanhas da nação e da memória no contexto sul-africano, explorando o contínuo, complexo e multifacetado processo de reconstrução biográfica d’As Faces de John Dube.

Por oportuno, tendo em vista o próprio objeto analisado na obra, talvez fosse interessante tecer algumas breves considerações sobre o autor, assim se tornará mais compreensível o esforço intelectual realizado e algumas de suas bases epistemológicas. Podemos começar então pelo denso investimento realizado anteriormente por Antonio Evaldo para a reconstituição de uma história social da cultura popular maranhense na contemporaneidade, cujos resultados só parcialmente começam a ser divulgados2. Desde esse momento, parece-me, os meandros da nação, cultura, memória e identidade constituem eixos centrais de discussão que se prolongam no trabalho ora resenhado. Da mesma forma, do ponto de vista metodológico, percebe-se n’As Faces de John Dube a mesma paixão pela imersão no campo arquivístico, porém, com uma exposição muito mais arguta e envolvente a respeito do processo de construção da pesquisa, com um enredo que nos convida a acompanhar a construção da obra em processo e, paralelamente, do próprio Dube em movimento. Para um observador próximo, torna-se claro também a inscrição dessa pesquisa em um programa de investigação promovido por jovens pesquisadores do Maranhão, que tem como meta incorporar o continente africano em uma pauta de investigações comparativas, constituída em torno de afinidades temáticas e problemas conceituais, e radicada nas redes de discussão epistemológica do eixo sul-sul3.

Com efeito, recorrendo a textos e narrativas desse intelectual sul-africano reconhecido, passando por biografias, artigos, ensaios e livros de natureza diversa sobre Mafukuzela distribuídos por diversos arquivos, e atravessando diferentes configurações temporais, Antônio Evaldo nos convida, então, a uma densa e multissituada exploração das modalidades de gestão coletiva, enquadramento institucional e lutas de memória em torno de Dube. E aqui se encontra, para o parecerista, o aspecto mais interessante da obra, posto que o que se coloca sob análise não é propriamente o sujeito empírico, mas o problema das formas de autoinscrição simbólica e política dessa figura central da narrativa sul-africana em diferentes configurações. São, portanto, as modalidades de patrimonialização da cultura e suas distintas concepções de história, desenvolvimento, raça e cultura que entram em pauta.

Evidentemente, a escolha temática e a pluralidade de fontes e materiais de caráter crítico ou laudatório sobre John Dube têm como suporte a pluralidade de papéis e cargos por ele exercidos e as sucessivas tomadas de posição que adotou no espaço público. Assim, como bem demonstra o autor, em que pese a variedade de visões construídas por biógrafos, documentaristas e comentadores, há relativo consenso de que não se trata de um indivíduo ordinário ou socialmente insignificante, o que ajuda a compreender a profusão de dispositivos empregados para produzir, atualizar ou questionar o legado desse personagem4. Porém, se essas realizações são bem conhecidas por aqueles que têm se interessado por sua vida e obra, é também significativo observar que os discursos e práticas atribuídos a Dube não costumam ser trazidos à tona de modo despropositado; a eles são destinadas ênfases e interpretações de natureza política, acadêmica ou artística, situadas no contexto social e histórico de seus produtores, numa cadeia de interpretações que envolve, além de Dube, homens e mulheres que com ele conviveram ou que, posteriormente, o tomaram como objeto de suas narrativas.

Para recobrar o processo complexo de utilização de Mafukuzela como objeto de diferentes estratégias e tramas de competição política e batalhas pela memória da nação, Antônio Evaldo tenta reconstituir esse trabalho de muitas mãos em três recortes. No primeiro capítulo, intilulado John Dube no seu próprio tempo, o autor narra alguns momentos da vida de John Dube explorando os seus discursos distribuídos por ensaios, livros e outras formas de intervenção social escrita. Neste caso, interessa ao autor descrever simultaneamente o contexto sócio-político e o itinerário de vida de John Dube, ao passo em que são exploradas as suas interpretações sobre a realidade e as narrativas e imagens que projetou sobre si. A hipótese de fundo é que a extraordinariedade do seu trajeto, situado nas fronteiras entre a sua cultura de origem e as fontes da cultura dominante, e o seu esforço por encontrar um sentido e posição no mundo dentro do conjunto de injunções contraditórias aos quais foi submetido delimitam e influem sobre as operações posteriores de revisão do seu legado.

A partir de então a análise descola-se propriamente do indivíduo para nos situar nas grandes tendências interpretativas que, desde o final do século XIX até o início do século XXI, tomam John Dube como objeto ou sujeito de interesse. É assim que, em Dube rememorado em tempos e espaços da África dos Sul segregada (capítulo 2), o autor passa a explorar aqueles que tendem a identificar Mafukuzela como colaborador direto ou indireto do processo de implementação do regime segregacionista sul-africano. A despeito de que essa representação da vida de Dube posa ser encontrada em diferentes momentos e contextos da história da África do Sul contemporânea, fato é que ela se torna claramente dominante nos anos do Apartheid, particularmente entre as décadas de 1940 e 1970. A tônica das publicações diversas que analisou – e com maior detalhe, dois ensaios biográficos e uma biografia – é aquela na qual Dube pode ser visto como fantoche dos brancos, incentivador da solidariedade racial, numa expressão, promotor do apartheid. Em suma, John Dube seria o retrato de como ser fraco e ambíguo diante das forças sociais, políticas e econômicas da história sul-africana, e da luta contra a opressão social e racial.

De outro lado, há aqueles que posicionam John Dube como personagem central das lutas históricas contra a segregação racial, inscrevendo-o, como ocorre atualmente, como uma espécie de herói sul-africano. Também neste caso podem-se observar registros desta tendência em diferentes décadas e situações, como nas representações sobre Dube produzidas por sua família e grupo social nos anos 1970 no âmbito dos izibongos5 que lhe foram dedicados, analisados no final do segundo capítulo. Mas este padrão interpretativo tornar-se-ia claramente dominante na África do Sul pós-Apartheid, particularmente no contexto de invenção da África do Sul como Rainbown Nation.

São justamente esses usos e abusos de John Dube que o autor analisa no terceiro capítulo: John Dube em tempos e espaços da nação arco-íris. Porém, antes de destacarmos o foco do capítulo, interessa enfatizar a digressão feita pelo autor no início dessa última parte do livro, quando somos surpreendidos com uma nova e bem-humorada exploração de sua experiência etnográfica, destacando não apenas as suas percepções subjetivas a respeito das diferenças entre África e Brasil, como também o complexo jogo de permanências e mudanças no jogo de classificações e etiquetagens naquele espaço simbólico. É que o tópico permite ver com clareza que o foco principal da obra não se situa exatamente nas situações e experiências múltiplas, desiguais e diferentes dos sujeitos concretos, mas nas condições sociais de formatação, enquadramento e reconhecimento público de determinadas narrativas e categorias de classificação da realidade.

