O Belo em Platão – QUINÁLIA (RA)

QUINÁLIA, R. O Belo em Platão. São Paulo: Liber Ars, 2019. Resenha de: DINUCCI, Aldo Lopes. Revista Archai, Brasília, n.30, p 1-4, 2020.

O livro intitulado O Belo em Platão, de Rineu Quinália, parte do diálogo platônico Hípias Maior. Até algum tempo atrás colocado em os diálogos espúrios de Platão, a obra apresenta uma interessante interseção entre elementos ‘socráticos’, dentro de uma tradição de comentário que considerava que os diálogos da juventude de Platão reproduziam o pensamento do Sócrates histórico.

Segundo importante s e influentes comentadores, como Terence Irwin e Gregory Vlastos, o s diálogo socráticos, ou da juventude de Platão (Apologia, Críton, Carmides, Eutífron, Eutidemo, Hípias Menor, Íon, Górgias, Protágoras e Livro I da República), se caracterizariam sobretudo pela ausência de argumentos em favor da imortalidade da alma, por apresentarem uma concepção monista da alma humana (a alma humana possuiria apenas a motivação racional, pelo que a tese da impossibilidade da akrasia – fraqueza da vontade – é afirmada diversas vezes), por serem exclusivamente morais e por serem aporéticos. Em todos eles, o inquérito socrático (elenchos) é aplicado, e os diálogos terminam sempre com a demonstração de que o  interlocutor de  Sócrates não  sabe  o  que  pensava  saber. A justificativa para a aplicação de tal inquérito nos é dada por Sócrates na Apologia, que se considera como o primeiro escrito filosófico de Platão. Nesta obra, Sócrates explica que, a partir do oráculo délfico que afirmara não haver humano mais sábio que ele, começara a investigar se aqueles (políticos, generais, artesão s) que tinham a pretensão e a fama de serem sábios de fato o eram. E, após aplicar-lhes o inquérito, descobriu a diferença entre ele e os supostos sábios: ele sabia não saber, enquanto eles pensavam saber o que não sabiam. Disso, Sócrates conclui que todo humano que compreenda não possuir sabedoria completa, acabada e divina, atinge a mesma sabedoria que ele, Sócrates, reconhecendo que a sabedoria humana é pouco ou nada se comparada à sabedoria dos Deuses.

Ora, a partir deste cenário, a tese que Rineu Quinália procurará demonstrar que o Hípias Maior não se enquadra nos ditos diálogos socráticos ou aporéticos de Platão. Para Rineu, o Hípias Maior não faz parte de tais diálogos da juventude, pois não se limita a “representar uma forma primitiva do diálogo socrático na sua estrutura mais simples”: no Hípias Maior, Platão dá os primeiros passos no desenvolvimento de uma teoria que será fundamental em seu pensamento: a teoria da Ideia do Belo, pelo que a discussão no referido diálogo, embora partindo de um panorama moral e prático comum  aos  diálogos  da  juventude  de  Platão,  aporta  em  uma discussão metafísica, indo além da comum aporia dos diálogos socráticos. Demonstrar tal tese, portanto, é a tarefa a que se propõe nosso Rineu Quinália no presente trabalho.

U m dos méritos do presente trabalho é partir de um genuíno e interessante  problema  dentro  do  campo  das  investigações plantonistas. O diálogo Hípias Menor, por ser problemático em aspectos taxonômicos, ficou por boa parte do século XX relegado ao esquecimento pelos plantonistas, embora, como Rineu destaca, seja de extrema importância dentro desses estudos por representar uma ponte entre o Platão socrático e o Platão maduro.

Outro mérito do trabalho de Rineu é a precisão e a simplicidade da linguagem, pelo que a presente obra, embora confeccionada para a Academia, é acessível a qualquer pessoa que tenha interesse pelas questões da Antiguidade em particular e da Humanidade de modo geral.

Por fim, tive o privilégio de ter Rineu como colega há alguns anos na Universidade Federal de Sergipe. E era sempre um prazer vê-lo em sua sala, afundado entre livros, como um nobre renascentista, dedicando-se a pesquisar por horas e dias a fio, com amor pela tarefa. Este trabalho é fruto d estes esforços que testemunhei.

Este livro, tanto pela linguagem ao mesmo tempo acessível e tecnicamente correta, é de interesse seja para especialistas da área de filosofia antiga seja para o leitor comum.

Referências

QUINÁLIA, R. (2019). O Belo em Platão. São Paulo, Liber Ars.

Aldo Lopes Dinucci – Universidade Federal de Sergipe – Aracaju – SE – Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

O Estado na teoria política clássica: Platão, Aristóteles, Maquiavel e os contratualistas | Doacir Gonçalves de Quadros

Doacir Gonçalves de Quadros tem graduação em Ciências Sociais, mestrado em Sociologia Política e doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), atualmente é professor do Centro Universitário Internacional (UNINTER) nos cursos de Ciência Política, Relações Internacionais, Direito, Comunicação Social e Secretariado Executivo. Como pesquisador atua nos seguintes temas: Teoria Política, Estado, Sociologia Política.

A obra intitulada O Estado na teoria política clássica: Platão, Aristóteles, Maquiavel e os contratualistas, contendo 139 páginas, se divide em três capítulos. O primeiro, nomeado O Estado na teoria política grega clássica, se fixa em levantar os pressupostos iniciais para pensar o Estado. Para tanto, retorna-se às formas de governo aplicadas pelas propostas dos filósofos Platão e Aristóteles, abordando de início a obra A república de Platão, em que são examinados os contornos de sua teoria e a posterior classificação das formas de governo. Leia Mais

The Guardians in Action: Plato the Teacher and the Post-Republic Dialogues from Timaeus to Theaetetus – ALTMAN (RA)

ALTMAN, W. H. F. The Guardians in Action: Plato the Teacher and the Post-Republic Dialogues from Timaeus to Theaetetus. Lanham: Lexington Books, 2016. Resenha de: ENGLER, M. R. Revista Archai, Brasília, n.27, p 1-10, 2019.

Das Buch von William Altman ist als erster von zwei Bänden den sogenannten Spätdialogen gewidmet.  Es behandelt sieben Dialogein der folgenden Ordnung: Timaios, Kritias, Phaidros, Parmenides, Philebos, Kratylos und The aitetos. Der zweite Band, The Guardians on Trial: The Reading Order of Plato’s Dialogues from Euthyphro to Phaedo (Lexington Books, 2016), ist fokuss iert auf die Dialoge, welche nach Ansicht des Autors die Les e ordnung Platons abschließen: Euthyphron, Sophistes, Politikos, Apologie, Hipparchos, Minos, Kriton, Nomoi, Epinomis und Phaidon. In dieser zugleich pädagogischen und dramatischen Ordnung sei der Phaidon der letzte Dialog, weil auf seinen Seiten die heroische Geschichte über Sokrates zum Ende komme.

Schon aus dem Überblick auf diese Ordnung lässt sich erkennen, dass A. eine ganz eigene Auffassung der Entwicklung Platons besitzt. Tatsächlich setzt sich sein ganzes Projekt dem entgegen, was er den Eikos Mythos der Platonischen Entwicklung nennt (S.xiii). Anstatt der weltweit anerkannten Kompositionsordnung, die Platons Denken als ein evolutionäres versteht, bevorzugt A. eine Les e ordnung, die nicht nur Platons Lehrtätigkeit in der Akademie geleitet hat, sondern auch die heutige  Le ktüre lenken soll. Angesichts von Platons Gedanken ist die se Ordnung mithin theoretisch unitarisch, weil sie in de n mittleren Dialogen die doktrin elle Einheit fin det, die das gesamte Werk durchd ringt. Obwohl seine wichtigsten Voraussetzungen schon i n  der Aristotelischen Philosophie  verwurzelt  seien, sei  der Entwicklungsan satz ein klares Produkt des   neunzehnten Jahrhunderts, das man auf den Denker des aeì on nicht ohne schädliche hermeneutische Folgen anwenden könne. Im Gegenteil dazu  versu che  die  Les e ordnung  dem  Wesen  des platonischen Denkens treu zu bleiben, indem sie das Unveränderliche voranstelle (S.197; 424). A. schätz t seinen Vorschlag dennoch ganz realistisch ein: er erhebt keinen Anspruch auf eine unbedingte Wahrheit. Seine bescheidene Absicht beschränkt sich darauf, die Auf merksamkeit der Gelehrten wieder stärker auf diese antike Interpretationsmethode zu richten, die sich bereits in den Tetralogien des Thrasyllos mutatis mutandis be finde (S. xxiii). Indem er diesen Gesichtspunkt verficht, bahnter  e inen  dritten Weg zwischen den vor herr schenden Paradigmen der Gegenwart, näml ich der Tübinger Mailä nd er Schule und dem Paradigma der Kompositionsordnung. In Wirklichkeit aber visiert er vor allem die Kompositionsordnung an. Denn die erste Schule adoptiere ja das letzte Paradigma und hinsichtlich Platons angeblicher Entwicklung bleib e sie unitarisch, da sie vor dem Hintergrund der ungeschriebenen Lehren in der Lage sei, vor den vielen doktrinellen Wider sprüchen der Dialoge eine einheitliche metaphysis che Lehre a ufzubauen.

Darüber hinaus versucht A., wie bereits in seinem Buch Plato the teacher: the crisis of the Republic (Lexington Books, 2012), einen neuen Terminus  in  die Studia  Platonica  einzuführen,  nämlich „basanisti c“. Das ist wohl der wertvo llste Beitrag des Autors zu d em Feld. Im Einklang mit dem heutigen Zeitgeist legt er große n Wert auf die  dramatischen  Eigenschaften  der  Dialoge,  welche für  die Rekonstruktion  der  Les e ordnung  wichtiger seien als  die philologischen   Hinweise, wie etwa die Ergebnisse   der sprachstatistischen Methode. Dazu aber fügt er einen pädagogischen Ansatz hinzu, im Lichte dessen viele Passagen der Dialoge – und in der Tatalle Spätdialoge – als Tests konzipiert werden (S. xxiii). Das ist genau die Wende, die er gegen das Entwicklungsparadigma einbringt. Die ersten Dialoge sieht er auch als philosophische und pädagogische Vorbereitung auf die Politeia. D ie Politeia hingegen sei ni cht nur ein weiterer Dialog, sondern Platons unüberwindbares opus magnum, in dem er die Wahrheit offenbare. Die nachfolgenden Dialoge werden d emzufolge als Prüfungen a ngesehen, die das Verständnis der zentralen Thesen der Politeia erproben sollen (S.xviii). Deswegen sind die von der Politeia diplomierten Wächter, wie es sich aus dem Titel ablesen lässt, im Kampf gefordert. Konfrontiert mit den Lehrv erf ormungen und der Ablehnung des Zwei Welten Platonismus müssen sie, in Übereinstimmung mit dem Kriegs gesang der Politeia (534b8 d1), zu ihren dialektischen Waffen greifen.

Hier ist es wichtig zu beachten, dass A. eine produktive Allianz mit den schärfsten Kritikern des Platonismus bildet. Seines Erachtens haben sie volles Recht, nach der Politeia einen Bruch mit den mittleren Dialogen festzustellen (S. xxiv).Ein besonderer Vorzug seines Buches ist es, dass er zugl eich Platon und die Geschichte sein er Rezeption auf eine passionierte und gelehrte Weise erklärt. Das gilt sowohl für vergangene als auch für heutige Autoren, mit deren verschiedenen Ansichten er eine fruchtbare und demokratische Polyphonie schafft. In seiner Diskussion des Timaios, zum Beispiel, verwendet  er  ein  Triangulationsverfahren  zwischen John Cook Wilson, einem heftig en Kritiker Platon s, R. D. Archer Hind, einem Anhänger, und A. E. Taylor, dessen Stellungnahme die Lösung dieser Debatte sei, weil er zum ersten M al erkannt habe, dass der Timaios nicht für Platon spreche. Die entscheidende Differenz von A.s Perspektive besteht jedoch darin, d ass er die Wider sprüche der Spätdialoge mit Rücksicht auf die mittleren als vor aus geplante Tests versteht. Mit anderen Worten, Pl aton habe diesen B ruch und sogar seine scheinbare Rückkehr zur Naturphilosophie absichtlich so gestaltet, um die Treue seiner Leser und Studenten zur Politeia zu prüfen.

Wichtige Elemente dieses pädagogischen Ansatzes gründet A. letztendlich auf Parmenides, der auch seiner Wahrheitsphilosophie einen täuschend en Kosmos folgen lässt. Seine Interpretation des Timaios lautet wie folgt: der parmenid e i sche n Doxa hinsichtlich der Wahrheit  der Politeia entspreche nd, sei  die glaubwürdige und hochkreative Rede des Timaios die erste Prüfung, die Platons Le ser bestehen müsse (S. 93). Die abwesende vierte Figur des Dialogs, die kurz vorder Zusammenfassung der Politeia erwähnt wird (17a), sei gerade der aktive Leser, der schon an der Diskussion der Politeia teilgenommen habe und sie in seiner Seele wie ein lebendiges Gespräch hege. Nach A. ist der entscheidendste Faktor der Rezeption Platons die Tatsache, dass kaum jemand die absichtlichen Fehler des Philosophen erkannt habe. Taylor sei wie gesagt der erste gewesen, der den Timaios als unplatonisch begriffen habe (S. 34). Im Zuge von Aristoteles haben  die  anderen Gelehrten den  pythagoreischen Einfluss  auf  Platon sehr zum  Nachteil  der parmenid e ischen Komponente seines Denkens betont. D amit wurde es üblich zu glauben, dass Platon seiner mittleren Lehre ei n e kosmologische Naturlehre gegenübergestellt habe. Laut A. aber ist sowohl der Timaios als auch der Kritias die perfekte Gelegenheit für die Wächter, die durch den Unterricht der Politeia zur Dialektik angeregt wurden, die V erfälschung des Platonismus zu bekämpfen (S. 93). Die se vor sätzlichen Verformungen – wie etwa die These, dass aus den feigen Männern die Frauen geboren seien, die e ine völlig absurde Idee im Vergleich mit der Politeia (S. 92) ist – machen die „ basanistischen “Elemente der platonischen Pädagogik aus, die leider in der  Geschichte  des  Platonismus  übersehen  worden  seien. Üblicherweise habe man die vielen Widersprüche als unwichtig abgetan und versucht, das Gespräch zu rationalisieren und Timaios als Platon s Mundstück anzusehen. Deshalb trete Aristoteles nicht selten platonisch auf, und auch die Unterschiede zwischen Platon und dem Neuplatonismus würden durch diese Deutungstendenz geringer ausfallen,  da  es sich in  beiden  Fällen um  eine  monis tische Weltanschauung handle. Für  den Autor hingegen bleib t der Platonismus der „ weltfremden “Ideenlehre immer treu und soll deshalb weder mit Aristoteles noch mit Plotin verwechselt werden (S. 106).

Im Geiste dieser „ basanistischen “Pädagogik untersucht A. auch den Phaidros. In der Les e ordnung folge er dem Timaios und dem Kritias und stelle die rhetorischen Mechanismen vor, mit denen beide Dialoge kritisch analysiert werden können. Sokrates ‘ erste Frage, póthen kaì poî?, versteht A. als einen Hinweis auf die Les e ordnung: aus welchen Dialogen un d zu welchen Dialogen? (S.140). Zugl eich ein Gegengift und ein Gi ft (phármakon), leite der Phaidros den Leser in die Kunst der Antilogik und der Täuschung (apáte) ein, sodass er fähig werde, das Wahre vo m Falschen zu trenne n (S.171). Genauer gesagt  lege  Platon im Phaidros offen,  dass er selbst  zu  rein pädagogisc hen Zwecken s eine Leser betrüge, denn man könne nur die Wahrheit unterrichten, wen n man ebenfalls das Falsche kenne. Zwei weitere Ideen des Autors müssen in diesem Zusammenhang erwähnt werden. Erstens wird die aus Sammlung und Tren nung bestehende Methode des Phaidros, die man normalerweise für die echte  Dialektik hält,  von A. als  eine  Vorbereitung auf  den Parmenides und besonders auf den Sophistes aufgefasst, und somit ledig lich als ein dianoetischer Vorgang b z w.

eine alternative Art Dialektik beurteilt. A. gibt drei Gründe dafür an, diese Methode nicht als die echte Dialektik der Politeia anzusehen: a) sie unterteile ständig das Ein e in das Viel e und sammle das Viele in dem Einen; b) sie sei daher eher geeignet, die E ide als rein e Abstraktionen d er p hysikalischen Dinge zu diskutieren; c) und schließlich sei sie nicht imstande, die Leser von der sinnlichen Welt völlig zu entfernen, wie es die nach dem Guten orientierte aufsteigende Dialektik der Politeia tue (S.159-160). Deswegen wird der Phaidros als fair warning betrachtet. Zweitens wird die Schriftlichkeitskritik, ein hochaktuelles Thema, von A. als Platons Bekenntnis seiner eigenen Pädagogik verstanden. Eine Schrift sei bloß ein e hypómne s is für die Vision de s Gute n, die Platon bereits in der Politeia vorgestellt habe (S. 197-198). Und um dies zu leisten, bestehe Platons Kunst als Schri ftsteller gerade darin, das Gegenteil der Wahrheit zu behaupten, sodass der Leser dem Argument zu Hilfe kommen müsse, ganz gleich, wer es verteidige (S. 196). Phaidros ʼ Täuschungskunst lehre also den Leser, dass Platon der Meister einer Kunst sei, welche zu pädagogischen Zwecken betrügen könne, obschon sie die Wahrheit unbedingt voraussetze (S. 198).