Em museus e monumentos, nos meios acadêmicos, celebrações e homenagens, na imprensa ou em meios digitais, o autor vai explorando como vai sendo esculpida simbolicamente e objetivado o discurso da Rainbow Nation ao passo em que Dube é reabilitado como sujeito absolutamente envolvido nas lutas pela liberdade, opositor inteligente de ações e movimentos que visavam instituir o Apartheid. Conectada à instalação dessa ruptura, a vida de Mafukuzela passa a ser tomada como exemplo de que nas origens da nação sul-africana moderna haveria formas claras de relações raciais harmônicas entre brancos e negros. John Dube seria, portanto, o retrato de como ser forte diante das forças sociais, políticas e econômicas da história e na luta contra a opressão social e racial; um exemplo heróico para ser seguido numa África do Sul que se pretende como nação caracterizada pela diversidade cultural e étnica.

A guisa de conclusão, gostaria de destacar um último aspecto da obra que retoma os argumentos da conclusão apresentada pelo autor. Ele diz respeito ao valor pedagógico de uma abordagem que tem clareza com relação ao foco principal do trabalho. Sem prender-se a uma visão encantada e celebratória a respeito da construção da Rainbow Nation, e mobilizando uma pluralidade de fontes com precauções teóricas, o livro consegue, antes de qualquer coisa, demonstrar as múltiplas tensões, simbólicas e sociais, por meio das quais a nação é fabricada e representada na contemporaneidade. Porém, a apreensão desse processo de produção da realidade oficial e pública, objeto do trabalho, não faz com que o autor deixe de ponderar o fato de que os processos de visibilização e consagração de determinados patrimônios e atores sociais, como John Dube, recobrem diferentes formas de silenciamento e, por vezes, fazem esquecer realidades não ditas e percebidas nessas narrativas, o que pode se desdobrar ainda em um novo e instigante programa de investigações.

Notas

  1. Consultar, por exemplo: BARROS, Antonio Evaldo A. Invocando deuses no templo ateniense: (re)inventando tradições e identidades no Maranhão. Outros Tempos, São Luís, v.3, p. 156-182, 2006. Id. O pantheon encantado: culturas e heranças étnicas na formação da identidade maranhense. 2007. 319 p. Dissertação (Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos) – IFCH, PÓS-AFRO, CEAO, Salvador: UFBA, 2007.
  2. Desse ângulo, inclusive, este livro pode ser lido como um dos mais belos e pedagógicos exemplares de uma agenda de pesquisas coletivas levada a cabo no bojo do Núcleo de Estudos África e Sul Global (NeÁfrica) – grupo vinculado à Universidade Federal do Maranhão e Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) – o qual tem se traduzido em diferentes publicações, eventos e irrigado diversos projetos de investigação.
  3. Neste caso, valeria muito à pena atentar para a sugestão de um programa de pesquisas realizada por Livio Sansone no prefácio do livro, quando assinala que “Dube não é somente importante, mas é também exemplar para o estudo das biografias dos pais da pátria que foram a expressão de vários outros países africanos” (p. 15).
  4. Izibongo refere-se a louvores entoados em honra de uma pessoa, trata-se de um gênero de louvor poético, de poesia oral, comum entre os zulus, uma espécie de poesia ou louvor com características metafóricas, laudatórias, elogiosas e no qual se narram feitos históricos de uma pessoa que já morreu, sobretudo reis e aqueles que são heroificados. Imbongi é a pessoa especializada em proferir o izibongo.

Wheriston Silva Neris – Doutor em Sociologia. Professor do Campus III -UFMA e docente permanente do PPGHIST/UEMA. E-mail: [email protected].


BARROS, Antonio Evaldo Almeida. As faces de John Dube: memória, história e nação na África do Sul. Curitiba, PR: CRV, 2016. Resenha de: NERIS, Wheriston Silva. As tramas da patrimonialização da cultura: histórias, memórias e narrativas de/sobre John Dube na Rainbow Nation. Outros Tempos, São Luís, v.15, n.25, p.192-196, 2018. Acessar publicação original. [IF].

Democracia e estado de exceção: transição e memória política no Brasil e na África do Sul / Edson Teles

Democracia e Estado de Exceção, livro escrito por Edson Teles, trata da questão do papel da memória, no Brasil e na África do Sul. Seus usos e abusos na assunção das novas democracias no Hemisfério Sul, ante a herança autoritária da ditadura militar brasileira e do apartheid sul-africano. Em específico, a obra discute como esse passado, em tempos democráticos, interfere nas ações políticas do presente e na consolidação dos novos contratos sociais, sob a tensão entre a lembrança e o esquecimento dos tempos de exceção.

A publicação é fruto da tese de doutoramento intitulada: Brasil e África do Sul: paradoxos da democracia, defendida no ano de 2007 pela Universidade de São Paulo. Além disso, é resultado de anos de militância política e engajamento por parte do autor nas questões que envolvem os direitos humanos. A obra sedimenta suas reflexões no campo da filosofia política. Assim, constitui-se como um dos pontos chaves para o entendimento da abordagem do autor, a relação paradoxal entre a certeza do discurso e a insegurança da ação.

Nesse sentido, Democracia e Estado de Exceção, em comparação com outras obras do campo da filosofia, foge de uma perspectiva clássica. O livro não somente investe na densidade do debate filosófico que envolve noções e conceitos de memória, democracia, perdão e ressentimento, mas, por outro lado, busca o entendimento de como essas noções e conceitos foram articulados em realidades históricas específicas – Brasil e África do Sul – através da relação dialética entre lembrança e esquecimento.

De maneira geral, ao autor interessa como o debate filosófico interfere e constrói novos sentidos à esfera pública, ou como, em momentos de transição política, criam-se condições e possibilidades para o forjamento de novas formas de sociabilidade. As novas democracias teriam a difícil missão de criar um novo cenário de reconciliação com o passado, (re)construção do presente e projeção de um futuro para brasileiros e sul-africanos.

Os anos de chumbo da ditadura civil-militar no Brasil e o apartheid na África do Sul violaram o sentido democrático na medida em que a violência fez parte de maneira autorizada na esfera pública. Por consequência, a democracia foi encoberta pela exceção através dos crimes cometidos contra a humanidade: tortura, desaparecimento, assassinato e prisão daqueles que lutaram contra o regime. De certa forma, ambos os países experienciaram a produção da violência como uma política de Estado em tempos de exceção. Portanto, configuram-se como sociedades marcadas pelo ressentimento e trauma.

Em contextos como o de transição, os crimes ditos públicos, tais como casos de corrupção e violações à humanidade, passam a ter cada vez mais visibilidade. O filósofo propõe refletir a questão a partir das novas jurisprudências que foram criadas com o objetivo de julgar tais crimes, como: A Comissão Sul-Africana de Verdade e Reconciliação. Por outro lado, os períodos de transição e assunção de novos modelos políticos que confrontam os regimes de exceção enfrentam um grande dilema no reestabelecimento dos novos contratos sociais: punir ou anistiar; punir ou perdoar?

Para melhor compreender as especificidades de cada caso, Teles recorre ao método comparativo. As novas democracias – brasileira e sul-africana – tiveram que lidar, cada qual à sua maneira, com o passado dos regimes de exceção. Para tanto, o autor compreende que a memória desempenha um papel importante no acesso ao passado – seja enquanto esquecimento através do silêncio, seja enquanto lembrança – com a possibilidade de publicização dos traumas do passado em esfera pública.

A obra está disposta em cinco capítulos, dos quais o primeiro versa sobre as problemáticas da memória. Apesar de possuir um capítulo em específico, as reflexões acerca do papel da memória nas novas democracias são norteadoras para o desenvolvimento e considerações do autor ao longo dos outros quatro capítulos. Teles propõe iniciar suas reflexões a respeito do papel da memória questionando o que se lembra, e quem lembra. O investimento no conteúdo e agente da ação expõe as complexidades do acesso à memória.

Em suas considerações iniciais o autor rejeita a tese de que a memória seja um dado natural. O filósofo compreende que conteúdo e agente podem ser um importante indicativo para o entendimento das ações de recordação, tendo em vista que a coisa lembrada (conteúdo) projeta-se sobre o sujeito que realiza a recordação (agente). Teles pondera que, no campo social, o acesso ao passado através das ações de recordação torna-se mais complexo, pois o discurso dirigido por terceiros – Estado, partidos políticos e ONGs – reconfigura não somente a mensagem (conteúdo), mas o acesso à recordação (agentes e receptores). Para Teles, tais reconfigurações pelas quais passa a memória no campo social, ou as ações de recordação que envolvem conteúdo e agentes possibilitam compreender dois campos de abordagem.

O primeiro diz respeito à participação dos sujeitos nas ações de recordação de forma plural e subjetiva; já o segundo tem por finalidade tratar de forma objetiva e duradoura os elementos do passado. Nesse sentido, o autor considera que na esfera pública – no discurso proferido pelo Estado, partidos políticos e outras entidades – seja impossível compreender as ações de recordação, eu e nós, subjetividade e objetividade de forma distinta. Por consequência, a memória política seria esse espaço de análise das incongruências e conjunções entre o esquecimento e lembrança, singular e plural, subjetivo e objetivo.

Em diálogo com o historiador Peter Burke1, o autor expõe os conflitos e complementaridades da memória objetivada nas placas, monumentos e nos novos nomes das ruas com a subjetividade da memória dos moradores da cidade de Sófia. Teles considera que nos entulhos da objetividade da memória das datas, nomes e livros existem pontos mnemônicos subjetivos pouco acessíveis que fogem da homogeneidade imagética que as sociedades fazem de si mesmas. As memórias dos regimes autoritários seriam momentos de rupturas e de conflitos entre as ações objetivas e a pouca visibilidade às ações de recordações subjetivas.

Apesar do livro não investir em uma divisão em partes ou seções, consigo observar dois eixos centrais a partir do segundo capítulo. Estes configuram-se, também, como eixos espaciais, um estudo de caso do fim dos regimes autoritários e os processos de transição e consolidação das democracias no Brasil e na África do Sul. Esses dois eixos, por assim dizer, articulam as reflexões propostas por Teles. As experiências brasileira e sul-africana vivenciaram o signo da violência, mas lidaram com a memória de maneira distinta. Apesar de certas aproximações, Brasil e África do Sul, parecem divergir nos caminhos percorridos e pelo modo como reconstruíram suas democracias entre o final dos anos 80 e o início dos anos 90.

Nos capítulos dois e três, o autor se preocupa com o caso brasileiro, mais precisamente, com o processo de transição política negociada entre os representantes da classe política que acabou por negligenciar o povo da esfera pública. Nesse sentido, creio que a experiência brasileira consagra as políticas de silêncio. O consenso, ou memória consensual – no período de transição – produziu silêncios a respeito dos crimes cometidos durante a ditadura militar. Para o autor, a memória objetiva do período limitou-se a datas, comemorações e placas alusivas ao fim do regime. Por outro lado, a impossibilidade do aparecimento de outras narrativas, que pudessem traduzir a subjetividade das experiências traumáticas na dimensão pública, silenciou vários indivíduos produzindo um vácuo entre passado e presente. Em alguns casos, sem a possibilidade de falar, esses mesmos indivíduos optam pelo silêncio reduzindo sua publicidade ao campo privado.

A transição brasileira negligenciou a memória política, ou seja, a nova dimensão pública limitou a presença plural do passado no presente. No capítulo Lembrar e Esquecer, Teles classifica três tipos de memória do período de transição. São elas: a memória dos militares, a memória das vítimas e, por fim, a memória do consenso. Em síntese, a memória dos militares seria a da vitória contra os subversivos, a famigerada ameaça comunista. Em contraste com a versão anterior, a memória das vítimas defende a investigação e punição a todos os culpados pelos crimes cometidos no período da ditadura militar. O esquecimento e passividade estatal perante as denúncias criaram uma zona de inconformismo por parte desses movimentos. E, por fim, a memória do consenso busca uma posição central entre as duas memórias. Sendo assim, esta memória irá expor de forma limitada sua visão sobre os crimes do passado e, em contrapartida, será simpática ao novo governo civil com o fim da ditadura.

Analisando o consenso, enquanto marca da transição brasileira, acredito que seu entendimento cruze as considerações do autor a respeito do conceito de democracia. Para Teles, o processo de transição de forma lenta e gradual ao qual se propôs o acordo entre os militares, lideranças políticas, latifundiários e empresários constituiu-se como uma democracia relativa ou incompleta. O filósofo questiona a eficácia da nova roupagem institucional – assembleias, eleições e direitos individuais – se estes mesmos espaços de ação na esfera pública limitam a área de atuação das subjetividades políticas. Como podemos falar de democracia se os crimes do passado não foram ainda julgados?

No capítulo três, intitulado Políticas do Silêncio, o autor faz algumas considerações sobre os efeitos do silêncio com a consolidação do período democrático no Brasil. Analisando algumas reflexões feitas pelo autor, acredito que a democracia brasileira não tenha se preocupado com o conteúdo do discurso e seu espaço de atuação. Nesse sentido, a memória objetiva peca no revestimento de novos sentidos mnemônicos para os espaços públicos. Ainda é comum no Brasil encontrarmos monumentos, nomes de ruas e escolas que prestam homenagens a presidentes e políticos envolvidos de forma direta com o regime militar. Soma-se, do ponto de vista subjetivo, a ocultação de falas e arquivos públicos. A democracia passa a enrustir e transformar o passado em segredo.