Nach dem der Leser die Anti logik kennen gelernt habe, könne er sich dem Parmenides zuw enden, der der beste Ausfluss dieser Kunst sei. Die wichtigste  Idee des Autors für die Interpretation des Parmenides besteht  darin,  dass  dieser  Dialog eine Reihe von Übung en (gymnásia) zu r wahren Dialektik vorlege, da vor dem Gu ten jede Diskussion des Einen nur ein dianoetisches Drama sei (S. 239). In dies er Thematik sieht A. die Lösung für viele nachfolgende Probleme. Durch die erste Hypothese, die der Autor für die wahre nimmt, müsse der Leser beides lernen: dass die Existenz eines empirischen Einen unmöglich sei; und dass es nur, wie die ganze Mathematik, ein en Mittels tatus besitze. Das Eine aneu ousías sei weder ein Prinzip noch ein Gegebenes, sondern etwas, d as der Mensch durch seinen Intellekt erfinde (Parm. 143a7) (S. 248), und somit solle es nie mit dem unhypothetischen Guten konfundiert werden. Mit der Idee des Gute n und der Trennung zwischen Sein und Werden gehöre es zum Kern des Platonismus, und darüber hinaus habe es vor diesen Dogmen einen pädagogischen Vorrang (S. 252). Im Vergleich zu den wahren Ideen – es gibt für den Autor nur drei: das  Gute,  das  Gerechte  und  das  Schöne –,  dere n Definition Parmenides nach den Übungen mit dem Einen von Sokrates fordere (Parm. 135c8 d1),  sei das  Eine natürlich  die  weltfremdeste Konstruktion der Dianoia, die zwangsweise die Seele von dem Werden entferne, obwohl es, der Politeia gemäß (511b5; 531c9 d7), ledig lich ein  Sprungbett  zu  der realen Dialektik  bleibe.

Der Parmenides erweitere dadurch das Reich der Dianoia, während das Reich der Noesis streng beschränkt werde (S. 275). Der Eindruck, dass er den Platonismus der mittleren Periode zerstöre, oder dass Platon Parmenides im Sophistes abweise, entstehe durch den Fehler, die parm enid e ische Pädagogi kzu verkennen (S. 285).

Wie seine eigene Lehre, wird der Philebos als eine Mischung konzipiert. Und z war eine sehr gefährliche Mischung, da er die drei oben zitierten Fundamentald ogmen des Platonismus an greife und folglich  den  Bruch  mit  der mittleren Phase auf  eine unmissverständliche Weise vollziehe (S. 309). Weil er von Anfang an auf das Thema des Guten gehe, biete er dem Leser einen schwierigen Streit an (S. 343). Für den Autor gibt es also keinen Zweifel, dass der Dialog den Revisionismus bestätige (S.

297). Seine Verbindung zu m Timaios werde durch die pythagoreische Stimmung offenkundig, die Verbindung zum Parmenides durch die Problematik des Einen (S. 310-313). Eigentlich sei diese Problematik nicht bloß ein anderer Gegenstand, sondern vielmehr we rde der ganze Dialog absicht lich zu dem Zweck gestaltet, sie hervorzurufen (S.

298). Der Dialog füge eine Rehabilitierung des Werdens hinzu, und zwar eine sehr entschiedene, weil Sokrates selbst versuche, das Sein mit dem Werden (génesis eis ousían) zu mischen (S.315-316). Mit Bezug auf das Ei n e habe der Parmenides aber s chon durch die erste Hypothese dem Leser einerseits beigebracht, dass die He rstellung ein es „One out of the Many“, wie etwa Philebos ‘ Mischung des Einen und des Viel en, widersprüchlich und darum falsch sei. Mit Bezug auf den Timaios und das Werden haben die Politeia sowie der Phaidros und der Parmenides ander er seits den Leser angeregt, der Vermischung zwischen Sein und Werden zu widerstehen. D emzufolge gehe es um eine „ basanisti s che “Rehabilitierung des Werdens, die Platon, der Lehrer, für seine Studenten vorberei t et habe (S. 346-7).

Was den Kratylos angeht, bemüht sich der Autor, die vielen Verbindungen  zum  Naturalismus  des Philebos und  die  Rolle Heraklits zu unterstreichen. Zu diesem Punkt hebt er wieder hervor, dass man die Dialoge immer als Gesamtheit lesen müsse. Die Rekonstruktion der Les e ordnung erwarte von den Lesern, dass sie den vorherigen sowie den nachfolgenden Dialog in Erwägung ziehen (S. 353). Daher präsentiere der Kraty los zwei Thesen: erstens, dass die physikalischen Dinge, in Übereinstimmung mit dem Philebos, eine ousía haben; zweitens, dass die Namen diese ousía offenbaren können, eine Idee, der man in den Etymologien des Eut hyphron, der dem Theaitetos nachgeordnet sei, wieder begegnen werde (p. 355). Der Autor aber erklärt, inwiefern die Annahme der ersten These verantwortlich für die Widerle gung des Kratylos sei (S. 363). Daneben erhellt er, inwiefern beide Thesen auf der Lehre Heraklits beruhen. Heraklit werde noc h ein e sehr wichtige Rolle in der Les e ordnung spielen, da die R ü ckkehr zur Höhle, die sowohl im Exkurs des Theaitetos als auch in der Apologie diskutiert werde, zugleich das Sein von Parmenides und die Fluss Lehre von Heraklit voraussetze.

Diese Art Natur alismus taucht im Theaitetos wieder auf. Doch sein Hauptpunkt sei natürlich der Exkurs über den Philosophen, der genau in der Mitte des Dialogs stehe. Mehr noch, nach A. steh t der Theaitetos in der Mitte der gesamten Spätdialoge (S. 386). Da in der dramatischen Reihe der Euthyph ron dem Theaitetos folge, eine Verbindung, die das Kompositionsparadigm a vernachlässigt habe, sieht der Autor den Exkurs als ganz problematisch an, besonders was die  Angleichung  an Gott  betrifft.  Denn  Euthyph ron biete  ein peinliches und komisches Beispiel, wenn er sich nach dem Exempel des Zeus richte, um seinen eigenen Vater strafrechtlich zu verfolgen (S.392). Dieser Mangel an Mitleid und Selbstbewusstsein sei selbstverständlich etwas, das man nicht von einem Philosoph en erwarten würde. Aber das wichtigste Detail, das die Bedeutung des Exkurses aufschließe, sei Sokrates ‘ Behauptung im Prolog (144c5-8), er sei über das Leben des jungen Theaitetos informiert (S. 393). Weil der Philosoph des Exkurses sich nicht um die realen Menschen kümmer e, sondern nur um den Menschen selbst, sei d ie B ehauptung wahr, dass man Sokrates nicht mit ihm identifizieren solle. Und aus diesem Problem heraus ergibt sich die Debatte, ob Platon Sokrates hier  verlässt  oder  nicht.  A. identi fiziert  jedoch ein weite res wesentlic hes Problem des Exkurses, das das Rätsel löse. Da er die Rückkehr zur Höhle ausklammer e (S. 392), widerlege er nicht nur die Politeia, sondern auch die Apologie, welche mit dem Theaitetos und dem Euthypron klar v erbunden sei. Mit seinem nächsten Schrit t vor Augen, erklärt A. zum Schluss, wie der Theaitetos sich mit dem Politikos und vor allem mit der Apologie vereint.

Ich habe mich darauf beschränkt, oben einige der relevantesten Thesen des Autors skizzenhaft vor zustellen. In diesem Rahmen kann man natürlich k eine  begr ündete  Meinung über  so  viele grundsätzliche Punkte des Platonismus mitteilen. Aufgrund der bewundernswürdigen Gelehrsamkeit des Autors und der Neuheit seiner Perspektive wü rde ich jedoch dem Leser vors chlagen, dass er das  Buch im Sinne der  antike n Eunoia liest. Neben einer tief gründig en Diskussion erhellt A. Platons Werk mit offensichtl icher Begeisterung und verfügt dazu über viele fesselnde Hypothesen, die berühmte Probleme vielleicht lösen können. Ohne die Wahrheit ihrer vielfältigen Ideen zu bewerten, stellt A.‘s Buch insgesamt eine der gründlichsten und kreativsten nordamerikanischen Platondeutung en dar,  die wohl neben  den Werke n von Paul Shorey, Gregory Vlastos, H. F. Cherniss und Charles Kahn einen gleichrangigen Platz verdient. Schließlich hat uns A. als ehemaliger Lehrer einiges über Platon s Philosophie mitzuteilen. Darum kann sicherlich jed er undogmatische Leser von seinen intelligenten Einsichten profitieren, während die Dogmatische neinen  ehrenwerten  Kampf, und zwar  eine gigantoma khía perì tês gen éseō s Plátonos, auszufechten finden werd en. 1

Nota

1 Für ihre wertvo lle Hilfe mit dem Stil und den Sprachkorrekturen möchte ich hiermit meinen Freunden, Dr. Sven Meier und Dr. Werner Ludwig Euler, herzlich danken.

ReferênciaS

ALTMAN, W. H. F. (2016). The Guardians in Action: Plato the Teacher  and  the  Post-Republic  Dialogues  from Timaeus to Theaetetus. Lanham, Lexington Books.

R. Engler – Universidade Federal do Paraná – Curitiba – PR – Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Platon, Parménide et Paul de Tarse – FATTAL (RA)

FATTAL, M. Du bien et de la crise. Platon, Parménide et Paul de Tarse. Paris: l’Harmattan, 2016. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Revista Archai, Brasília, n.20, p. 355-360, Maio, 2017.

Michel Fattal is a member of the International Plato Society, lecturer since 1994 at the Université de Grenoble Alpes, a specialist on ancient and mediaeval philosophy. M. Fattal has published so far nineteen books and more than forty articles, most of them dealing with philosophical theories about logos, including the Pre-Socratics, Plato, Aristotle, the Stoics, Plotin, Saint Augustine, and the medieval reception of the Greek philosophy. “e academy of moral and political sciences awarded him the Charles Lyon-Caen Prize, rewarding him for the publication of Platon et Plotin, Relation, Logos, Intuition  (Paris, l’Harmattan, 2013). Michel Fattal is thus a most distinguished scholar and now he publishes a fine book on the good and the crisis, linking Plato, Parmenides and Paul of Tarsus. As is his style, Fattal builds his argument using short items, each from two to four pages each, on specific subjects, easing the task of the reader. Even though learned and fond of etymological turns, all the Greek quotes are transliterated in Latin letters and translated into French, so that even lay readers may understand his stand. “e volume also puts together papers to be delivered in 2016 in Brasília and Bologna.

The two key concepts are “to put together”(sundein) and “crisis”(krisis). Crisis comes from the Greek krisis, separation, and the verb krino means to split apart, and then to decide, to judge. From Parmenides to Paul o f Tarsus, krinein implies a norm or criteria for choosing what to do and what to avoid doing. Parmenides already proposed that critical reason, or logos, splits apart truth and opinion. Michel Fattal aims thus at studyi ng the critical logos of Parmenides and the noncritical logos of Paul of Tarsus. He starts by considering how the good is relational (desmos) at the Phaedo (99c5-6):

99 ξ τὴν δὲ τοῦ ὡς οἷόν τε βέλτιστα αὐτὰ τεθῆναι δύναμιν  οὕτω  νῦν  κεῖσθαι,  ταύτην  οὔτε  ζητοῦσιν οὔτε  τινὰ  ο ἴ ονται  δαιμονίαν  ἰσχὺν  ἔχειν,  ἀλλὰ ἡγοῦνται τούτου Ἄ τλαντα ἄν ποτε ἰσχυρότερον καὶ ἀθανατώτερον καὶ μᾶλλον ἅ παντα συνέχοντα ἐξευρεῖν, καὶ ὡς ἀληθῶς τὸ ἀγαθὸν καὶ δέον συνδεῖν καὶ συνέχε ιν οὐδὲν ο ἴ ονται. ἐγὼ μὲν οὖν τῆς τοιαύτης αἰτίας ὅπ ῃ ποτὲ ἔχει μαθητὴς ὁτουοῦν ἥ διστ ̓ ἂν γενοίμην: ἐπειδὴ δὲ ταύτης ἐστερήθην καὶ οὔτ ̓ αὐτὸς εὑρεῖν οὔτε παρ ̓ ἄλλου μαθεῖν οἷός τε ἐγενόμην, τὸν δεύτερον

99c the power which causes things to be now placed as it is best for them to be placed, nor do they think it has any divine force, but they think they cannd a new Atlas more powerful and more immortal and more all-embracing than this, and in truth they give no thought to the good, which must embrace and hold together all things. Now I would gladly be the pupil of anyone who would teach me the nature of such a cause; but since that was denied me and I was not able to discover it myself or to learn of  it from anyone else.

It is thus the good that embraces (sundei) and holds together (sunechei) everything. Plato (Phd. 99c5) puts together under a single article (to) agathon and deon, the good and necessary at once, considering that the verb deo  means to happen and to put together. “e good (agathon) is necessarily to put together. At the Phaedo the good is self-su cient as it is principle (arche) and cause (aitia), being thus relational cause and causal relation. Participation (methexis) means also to put together (metechein), so that the good is a bond at the heart of the human language. Fur- thermore, Fattal argues that in the Phaedo Plato ad- dresses not only the study of the vertical relationship, a hierarchical one, linking the sensible and the forms, but also the horizontal links that the forms establish among themselves, later developed in the Sophist. “e Phaedo extends the principle of mutual exclusion of direct contraries to indirect ones, proposes the rule of inclusion or inference enabling forms to be related to each other.

Michel Fattal turns then to Parmenides and to the origins of the crisis, especially his Poem (8 Fr. 50-52):

[50] Ἐ ν τῷ σοι πα ύ ω πιστὸν λόγον ἠδὲ νόημα ἀμφὶς ἀληθε ί ης· δόξας δ’ ἀπὸ τοῦδε βροτε ί ας μ ά νθανε κόσμον ἐμῶν ἐπέων ἀπατηλὸν ἀκο ύ ων.

50 Here shall I close my trustworthy speech and thought about the truth. Henceforward learn the opinions of mortals,  giving ear to the deceptive ordering of my words.  (English translation by John Burnet, 1892).

The goddess of the Poem is at the same time thea (goddess) and aletheia  (truth), urging the disciple to avoid opinion and preferring truth. So much so, that Parmenides, for the first time in western philosophy, considers that reason, or logos, has a function in relation to truth and critical assessment, enabling late r Greek philosophy to establish ontological and gnose o- logical hierarchies.

All those are the necessary steps conducing to a di¬erent Pauline reason, or logos, for it is a pneumatic one. Fattal concludes the study by focusing at th e First Letter to the Corinthians, dated around 56 AD and particularly comments a key excerpt:

Paul, 1 Corinthians 2, 14-16

14 ψυχικὸς δὲ ἄνθρωπος οὐ δέχεται τὰ τοῦ πνεύματος τοῦ θεοῦ, μωρία γὰρ αὐτῶ ἐστιν, καὶ οὐ δύναται γνῶναι, ὅτι πνευματικῶς ἀνακρίνεται·

15 ὁ δὲ πνευματικὸς ἀνακρίνει [τὰ] πάντα, αὐτὸς δὲ ὑπ ̓ οὐδενὸς ἀνακρίνεται.

16 τίς γὰρ ἔγνω νοῦν κυρίου, ὃ ς συμβιβάσει αὐτόν; ἡμεῖς δὲ νοῦν χριστοῦ ἔχομεν.

14 But a natural man does not accept the things of the Spir- it of God, for they are foolishness to him; and he cannot understand them, because they are spiritually appra ised.

15 But he who is spiritual appraises all things, ye t he himself is appraised by no one.

16 For who has known the mind of the LORD, that he will instruct him? But we have the mind of Christ.

New American Standard Bible

Paul proposes a spiritual conversion of the nous, intel- ligence, reason, intellect, so that the human being gets a superior understanding or judging capacity, and as such the spiritual human being discerns and judges (ankrinei) everything. This is thus the result of the conversion of the physical to the spiritual, enabling the spirit (pneuma) to foster critical discernment. Those proposals result also from the conflicts within the Corinthian church and they establish a non-critical reason or logos, in opposition to the critical one of Parmenides. The criteria proposed by Paul are spiritual, beyond and above the material world. Michel Fattal finisches the volume by questioning what he defines as nihilist approaches countering classical metaphysics, notably those thinkers of suicion, such as Freud, Nietzsche and Marx. Fattal does not consider that Freudian Subconscious, Nietzschean Der Wille zur Macht or Marxian infrastructure could explain and define humans, human values and conscience. Paul’s reason or logos, on the other hand, broadens human apirations, as it draws its strength from God, from love (agape), a superior grace. Michael Fattal concludes by stating that Paul’s methodical and dialectical reason or logos is valid for humans in any time. Michel Fattal relates classical ontology to Christian reasoning, opposing critical and non-critical, physical and spiritual reason pledging for the eternal value of a spiritual approached grounded on love. Not all modern scholars will agree wit his stand, but the main strength of the volume is in te in-depth analysis, of philosophical concepts from ancient to modern times.

Pedro Paulo A. Funari Du bien et de la crise. Platon, Parménide et Paul de Tarse Universidade Estadual de Campinas (Brasil). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Chora. Über das zweite Prinzip Platons – BARBARIC (RA)

BARBARIC, Damir. Chora. Über das zweite Prinzip Platons. Tübingen: Attempto Verlag, 2015. Resenha de: HERKERT, Felix. Revista Archai, Brasília, n.20, p.343-353, Maio, 2017.