O segundo eixo é composto dos dois últimos capítulos. Neles o autor investiga a experiência sul-africana através da Comissão de Verdade e Reconciliação. A partir deste órgão e de outras ações, a África do Sul promoveu sua política de anistia em troca da confissão dos crimes. A dissonância entre o caso sul-africano e o brasileiro ocorre na opção do primeiro por criar espaços públicos de confissão e perdão, analisando caso a caso. Já o Brasil, através da anistia coletiva, transfigurou a memória ao campo do esquecimento através do silêncio. Por seu turno, a África do Sul optou pela publicização dos traumas e ressentimentos, através de políticas de narrativas. Tais espaços tinham por objetivo consumar luto e recriar novos laços sociais entre os indivíduos.

O período de segregação racial – apartheid – chegou ao fim com a eleição de Nelson Mandela para a presidência do país em 1994. A partir de então, a África do Sul elaborou uma nova constituição e lançou um plano de reconciliação com o objetivo de reconstruir a nação sem as marcas da violência e do preconceito de outrora. Para tanto, seria necessário lidar com o ressentimento e trauma do passado. Segundo o autor, esferas públicas foram criadas, reunindo vítimas e criminosos com o objetivo de apurar e reparar os crimes contra a humanidade. Tais momentos funcionavam mais como espaços de reconciliação do que tribunais cujo único objetivo seria o de punir todos aqueles que estivessem envolvidos em crimes no regime segregacionista.

Edson Teles pondera que a reconciliação sul-africana não ocorreu em um momento único. Na verdade, foi um processo que demandou tempo. Compreendo este momento não somente pelo seu viés institucional e burocrático, mas por sua dimensão simbólica, algo que se assemelha a momentos de ritualização coletiva, com o objetivo de recriar novos espaços de comunhão. Nesse sentido, o conceito ubunto, fortemente enraizado na tradição africana, auxiliou no processo de reconciliação, à medida que a reintegração dos réus à sociedade só era aceita por meio de um pedido de desculpas públicas após a confissão do crime.

Edson Teles, em comparação com o processo brasileiro, vê as narrativas construídas pelos sul-africanos como inovadoras por dois aspectos: primeiro, pela comissão ter ouvido não somente vítimas, mas também aqueles que cometeram os crimes no período; segundo, pela ampla publicidade dada às narrativas criando espaços de pluralidade e construção de subjetividades sobre o passado. Algo que a transição brasileira sempre negligenciou. Contudo, se o caso brasileiro peca pela ausência de memória, Teles critica o excesso de memória da experiência sul-africana como um dos pontos que também dificultam a concretude e o perdão.

Democracia e Estado de Exceção é um importante estudo de caso que recorre ao método comparativo para compreender os sentidos do passado. Para além do campo da filosofia política, em vários momentos, a obra parece estar inserida dentro do campo da História Social das Ideias, devido à análise contextual e atuação dos agentes nos processos de consolidação das novas democracias no hemisfério sul.

Wendell Emmanuel Brito de Souza – Mestre em História Social/UFMA. São Luís/Maranhão/Brasil. E-mail: [email protected].


TELES, Edson. Democracia e estado de exceção: transição e memória política no Brasil e na África do Sul. São Paulo: Editora Fap-Unifesp, 2015. 220 p. Resenha de: SOUZA, Wendell Emmanuel Brito de. Memória política entre silêncios e narrativas: transição democrática no Brasil e na África do Sul. Outros Tempos, São Luís, v.15, n.26, p.250-255, 2018. Acessar publicação original. [IF].

Encontros com Moçambique / Regiane A. Mattos, Matheus S. Pereira e Carolina G. Morais

“Encontros com Moçambique” é um livro fruto de apresentações e debates realizados durante a II Semana da África: Encontros com Moçambique, na PUC do Rio de Janeiro, entre os dias 21 e 23 de março de 2016. Se há uma década os colóquios e seminários reuniam pouco mais de uma dezena de pesquisadores interessados na grande área de História da África, abrangendo assim um amplo recorte temático e temporal de estudos, este livro é o retrato de como, hoje, encontramo-nos em um novo momento. Regiane Augusto de Mattos, Carolina Maíra Gomes Morais e Matheus Serva Pereira apostaram que seria possível organizar uma obra que reunisse pesquisas cujo tema principal fosse Moçambique. A investida não apenas se concretizou como é prova, como afirma Valdemir Zamparoni em seu prefácio à obra, de “um amadurecimento ímpar da área de estudos africanos”2 no Brasil.

Com a maioria dos trabalhos delimitados pelo período colonial ou que perpassam o período em sua análise, o livro conta com 10 artigos divididos em 3 unidades: Deslocamentos, conexões históricas e conflitos; Narrativas; e Agendas de um Moçambique contemporâneo. Na primeira parte, um ponto de união entre os textos são os fatores condicionantes e as consequências de deslocamentos, forçados ou não, em diferentes períodos históricos, além do uso de fontes oficiais, trabalho etnográfico ou registros de imprensa para as análises, com acurado rigor metodológico no uso da documentação.

O artigo de Regiane Mattos, “Aspectos translocais das relações políticas em Angoche no século XIX”, contempla as relações entre sociedades litorâneas e interioranas do norte de Moçambique, destacando os contatos não hierárquicos entre o sultanato de Angoche e as elites muçulmanas de outras localidades, em especial no Zanzibar. Mattos parte de um evento principal para orientar sua pesquisa e desafiar a interpretação tradicional da historiografia: a viagem do comandante militar de Angoche, Mussa Quanto, e seu parente sharif, em 1849. A autora, a partir desse deslocamento, avalia a formação de uma rede comercial e cultural no oceano Índico em consonância com o aumento da presença da religião muçulmana nesses territórios. Mais do que realizar a análise histórica de uma questão localmente específica, interessa a Mattos averiguar as conexões a partir da perspectiva da translocalidade, conceito desenvolvido pela historiadora Ulrike Freitag e central na abordagem proposta no artigo. Muito bem explicado no texto, o conceito ampara a pesquisa em seu objetivo de destacar as interconexões entre lugares e atores, abrindo espaços para ressignificações de aspectos globais em âmbito local.3

No artigo seguinte, “Algazarras ensurdecedoras: conflitos em torno da construção de um espaço urbano colonial (Lourenço Marques – 1900-1920)”, Matheus Serva Pereira aborda, a partir de notícias na imprensa local, a difícil relação entre o projeto urbano colonial português para Lourenço Marques, cuja área central de Maxaquene foi delimitada para a ocupação de famílias brancas europeias, e a insistência – e resistência – dos “batuques” da população local. O argumento de Serva Pereira é que, a despeito do projeto colonial urbano, do uso da violência física e simbólica no deslocamento forçado das comunidades para a periferia, as notícias veiculadas na imprensa da época põem em xeque o sucesso de tal empreitada. Pereira atesta que os batuques, como práticas culturais, revelam uma atuação “longe de passiva em relação as instituições criadas para regular e fiscalizar o perímetro urbano de Lourenço Marques”4, estabelecendo assim um diálogo estreito com as premissas teóricas de Frederick Cooper sobre a noção de resistência em espaços coloniais5. Do mesmo modo, o autor esforça-se em defender uma organização social não totalmente polarizada na cidade, ao recompor o espectro social dos batuques nas cantinas de Lourenço Marques, onde não era incomum a convivência, num mesmo espaço de diversão, de figuras oficialmente opostas na lógica colonial e urbana.6

Ainda sob a premissa dos deslocamentos e seus conflitos, o capítulo que encerra o primeiro conjunto de textos, “Saúde além das fronteiras: doenças, assistências e trabalho migratório ao sul de Moçambique (1930-1975)”, de Carolina Maíra Gomes Morais, analisa de que maneira a imigração de trabalhadores para a África do Sul, no período colonial, além de atender a uma demanda econômica, trouxe consequências sensíveis no âmbito da saúde e das relações pessoais em Moçambique. Para acessar as condições desse movimento migratório, Morais faz uso, sobretudo, de fontes oficiais de relatórios de inspetores administrativos e se questiona de que maneira se davam as relações entre medicina “oficial” e “tradicional”. Pela disponibilidade das fontes, há uma comprovação mais substancial em relação à atuação dos Serviços de Saúde do que ao recurso à medicina tradicional. Interessante é notar a fluidez de fronteiras entre Moçambique e África do Sul sugerida pela autora para os saberes e medicinas tradicionais, proporcionada pelo trabalho migratório, além da ampla modificação nas relações pessoais em Moçambique, quando do retorno dos trabalhadores.

Na segunda unidade do livro, composta por trabalhos de pesquisadores provindos de diferentes áreas do conhecimento, os artigos têm em comum o estudo de uma obra ou do conjunto da obra de moçambicanos. Nesta unidade, que traz fontes interessantes e pouco convencionais nas pesquisas sobre Moçambique, como a fotografia e o cinema, cumpre enfatizar como nota comum o superdimensionamento do contexto histórico nas abordagens. Nos trabalhos, o contexto é instrumentalizado de modo a legitimar as narrativas ficcional ou visual presentes na documentação, utilizada muitas vezes como mero exemplo comprobatório da realidade colonial. Não resta dúvida quanto ao esforço teórico de todos os textos da unidade, mas, de um modo geral, a metodologia utilizada para a análise da relação entre ficção e História, literatura e História e visualidade e História nesses trabalhos limitou o uso mais abrangente das fontes, negligenciando, em certa medida, as narrativas criativas das próprias obras como propositivas e autoras de discursos formadores do social.

Em “O cinema em Moçambique – história, memória e ideologia: análise dos filmes Chaimite, a queda do Império Vátua (1953) e Catembe: sete dias em Lourenço Marques (1965)”, Alex Santana França realiza uma interpretação sócio-histórica e comparativa entre os filmes Chamite… e Catembe…, ancorando-se na perspectiva teórica de Francis Vanoye. Com a análise sobre Chaimite, o autor demarca as principais características do cinema de propaganda portuguesa, que se dispunha a responder, na época, à crítica internacional sobre o colonialismo luso. Catembe…, ao mesmo tempo em que demonstra o empenho português em conformar uma imagem oficial das colônias, comprovado pelos diversos cortes impostos ao filme, é considerado pelo autor como um exemplo de crítica à colonização.

Em “Não Vamos Esquecer! A propósito da fotografia ‘Marca de gado em jovem pastor’ de Ricardo Rangel”, Isa Márcia Bandeira de Brito busca analisar uma imagem feita pelo fotógrafo moçambicano em 1973, na qual um menino havia sido ferido a ferro na testa por seu patrão, por ter deixado fugir um animal. O prisma da autora na interpretação da imagem, no entanto, não favorece uma análise aprofundada e complexa do objeto, já que toma a imagem como exemplo das relações de violência colonial de maneira generalizada e dicotomiza as relações colonizador/colonizado, enfoque do qual vem se distanciando a historiografia mais recente, amparada nos estudos pós-coloniais, como são exemplos trabalhos consagrados, como os de Frederick Cooper, Homi Bhabha e Mary Louise Pratt7. A autora, vale frisar, mobiliza uma bibliografia interessante para a teorização do objeto no campo das visualidades e o trabalho dimensiona possíveis significados simbólicos da fotografia.

Em “A poesia contestatória de Noémia de Sousa e a situação colonial em Moçambique (1948-1951)”, Gabriele de Novaes Santos se propõe a compreender como a imprensa se ofereceu como veículo para a poesia de contestação colonial da escritora moçambicana Noémia de Sousa. O trabalho de Gabriele Santos é ainda inicial e, portanto, muito promissor, uma vez que a autora abre, no próprio texto, possibilidades de pesquisa interessantes sobre a obra da moçambicana. Por fim, o texto que encerra Narrativas é de autoria de Fatime Samb, com o título “A mulher moçambicana e as práticas culturais”. Ainda no primeiro parágrafo, a autora atesta sua proposta de fazer uma análise sobre o livro Niketche: uma história de poligamia e sobre o papel da mulher na obra de Paulina Chiziane. Samb faz uma importante recapitulação sobre as relações de gênero em Moçambique e a posição social da mulher na “sociedade tradicional” moçambicana, além dos impactos da independência nas relações de gênero e atuação política feminina a partir do comando da Frelimo, um tema ainda pouco conhecido e abordado em pesquisas sobre Moçambique.

A terceira e última unidade do livro, Agendas de um Moçambique contemporâneo, é formada por três artigos, sendo que dois estão em profundo diálogo a respeito da inserção internacional moçambicana, e provêm de duas áreas de formação distintas: Administração e Antropologia. Elga Lessa de Almeida e Elsa Sousa Krayachete, em “Moçambique e a cooperação internacional para o desenvolvimento”, fazem um retrospecto sobre as relações bilaterais estabelecidas por Moçambique com seus parceiros internacionais, demarcando a diferença entre cooperações verticais e horizontais, estas firmadas por países em desenvolvimento, como África do Sul, China e Brasil. O estudo de Elsa de Almeida e Elga Krayachete e o de Fernanda Gallo, “(Des)encontros do Brasil com Moçambique: o caso da Vale em Moatize” complementam-se diante do leitor atento às investidas e consequências da presença brasileira no país. Com um interessantíssimo trabalho antropológico, Gallo busca a vivência da população diante das transformações provocadas pela chegada das empresas multinacionais, em especial a mineradora Vale, e pergunta-se se há alguma relação entre esses megaprojetos para o país e a retomada crescente dos conflitos com a Renamo e ataques a trens. A antropóloga, munindo-se das comprovações de seu trabalho de campo, torna evidente ao leitor o desrespeito das empresas sobre as relações das pessoas com seus locais de origem, ao decidirem, unilateralmente, os locais para reassentamento, por exemplo, e deixa às claras o descompasso entre o discurso oficial da solidariedade e a prática de maximização dos lucros das empresas estrangeiras no país.