Die platonische Chora ist in den letzten Jahrzehnten zunehmend ins Blickfeld der Interpreten gerückt. Dabei fällt auf, dass viele der zur Chora entstandenen Studien nicht aus der Feder von Altphilologen oder Spezialisten für antike Philosophie stammen, sondern von – nicht selten in den Fußstapfen Heideggers wandelnden – Phänomenologen. Es sei hier nur auf drei Aufsätze Nader El-Bizris (zwischen 2001 und 2004 publiziert)1, auf John Sallis’ Chorology (1999)2 sowie Günter Figals Kapitel zur Chora in seinem neuen Werk Unscheinbarkeit (2015)3 verwiesen, ganz zu schweigen von Jacques Derridas einschlägigem Text zur Thematik (1993)4. Was macht die Chora als Untersuchungsgegenstand philosophisch so interessant? Zunächst der Umstand, dass sie – seit der aristotelischen Umdeutung zur Hyle – innerhalb der platonisch-aristotelischen Tradition gleichsam von der Bildfläche verschwand. Im Rückgang auf die Chora lässt sich also, gegen die gesamte abendländische Tradition, ein bei Platon gedachtes, daraufhin sogleich der Vergessenheit anheimgefallenes Motiv wiedergewinnen und fruchtbar machen. Die Wieder-holung der Chora kann sich ferner verbinden mit der von Heidegger angestrengten Grundsatzkritik der Metaphysik, und zwar durch Bezugnahme auf eine Gedankenfigur, die von Heidegger selber erstaunlich selten thematisiert wurde.

Vor diesem Hintergrund lässt sich auch Damir Barbarics neue Studie zur Chora verorten. Diese beginnt kaum zufällig mit dem Hinweis auf den „anderen Anfang”(ἑτέραν ἀρχὴν), mit dem Platon im Timaios (48b2) die Passagen zur Chora als einer „dritten Gattung”neben dem Seienden und dem Werdenden einleitet. Barbarics These dazu lautet: „Wenn die »klassische”Lehre Platons, die im Laufe der Geschichte zum »Platonismus« als einer »ZweiWelten-Lehre”festgelegt wurde, das Wesen dessen ausmacht, was in Anlehnung an Nietzsche und Heidegger unter »Metaphysik”verstanden werden soll, dann könnte Platons »anderer Anfang« im Timaios sein bislang wenig beachteter, ja verkannter Versuch der »Überwindung« einer so verstandenen Metaphysik verstanden werden”(12). Platon erschiene demnach nicht nur als Begründer, sondern zugleich als erster möglicher Überwinder der „Metaphysik“. Die Grundintention liegt klar zu Tage: Platons „ anderer Anfang”wird gegen Heidegger mobilisiert, indem ein im Anfang der Metaphysik liegendes, von Heidegger nicht gesehenes Potential der Vergessenheit entriss en und  einer  ausführlichen  Interpretation  unterzogen werden  soll.  Der  Weg,  den  Barbaric  für  dieses Unterfangen einschlägt, ist nun ein von den anfangs genannten Studien grundsätzlich verschiedener. Wie schon der Untertitel des Buches – „ Über das zweite Prinzip Platons”– nahelegt, geht es ihm um eine prinzipientheoretische Interpretation der Chora, die sich  im  Rahmen  des  Tübinger  Platonparadigmas bewegt 5.  Die  Tragfähigkeit  dieses  Paradigmas  – demgemä ß  das  Dialogwerk  Platons  erst  vor  dem Hintergrund  der  sogenannten „ ungeschriebenen Lehre”seinen vollen Sinn entfalte – wird von Barba ric nicht grundsätzlich hinterfragt, vielmehr mit Blick auf die Chora zu entfalten und zu erhärten versucht. Der Gang der Untersuchung gliedert sich in mehrere Kapitel, in denen eine detaillierte Interpretation de r relevanten Timaios -Passagen unternommen wird. Im Rahmen dieser Interpretation ist Barbaric stets um eine sinnvolle Kontextualisierung durch Heranziehung sachlich  bedeutsamer  Parallelstellen  aus  anderen platonischen  Dialogen  (besonders  aus Philebos, Sophistes und Nomoi), sowie um die Einbeziehung der indirekten Platonüberlieferung (z. B. Alexander von Aphrodisias) bemüht.

Zunächst sucht Barbaric die Chora gegen geläu- fige Raum- und Materiebegri]e abzugrenzen, ist sie doch weder von einem homogenen, ausgedehnten, leeren Raumverständnis her, noch auch von einer substratha oder stofflich begriffenen Materie (d. h. vom aristotelischen sowenig wie vom neuzeitlichen Materiebegri]) her zu fassen. Auch wenn manche der  Metaphern, die Platon zur Veranschaulichung der Chora  anführt,  in  derartige  Richtungen  weisen, spricht der Umstand, dass die Chora als in sich bewegt und mit Krä”en erfüllt beschrieben wird (vgl. 52e), gegen genannte Deutungen. Dieser Aspekt, die dynami- sche Bewegtheit der Chora, ist es denn auch, den Barbaric ins Zentrum stellt. Wie aber interpretiert er die „ schwankende Bewegung”der Chora? Nicht im Sinne einer Ortsbewegung; vielmehr wird zur Erhellung des Sachverhaltes Philebos  24a ]. herangezogen, da die dortige Untersuchung des ἄπειρον gewisse Paralle- len zur Chora aufweist. Die Bewegung des ἄπειρον, das unendliche Auseinandergehen bei gleichzeitigem  In-sich-Zurücksinken,  das  unendliche  Fortschreiten in entgegengesetzte Richtungen, wobei sogar die jeweiligen Extreme nicht als beständig gedacht werden dür^en, wird von Barbaric mit der Bewegung der Chora zusammengebracht. Chora und ἄπειρον seien „ ein δυνάμει ὄν, ein Vermögen oder ein Sein- Könnendes”(45), das als solches unbestimmbar bleibe und sich lediglich im Verhältnis zu anderem bestimmen lasse. Gro ß en Wert legt Barbaric darauf, die δύναμις der Chora und des ἄπειρον nicht als „ Mög- lichkeit“, sondern als „ Kra^”oder „ Vermögen”zu verstehen, welche letztlich nichts anderes als Aspekte der „ unbestimmten Zweiheit”darstellen. Überhaupt sieht Barbaric im Begri] der δύναμις – auch in Anlehnung an Sophistes 248 ]. – geradezu die entschei- dende Seinsbestimmung des späten Platon. Wenn im Sophistes das „ Vermögen zu tun und zu leiden”sowohl den Ideen als auch den Erscheinungen zukommt, so sei in der so verstandenen δύναμις die Klu^ zwischen Sein und Werden überbrückt, ein beiden Gemeinsames gefunden.

Auch das Wirken der „ unbestimmten Zweiheit”sei als δύναμις zu fassen, die zumal allem Weltgeschehen latent zu Grunde liege. Deshalb dürfe der sogenannte „ vorkosmische Zustand”auch nicht im zeitlichen Sin- ne, sondern als immerwährend verstanden werden. Die „ vorweltlichen und vorzeitlichen »Geschehnisse”(παθήματα), aus denen die zwar sichtbare, aber noch nicht zur körperlichen Festigkeit und Beständigkeit gelangenden Kra^bewegungen der Chora  bestehen, ereignen sich […] immer, überall in der Welt und mitten in der Zeit, in jedem Augenblick”(61f.) 6.

Weiterhin sucht Barbaric zu begründen, dass von der Chora bzw. der „ unbestimmten Zweiheit”im Timaios nicht erst nach dem „ anderen Anfang”die Rede sei, sondern der Sache nach schon viel früher, z. B. in 30 ]., wo das dem Demiurgen Vor*ndliche als „ nicht in Ruhe, sondern regellos und ungeordnet bewegt”beschrieben wird. Nicht zuletzt in der Genese der Weltseele sei die Chora bereits am Werk, namentlich im „ Anderen”als Teil ihrer Mischung. Die Gattung des „ Anderen”wird bekanntlich im Sophistes  näher erörtert und nimmt dort – verglichen mit den sons- tigen „ höchsten Gattungen”– eine Sonderrolle ein, insofern ihr keine Selbigkeit eignet, sie mithin nu r im Bezug auf Anderes charakterisierbar ist. Im „ An- deren”erblickt Barbaric nun wiederum eine Ausprä- gung des zweiten Prinzips, das vom Demiurgen mit Gewalt (βία) zur Mischung gezwungen werden muss. Die kosmische Topologie der Bewegungen reicht im Timaios vom sich gleichbleibenden Kreis der Fixster- ne, in dem das „ Selbe”gänzlich dominiere, über die verschiedenen Planetenbahnen, in deren ellipsenför- migen und unterschiedlich schnellen Bewegungen bereits das „ Andere”seine Kra^ entfalte, bis hin zu den ungeordneten Bewegungen auf der Erde, wo der Ein- &uss des „ Anderen”(und d. h. des zweiten Prinzips) überwiege. Letztlich hat für Barbaric die harmonische Ordnung der Weltseele – zu deren musikalischem Hintergrund er auch einige Überlegungen entfaltet – ihren Ursprung „ in den Schwingungen der allem Leben zugrunde liegenden Urbewegung, die an sich ordnungs- und regellos ist, aber durch die Zahl und die auf ihr beruhenden mannigfaltigen Analogiever- hältnisse zum Teil geordnet werden kann”(78). Da- mit ist die dynamische Urspannung der zwei Prinzi- pien auch in der Seele (besonders in ihren A]ekten) präsent; ihre Herstellung sei lediglich als „ rationaler und das hei ß t harmonisch gestalteter Überbau”(107) des chaotischen Urgrundes zu fassen.

Die Spannung zwischen den zwei Prinzipien zieht sich im Grunde durch alle Wirklichkeitsebenen, deren Genese – wie schon Konrad Gaiser ausführlich dargestellt hat – in der sogenannten „ Dimensionenfolge”von Punkt, Linie, Fläche und Körper veranschaulicht werden kann, wobei das jeweils Einfachere als Grenze (πέρας) für die nächste Dimension fungiert. Was die Entstehung der Körperlichkeit aus der Fläche betri – und dies bezeichnet ontologisch ja den Hervorgang der Sinnenwelt (und damit das Thema des Timaios) –, unterzieht Barbaric folgende wichtige Stelle aus den Nomoi  (894a) einer näheren Betrachtung: „ Und die Entstehung von allem, bei welchem Geschehnis (πάθος) kommt sie zustande? O]enkundig dann, wenn der Ursprung (ἀρχή), die Dimension anneh- mend (λαβοῦσα αὔξην), sich in den zweiten Um- schlag-Übergang (μετάβασιν) begibt und von diesem in den folgenden, und so, zu drei Dimensionen kom- mend, den Wahrnehmenden die Wahrnehmungen gibt.”Hier sei, so Barbaric, von der sukzessiven Ent- stehung der Körperwelt die Rede, die sich über einen mehrfachen „ Umschlag”bzw. „ Übergang”vollziehe, und zwar dergestalt, dass im Umschlag zu einer neu- en Dimension jeweils die ungeordnete δύναμις des zweiten Prinzips wirksam sei, die freilich zugleich wiederum vom ersten Prinzip begrenzt werde.7 Diese Entfaltung sei nun – mathematisch betrachtet – zu- gleich das Kommensurabelwerden eines innerhalb einer Dimension Inkommensurablen, d. i. die Auf- lösung einer innerdimensionalen Spannung durch den Übergang in eine neue Dimension. Am Beispiel des Verhältnisses der „ irrationalen”Diagonale eines Quadrats zu dessen Seitenlänge lasse sich dies veran- schaulichen: eine Diagonale mit der Länge „ Wurzel 2”ist niemals kommensurabel mit der Seitenlänge des betre]enden Quadrats. Erst im Übergang zur nächs- ten Dimension (d. h. in der Selbstmultiplikation von „ Wurzel 2“) lässt sich die Spannung au&ösen. Barbaric weist diesbezüglich darauf hin, dass die Griechen die- sen Übergang mit dem Verb δύναμαι bezeichneten, z. B. in der Formel „ »die Linie kann (δύναται)  die Flä- che”[…], wobei dieses »Können”wohl im Sinne von »hat den Drang nach…”und »hat die Kra^ zu…”zu verstehen ist”(100). Erst unter Berücksichtigung die- ses aus der Sphäre des Mathematischen geschöp^en δύναμις-Begri]s, so die These, erhalte Platons späte Seinsbestimmung ihre volle Bedeutung. Diese Seins- bestimmung sei nämlich primär auf die durch die Spannung der Prinzipien generierte Entfaltung der Dimensionenfolge zugeschnitten.

In dem im Sophistes  und im Timaios  dargelegten Weltverständnis sieht Barbaric die Ideenlehre nicht auf- gegeben, vielmehr eingebettet in und vertieft durch die Prinzipienlehre, welche der Sinnenwelt allererst ih reigenes Recht lasse. Der Urbild-Abbild-Dualismus tret e zurück hinter einer dynamisch-kontinuierlichen, zum al substanzlosen Au]assung der Gesamtwirklichkeit, wo- bei der Streit zwischen den beiden Prinzipien sich auf je- der Wirklichkeitsebene austrage. Die Implikationen, die sich hieraus für eine Verhältnisbestimmung zwischen dem Timaios und Platons gro ß em Alterswerk, den Nomoi, ergeben, deutet Barbaric nur an: „ Die Gesetze sind sein [d. i. Platons] Versuch, diese neue Konzeption mits amt ihren weitreichenden Folgen philosophisch produktiv zu machen”(123) – und damit gewisserma ß en das poli- tische Gegenstück zum Timaios.

Barbarics genaue Interpretation des Timaios, die Bezüge, die er zu anderen Dialogen sowie nicht zu- letzt zur indirekten Überlieferung zieht, vermögen über weite Strecken zu überzeugen. Hinsichtlich des metaphysikkritischen Potentials von Platons „ ande- rem Anfang”ergeben sich allerdings einige Fragen: Muss man den von Barbaric behaupteten Versuch der Überwindung der Metaphysik im Sinne einer Zwei-Welten-Lehre im Timaios notwendigerweise an die „ ungeschriebene Lehre”koppeln? Ist Platons „ an- derer Anfang”und das damit verbundene (selbst)kri- tische Potential nur (oder überhaupt) unter Annahme eines prinzipientheoretischen Hintergrundes plausi- bel zu machen? Insbesondere stellt sich bei einer prin- zipientheoretisch fundierten Chora, die für den Ver- such der Überwindung der Metaphysik in Anspruch genommen werden soll, die Frage, ob die Lehre von den zwei Prinzipien nicht ihrerseits „ metaphysisch”ist. Tritt uns das Problem des Dualismus nicht auch hier entgegen, jetzt freilich nicht mehr im Sinne der Zwei-Welten-Lehre  sondern  prinzipiendualistisch? Ob sich die prinzipientheoretisch fundierte Chora für eine Metaphysikkritik im heideggerschen Sinne eignet, erscheint jedenfalls fraglich. Das Kriterium der „ zwei Welten”mag für Nietzsches Verständnis von Metaphysik entscheidend sein, nicht aber ohne weiteres – wie Barbaric suggeriert (vgl. 12) – auch für Heidegger. Dessen Paradigma der Metaphysik als Onto-Theologie kann, muss jedoch nicht notwendi- gerweise mit einer „ Zwei-Welten-Lehre”korrespon- dieren. Also nicht anhand der Überwindung einer „ Zwei-Welten-Lehre“, sondern anhand einer Über- windung der Onto-%eologie wäre mit Heidegger die Tragweite des platonischen „ anderen Anfangs”zu ermessen. Diese Probleme scheint Barbaric – auch wenn er nicht explizit darauf zu sprechen kommt – insoweit gesehen oder zumindest geahnt zu haben, als es ihm am Ende weniger um eine Überwindung der Metaphysik denn um eine Wiederbelebung derselben „ auf der Spur von Chora “geht (136).

Notas

1 „ Qui-êtes vous Khôra? Receiving Plato’s Timaeus “, in: Existentia. Meletai-Sophias, Vol. XI, Issue 3-4 (2001), 473-490; „ ON KAI KHORA: Situating Heidegger between the Sophist and the Timaeus ”, in: Studia Phaenomenologica, Vol. IV, Issue 1-2 (2004), 73–98; „ Ontopoiēsis and the Interpretation of Plato’s Khôra ”, in: Analecta Husserliana: 1e Yearbook of Phenomeno- logical Research, Vol. LXXXIII (2004), 25–45.

2  Chorology. On Beginning in Plato’s Timaeus, Bloomington 1999.

3  Unscheinbarkeit. Der Raum der Phänomenologie, Tübin- gen 2015, § 3: χώρα.

4  Khôra, Paris 1993.

5 Auch dieser Ansatz ist freilich nicht neu. So hat sich bereits Giovanni Reale (Per una nuova interpretazione di Platone, Milano 21 2003, Kap. 19) an einer prinzipientheoretischen Auswertung der Chora versucht, bei der er teils auf ähnliche Zusammenhänge eingegangen ist wie auch Barbaric.

6 In gewisser Hinsicht lassen sich Barbarics Ausführun- gen zur von der „ unbestimmten Zweiheit”her gedachten und immerwährenden Bewegtheit der Chora auch als Ergänzung zu Konrad Gaisers Ausführungen zur platonischen Geschi- chtsmetaphysik in Teil 2 von Platons ungeschriebene Lehre (Stuttgart ³ 1998) verstehen. In einer ausführlichen Interpre- tation des Politikos -Mythos hatte Gaiser eine Rekonstruktion des platonischen Geschichtsverständnisses vor dem Hinter- grund der Prinzipienlehre versucht, wobei Geschichte dann ni- chts anderes ist als die wechselvolle Austragung der Spannung zwis-chen den Prinzipien in der Zeit. Die geschichtsphiloso- phischen Implikationen von Barbarics Chora-Interpretation weisen in eine ähnliche Richtung.

7 Eine derartige Deutung hat auch Konrad Gaiser (Platons ungeschriebene Lehre, 187f.) nahegelegt.

Referências

DERRIDA, J. (1993). Khôra. Paris, Galilée.

EL- BIZRI, N. (2001). Qui-êtes vous Khôra? Recei- ving Plato’s Timaeus. Existentia. Meletai-Sophias, Vol. XI, Issue 3-4, p. 473-490.

EL- BIZRI, N. (2004). ON KAI KHORA: Situating Heidegger between the Sophist and the Timaeus. Studia Phaenomenologica, Vol. IV, Issue 1-2, p. 73–98.

EL- BIZRI, N. (2004). „ Ontopoiēsis  and the Inter- pretation of Plato’s Khôra ”. Analecta Husserliana: 1e Yearbook of Phenomenological Research, Vol. LXXXI- II, p. 25-45. https://doi.org/10.1007/1-4020-2245-X_3

FIGAL, G. (2015). Unscheinbarkeit. Der Raum der Phänomenologie. Tübingen, Mohr Siebeck.

GAISER, K. (1998). Platons ungeschriebene Lehre. 3ºed. Stuttgart, Klett-Cotta.

REALE, G. (2003). Per una nuova interpretazione di Platone. 21º ed. Milano, Vita e pensiero.

SALLIS, J. (1999). Chorology. On Beginning in Plato’s Timaeus. Bloomington, Indiana University Press.

Felix Herkert – Albert Ludwigs Universität Freiburg (Deutschland). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Platão e as temporalidades: a questão metodológica – BENOIT (EL)

BENOIT, Hector. Platão e as temporalidades: a questão metodológica. São Paulo: Annablume, 2015. Resenha de: ANTUNES, Jadir. Eleuthería, Campo Grande, v. 1, n. 1, p. 91-97, dez. 2016/mai. 2017.

livro Platão e as temporalidades: a questão metodológica (São Paulo -SP: Annablume, 2015) de Hector Benoit é um livro extremamente claro e didático nos argumentos a favor de uma compreensão de Platão, e de todas as grandes filosofias, a partir de sua lexis imanente, i.é, a partir da narrativa dramática imanente ao texto, a partir do sentido temporal interno e arquitetônico do texto, desconsiderando todas as determinações externas e, por isso, superficiais, como a datação cronológica e a estilometria, na elaboração de determinada grande obra filosófica.

Hector Benoit é extremamente claro e preciso em mostrar os vários níveis e temporalidades do discurso filosófico de Platão, desde seus momentos mais simbólicos e alegóricos até seus níveis mais abstratos e propriamente conceituais, mostrando a ausência de sentido nas leituras dominantes e tradicionais que pretendem encontrar, e revelar, em Platão, a existência de uma teoria ou doutrina pronta, fechada, dogmática, e purificada de toda referência não propriamente conceitual contida no interior dos diálogos. O livro de Hector Benoit não ensina apenas a ler metodológica e corretamente Platão, mas a todos os grandes filósofos. Por isso, seu método parece ter uma aplicação universal –ao menos para as grandes filosofias.

O livro é uma crítica radical ao modo dominante de se fazer filosofia, ou, mais precisamente, ao modo dominante de se entender as grandes filosofias. O modo dominante de se fazer filosofia e se compreender os grandes filósofos tem sido o analítico, em seus vários matizes, tem sido o método de divisão de um texto em suas menores partes, de análise deste texto fatiado e  fragmentado em seus menores detalhes, sem, contudo, relacionar estes fragmentos com o conjunto e o sentido interno da obra, da história de vida do autor e dos grandes conflitos filosóficos e históricos enfrentados por ele.

Os métodos historiográficos, biográficos, estilométricos, e todos os demais métodos externos empregados no entendimento de uma grande filosofia, são a condenação ao esquecimento e à confusão de toda grande obra filosófica e o livro de Hector Benoit deixa isto muito bem claro em relação à grandiosa obra de Platão. Ainda que a prática de se estudar um texto possa querer levar em consideração todos os seus aspectos empíricos, é preciso encontrar nesta leitura a ordem imanente, dramática e conceitual, é preciso encontrar a ordem própria ao discurso filosófico do autor que considere esta obra como a obra de uma vida.

O livro de Hector Benoit nos ensina não apenas a estudar corretamente um texto filosófico, mas a entender corretamente o que seria a filosofia. Seria a filosofia, uma ciência, uma episteme, ou uma arte? Seria a filosofia, uma obra destituída de esforço, de paciência, de tempo, sem relação alguma com a experiência de vida, com a experiência política, com a experiência em geral de seu autor? Seria ela, uma obra produzida exclusivamente pelo intelecto do filósofo, pela genialidade e pureza de sua alma racional, seria a filosofia, por isso, uma obra sem qualquer relação com o universo simbólico das representações de uma época e de seus leitores, sem qualquer relação com a experiência e a vida prática destes mesmos leitores e autores?

O livro de Hector Benoit nos ensina que a filosofia estaria, por este aspecto, muito mais próxima da arte do que da episteme. Neste aspecto, Aristóteles não pareceria ter algo de platonista, porque para ele a filosofia não pareceria possuir qualquer relação com a arte e a experiência de vida de seu autor. A questão fundamental exposta por Hector Benoit parece ser exatamente a crítica ao modo aristotélico de se fazer filosofia, ao modo de se estudar um autor através de recortes despedaçados de sua obra convenientes à construção de sua própria obra.

O modo socrático de exposição, o dialógico poético, parece ser sempre mais complicado politicamente do que a prosa corrida de Aristóteles. Galileu Galilei que o diga. Dizem que a causa da desgraça de Galileu não teria sido tanto as suas concepções heliocêntricas sobre o universo, mas, sim, porque o Papa fora convencido por seus assessores de que o personagem Simplícius, personagem ridicularizado por Galileu como defensor do sistema ptolomaico, representaria no Diálogo sobre os dois mundos a posição do Papa e da Igreja. Por este motivo, Galileu teria sido condenado à prisão. Numa narrativa de tipo aristotélico não há, geralmente, personagens da vida real, não há condenação destes personagens, não há a vida atrapalhando o pensamento. Por isso, a narrativa lógica e linear aristotélica parece ser sempre menos perigosa e ofensiva politicamente que os diálogos vivos e dramáticos platônicos.

De acordo com o livro de Hector Benoit, a filosofia estaria mais próxima da arte do que da episteme, porque uma obra filosófica é construída da mesma maneira que se constrói uma obra de arte, como a obra de um artesão-operário. O importante na análise desta obra não consiste tanto em compreender cada uma de suas peças isoladamente, mas, sim, o conjunto e o sentido interno e vivo desta obra. Numa obra de arte, as diferentes peças do conjunto não precisam necessariamente ser fabricadas na ordem da montagem, do funcionamento e da importância desta peça para o conjunto. Cada peça pode ser fabricada, até certo ponto, de maneira totalmente independente das outras peças. A peça principal, por exemplo, pode ser fabricada por último em relação a todas as outras peças.

O importante no estudo de uma obra de arte, por isso, não é compreender a ordem de fabricação destas peças no tempo, a ordem cronológica desta obra, mas, sim, a posição e o papel de cada peça fabricada no conjunto da obra construída. Já imaginastes montarmos um carro na ordem da fabricação de suas peças no tempo, segundo a ordem do tempo em que cada peça individual foi fabricada? Evidentemente, não teríamos um carro ao final do processo, mas apenas um agregado linear de peças sem sentido algum.

A leitura e interpretação de Hector Benoit sobre os diálogos de Platão possuem como premissa fundamental as mesmas premissas e fundamentos da ordem encontrada nas obras feitas pela mão humana. Não há sentido algum, segundo sua interpretação, querer estudar os diversos diálogos de Platão segundo a ordem cronológica de sua feitura. Não há sentido racional algum querer dispor esta ordem segundo a ordem de sua produção temporal externa, segundo o momento em que esta obra foi redigida empiricamente. Uma disposição dos diálogos platônicos segundo esta ordem alógica corresponderia à disposição, e montagem, de nosso carro segundo a ordem do tempo de fabricação de suas peças.

O entendimento correto da obra platônica, segundo Hector Benoit, é o entendimento que compreende esta obra como uma obra dotada de beleza plástica e poética, como uma obra que só revela seu sentido e direção se seguirmos o sentido e a direção contidos e apontados pelo próprio Platão no interior dos próprios diálogos, no interior de sua sequencia dramática e poética.  O racional, o poético/poiético, consiste, por isso, em compreender estes diálogos segundo sua ordem dramática interna, segundo sua construção conceitual interna, segundo o desenrolar temporal interno à própria trama dramática dos diálogos, e não à suas tramas e tramoias cronológicas externas.

O livro de Hector Benoit, por isso, transmite esta importante lição metodológica: de compreendermos, até certo ponto, uma obra filosófica como a obra de arte de um artesão, de um artesão do pensamento. Digo até certo ponto porque o artesão comum realiza uma obra que desde o princípio já se encontra pronta e acabada no pensamento, somente mais tarde, com a prática, esta obra ganha realidade como coisa feita, enquanto que o filósofo, por sua vez, não possui, desde o começo de sua trajetória filosófica, uma ideia clara e pronta do que quer fazer, de onde quer chegar e quais caminhos irá percorrer. Esta ideia vai sendo iluminada e ganhando sentido na mesma medida em que a obra vai sendo realizada. Por isso, são normais as frequentes idas e vindas do filósofo, as frequentes revisões, correções, reedições e aperfeiçoamento de sua obra. Fato que também geralmente ocorre com os produtos da mão humana. O lançamento, a primeira edição da obra é, por isso, geralmente, inferior à obra lançada nos anos seguintes.

Neste sentido, argumenta Hector Benoit, o que seriam os personagens de Platão, senão diferentes operários-artesãos, diferentes artesãos do pensamento, diferentes artesãos que, em conjunto e de maneira mais ou menos combinada, trabalham em vista de uma obra comum, a obra de uma vida, da vida dos que começaram e morreram durante sua construção, e da vida das novas gerações que surgirão para continuá-la. Quem seria Platão nesta história senão um mero coordenador, um mero condutor e dirigente, um mero engenheiro do pensamento e, como tal, um artesão, um operário qualificado, o operário-chefe de uma obra coletiva.

Como na construção dos grandes templos anônimos da cidade, que não levam o nome do engenheiro chefe, de seu arquiteto, onde cada operário parcial trabalha em vista de uma obra coletiva que ultrapassa o tempo de suas próprias vidas, não seria a obra de Platão semelhante ao Parthenon e todas as obras coletivas da cidade? Não seria, assim, a obra de Platão equivalente à obra de Phidias, uma obra da cidade, de seus operários, de seus arquitetos, uma obra sem autoria definida, uma obra que conta com o esforço, o trabalho e a participação de todos os personagens da cidade, de todos os seus artesãos, cada um com sua ocupação específica, onde alguns participam como soldados, outros como sacerdotisas, adivinhos, jovens, anciãos, anfitriões, sofistas, políticos, filósofos de profissão, visitantes estrangeiros e assim por diante?

O livro metodológico de Hector Benoit é muito útil e instrutivo para todos os estudiosos da filosofia que desejam acordar da sonolência metafísica moderna. A metafísica e a analítica, a pretensão de encontrar a essência e a verdade em um pedaço estilhaçado da realidade, a metafísica em todos os seus múltiplos modos, como o racionalismo, o positivismo e o sociologismo, domina por inteiro nossa filosofia. As diversas “filosofias”, as filosofias da linguagem, do conhecimento, da ciência, da política, da arte, da ética e assim por diante, não passam de formas mascaradas de metafísica, de formas analíticas de se compreender a filosofia e a tarefa do filósofo. Estas diversas “filosofias” não são mais do que epistemes, não são mais do que formas aristotélicas modernizadas de se fazer e se compreender a filosofia.

O livro de Hector Benoit nos leva a pensar que todos estes métodos modernos de se fazer filosofia estariam inteiramente impregnados pelos princípios práticos da época moderna: a negação do trabalho como a forma própria e fundamental da vida humana coletiva, a visão meramente negativa do trabalho, do trabalho como roubo do tempo destinado ao prazer e ao ócio. O hedonismo que domina nossa prática filosófica moderna é inteiramente incompatível com o esforço que vem do trabalho e da arte, com o esforço da leitura lenta, sistemática e total de uma obra filosófica, com o esforço do labor exercido pelo pensamento, por isso, para este hedonismo, é necessário abreviar todo esforço em vista do prazer, é preciso construir atalhos que evitem o desperdício de tempo e esforço do leitor, é preciso construir filosofias fragmentadas, fáceis, superficiais, passageiras, ao gosto do mercado editorial e do senso comum burguês.

A crítica de Hector Benoit a Goldschmidt e ao método estruturalista de interpretação de um grande autor e de uma grande filosofia parece clara em associar este método ao método do estilhaçamento e da confusão, próprio das práticas filosóficas modernas.  Pelo caminho de Goldschmidt parece ter seguido toda a história da filosofia. Para o cristianismo era necessário batizar e cristianizar todos os grandes filósofos, especialmente Platão e Aristóteles, era necessário negar o paganismo filosófico antigo e construir uma filosofia que justificasse as crenças religiosas cristãs. Para o mundo moderno trata-se não mais de construir uma filosofia, não mais de criticar a filosofia, mas de destruir a filosofia, de transformá-la em coisa fácil de ser feita, em coisa feita pelas mãos e cérebro de um único gênio, de transformá-la num ramo da ciência e, como tal, num ramo da indústria do entretenimento, da fantasia e da ideologia.

Se para Hector Benoit, o modo filosófico de se fazer filosofia em Platão deve ser compreendido a partir da compreensão do modo de se fazer as grandes obras coletivas da mão humana, para o mundo moderno, pelo contrário, trata-se de radicalizar a visão aristotélica de filosofia, de separá-la do trabalho, da arte e da vida em geral. Para o mundo moderno, como para Aristóteles, o trabalho é uma coisa negativa, é desperdício de tempo e de vida, é roubo do tempo destinado ao ócio e ao prazer, por isso deve ser erradicado da vida humana e destinado apenas a escravos, a homens inferiores, sem logos e sem episteme.

Por essa visão poiética de Platão, de Platão como um operário do pensamento, operário do logos que é ação de pensar e ação de fazer, a interpretação de Hector Benoit é um alento e sopro de vida sobre nossas almas cansadas desta monotonia e lenga-lenga filosófica moderna, desta filosofia que padece lentamente a cada dia nas teias da lógica e da linguagem, desta filosofia que tem se tornado um agregado mecânico de peças mortas, de peças fatiadas e sem organicidade, de peças isoladas e sem conexão com a totalidade da vida, desta filosofia que já não possui qualquer negatividade e impulso vital criativo.

O livro de Hector Benoit é mais do que um livro de interpretação de Platão, o livro é uma crítica radical deste modo moderno de se fazer filosofia e uma luz para nossas almas românticas e poéticas, presas às cadeias da tradição positivista e da metafísica em todos os seus modos de existência. A filosofia, para ser filosofia, não pode permanecer presa às cadeias da lógica e dos métodos quantitativos e segmentados da ciência. Para ser filosofia, ela tem que ser poesia, tem que ser arte e existir como obra que existe na totalidade da vida e em vista desta mesma vida.

O livro de Hector Benoit é uma crítica destruidora a toda a tradição filosófica que acredita ser o logos uma coisa, uma propriedade, uma substância que pode ser tomada e revelada isoladamente ao gênio individual de cada autor. O logos, como nos diz Hector Benoit lembrando Heráclito, não é substância, não é coisa nem propriedade. O logos é koinonia, é o-que-é-em-comum, é o que se manifesta no ser-em-comum, como nas grandes obras coletivas feitas pelas mãos e cérebros humanos. Nada de grandioso pode ser feito isoladamente – é o que nos ensina o logos heraclitiano e o Platão revelado por Benoit: nem mesmo uma obra filosófica. Os filósofos não constroem nada sozinhos, os filósofos são somente aqueles que sabem que tudo-é-ser-em-comum e querem, com seu intelecto e esforço, juntar-se ao ser-em-comum de sua época.  O filósofo não trabalha nem constrói sua obra isolado em seu gabinete de estudos. Para ser filósofo e fazer filosofia é preciso sair para o mundo e misturar-se com ele: como Sócrates em seus diálogos mundanos e Platão em suas aventuras políticas pelo Mediterrâneo. Nesta construção coletiva são necessários não apenas cérebro e intelecto, são também, e fundamentalmente, necessários braços e energia física humana para fazer do Parthenon da Filosofia uma realidade tal qual foi no passado o Parthenon de Phidias.

O livro de Hector Benoit é uma obra revolucionária que merece, mais do que nunca, ser lido e discutido por todos os amantes das grandes filosofias, destas filosofias que têm como meta a reconstrução completa e impiedosa da realidade segundo o que-é-em-comum. O livro deve ser lido por todos aqueles que se compreendem como operários de uma obra e de um mundo em construção, que se compreendem como membros menores de uma grande obra coletiva que transcende a vida e a vaidade de toda existência idiotizada pela propriedade privada, pelo empilhamento de dinheiro, pela desmedida da ganância e pela metafísica. Nesta obra e projeto coletivo, cada personagem participa de acordo com suas próprias forças e capacidades, alguns com o cérebro, outros com os braços e outros com a poesia e o sonho romântico dos grandes filósofos do passado –como parece ser o caso de Hector Benoit.

Jadir Antunes – Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).

Acessar publicação original

[DR]

 

The Platonic Art of Philosophy – BOYS-STONES et al (RA)

BOYS -STONES, G.; EL MURR, D; AND GILL, C. (Eds.). The Platonic Art of Philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. PITTELOUD, Luca. Revista Archai, Brasília, n.17, p. 351-360, maio, 2016.