O livro se encerra com o capítulo desafiador de Vera Fátima Gasparetto, no qual a autora se dispõe a discutir as possibilidades de uma pesquisa interdisciplinar feminista a partir de uma análise sobre a questão da veiculação da imagem feminina na mídia, comparando a atuação feminina sobre essa questão no Brasil e em Moçambique. A autora traz um panorama sobre a composição e atuação das mulheres em seus espaços de organização nos dois países, como o Fórum Mulher e a Rede Mulher e Mídia. De um ponto de vista feminista e das novas epistemologias no Sul, em diálogo com Boaventura de Sousa Santos, por exemplo, Gasparetto faz ainda uma crítica interna a algumas teorias feministas que essencializam africanas, fazendo do trabalho acadêmico também um trabalho militante na investida de produzir “[…] uma investigação interessada em conhecer a partir das mulheres, conceituadas como sujeitas conhecedoras e conhecíveis.”8

O livro sem dúvida é uma referência importante e necessária para quem deseja se aprofundar em alguns temas moçambicanos e os trabalhos são, em conjunto, uma contribuição valiosa que demonstra um país repleto de possibilidades de pesquisa e com múltiplas fontes possíveis para análise. Mostra-se especialmente interessante nessa obra organizada o diálogo bibliográfico entre os trabalhos e, sobretudo, os diferentes exercícios teóricos e metodológicos que ultrapassam as barreiras temáticas e configuram-se como inspiração aos pesquisadores leitores. Assuntos e referências atravessam alguns capítulos do livro, como o conceito de colonialidade de Aníbal Quijano9, mais profundamente abordado no artigo de Vera Gasparetto, a discussão de gênero, de trabalho e a noção de resistências, no plural, ao longo da história moçambicana. Esse é um livro que, sem dúvida, deve ser consultado para se conhecer mais e melhor sobre Moçambique.

Taciana Almeida Garrido de Resende – Doutoranda em História Social – USP. São Paulo, SP-Brasil. E-mail: [email protected].


MATTOS, Regiane A. de; PEREIRA, Matheus Serva; MORAIS, Carolina Gomes (Org.). Encontros com Moçambique. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2016. 286p. Resenha de: RESENTE, Taciana Almeida Garrido. Desafios metodológicos, interdisciplinaridade, História: Encontros com Moçambique. Outros Tempos, São Luís, v.13, n.22, p.238-243, 2016. Acessar publicação original. [IF].

History, Memory, and State-Sponsored Violence: Time and Justice / Berber Bervernage

O professor Berber Bevernage atua na Universidade de Gent, Bélgica, e participa do grupo “TAPAS – Thinking about the past”, localizado na mesma universidade. O trabalho resenhado é o fruto de sua tese de doutorado e traz consigo discussões basilares para sociedades que passaram por períodos de regimes ditatoriais ou atos de extrema violência protagonizados pelo Estado. A principal fonte de análise do autor são os resultados das comissões da verdade de três países: Argentina, África do Sul e Serra Leoa. Bevernage defenderá a tese de que a compreensão tradicionalmente defendida pela historiografia ocidental sobre tempo e história não pode ser aplicada às vítimas de violência promovida por esses Estados.

Logo no prefácio de sua obra, Bevernage nos apresenta as suas teses principais: primeira, “that the way one delas with historical injustice and the ethics of history is strongly dependente on the way one conceives of historical time”; segunda, “that the concept of time traditionally used by historians are structurally more compatible with the perpetrators’ than the victims’ point of view” e, terceira, “that the breaking with this structural bias demands a fundamental rethinking of the dominant modern notions of history and historical time” (BEVERNAGE, p. 9, 2012). De acordo com essas teses, portanto, será perseguida, durante todo o restante do trabalho, a maneira com a qual as vítimas entendem o passado que lhes é traumático. Essa maneira de compreender o tempo e a história específica das vítimas se contrapõe, portanto àquela tradicionalmente aplicada pela historiografia moderna ocidental, a qual, de maneira oposta, se adequa muito melhor ao ponto de vista dos perpetradores da violência. Bevernage propõe, pois, outra maneira de lidar com as noções de tempo e história dessas vítimas.

O livro está dividido em duas partes. Na primeira, encontra-se a discussão acerca dos eventos traumáticos passados pelas vítimas nos três países referenciados. No final desta, o autor apresenta conclusões preliminares que apontam para a necessidade de se repensar a maneira com a qual se tem tratado o tempo e a história para vítimas de eventos traumáticos protagonizados pelo Estado. Na segunda, Bevernage se debruça sobre a discussão teórica que dará cabo de sua análise dos casos desses três países. O autor, então, perpassa uma série de tradições historiográficas da teoria da história e aponta o pensamento do filósofo francês Jacques Derrida como o mais apto a ser aplicado à noção de tempo dessas vítimas. Ao término dessa segunda parte, igualmente, Bevernage apresenta as suas conclusões acerca de todo o processo, deixando clara, não obstante, a sua opinião sobre o que deveria ser feito com relação ao passado traumático nesses três casos analisados. Exatamente por isso, ele afirma ainda no prefácio, o seu trabalho trazer uma contribuição à teoria da história, porém, uma contribuição “não-ortodoxa”. Sua contribuição é assim qualificada, pois:

Unorthodox because it does not focus on professional historiography; it does not go into questions of truth, objectivity, or narrativism; but mostly, this book differs from conventional philosophy of history because it tries to draw the attention to some long-neglected ‘big questions’ about the historical condition – questions about historical time, the unity of history, and the ontological status of present and past – and because it is openly programmatic in its plea for a new historical ethics [2].

Será, portanto, essa “nova ética histórica” o foco das discussões de Bevernage em sua obra. Qual seria a melhor teoria, pois, para se analisar o tempo e a história presente nas narrativas das vítimas da violência estatal nesses três casos analisados? Uma vez analisadas “corretamente”, haveria alguma maneira de tratá-las de acordo com os seus pedidos, mantendo a paz e a integridade de todos? Ou o simples ato de ouvir os seus anseios da maneira que eles querem já poria a sociedade em uma situação de instabilidade política? Na introdução, o autor apresenta o pensamento de dois autores consagrados na historiografia ocidental, Nietzsche e Benjamin, contrapondo seus pensamentos. Enquanto para o primeiro, “para se viver torna-se necessário esquecer”, para o segundo, as injustiças históricas cometidas no passado devem ser redirecionadas para o presente, reorientando-o. Segundo Bevernage, a tradição moderna ocidental teria se afiliado muito mais ao pensamento nietzcheniano, tendo como consequência disso o foco numa ética histórica muito “presentista”. O autor faz dialogar, portanto, o “tempo da história” com o “tempo da jurisdição”, trazendo para o centro da discussão a possibilidade de serem julgados crimes cometidos em um passado muito longínquo. Dentro dessa lógica, pois, o “tempo da história” aparece como aquele responsável por apresentar o tempo como algo “reversível”, enquanto o “tempo da jurisdição” o apresenta de maneira “irreversível”. Para as vítimas, contudo, conforme Bevernage apresenta na fala de um sobrevivente de Auschwitz, essa noção de tempo “irreversível” é “inaceitável” [3].