Cet ouvrage est composé d’une collection d’articles rédigés en hommage à Christopher Rowe et inspirés par les travaux et exégèses de ce dernier à propos de la philosophie de Platon. Les auteurs qui ont contribué à cet ouvrage sont de traditions et d’approches très va- riées et la mise en relation des articles permet un dia- logue inédit entre les différents points de vue. Chacune des contributions se destine à dialoguer avec une des problématiques abordées dans l’œuvre de Christopher Rowe: l’unité philosophique et littéraire de l’œuvre de Platon, la fonction du mythe, l’héritage socratique de Platon, la position platonicienne concernant la vérité et l’être.

Une question centrale discutée dans cet ouvrage est celle du socratisme de Platon. Christopher Rowe dé- fend l’idée que l’objectif de Platon n’est pas de dépeindre le Socrate historique mais de proposer une philosophie socratique: Platon, d’après Rowe, n’a jamais cherché à s’éloigner du personnage de Socrate afin de développer sa propre philosophie (à ce titre une lecture dévelop- pementaliste des dialogues doit être rejetée) mais, au contraire, propose une philosophie réellement socra- tique. Christopher Rowe considère dans ses écrits la question de l’intégration des thèses socratiques (éthi- ques, psychologiques et épistémologiques) dans les dialogues de Platon. Les contributeurs à cet ouvrage sont amenés à réagir et à situer leurs propres interprétations par rapport aux idées défendues par Rowe.

A ce titre, M. Dixsaut  défend une vision multidi- mensionnelle et nuancée de la lecture des œuvres de Platon qui, puisque ce dernier a choisi d’écrire des dia- logues, refuse de donner une exposition linéaire de sa philosophie en tant que système. M. A. Fierro exami- ne, afin de justifier l’idée selon laquelle le contexte est primordial dans la lecture d’un dialogue,  comment, dans le Phèdre, cohabitent deux visions opposées du corps: la méfiance que de ce dernier peut inspirer comme source de distraction cohabite, dans le même dialogue, avec une vision plus positive où le corps peut être considéré comme un auxiliaire à l’activité philosophique. N. Notomi  cherche à montrer com- ment le Phédon  ne propose pas une rupture avec la philosophie de Socrate mais, au contraire, développe le message original de l’éthique socratique. D. Sedley argumente que les tensions souvent relevées dans la théorie psychologique de la République (la vision tri- partite des livres 4, 8 et 9 comme s’opposant à celle des livres 5 -7 où serait mis en avant l’intellectualisme socratique) possède en réalité un unité réelle dans le contexte de la vie vertueuse du philosophe, vie défi- nie en tant qu’activité contemplative. T. Johansen  se propose d’associer la notion de progression éthique de l’allégorie de la caverne à une vision cosmologi- que plus large telle que présentée dans le Timée  afin de résoudre la tension qui existe entre la question de la dimension politique et éthique de cette allégorie et son fondement cosmologique et philosophique basé sur les conclusions des analogies de la ligne et du so- leil. M. M. Mc Cabe interroge l’unité de l’Euthydème dans le cadre de la discussion épistémologique qui émerge dans la rencontre entre Socrate et les sophis- tes. M. Narcy  envisage comment le Théétète  dépeint un Socrate maitrisant la technique éristique dans son opposition avec Protagoras. toujours à propos du Théétète, U. Ziliolo s’intéresse à la relation entre le Cy- rénaïsme et la position qui identifie la connaissance à la perception. T. Penner met en perceptive la théorie de l’incorrigibilité des perceptions telle que défen- due par Protagoras dans le Théétète avec la notion de «  proposition » telle qu’elle est définie dans la séman- tique moderne. Pour Penner, Platon se montre plus intéressé aux « real -world entities » que cela est le cas dans ces théories sémantiques modernes. D. O’Brien rejette l’idée commune, en logique moderne, que l’être ne serait pas un prédicat en montrant que, dans le Sophiste, pour Platon, le non -être, non pas défini en tant que ce qui n’est d’aucune façon, mais décrit comme ce qui est différent possède une réalité propre: l’être peut lui être prédiqué au sens où le non -être (ce qui est autre) est. Finalement, l’ouvrage se termine par trois contributions concernant les dimensions politique et historique de l’œuvre de Platon: S. Broadie  étudie la notion de véracité de récit de l’Atlantide, M. Tulli pose la question de l’intérêt et du respect de Platon pour l’histoire à propos de la transmission du récit de Critias et enfin, M. Schofield invoque l’importance de l’amitié dans le cadre de la théorie politique des Lois.

L’ouvrage, au travers des contributions de D. Sedley, C. Gill et D. El Murr, propose également un traitement intéressant d’une discussion centrale dans l’œuvre de Christopher Rowe: l’intellectualisme socratique et les tensions qu’une telle théorie semble entraîner, notam- ment quant à la question de l’unité de l’âme. Ce dernier a défendu l’idée que Platon n’a jamais abandonné l’intellectualisme socratique au profit d’une vision tripartite de l’âme.  en ce sens, Sedley affirme que la théorie de la tripartition représente un mode de discours, peutêtre trompeur, mais sans doute inévitable, à propos de la vie incarnée humaine lors de laquelle la plupart des mortels fonctionnent comme s’ils étaient sous l’influence de forces irrationnelles, alors qu’en réalité ces forces ne font pas partie de leur vraie na- ture. Ainsi, ce qui définit réellement le philosophe ne sera pas, comme le note Sedley, le contrôle raisonné des passions irrationnelles, mais l’accès à un niveau de cognition dans lequel les motivations corporelles disparaissent petit à petit et, dans cet état cognitif, le corps et ses passions ne recéleront plus qu’une in- fluence motivationnelle minimale. Autrement dit, la vraie nature de l’âme est unitaire (intellectuelle), elle n’est décrite comme ayant des parties que du point de vue de la condition humaine qui se considère comme divisée par les passions corporelles, mais, de fait, cette division n’ est pas réelle. C. Gill conclue sa contribu- tion sur cette problématique en affirmant que, sans doute, Platon cherche à défendre une vision unifiée de sa psychologie dans laquelle les théories socratique et platonicienne de l’âme se trouveraient, dans la République, intégrées au sein d’un argument cohérent sans que cela impliquerait une quelconque contradiction.

La question de l’intellectualisme socratique est évi- demment liée au statut du Bien tel qu’il est décrit dans la République. D. El Murr cherche à montrer que les critiques qui ont fait de ce Bien métaphysique, une entité tant abstraite qu’elle ne serait pas pratiquement réalisable (prakton) reposent sur une mauvaise com- préhension du statut de ce Bien: en effet ce dernier, en tant que principe ontologique suprême, confère l’être (ousia) aux entités qui possèdent la réalité et la stabi- lité suffisante pour être accessibles à l’intellect. Autre- ment dit, le Bien qui est responsable de la distinction entre le sensible et l’intelligible. or cette objectivité suprême du Bien implique également une valeur éthi- que et politique. La République  cherche à distinguer entre ce qui est réellement juste et ce qui n’ est juste qu’en apparence. Cette distinction ne peut être garan- tie que par l’existence du Bien qui est toujours l’ultime objet du désir. Je peux désirer l’apparence de la justice car je pense que cette dernière est bonne pour moi, mais je ne peux pas désirer l’apparence du bien. Au contraire je désire toujours ce qui est mon propre bien. Autrement dit, je peux désirer quelque chose de façon superficielle, car je pense que cette chose m’ est profitable, mais je ne peux nullement désirer ce profit en apparence. Cette thèse qui fonde l’intellectualisme socratique ne peut être justifiée que s’il existe une réalité d’une valeur ontologique éminente qui puisse être l’objet du désir humain. or cette réalité est le Bien. C’est au final cette prééminence du Bien qui garantit la distinction entre a) le sensible et l’intelligible et b) ce qui est réellement X et ce qui n’ est X qu’en appa- rence, de sorte que le Bien de la République  possède une forte valeur pratique. Platon ainsi ne semble pas faire de la Forme du Bien une entité déconnectée de la vie morale.

Luca Pitteloud – Universidade Federal do ABC (Brasil). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

The Structure of Enquiry in Plato’s Early Dialogues – POLITIS (RA)

POLITIS, Vasilis. The Structure of Enquiry in Plato’s Early Dialogues. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. Resenha de: SABRIER, Pauline. Revista Archai, Brasília, n.16, p.361-365, jan., 2016.

Vasilis Politis’ book provides a new insight into Plato’s early dialogues. The purpose of the book is to defend an ‘aporia-based account’ of Plato’s early dialogues against the common ‘de”nition-based account’. Traditionally, the early dialogues are read as ‘de”nitio nal’ in the sense that the ti esti question is seen as the central question motivating the inquiry, and as ‘aporetic’ in the sense that they generally end in the failure of Socrates and his interlocutors to answer the ti esti question. Usually, the failure is attributed to the incapacity o f Socrates’ interlocutor to provide an answer to the ti esti question which meets Socrates’ requirements, which are that the question should be answered by giving a unitary, general and explanatory de”nition of Φ  and not by pointing at an example. One problem with this vi ew is that the reason for these requirements is either  le unexplained, or it is explained dogmatically, by pu tting forward Plato’s own theory of knowledge, or it leav es room for suspicions of scepticism, the failure of t he dialogue pointing to the impossibility of knowledge. Staring from the diculties raised by the traditional vi ew, Politis develops a radically di$erent approach in w hich the ti esti  question is not any more the central ques- tion of the dialogue. Instead, he shows that the inquiry is motivated and structured by questions of the form ‘whether or not Φ is Ψ ’ which turn into aporiai when one or more of the interlocutors, a er having argued on both sides of the question, face a con%ict of re asons and it appears to them that there are equally good rea- sons on both sides. Based on textual evidence, Poli tis’ central claim is that it is in order to “nd a way o ut of the aporia that the ti esti  question, understood as the demand for a standard for a thing’s being Φ, is raised in these dialogues, and furthermore, that it is in o rder to unlock the particular case of ‘radical aporiai’, that is aporiai which render every example-and-exemplar questionable, that Socrates requires a unitary, gen eral and explanatory de”nition. It is thus the understan ding of the early dialogues as being primarily aporia-ba sed dialogues which provides the key to the ti esti question.

The book is divided into two parts. Part I is dedicated to the criticism of the ‘de”nition based-account’. Politis’ point is to show, against this view, that the ti esti question stands in need for justi”cation, and consequen tly, that the ti esti question cannot alone be the crux of the dialogue. !ree elements are put forward: “rst, the place of the ti esti question in the inquiry, which, Politis shows, is raised at di$erent places depending o n the dialogue, including at the very end; secondly, Socrates’  requirement to answer the ti esti  question by giving a unitary, general and explanatory de”nition, and not by pointing at an example; and, thirdly, the suppos ed bene”ts of answering the ti esti  question, which ex- plains why it is seen as an indispensable step by Socrates and is pursued relentlessly. The second point has, in particular, crystallised the attention of critics. On the whole, those who have recognised the need for justication of the requirements for de”nitions have eit her argued against Plato that such a justi”cation is mi ssing (Peter Geach, famously) or that the justi”cation is to be found in Plato’s theory of knowledge. Politis argues for a third way namely, that Plato’s justi”cation is in deed to be found in the dialogues — this is the whole point of Part II — but that it is not to be found in his theory of knowledge. Large sections of Part I are dedicated to the latter issue, which certainly constitutes one of the main strengths of the book.

Part II is the constructive part of the book, where Politis argues that the raising and the pursuing of  the ti esti question is in fact motivated by the emergence of an aporia within the dialogue. The “rststep consist s in establishing that the ti esti question is always preceded, or raised together with, one or many questions of t he form ‘whether or not Φ  is Ψ ’. This claim is based on the study of a large range of dialogues — Charmenides, Euthyphro, Republic I, Gorgias, Hippias Major, Lach es, Protagoras, Meno, Lysis —  which are brought under close examination. In a second step, Politis shows how some of these whether-or-not questions articulate an aporia, that is a conflict of reasons such that ther e appears to one and the same person to be genuinely go od reasons on both sides of the whether-or-not question, and how then it is in order to “nd a way out of the aporia that a ti esti question, that is the question for a standard of a thing’s being Φ, is raised. Again, the argument is carried through the careful study of four dialog ues —  Euthyphro, Charmides, Protagoras, Meno. Finally, Politis develops the notion of ‘radical aporia’ to explain that some aporiai are such that they render question- able every example-and-exemplars of a thing’s being Φ, and that this is the reason why Socrates, in this p recise situation, requires that the ti esti question must be an- swered not by pointing at an example but by giving a unitary, general and explanatory de”nition of Φ.

Politis’ book is undeniably of great value for the study of Plato’s early dialogues. Not only does it challenge the traditional view on the ti esti question, but it completely renews the role of aporiai in these dialogues. If a poriai still refer to a state of puzzlement, they are more fundamentally a decisive moment in an inquiry and they show that a further step is required in order to pur sue the original issue. Given that whether-or-not quest ions naturally provide the ground for the emergence of aporiai, and given that, as Politis has shown, Plato in these dialogues takes the raising of whether-or-not quest ions as his starting-point, one could say in that sense t hat Plato is an aporetic thinker. However, this should not be interpreted in any way as implying that Plato is a sceptic. Politis devotes a chapter in Part II to ref ute this claim, which has being considered by Julia Annas an d more recently defended by Michael Forster. Politis argues against this view that if there is indeed a sc eptical dimension in the method of aporia-based inquiries, the raising of the ti esti question shows on the contrary that the moment of the aporia is meant to be overcome. ! e ability of Politis to tackle all these di$erent asp ects of the topic is another major asset of this book. For inst ance, the apparent paradox of Socrates’ ignorance, who on the one side denies that he possesses any knowledge but on the other side defends some strong positions, a paradox which becomes acute in the Gorgias for instance, is also addressed. Finally, the signi”cance of the book goes beyond the early dialogues. As the author himself puts it, the careful study of the raising o f the ti esti question brings us to ‘the roots of Plato’s essent ialism’, and as a result, it is likely that such an im portant change in the understanding of the role of the ti esti question in these dialogues will have consequences for our understanding of the theory of forms. In particu lar, the fact that only radical aporiai require answerin g the ti esti question with a unitary, general and explanatory de”nition could have implications for the question of whether there is a form for each and every thing. But this point goes well beyond the scope of the book, and accordingly, Politis does not deal with it. Nonethe less, this is another element which makes this book so va luable for any student of Plato and, I think, many st udents of philosophical method and enquiry.

Pauline Sabrier – Trinity College Dublin (Ireland), E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Platão e as temporalidades: a questão metodológica – BENOIT (RA)

BENOIT, H. Platão e as temporalidades: a questão metodológica. São Paulo: Annablume, 2015. Resenha de: SOUZA, Eliane de. Revista Archai, Brasília, n.16, p. 351-360, jan., 2016.

Foi finalmente publicada a primeira parte da tese de Livre Docência em Filosofia de Hector Benoit, defendida em 2004 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. o trabalho original era uma tetralogia dramática e, para fins de publicação, foi dividido em duas partes. Benoit apresenta, nessa primeira parte, um trabalho metodológico que serve como preparação para a publicação futura do romance filosófico A odisseia de Platão, mas que pode também ser lido como um livro autônomo.

O livro, que conta com apresentação do professor Arlei Moreno, da Unicamp, procura aproximar o leitor da situação de um leigo que lê Platão sem nenhuma informação, sus pendendo os pressupostos teóricos que envolvem o texto dos diálogos e afastando -o da metafísica ocidental. a proposta é deixar de lado a ideia de que Platão é o autor supremo de uma doutrina sistemática e começar a ver a cena dos diálogos como análoga à da poesia homérica e trágica. Nesse sentido, o livro tem um caráter negativo, ao colocar em suspensão as interpretações que impedem a aproximação a um Platão conceitualmente poético. Seu intuito é preparar o leitor para ler os diálogos sem o recurso da tradição interpretativa, o que permite contemplar a sua lexis (modo de exposição). a disposição ordenada dos textos em uma temporalidade construída com os elementos léxicos revolucionaria a interpretação desses textos e o processo hermenêutico de toda a história da filosofia, segundo Benoit.

O livro é dividido em cinco capítulos. O capítulo 1, Platão e a poética do logos, levanta a questão da relação entre discurso filosófico e poesia a partir do logos de Platão, questão que, segundo o autor, não foi bem compreendida até hoje, nem mesmo por Heidegger. O problema passa a ser investigado a partir de um histórico de narrações que relatam Platão como sendo inicialmente um poeta e que, ao se tornar discípulo de Sócrates, se afasta da poesia e se transforma em seu inimigo. Esse percurso biográfico de Platão, que Benoit considera lendário, foi divulgado por Apuleu no século II d.C., sustentado no neoplatonismo por Proclus no século V d.C. e relatado no manual anônimo Prolegomena, texto do século VI d.C. A descrição de Platão como crítico da poesia perdura até Nietzsche, causando, na interpretação do texto platônico, uma tensão entre arte, moral e metafísica. Essa tensão se repete em Heidegger e permanece na maioria dos comentários contemporâneos que se referem a Platão como aquele que expulsou os poetas da cidade, dentre os quais Havelock. Graças a esse tipo de interpretação, até artistas e pensadores de vanguarda se voltaram contra Platão, mostra Benoit. O autor coloca uma dúvida: como é possível que Platão tenha tentado destruir a poesia e, ao mesmo tempo, tenha escrito obras filosóficas que são também estéticas e dramáticas?

Benoit considera que não existe diálogo que seja propriamente narrativo. Todos os diálogos são dramas não narrados diretamente ao leitor, mesmo aqueles que a tradição reconheceu como narrativos. Como exemplo, faz um exame do Protágoras, do Cármides e da República para mostrar que são diálogos e não narrações, como se costuma interpretar. Se os diálogos forem lidos a partir da forma dramática e da imitação, propõe, a obra de Platão se aproxima da lexis poética da tragédia e da comédia. Os diálogos seriam então uma das formas supremas da arte grega.

Para Benoit, a cena da metafísica ocidental é uma visão exterior da obra. Nietzsche, ao pretender romper com essa cena, paradoxalmente encontra na filosofia de Platão seu alicerce. a dúvida do autor é até que ponto se pode aceitar essa posição de Nietzsche e de seus seguidores. O livro é um esforço metodológico para mostrar que as acusações de que Platão expulsou os poetas e a poesia da cidade se fundamentam em uma tradição interpretativa duvidosa, da qual Benoit acredita que ainda não nos libertamos. Em vez de excluir a poesia, o autor opta por seguir a lexis platônica em busca da construção conceitualmente poética das temporalidades presentes em seu pensamento.

No capítulo 2, Os diálogos entre Homero e Proclus, Benoit faz uma escolha pela tautagoria, forma de leitura sem qual quer interpretação, que procura trazer apenas o que se manifesta em suas relações de superfície, em detrimento da interpretação alegórica, que procura uma outra coisa sob as coisas que se manifestam e um outro dizer com significado profundo. Benoit reconstrói historicamente a transformação do discurso autônomo, não instrumentalizado, em um discurso que passa a velar o mundo. Com o surgimento das formas mercantis, o logos deixa de ser parte da physis e exige técnicas de interpretação para a descoberta de significados profundos. A preocupação do autor é mostrar como, a partir do século V a.C., toda a tradição antiga é submetida à exegese alegórica, começando pelos mitos e poemas homéricos e chegando até Platão no neoplatonismo. Ele elege como exemplo dessa tradição exegética neoplatônica a leitura que Proclus faz de uma passagem da Ilíada, segundo a qual busca -se compreender a doutrina secreta sob os versos de Homero e absolvê -lo das acusações que Platão faz a ele na República. Para Proclus, as imitações poéticas escondem manifestações onto-teológicas e seu esforço corresponde à uma leitura de Homero à luz dos diálogos de Platão. Deve -se a Proclus também uma vasta interpretação onto-teológica dos diálogos, que Benoit considera tão arbitrária e fantasiosa quanto aquela dedicada a Homero.

Benoit denuncia, nas leituras de Proclus e de seus antecessores, as origens da interpretação de como Platão criador do mundo supra -sensível, interpretação essa que surgiu às custas de sucessivas camadas de hermenênutica neoplatônica, e coloca em dúvida se as interpretações modernas e contemporâneas não trazem esse legado de mutilação da lexis  platônica. o que Benoit propõe, então, é um grande trabalho arqueológico para fazer surgir o texto platônico mais próximo de Homero, fora do âmbito alegórico do neoplatonismo; propõe não priorizar a doutrina filosófica, ao modo de Proclus, mas ler os diálogos como organismos internamente e externamente articulados.

O Capítulo 3, Uma obra sem autor e sem doutrina, é uma busca de Platão no interior dos seus próprios diálogos. Em uma época em que os gregos afirmavam a autoria de seus escritos, Platão está ausente dos diálogos, seja como autor, seja como defensor de uma doutrina. Seu nome aparece poucas vezes como personagem, porém de modo breve ou que às vezes, sus- peita Benoit, se faz presente por sua ausência. Por isso, uma leitura com suspensão das suposições tomadas pela tradição como certezas irrefutáveis levará o leitor a ver que pouco resta da presença de Platão como identidade. Personagens como Sócrates, Crítias, Parmênides e o Estrangeiro de Eleia não são portadores da palavra de Platão e não há, nos diálogos, um único autor que centraliza uma dou trina positiva, coerente e sistemática, já que os diálogos são discursos entrecruzados de múltiplos personagens e não podem expressar uma doutrina filosófica única.

O privilégio da fala de Sócrates, além de diversas estratégias que suprimem a dramaticidade do diálogo, transformaram o texto em monólogos e daí, explica o autor, se deduz uma “doutrina platônica”das ideias e, em torno dela, outros “dogmas”, como a ideia de Bem, a oposição sensível -inteligível, a teoria da reminiscência, a teoria da mímesis que condena os poetas, a paideia platônica e o projeto de cidade ideal. a questão que Benoit levanta é: em que medida recortes de discursos de diversos personagens podem, de maneira legítima, ser tomados como a doutrina de Platão? Se hoje essa questão não faz sentido para os leitores e intérpretes, Benoit nota que a antiguidade não teve tanta certeza a respeito da existência de uma doutrina platônica. Para mostrar isso, faz uma exposição de testemunhos antigos que negavam um Platão dogmático.

Uma leitura conceitualmente poética de Platão exige um olhar sem mediação da tradição, por isso o capítulo termina com uma introdução ao tema da temporalidade da lexis, mostrando que os personagens dos diálogos são marcados por esta temporalidade e não seres imutáveis como, em geral, tradição os representa. a maioria dos diálogos possuem demarcações temporais objetivas inscritas nos próprios textos, como fatos ou acontecimentos históricos, que os situam em certa diataxis ou disposição geral.

Segundo o autor, essas demarcações temporais já eram utilizadas em edições dos diálogos desde o século III a.C. A primeira edição teria ordenado os textos em trilogias que obedeciam às demarcações lexicais. Benoit faz então um histórico da ordenação dos diálogos nas edições, que passam de trilogias para tetralogias, e salienta que até o século II d.C. a disposição era feita por demarcações lexicais, quando então passa a obedecer a uma nova ordem exigida por uma suposta “doutrina”de Platão. Só em 1920 a publicação da Société d’Édition “Les Belles Lettres” rompe com a tradição das tetralogias e passa a dispor os diálogos a partir do suposto tempo cronológico de produção da obra. Constrói -se, então, um Platão socrático, dos primeiros diálogos, e um Platão da maturidade, dos diálogos metafísicos. Desde 1950, o problema do ordenamento foi sendo abandonado como teoricamente irrelevante para a compreensão dos textos de Platão, com exceção das interpretações de Schleierma cher e Munk.

O capítulo 4, a diátaxis  enquanto temporalidade da lexis,  tenta encontrar a disposição dos diálogos a partir da lexis, sem qualquer interpretação. Entre os vinte e nove diálogos reconhecidos como autênticos, Benoit data com precisão dezenove diálogos entre os considerados mais importantes do ponto de vista do conteúdo da filosofia platônica e consegue uma datação aproximada dos outros. a disposição da temporalidade da lexis obedece uma periodização em cinco momentos. após a exposição de seu trabalho de datação de cada diálogo, Benoit chega ao seguinte esquema geral da temporalidade da lexis: primeiro momento (450) – Parmênides; segundo momento (434 a 410) – Protágoras, Eutidemo, Lysis, Alcibíades I, Cármides, Górgias, Hipias Maior, Hípias Menor, Lákhes, Mênon, Banquete, Fedro; terceiro momento (410 a 399) – Re pública, Timeu, Crítias, Filebo; q uarto momento (399) – Teeteto, Eutífron, Crátilo, Sofista, Político, Apologia, Criton, Fédon; quinto momento (356 -347) – Leis.

No capítulo 5, a lexis e outras temporalidades, Benoit reconhece, em Platão, além de uma temporalidade da lexis, outras três temporalidades que partem desta e se articulam: uma temporalidade da noesis, correspondente ao pensamento lógico -conceitual de Platão; uma temporalidade da genesis, correspondente aos acontecimentos que envolvem a história dos personagens, do pensamento e da história factual grega; e uma temporalidade da poiesis, correspondente à ação temporal de produção da obra, a sua cronologia.

Em geral, nota o autor, os comentadores privilegiam uma ou outra dessas temporalidades como filosoficamente pertinente. Sob essa perspectiva, faz críticas a tais comentadores, principalmente à corrente estruturalista de Victor Goldschimidt, que teria privilegiado a temporalidade lógico -conceitual.

A partir da temporalidade da lexis, seguindo o critério metodológico, pode -se chegar primeiramente à temporalidade lógico -conceitual de um modo não mais arbitrário, como aquele que propôs o estruturalismo. a disposição ordenada dos textos segundo a temporalidade da lexis  poderia indicar a intencionalidade do autor, ou seja, a forma final através da qual Platão procurou ordenar seu logos. Teremos então o sentido de cada diálogo no tempo geral de sua obra. assim, a temporalidade da lexis  deve ser pensada como não meramente literária, sob o risco de alterar a temporalidade conceitual dos diálogos.

Depois de descobertas lexis e noesis, haverá a possibilidade de reconstruir (em maior ou menor medi- da) a temporalidade da genesis –  a história biográfica de Platão –  e daí se pode finalmente chegar à temporalidade da poiesis –  a cronologia de sua obra. a ordem metodológica das temporalidades é lexis­ ­noesis ­gênesis ­poiesis, embora a ordem objetiva de construção dos textos seja genesis ­poiesis ­noesis ­lexis. a lexis deve ser sempre o ponto de partida metodológico para os leitores de Platão.

A temporalidade da lexis não pressupõe que o Platão tenha o projeto de sua obra acabado desde o começo. Benoit considera lexis e noesis como resultados de toda a produção do autor. Portanto, a temporalidade da ge­ nesis e a temporalidade da poiesis não coincidem com elas. Tanto lexis quanto noesis são posteriores às outras duas temporalidades porque, afirma, provavelmente somente no fim da sua produção Platão conseguiu decifrar o enigma do tempo conceitual de sua obra.

***

A publicação do livro se fazia necessária porque traz aos estudiosos em Platão e público em geral uma ideia que vem há anos influenciando alunos e colegas de Benoit. Também é um alerta para que o leitor de Platão questione se o Platão que está lendo não é um texto recortado e completamente afastado da cena dramática. Benoit provoca o leitor a ler o texto platô- nico na sua arquitetura e no seu movimento e mostra que Platão está muito além daquele filósofo dogmático dos dois mundos, que condenou o corpo, o amor e a arte. ao sabermos a origem dessa interpretação, podemos colocá -la em dúvida e olhar o Platão criador de uma filosofia poética. ao encontrarmos nos diálogos um sinal de que o pensamento de Platão só estava terminado depois de sua obra ter sido escrita, de que sua filosofia foi um pensamento dinâmico sempre em construção, não uma doutrina, podemos ler os diálogos sem procurar neles um sentido pré -determinado.

Há que ter o cuidado, no entanto, de não nos deixarmos tomar por um medo das interpretações a ponto de cair em uma espécie de ódio aos intérpretes, lembrando a misologia à qual Sócrates se refere no Fédon. A leitura de um texto antigo não é um fim em si mesmo, nem que tenha um objetivo de reconstrução histórica. Quando se trata de uma leitura filosófica, a leitura que se faz, as questões que se coloca, têm a ver com nossa realidade, por isso dependem de ferramentas hermenêuticas. Várias interpretações aproximam os problemas filosóficos levantados por Platão a problemas filosóficos atuais e é isso que move a discussão e faz com que Platão seja um filósofo estudado ainda hoje.

O que Benoit propõe, um trabalho liberto de toda e qualquer exegese, é um primeiro trabalho metodológico necessário ao exame dos diálogos. Minha dúvida, porém, é se deve ser definitivo ou se o trabalho metodológico de Benoit pode ser um guia para reconhecer uma boa interpretação, aquela que ajuda a refletir sobre Platão sem mutilá -lo. Talvez não seja impossível conciliar a leitura que Benoit nos proporciona com a leitura da vasta e importante pesquisa em Platão. Como Benoit mostra, Platão tem muitos logoi. Por que não pode ser lido de várias maneiras?

Eliane de Souza – Universidade Federal de São Carlos (Brasil) [email protected]

Acessar publicação original

Platão não estava doente – PERINE (RFA)

PERINE, Marcelo. Platão não estava doente. São Paulo: Loyola, 2014. Resenha de: VALVERDE, Antonio José Romera. Revista de Filosofia Aurora, v.27, n.41, p.619-627, maio/ago., 2015.

A um tempo em que as publicações na área de Filosofia se multiplicam, merece grande destaque o estudo perspectivo, profundo, maduro, delineado por fina análise prospectiva dos meandros da tradição oral ou tradição indireta da obra de Platão, apresentado no livro Platão não estava doente, de Marcelo Perine.

A grandiosidade da obra é identificada de início pela sutileza do título, ao inverter a conhecida frase de Fédon — “Platão, creio, estava doente” (Fédon 59 B) —, registro da ausência do filósofo no momento das exéquias de Sócrates, tomada no título como metáfora da tradição indireta e como parte da doutrina platônica. Segundo Perine, a frase

traduz uma estratégia de ocultamento, pela qual Platão sinaliza claramente que a sua obra escrita não pretende se apresentar como um conjunto de documentos históricos, testemunho de diálogos efetivamente ocorridos, ao mesmo tempo em que lhe permite fazer do condutor dos diálogos, na maioria deles Sócrates, uma dramatis persona de si mesmo.

Perine esclarece ainda que,

como na tradição direta dos escritos Platão se esconde deliberadamente, mas revela o seu pensamento sob a máscara dos personagens literários que criou, também na tradição indireta o seu pensamento se encontra camuflado, seja pelo caráter alusivo de muitas passagens dos seus escritos, seja pelo testemunho dos seus discípulos imediatos e longínquos.

Vez que na “obra dialógica o nome de Platão aparece apenas três vezes” (p. 11-12).

O livro em pauta é o mais perfeito arremate de “um projeto de pesquisa aprovado pelo CNPq, em 2002, sobre ‘Oralidade e escritura em Platão: o estado atual do debate’”. Árdua pesquisa, disseminada aos poucos de modo regular, durante praticamente dez anos, na forma de artigos publicados em periódicos da área de filosofia, além da participação sistemática de Perine em “fóruns acadêmicos, como os bienais encontros da ANPOF e os Simpósios Interdisciplinares de Estudos Greco-romanos, organizados anualmente na PUC-SP, comunicações e conferências sobre temas e perspectivas da interpretação de Platão segundo os cânones hermenêuticos da Escola Tübingen-Milão” (p. 241). Assim, o livro é a resultante de atilada percepção do problema em pauta, a jogar luzes para além de lugares observados por outros pesquisadores e avançando a linha de pesquisa adiante do que até então se conseguira, ao amalgamar e sintetizar tais avanços. O que valida a antecipação do juízo de reconhecimento do pleno mérito do livro, que veio para se somar de modo muito expressivo à bibliografia de estudos platônicos no Brasil.

Como se estivesse com um pantógrafo em mãos, Perine traça, amplia, reduz, reproduz e analisa, em detalhes, as verossimilhanças e os ocultamentos presentes nos diálogos platônicos contrapostos à parte não escrita da obra de Platão. E muito mais. No mesmo movimento, para assegurar por números de aparecimento de termos singulares da obra platônica, o autor recorre ao Lexicon (RADICE et al., 2003) para contar ao leitor quantas vezes, por exemplo, o termo homologia — e outros tantos significativos — foi escrito por Platão em suas obras. É uma novidade no campo dos estudos filosóficos — ao menos nos nacionais — a superar o modo mais ou menos rotineiro de percorrer conceitos, diga-se, sem medi-los numericamente em sua força persuasiva, ora subjacente ora explícita nos textos autorais.

O acerto de contas entre o desenvolvimento da pesquisa e sua transformação sintética na forma livro alinha e resolve os indícios e a parte documental acerca da tese evocada por Perine, reconhecível pela afirmação de Gadamer: “O problema geral da interpretação platônica, tal como se nos apresenta hoje, funda-se sobre a obscura relação existente entre a obra dialógica e a doutrina de Platão que só conhecemos por uma tradição indireta” (p. 17). A propósito, as referências mais utilizadas por Perine para sustentar sua tese são aquelas retiradas das obras de Reale, Migliori, Szlezák, Gaiser, Krämer, Gadamer e Trabattoni, por ordem de volume de citações, respectivamente, roteirizando a importância dos estudiosos do circuito Tübingen-Milão para a compreensão da tradição indireta de Platão. Além de balizar a argumentação com múltiplas e intensas referências a Aristóteles — desde a descoberta aristotélica da “rememoração, intelecção e reconhecimento” — e, em escala menor, a Diógenes Laércio, dentre outros; de modo a espelhar o que a tradição filosófica antiga constituíra acerca da filosofia platônica. O resultado é o amalgamar, sob fina exposição de aspectos da História da Filosofia Antiga, da contextualização histórico-filosófica pormenorizada do que se desenvolve no livro.

O livro contém doze capítulos, aditados de dois Apêndices e “Conclusão”. Talvez, para melhor orientação na leitura e ambientação para recepção do problema proposto, sob muitos aspectos inovador para parte do público de filosofia, a sugestão deste Leitor é que a leitura se inicie pelo Capítulo Décimo Segundo, intitulado “A recepção da Escola Tübingen-Milão no Brasil”. Após, se retorne aos três primeiros que formam, de certo modo, a estrutura teórica de apresentação da “tradição platônica indireta”, pelas vertentes da “invenção da filosofia”, em Platão, e dos nexos entre “violência e diálogo” desde a persuasão. Em seguida, que se retome os capítulos restantes, os Apêndices e a “Conclusão”.

No Capítulo Primeiro, “A tradição platônica indireta: fonte, problemas e perspectivas”, de par com o fato de a obra escrita de Platão ser a “primeira dos filósofos antigos conservada integralmente”, Perine observa que

Platão elabora a sua filosofia e escreve sua obra no momento em que a transição da cultura oral para a cultura escrita estava praticamente concluída, portanto no momento em que uma nova “forma mental” estava se instalando definitivamente entre os gregos, não só por força da revolução cultural ligada à escrita alfabética, mas também pela revolução filosófica provocada pela atuação de Sócrates e dos sofistas, que levou ao primeiro plano dos interesses uma nova agenda cultural (p. 15-16).