A partir dessa discussão aparentemente dicotômica e sem saída, Bevernage apresenta a ideia de “tempo irrevogável” (“notion of irrevocable”) enquanto possibilidade de saída para tal quimera, expressa no dilema sobre o que fazer com os crimes históricos ocorridos nos países que sofreram atos de violência protagonizados pelo Estado, uma vez que a “justiça transicional” deve decidir sobre algo extremamente delicado:

(…) to repair historical injustice and thereby risk social dissent, destabilization, and return to violence; or to aim at a democratic and peaceful present and future to the ‘disadvantage’ of the victims of a grim past? [4].

Quando se trata de atos de violência cometidos pelo Estado, contudo, tem sido muito mais comum o esquecimento. Para as vítimas, entretanto, a situação tem se mostrado completamente diferente. As vítimas não esquecem. Pelo contrário, para elas o passado continua presente, atormentando-as, clamando por justiça, mesmo que ela cause desestabilização na “paz social”. A partir dos anos 1980 essa situação tem mudado um pouco. Conforme apresenta Bevernage, as comissões da verdade trazem consigo esse dilema da justiça transicional e, a partir da análise dos resultados obtidos pelas comissões nos três países supracitados, Bevernage busca por uma saída satisfatória para o tormento que o passado causa na vida das vítimas, mesmo o Estado tendo oficializado tal evento traumático enquanto “superado”. A história, portanto, apresenta a qualidade de “performática”, pois: “it can also produce substantial socio-political effects and that, to some extent, it can bring into being the state of affairs it pretends merely to describe” [5]

O primeiro caso analisado, no primeiro capítulo da Parte I do livro, é o das “Madres de Plaza de Mayo”, na Argentina, as quais clamam por justiça em nome de seus filhos, os “desaparecidos”. Esse grupo de vítimas levanta uma série de conceitos problemáticos acerca da ditadura militar na Argentina, os quais são facilmente relacionados à ideia de “tempo irrevogável” defendida por Bevernage. Enquanto o governo argentino lançou o “Nunca Más” como slogan para o esquecimento e superação da violência protagonizada pelo Estado durante tal período, as “Madres” lançaram o “Aparición con vida”, opondo-se claramente à ideia de esquecimento em prol da superação. Para elas, portanto, não importa se os seus filhos estão realmente mortos ou são “desaparecidos”. Elas clamam por justiça, para que o Estado prenda os perpetradores da violência que matou os seus filhos, não pelo esquecimento ou pela superação. A força do debate levantado pelas “Madres” é, portanto, colocada por Bevernage como exemplar de um grupo de vítimas que se opõe declaradamente ao conceito de tempo e história “irreversíveis”. Para Bevernage, apenas o “tempo irrevogável” é capaz de compreender tais anseios trazidos por estas mães [6].

No capítulo seguinte, Bervernage apresenta o caso da África do Sul e do “Apartheid”. Algo semelhante ao caso das “Madres” se apresenta aqui: apesar de a comissão da verdade trazer à tona crimes de violação aos direitos humanos, a grande maioria desses casos foi engavetada em nome da “paz social”. Para um grupo específico de vítimas, contudo, os “Khulumani”, o passado não deve ser esquecido dessa maneira. Independente do que possa ter ocorrido oficialmente com a chegada de Nelson Mandela ao poder, uma quebra maior com o legado do “Apartheid” ainda é, para esse grupo, um projeto de longa duração. Dessa forma, de maneira semelhante ao que se observou na Argentina, as narrativas das vítimas do “Apartheid” na África do Sul precisam ser analisadas a partir da ideia de “tempo irrevogável”, pois eles chamam por uma justiça que, para a justiça transicional oferecer, seria necessário resolver àquele dilema apresentado anteriormente, o que colocaria em cheque a paz social, uma vez que o enfrentamento do passado, no presente, viria em termos legais e criminais, não apenas sociais.

O terceiro caso, de Serra Leoa, analisado no capítulo seguinte, apresenta conclusões semelhantes com relação ao “tempo irrevogável”. Para Bevernage, a ideia de “tempo irreversível”, amplamente divulgada pelas comissões da verdade nesses três países, tem por principal objetivo manter a integridade nacional, manter o povo unido em prol de algo menos catastrófico quanto encarar o passado traumático de frente, algo preconizado pelo “tempo irrevogável”. Não se trata de resolver os problemas do passado, no presente, como se eles pudessem ser apagados. Trata-se, isso sim, de reconhecer que, para as vítimas, pedir para simplesmente “esquecer” é, tanto cruel, quanto irreal, pois elas não esquecem e, conforme o autor demonstra nesses capítulos, elas criam grupos sociais e se articulam em prol de mostrar para o Estado: “nós não esquecemos. Nós queremos justiça”.

As conclusões preliminares às quais o autor chega ao final da primeira parte de seu livro trazem tais questões ao foco do debate. As “políticas temporais” (“politics of time”) promovidas pelas comissões da verdade nesses três casos voltam-se para a história, não em prol de elaborar uma continuidade temporal capaz de sanar as insatisfações e os traumas das vítimas, mas sim em prol de uma descontinuidade temporal, sendo esta responsável por deixar clara a necessidade de elaboração de uma política de tempo “irreversível”. Esquecer para superar. O esquecimento vem, ainda, aliado à ideia de “perdão”. Todos esses argumentos promovidos por tal “política temporal” tem por objetivo central a manutenção de uma nação coesa, evitando trazer para si as polêmicas de um enfrentamento do passado traumático em termos legais e jurídicos. O ato de posicionar os atos violentos no “passado” elabora uma cronologia responsável por alocar as vítimas em um tempo que não lhes pertence mais, tornando-as antiquadas e rancorosas, caso queiram clamar por justiça [7].

As experiências delas, portanto, ainda substantivas, sensíveis e vivas, são transformadas em cronologia pela justiça transicional baseada na ideia de tempo “irreversível”. Para as vítimas, o passado ainda é um espectro, um fantasma, algo que ronda as suas consciências no presente e não pode simplesmente ser “exorcizado” pelo Estado e suas políticas temporais baseadas neste outro modelo de compreensão do tempo.