Para explicitar, analisar e inferir as consequências da constatação, Perine demarca a questão da tradição indireta ou doxográfica como o conjunto dos testemunhos que foram transmitidos sobre as exposições orais de Platão, na maioria dos casos no interior da Academia… [pois] Trata-se de um conjunto de notícias que, redigidas inicialmente pelos discípulos de Platão, em seguida foram transmitidas independentemente das suas obras literárias publicadas.

Na sequência evoca a afirmação do platonista contemporâneo, H.-G. Gadamer: “O problema geral da interpretação platônica, tal como se nos apresenta hoje, funda-se sobre a obscura relação existente entre a obra dialógica e a doutrina de Platão que só conhecemos por uma tradição indireta” (p. 16-17). A propósito, do mesmo Gadamer, Perine cita — de passagem — a consideração acerca da tradição indireta: “é de uma magreza verdadeiramente esquelética” (p. 12).

Ainda no Primeiro Capítulo, Perine explora os aspectos relativos ao “contexto antigo da questão” da tradição indireta nas obras escritas de Platão o Fedro e a Carta VII. Porque o “Fedro é unanimemente considerado pelos tubinguenses-milaneses um diálogo-chave para compreender a reserva de Platão relativamente à escrita e, portanto, para explicar a opção de Platão pela oralidade dialética quando estão em questão ‘as coisas de maior valor’”. Porque, também, “no assim chamado excurso filosófico da Carta VII (340 B-345 C) Platão parece retomar algumas questões desenvolvidas no Fedro em relação ao escrito e explica alguns dos seus pontos de modo bastante didático” (p. 18-19). Os passos seguintes cuidam da abordagem do “contexto moderno da questão”, desde os problemas do “paradigma schleiermacheriano” até a “posição de Franco Trabatonni”, concluindo com considerações acerca dos cruciais “problemas de crítica das fontes” (p. 24-32). Nessa parte do livro, como em outras, a capacidade de síntese do Autor e a minúcia de detalhes histórico-filosóficos, perspectivadas a partir do enfoque do problema central, são admiráveis.

No Segundo Capítulo, “Platão e a invenção da filosofia”, após considerações acerca do período histórico, “imediatamente posterior ao período conhecido como Idade do Ferro”, passando pela inevitável informação recente, de 1939, Perine relembra que “desde a Idade do Bronze os gregos dispunham de um sistema silábico de comunicação escrita, fortemente calcado no sistema fenício, conhecido como Linear B”. Se a “fala iletrada favorecera o discurso descritivo da ação; a pós- -letrada alterou o equilíbrio em favor da reflexão”, segundo Havelock, citado pelo autor, e, além de outros fatores culturais, políticos e econômicos, “foi no interior desse clima espiritual que floresceu, primeiramente nas colônias gregas, uma nova forma de pensamento… a da filosofia” (p. 35-37).

Porém, quem são os agentes dessa nova forma de pensamento — a filosófica? No item “Sábios, cientistas ou filósofos?”, Perine responde de modo a elucidar o lugar e o papel de cada um desses atores na construção da filosofia. No item “Os logoi sokratikoi”, analisa a importância de Sócrates para a “vida filosófica” e a “filosofia”, pois “a ideia de filosofia que se poderia depreender da atuação de Sócrates não era, em primeiro lugar, a de um saber ou de um conjunto de conhecimentos, mas de um estilo de vida”. Tal sentido foi traduzido na frase pronunciada perante o tribunal que o condenaria: “Uma vida sem exame não vale a pena ser vivida”. Para concluir que de “todos os socráticos, o maior foi Platão, a ponto de relegar todos os outros ao título genérico de ‘socráticos menores’” (p. 37-48).Contudo, o mais decisivo no Capítulo em questão é a compreensão dos logoi sokratikoi elevados ao status de filosóficos. Passagem de um tipo de sabedoria ao status de filosofia.

O Terceiro Capítulo, “Persuasão, violência e diálogo”, opera como um fechamento da sustentação teórica do livro. Capítulo denso e intrincado que explora os temas nomeados com elegância e fundamentação filosófica elevada, a partir do “campo semântico de peitho”, termo registrado, segundo o Lexicon, em 584 oportunidades na obra de Platão (p. 57), migrando para o complexo problema do diálogo como forma de superação da persuasão. A tríade temática completa-se com o tema da violência, que tal qual a personagem homônima da tragédia Prometeu Acorrentado, de Ésquilo — personagem muda —, praticamente não se manifesta ou é tematizado ipsis litteris, porém subjaz eloquente em seu arrebatador silêncio, como o subtexto necessário à urdidura e à trama do Capítulo. Lembro que o tema da violência é caro ao Autor, vez que sua tese doutoral defendida na Gregoriana, em 1986, cuidou dos nexos e disparidades entre Filosofia e violência, a partir da filosofia de Eric Weil (cf. PERINE, 2013).

O texto escrito sob o gênero resenha deve, em geral, mais insinuar que mostrar todo o conteúdo da obra resenhada, de modo a seduzir pelo convencimento os futuros leitores ao exercício da boa leitura. Assim, abrevio a apresentação, lembrando que é na sequência dos capítulos quarto ao décimo primeiro que se encontra o núcleo duro da tese defendida no livro. Através desses, o Autor percorre criticamente os aspectos fundantes da tese em curso e sua explicitação por meio de argumentos construídos com toda solidez conceitual necessária. São os seguintes os títulos dos capítulos — do Quarto ao Décimo Primeiro: “O Fedro: um convite à vida filosófica”; “Tempo e ação no Político”; “Medida, paixões e dialética no Político”; “O filósofo, a política e a cidade segundo a natureza”; “O Filebo e as doutrinas não escritas”; “Gadamer e a Escola Tübingen-Milão”; “Quem são os inimigos de Filebo?” e “Fedro e Protarco e o filosofar dialético” (p. 75-231).

Contudo, merece destaque especial o Capítulo Nono, que engastalha-se ao capítulo anterior do livro, “O Filebo e as doutrinas não escritas”, para tratar com muita propriedade da importância de Gadamer e dos fundadores da Escola de Tübingen no desenvolvimento dos estudos da tradição indireta de Platão, desde o fato singular de serem amigos em comum, “Werner Jaeger, Julius Stenzel, e, particularmente, o grande filólogo Wolfgang Schädewalt”, professor em Tübingen entre 1950 e 1958, “que pode ser considerado o mentor dos principais expoentes da Escola” (p. 173), passando pela análise de minúcias da Carta VII, da dialética não escrita de Platão e da jornada do diálogo da Escola de Tübingen-Milão, realizada “trinta anos depois do colóquio organizado por Gadamer para discutir as teses da Escola de Tübingen”, cuja jornada de abertura coube a Thomas Szlezák. Porém, o capítulo encerra-se com uma interrogação relevante para o contexto dos estudos da tradição indireta. Perine questiona se ao “final das contas, Gadamer aderiu ou não ao novo paradigma hermenêutico da Escola de Tübingen-Milão?” (p. 187). Afirma em seguida que a “resposta é mais complexa do que parece”, remetendo à afirmação do próprio Gadamer supracitada, para assegurar que aquela afirmação “não pode ser tomada como uma adesão às teses da Escola”, vez que Gadamer escreveu em outra passagem:

mesmo quando se trata de doutrinas como a dos números ideais, das quais tomamos conhecimento apenas mediante a tradição indireta, deve-se manter firme que, pelas razões metodológicas adotadas, a via régia da compreensão de Platão é a que passa pelos diálogos (p. 187).

— Eis, por certo, uma ótima questão destinada aos estudiosos da obra de Platão pela vertente da tradição indireta.

Se é válido o testemunho, registro que a primeira vez que assisti a uma apresentação do Prof. Perine acerca da tradição oral em Platão foi durante a aula ministrada por ele como parte das exigências para ascensão na carreira docente à categoria de Professor Associado do Departamento de Filosofia da PUC-SP, na tarde do dia vinte e nove de junho de 2001. Na oportunidade, Prof. Perine leu e comentou quarenta páginas acerca da tradição indireta de Platão, sob ávido interesse da banca examinadora, da plateia e de familiares presentes. Certamente, a apresentação consistia em resultados iniciais da pesquisa levada a termo e transformada em livro. Por certo, também, o texto lido foi assimilado ao livro, sem identificação direta em nota de rodapé, como é caso do registro de alguns dos capítulos, anteriormente publicados em revistas científicas.

Destaque-se também a rica e atualíssima “Bibliografia”, de par com o “Índice Remissivo de Autores Antigos Citados” e o “Índice de Nomes e Autores – Com Exceção de Sócrates e de Platão”. Além das oportuníssimas e fecundas notas de rodapé. Tal padrão editorial poderia ser adotado para edições de livros de Filosofia, a superar o modelo de edições comerciais tão em voga nos dias atuais.

Importante observar que, na obra em pauta, Perine, mesmo inovando e ampliando a compreensão do problema da tradição indireta de Platão, guia-se basilarmente pela ótica do eixo Tübingen-Milão. Pois não cede em momento algum à possibilidade de outras interpretações, mesmo que de passagem, como a apresentada por Foucault (2010, p.223-234) na “Aula de 16 de fevereiro de 1983. Segunda hora”, acerca da “recusa platônica da escrita”.

Parafraseando o título de um livro em homenagem ao poeta Drummond, esta resenha poderia intitular-se “Platão rima TübingenMilão-São Paulo”. A um modo justo de inserir a cidade de São Paulo no eixo Tübingen-Milão. Afinal, tem sido na cidade de São Paulo que floresce o estudo da tradição oral do Filósofo grego, estudada e analisada, em detalhe, pelo Prof.

Perine. Contudo, o registro final da leitura da obra aponta para a trama mais que ao desenlace, pois, como quer Lima Vaz, a “bibliografia platônica é um campo sem fim justamente porque o texto de Platão e tudo o que nos foi legado em seu nome forma um tesouro inesgotável… Mas muitas (riquezas) ficam por descobrir” (p. 239-240).

Será muito oportuna, para compreensão estendida do livro, — a leitura da “Entrevista. Marcelo Perine”, cedida a Antonio Gonçalves Filho, publicada no “Caderno Cultura do Estadão” (PERINE, 2014b). Ainda acerca de Platão não estava doente, ver também a entrevista do Prof. Perine à TV PUC (PERINE, 2014c).

Referências

FOUCAULT, M. O Governo de si e dos outros: curso no Collège de France (1982- 1983). Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

PERINE, M. Filosofia e violência: sentido e intenção na filosofia de Eric Weil. 2. ed. revista e atualizada. São Paulo: Loyola, 2013.

PERINE, Marcelo. Platão não estava doente. São Paulo: Loyola, 2014a. (Estudos Platônicos).

PERINE, M. ‘Platão não estava doente’ usa personagens para revelar pensamento camuflado. Estadão, 13 jun. 2014b. Entrevista concedida a Antonio Gonçalves Filho. Disponível em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/ literatura,platao-nao-estava-doente-usa-personagens-para-revelar-pensamento-camuflado,1511490. Acesso em: 15 jan. 2015.

PERINE, M. Lançamento do livro “Platão Não Estava Doente”. TV PUC, 5 set. 2014c. Entrevista. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=A_ IKmibkuoQ>. Acesso em: 15 jan. 2015.

RADICE, R. et al. Lexicon. Milano: Biblia, 2003.

Antonio José Romera Valverde – Doutor em Educação. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, SP, Brasil. Fundação Getúlio Vargas (FGV), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[DR]

 

Plato’s Erotic World: From Cosmic Origins to Human Death – GORDON (RA)

GORDON, J.  Plato’s Erotic World: From Cosmic Origins to Human Death. Cambridge: Cambridge University Press, 2012. Resenha de: Riegel, Nicholas. Revista Archai, Brasília, n.14, p. 159-162, jan., 2015.

In this work, Jill Gordon presents a contribution to the scholarship that must be read by anyone interested in the subject of erotic love, eros, and related issues in Plato. The book is written in a clear style which will be accessible to undergraduates,  and it contains insights and new interpretations  which will challenge and be useful to more advanced scholars as well. Though the lack of a conclusion would seem to indicate that her book is not primarily written in the form of an argument, Gordon wants to defend several theses. The main goal of the book is to highlight the significance of those passages in the Platonic corpus having to do with eros, which are outside of what are traditionally considered Plato’s erotic dialogues, namely,  Symposium, Phaedrus, Charmides, Lysis, Alcibiades I, and perhaps Republic (1). While she will have certain things to say about these dialogues, especially Phaedrus and Alcibiades I, she will focus on the role of eros in  Timaeus, Cratylus, Protagoras, Parmenides, Theaetetus, and  Phaedo. Within these dialogues her main aim is to show how eros is part of our divine origin, and how through proper cultivation of eros we may return  to that original state. The proper cultivation will  involve, first, becoming aware of one’s ignorance  and adopting an interrogative outlook. Second, it will require the courage to undertake a long and  difficult task whose outcome is uncertain. It will  also require guides who know the soul, and who  are adept both at matchmaking and leading their charges to self-knowledge. And finally she addresses the connection between eros and the memory of our original state to which we strive to return. Thus  Gordon takes us on a circular journey beginning with our divine origins in the Timaeus, then descending to the difficulties of our embodied state in the Cratylus, Protagoras, Parmenides and Theaetetus, and then finally returning to our nostos, our journey home, and re-attainment of that original state, in the Phaedo.

In the first chapter, Gordon is primarily concerned to establish two points. The first is that,  contrary to the traditional reading of the Timaeus, eros is part of our original noetic condition and thus eros, or at least the capacity for it, is part of the Demiurge’s contribution to the human soul, as opposed to being the work of the lesser gods. The second and for Gordon related point is that eros is not an emotion and it is not part of the epithumetic desires, which at least in Republic Book IV constitute the third part of the soul. Gordon wants to establish the latter point because, among other reasons, if eros were an emotion or among the epithumetic desires then it would be part of the work of the lesser gods in the Timaeus. And, according to Gordon, this would imply that eros is not due to the creative activity of the Demiurge himself and therefore that it is not part of our original noetic condition.

Her main argument for the view that the  Demiurge is responsible for eros in the human  soul revolves around the interpretation of two  passages, Timaeus 42a-b and 69c-e, which seem to say much the same thing. Both seem to describe  how the affections, such as fear, anger, and eros, come to be in the human soul in connection with its embodiment. At 69c-e the introduction of these affections (if I may use that word) is clearly the work of the lesser gods. The crucial question is whether the earlier passage, 42a-b, likewise describes the  work of the lesser gods. According to Gordon, the traditional interpretation accepts that it does, but Gordon argues that 42a-b describes the Demiurge’s own work, and thus that eros, or the capacity for eros, is part of our original noetic and divine condition. Gordon presents three reasons for believing this. First, 42a-b “occurs before the demiurge has handed off responsibility for the mortal soul to  the lesser gods. It presents itself as part of the  demiurge’s long set of instructions and descriptions of his work, which precedes what he assigns to the lesser gods”(16). Second, the affections at 69c-e are presented in a negative light, while they are  not so presented at 42a-b. And third, 69c-e occurs after the “new beginning”at 48a-b, where Timaeus switches from speaking about the causal role of  intellect to that of necessity.

In chapters 2 through 5 Gordon explores the four main aspects of eros, which emerge in the context of the self-cultivation required to achieve the return our original noetic state. Chapter 2 mainly concerns the importance of questioning and the  interrogative state for eros. She begins with the Cratylus where a homophonic connection is made between the Greek words for ‘hero,’ ‘eros,’ and ‘questioning’ (ἥρως, ἔρως, ἐρωτάω). Heroes occupy a position between the gods and mortals, much  as Diotima describes eros in the Symposium. And Gordon ties Socrates’ claim to knowledge of erotics in Symposium to his expertise in questioning. By asking questions, Socrates shows his interlocutors that they do not know what they thought they  knew, and thus he instills in them the erotic desire to know the truth. Chapter 3 discusses the courage required to engage in erotic questioning and in the philosophic pursuit generally. Here Gordon takes  Parmenides  as her starting point, claiming that  “eros is a significant philosophical theme”in that dialogue (86). Her grounds for saying so revolve mainly around the fear Parmenides and Socrates  share both about the range of the Forms, and  about the problems of discontinuity between the realm of the Forms and the concrete realm. This  fear is to be overcome by the philosophical exercise exemplified by Parmenides in the second half of the dialogue. Gordon highlights the erotic dimension of gymnastic training in Ancient Greece, and thus connects the second half of the Parmenides with an erotic desire which in some way overcomes the discontinuity between the concrete and abstract  realms.

In the fourth and fifth chapters Gordon tackles the related issues of matchmaking, self-knowledge, and the necessity of having a good leader or teacher. In the Theaetetus Socrates reveals that matchmaking is part of his maieutic art, and he uses his knowledge of these matters to demonstrate that Theodorus is not a good match for Theaetetus, because, among other reasons, Theodorus does not have a good  understanding of Theaetetus’ soul. The significance of good matchmaking becomes apparent when we turn to the  Alcibiades, where Socrates reveals to  Alcibiades that he needs a good teacher in order to achieve self-knowledge, and that in fact Socrates  himself would be his best teacher because Socrates understands Alcibiades’ soul. In chapter 5 Gordon takes on several of Schleiermacher’s arguments  against the authenticity of the Alcibiades. She argues that self-knowledge can only be achieved in the  company of another, and that it is best achieved in the company of a lover who knows one’s soul. Self-knowledge is crucial in order to discover what one truly desires and loves. Thus in helping the beloved achieve self-knowledge the lover also redirects the beloved’s eros towards its true objects.