Na segunda parte de seu livro, Bevernage inicia a busca por algum modelo temporal que se adequasse ao das vítimas desses três exemplos elencados. O autor dialoga com o tempo newtoniano, com o tempo formulado pelo historicismo, pelo modernismo e pelo secularismo, para chegar à conclusão inicial de que, nenhuma delas, apesar de significativas para a formação do que a historiografia ocidental considera tempo e história, dialoga com o passado “aterrorizante” das vítimas (BEVERNAGE:108, 2012). Não obstante, tornasse necessário frisar que este modelo temporal e de história formulado pela modernidade, no qual o autor afirma a historiografia ocidental basear-se, precisar ser repensado, caso desejemos trazer para a discussão os passados traumáticos e atormentadores das vítimas de violências causadas pelo Estado. A isso, Bevernage nomeará de “cronosofia” (“chronosophy”): “we need to rethink historical time and look for the possibility of na alternative chronosophy” [8].

Em seguida, ainda em busca de alguma teoria que abarque esta outra “cronosofia” necessária, Bevernage dialoga com autores como Fernand Braudel, Collingwood, Paul Ricoeur, Ernst Bloch, Louis Althusser. De todos esses autores, Bevernage destaca que houve, durante todo o século XX, a tentativa de discutir o tempo e a história sob vieses capazes de trazerem consigo tempos plurais e polirrítmicos, porém, nenhum deles quebrou tão fortemente com a tradição temporal marxista e hegeliana como o filósofo francês Jacques Derrida:

What we need and what is mostly lacking in the alternative chronosophies discussed in this chapter, therefore, is an explicit deconstruction of any notion of a time that acts as a container time and pretends to be the measure of all other times. Who can we better turn to for this type of deconstruction job than the French philosopher Jacques Derrida? [9]

Derrida aparece, na fala de Bevernage, como o teórico mais apropriado para lidar com o tempo aterrorizante das vítimas porque ele, mesmo sendo assumidamente marxista, foi capaz de assumir e trazer para a sua “cronosofia” os “espectros” temporais, aos quais o próprio Marx faz referência em muitas de suas obras. Para o autor, portanto, Derrida trará para a sua “cronosofia” a máxima shakespeariana “time is out of joint” (“o tempo está fora de eixo”) em prol de elaborar uma teoria temporal capaz de trazer para si os espectros e os presentes não desejados, uma vez que deveriam já ter se tornado passado [10].

Já próximo às conclusões final do livro, Bevernage associa tal teoria ao tratamento do luto e da melancolia. Uma vez que às vítimas das violências tratadas nos capítulos anteriores foi negado o tratamento social do luto, Bevernage aponta que, ao tratá-las dessa forma, o Estado não estaria sanando um problema, mas sim, criando um ainda maior – como é o caso das “Madres” que, independente do tempo passado desde o desaparecimento de seus filhos ainda os qualificam como “desaparecidos”, não como “mortos” [11]. O autor, então, chega à conclusão de que, o modo com o qual se tem tratado o luto nas sociedades modernas tem-se mostrado ineficaz para com a sua superação. As vítimas precisam senti-lo e, não apenas isso, elas precisam ver medidas serem tomadas, legalmente, em prol de seu sentimento de “passado-presente”, em nome desse espectro que os ronda, uma vez que não se trata de uma questão meramente pessoal, mas de uma questão de violência causada pelo próprio Estado. Bevernage toma, mais uma vez, o exemplo das “Madres” para ilustrar tal necessidade, quando afirma: “this, I think, is how we have to interpret the Madres’ claim that although more than thirty years of calendar time have passed since their children were disappeared, they do not consider them to belong to the past” [12].

Às conclusões finais às quais Bevernage chega podem ser destacadas da seguinte maneira: enquanto as comissões da verdade, por meio da ação da justiça transicional, trazem à tona o tempo espectral e aterrorizante das vítimas, esse tempo no qual, segundo o autor, a teoria mais adequada para analisar é a de Derrida, elas nada podem intervir, uma vez que, ao apoiarem-se nos discursos históricos acadêmicos sobre tempo e história, elas não encontram respaldo para tal. O tempo e história nas narrativas das vítimas, então, encontram-se em uma situação problemática: apesar de o próprio Estado trazer à tona as suas falas a partir das comissões da verdade, nada é feito, pois a sua “cronosofia” não é vista enquanto possível, dentro da tradição historiográfica ocidental.

Bevernage, contudo, não se abstém de opinar neste quesito. Após toda a pesquisa, ele afirma, com relação à teoria do tempo irrevogável e às políticas temporais, que não é de sua alçada afirmar que se deva fazer justiça a todo e qualquer. Essa, de acordo com o autor, é uma decisão que não pode ser tomada fora do contexto específico no qual a violência efetivamente aconteceu “deciding how exactly to deal with the past after political transition and/or violent conflict will remain a socio-political issue that cannot be solved a priori or out of context”, às vezes, a “besta do passado” é simplesmente forte demais para ser olhada diretamente [13]. Para tanto, pois, Bevernage afirma que o dilema da justiça transicional, uma vez considerado o tempo irrevogável, deve permanecer enquanto um “dilema político”, isto é, algo que deva variar de acordo com as especificidades de cada país e de cada acontecimento histórico violento.

Ao invés de, ao término da pesquisa, Bevernage pretender uma espécie de “fórmula” para a resolução dos problemas sociais em sociedades pós-transicionais, ele nos oferece a reflexão de que, afinal, esta é uma questão política e, trazer as narrativas das vítimas para o seu cerne é, não apenas necessário, como vital. Se a “cronosofia” moderna não consegue abarcar a “cronosofia” das vítimas, tampouco negá-la é a solução para manter a estabilidade social em situações extremas como as tratadas durante o livro. O diálogo com a teoria de Derrida serve para o autor exatamente nesse aspecto: existem, inevitavelmente, inúmeros presentes naquilo que acreditamos ser o “presente” e, em casos como esses, negá-los pode gerar um nível de dissensão perigoso para a manutenção da coesão social responsável por formar uma nação.

Notas

  1. BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-Sponsored Violence: Time and Justice. New York/London: Routledge, 2012. p. 10.
  2. BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-Sponsored Violence: Time and Justice. New York/London: Routledge, 2012. p.3.
  3. Ibid., p.7.
  4. BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-Sponsored Violence: Time and Justice. New York/London: Routledge, 2012.p.15.
  5. Ibid., p.45.
  6. BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-Sponsored Violence: Time and Justice. New York/London: Routledge, 2012.p.86.
  7. BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-Sponsored Violence: Time and Justice. New York/London: Routledge, 2012.p.109.
  8. Ibid., p.130.
  9. BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-Sponsored Violence: Time and Justice. New York/London: Routledge, 2012. p.144.
  10. Ibid., p.157.
  11. Ibid., p.167.

Caio Rodrigo Carvalho Lima – Licenciado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Natal/RN. E-mail: [email protected].


BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-Sponsored Violence: Time and Justice. New York/London: Routledge, 2012. 250p. Resenha de: LIMA, Caio Rodrigo Carvalho. Outros Tempos, São Luís, v.10, n.16, p.308-315, 2013. Acessar publicação original. [IF].