Finally, in the last chapter Gordon addresses the connection between eros and memory in helping us return to our original noetic state in the Phaedo. Here she highlights the example of seeing the lyre or cloak of the beloved as an explanation of the  connection between eros and memory. And she challenges the tradition according to which recollection is a purely mental, rational endeavor. Instead Gordon highlights the importance of the senses, of actually seeing the cloak or lyre or equal sticks, in the act of remembering our original condition.

Clearly it is only possible to give the broadest outline Gordon’s work here, and many of her most rewarding and challenging insights and interpretations have been left for the reader to discover. At this point, however, I turn to making three evaluations before concluding.

First, while I agree that there is evidence  in the Platonic corpus for the view that eros is  part of our original noetic condition, I find myself un-persuaded by Gordon’s interpretation of the  Timaeus. While not claiming any expertise on that dialogue it seems that on a straightforward reading of Timaeus 42a-b, the Demiurge is merely explaining to the human souls what will happen to them once they are embodied and receive affections such as anger, fear, and love. The passage is preceded by  the following: “And putting each in a sort of chariot he showed them the nature of the universe and told them the ordained laws… (καὶ ἐμβιβάσας ὡς ἐς ὄχημα τὴν τοῦ παντὸς φύσιν ἔδειξεν, νόμους τε τοὺς εἱμαρμένους εἶπεν αὐταῖς, 41e).”As I read the text, everything that follows until 42d is part of this explanation by the Demiurge to the human souls about what will happen to them, namely that they will receive affections when embodied and that they must control these if they wish to regain their original divine state. This interpretation is  supported at the end of the passage where Timaeus states, “Prescribing all these things to them, in order that he might be blameless for the evil of each… (διαθεσμοθετήσας δὲ πάντα αὐτοῖς ταῦτα, ἵνα τῆς ἔπειτα εἴη κακίας ἑκάστων ἀναίτιος, 42d).”So, I see no reason to take 42a-b as referring to the Demiurge’s own creative activity. It seems, rather, that he is only explaining to them how to live once they received the affections by necessity upon being embodied. And 69c-e further specifies that the embodiment and consequent reception of the affections is the work of the lesser gods. This is not, however, to say that Gordon is wrong to believe that eros is part of our original noetic condition. It is only to say that I think one could find better support for such a thesis elsewhere in the Platonic corpus, e.g. from  Symposium  where Socrates/  Diotima specifically speaks about the possibility of continuing to feel eros even when one possesses the good (Symposium 200c-d, cf. 206a-7a).

Second, at times I found myself remaining  skeptical about Gordon’s claims regarding the  meanings of certain Greek words and concepts, in particular the claim that they have erotic connotations. She claims, for example that “the horse was used in old comedy as a phallic stand-in”(101), and thus that a possible interpretation of Parmenides’ reference to feeling like an old horse at Parmenides 136e-7a is that it is “a playful and raunchy way of expressing that he is being asked to “get it up” again in old age…”(102). Even if it is true that the horse is used as a phallic stand-in in old comedy, I do not see that it follows from this that the horse always has erotic connotations, and so I see no  reason to impute such connotations to this part of the Parmenides. I feel much the same way about her claims regarding ‘persuasion’ (Πειθώ, 34-7, 118- 19), ‘yielding’ (ἡσσάομαι, 36), ‘gymnastic training’ (γυμνάζω, 98), ‘leading’ (προάγω, 168), among others. Even if these concepts sometimes have erotic connotations, it does not follow that they always have them – or at least more work is needed to  establish that they do – and so the reader remains skeptical about the inference that they have such connotations in the passages in question.

Finally, I would like to present a criticism  which will reveal my biases most of all. And this  is that for me the question of eros in Plato is essentially bound up with the questions of goodness and beauty. In this sense, I think, the strength of Gordon’s work is also its weakness. For in focusing on what are traditionally not considered erotic dialogues, it seems to me that certain central issues concerning eros are omitted, which are addressed in the traditional erotic dialogues, especially Symposium and Phaedrus. In the Symposium it is a major revelation that the object of eros is goodness, not beauty (204d-e). And eros is defined as the desire to possess the good forever (206a). And yet Gordon says very little about beauty and even less about goodness. We may infer that, for Gordon, the good which is the proper object of eros is the return to the original noetic condition, and no doubt this is true. But the question remains, why is that original noetic condition good? The  Symposium  explicitly  addresses and rejects the idea that return to original conditions is good merely because it is a return to original conditions. This was Aristophanes’ thesis. Aristophanes argued that the goal of eros was to return us to our original condition of wholeness with our other halves. But Diotima explicitly rejects this thesis at 205e. We would not want original conditions unless those original conditions were good,  and thus we cannot assume that original conditions are always good. This is something which has to be determined. So the question remains, why is our  original noetic condition good?

I have no doubt that Gordon can answer all these questions soundly. And good work in this field should generate controversy and disagreement. In this book Gordon has contributed greatly to the  understanding of eros in Plato, and in particular  to the appreciation of the significance of the topic outside what are traditionally held to be the erotic dialogues. And it is expected that more research  will arise out of the important issues she raises in this work.

Nicholas Riegel – Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Plato and Pythagoreanism – HORKY (RA)

HORKY, P. S. Plato and Pythagoreanism. Oxford University Press1, 2013. Resenha de: WEINMAN, Michael. Revista Archai, Brasília, n.13, p. 165-169, jul., 2014.

Philip S. Horky’s Plato and Pythagoreanism is both deeply insightful and actually pleasant to read. According to the way it presents itself, his work is meant chiefly to offer two things. First, he means to defend a c ontroversial thesis that offers a perspective on the role mathematics played in the development of Plato’s philosophy that differs meaningfully from the commonly accepted view of this matter. Second, he means to do so through a comprehensive analysis of the earliest philosophical, historical, and literary evidence concerning Pythagoreanism.

It is clear that in both respects, it is a great succ ess. My aim here is to point out some of the ways in which it succeeds. The majority of what follows is my best shot at a simple excursus through many of the central claims of the work—though, for reasons that will emerge, I focus on the first, second, and sixth of his chapters because this seems to me to  allow me to do the best job I can of doing some  justice to his central, and as he notes, controversial thesis on “the role mathematics played in the development of Plato’s philosophy,”without getting too lost in the very learned and very interesting thickets of his “comprehensive analysis”of all the relevant sources. Also, if we are honest, what discussion of Pythagoreanism wants to get caught up in chapters  numbered 3, 4, 5? 2

The central feature in Horky’s account is what he (and obviously not only he) calls “mathematical”Pythagoreanism; the “obviously not only he”modifier is a reference to the tradition—dating back to Aristotle—to divide Pythagoreans between the acousmatic and the mathematical, the ones  who hear (only) certain things, and the one who attend to a certain kind of technical knowledge that relates to the features of numbers, and especially to small whole-number ratios. Fair enough. What  is novel—and challenging—in Horky’s picture is,  first, the precise way in which he characterizes what makes the mathematical Pythagoreans the  mathematical Pythagoreans, and, second, the way in which he attempts to establish his view that “Plato inherits mathematical Pythagorean method only to transform it into a powerful philosophical argument concerning the essential relationships between the cosmos and the human being.”

My version of the “big picture”of Horky’s  argument comes fairly into focus just from the titles of the three chapters on which I focus; namely: (1) Aristotle on Mathematical Pythagoreanism in the  4th Century BCE; (2) Hippasus of Metapontum and Mathematical Pythagoreanism; (3) [ch.6] The Method of the Gods: Mathematical Pythagoreanism and Discovery. As we can see from this, the first thing we need to do, in order to take in Horky’s main claim, is to achieve the proper (i.e., critical) understanding of Aristotle’s version of what is meant by the category “mathematical Pythagoreanism”; in so doing, Horky will work closely with the findings of Burkert, Huffman, and most recently Cornelli, in order to  expound on the grounds of Aristotle’s distinction between the two kinds of Pythagoreans and also  point toward what Aristotle might not have entirely grasped about them. Chiefly relevant in this is the proper understanding of the role of Hippasus, to  which Horky devotes chapter 2, and through whom he wants to bring out his own understanding of mathematical Pythagoreanism. The following chapters then show how this mathematical Pythagoreanism both manifests itself in Plato’s philosophy, and is put to work (appropriated) by Plato in order to discover and bring to light something that transcends the level of perspicacity that figures like Hippasus, Empedocles, Philolaus, and Archytas had achieved. This last part of the story is not re-capitulated here, but I believe my summary of how the findings of the first two “legs”of the race are deployed in the final longer leg will all same convey the sense of how Horky’s two main goals are met in this book.

So, first, Aristotle and mathematical Pythagoreanism. Here, Horky basically wants us to believe a few things, none of which requires us to deviate very far from what seems to me a consensus about the subject matter of this chapter that has emerged over the past generation and a half. Namely, we are to begin with a more or less trusting belief in the evidence Aristotle provides for a distinction between mathematical and acousmatic Pythagoreans. Namely, these are distinguished by their methodology: mathematical Pythagoreans employ mathematical  sciences to explain the “reason why”they hold their philosophical position, whereas acousmatic’s “appeal to basic, empirically derived fact (3).”Further, Aristotle says, we should hold that the demonstrations of mathematical Pythagoreans represent an  innovation over “facts”of acousmatic Pythagoreans. Philolaus’ fragments provide further evidence in  analysing these claims regarding mathematical  Pythagoreans and Aristotle. All the same, Horky, here in a manner similar to Cornelli (2013), wants to investigate a different tradition than the one  set down by Aristotle and not just take Aristotle’s definitions of acousmatics and mathematicians for granted. In Horky’s (2013: 5) words: “Indeed, the primary criterion for distinguishing acousmatic from mathematical Pythagoreans, as I will show, is each group’s pragmateia (πραγματεία), a term that  must be further contextualized in order to make  sense of precisely how Aristotle draws the line (5).

“What do we find when (in the context of “Aristotle and mathematical Pythagoreanism”) we deepen our account through a careful consideration of pragma ? Perhaps most importantly, Horky’s conclusion that Iamblichus is referring to Pythagoreans in general in his fragment on the question ‘what  is to be done’, rather than mathematical/acousmatic factions. Horky also provides three reasons for why he thinks Iamblichus’ passage applies to  Pythagoreans in general: because he does not use a conjunction to separate the groups here (where he has previously); the two groups shared religious precepts; the passage is repeated later to apply to all Pythagoreans. This matters because it shows  that whatever divides these two groups it cannot simply be (as Burkert had it) that the mathematical Pythagoreans were the scientists/theorists and the acousmatic were practical/political. For Horky, the complaint recorded by Iamblichus actually presents Aristotle’s criticism of “the activities of the mathematical Pythagorean Archytas of Tarentum (32).” What we primarily take home from this version  of “mathematical Pythagoreanism”through the  eyes of Aristotle, according to Horky, is that the for Aristotle, the fundamental difference between acousmatics and mathematical Pythagoreans was  how the latter used demonstrative argumentation. Additionally, we should bear in mind how the  mathematical Pythagoreans would also establish  similarities between number and perceptibles, as  well as an ontological order that was closely related to the social order of the polis. (This view of politics is discussed further, especially in chapters 3-5, not discussed in detail here.)

The crucial role of Hippasus in bringing  us from mathematical Pythagoreanism as we encounter it through Aristotle and the mathematical Pythagoreanism that motivated Plato emanates  from Hippasus’s importance for Horky’s continuing enquiry into the  pragmateia of the mathematical  Pythagoreans. Understanding Hippasus (or at least what middle-Platonists attributed to him, as we  cannot always hope to disentangle the two) helps us to see “how metaphysics could have been brought to bear on religion and politics in the mathematical Pythagorean pragmateia (38).”In trying to figure out the genuine place of Hippasus (and Philolaus and Archytas) in this development, Horky discusses two sets of sources for his enquiry: the Platonists of the early academy (following Plato’s death in  347 BCE) and Aristotle’s associates at the Lyceum, Theophrastus and Aristoxenus. Theophrastus is  listed as an especially important source for two  reasons: firstly, because his knowledge of Pythagoreans was informed by Platonic teachers and not  Aristotle’s skewed vision, and secondly because his “doxographical”works also reveal important differences with Aristotle. Aristoxenus, meanwhile, is also important because the fragments that survive of his work on Pythagoreanism reveal a deep engagement with the tradition.

Horky is interested in comparing Aristoxenus’ idea of “aiming at the divine”and Aristotle’s idea of ordering the universe according to what is more honourable, using Wehrli, F23 in this analysis. Horky (2013: 46) concludes his analysis of the fragment by saying: “this fragment evidences Aristoxenus’s interest to explain a Pythagorean  axiology of the  “honorable”by appeal to strategies of assimilation between numbers and things.”This conclusion, he asserts, is important for two reasons, what is says about the “first principles”themselves, and how these first principles are both ontological and a principle of military and household rule. For Horky, the principle that the ἀρχή is a “most honorable”thing”is originally a product of Platonic thought and was systematized in Aristotle; it is drawn from sources in mathematical Pythagoreanism, but is original to Plato. Horky provides a long list of places in the dialogues where “honourable”appears, including the Timaeus, to show that Plato was aware of and using this concept. He then argues that the combination of what is “better”with what is “honourable”is a recurring topos in Aristotle’s writing and that this raises the view that arguments that involve the  metaphysics of the honourable, and attributed to the Pythagoreans by Aristoxenus, may in fact be  Aristotealian in origin. He concludes this section with a discussion of how there is no reference to axiological uses of the honourable in genuine fragments of mathematical Pythagoreans like Philolaus and Archytas, and how this fact complicates his  interpretation.

The remainder of this chapter surveys the  many, conflicting views put forth about Hippasus—both those of the specialists of the past two generations, and those of the tradition, from the Academy and Lyceum through the Hellenic and  medieval periods—concluding with Xenocrates of  Chalcedon, whose doctrines bare striking resemblance to those of Hippasus. Horky’s goal is to show  that the Early Platonists wrote about Hippasus and assimilated Hippasus’ doctrine to Pythagorean ideals. Horky’s (2013: 77) specific suggestion is that Xenocrates might have considered the “Forms”as “paradigms,”which would not be a major innovation since “a strong association of these concepts follows almost naturally from a reading of Plato’s Timaeus, and more important, it might have already been circulating in the Early Academy after Plato’s death.”On this basis, Horky returns to a discussion of Aristotle’s views of the Pythagoreans, where he concludes that Aristotle is the source of the claim that Hippasus is a natural philosopher  as well as  the source of the claim that Hippasus was the progenitor of the ‘mathematical’ school within Pythagoreanism. Aristoxenus, Horky believes, takes over from Aristotle the focus on what is “honourable”in Pythagoreanism and that the doctrine ascribed to Hippasus, that he believed that “Soul-number is the first paradigm of the making of the world,”is owed to Speusippus’s or possibly Xenocrates’s writings on the Pythagoreans, in an attempt to align Hippasus’s supposed ancient doctrine with their own (which, subsequently, has been derived in various fashions from Plato’s Timaeus).

“Which brings us, again leaving to the side for the moment a treasure of threads worth retracing that are found in chapters three through five— and let me point specifically among them Horky’s treatment of the two classes, “what is”(τί ἔστι), “what is to the greatest degree”(τί μάλιστα), as “forming the background for Plato’s dialectical response to Pythagoreanism,”discussed at length in chapters 4 and 5—to the question Horky tries to answer in chapter 6: how did Plato advance beyond mathematical Pythagoreanism? His answer involves Plato’s use of what Horky (2013: 201) calls Plato’s “first-discoverer myths”(of Prometheus, Palamedes, and Theuth), which are used by Plato to explore the methods of inquiry of the mathematical Pythagoreans, and which “allow him to attack the positions of his contemporary intellectual competitors without naming them (201).”Horky distinguishes between two periods in Plato’s dialogues utilizing the “first-discoverer”myths, and naturally we will focus on the second, later period which includes the Timaeus. (The early period, not further discussed here,  deals with problems of mathematics and writing,  as relevant to the pursuance of the Good.) Horky (2013: 202) believes that with the later-period  “first-discoverer”myths, “Plato demonstrates a reevaluation of what empirical science—especially that employed by the mathematical Pythagoreans in their approaches to harmonic theory—could offer to his own approaches to cosmogony, metaphysics, and dialectic.”Horky will try to answer his question by means of showing what the proper interpretation of the “first-discoverer”tradition teaches us about Plato’s critical response to the Pythagoreans. He  does so by interpreting the place of the figures of Palamedes, Prometheus, and Theuth in the Protagoras, Republic, and Phaedrus.

Horky proceeds by addressing the “heurematographical topos “in these dialogues. Horky adopts the term “heuromatography”from Zhmud (2006)  and it means: “the surviving written treatments  of various “elements of culture as discoveries  (εὑρήματα)”made by certain “first discoverers (πρῶτοι εὑρεταί),”whether divine or human.” Though of immense interest, I pass over the discussion of Protagoras and Phaedrus, to conclude with Horky’s presentation of, as his subject heading has it, “mathematical pythagoreans and the musical  dialectics in the Timaeus and Philebus.

“With respect to Philebus, Horky (2013: 252) works with  the basic binary opposition between  quantity and quality in the intervals with regard to ‘number,’ introduced at 17c11-e3, finding that it is “difficult to know for sure whether Plato intended pitch height or depth to be numerically quantifiable, if indeed this is the right way to read this passage.”Horky’s claim is that the Timeaus offers a ‘third way’ between two interpretive responses here. Namely, that the number of notes is in fact limited quantitively because it is shown to repeat (252). Horky (2013: 254) this way: “It is pretty clear that Plato’s description of the generation of a complex entity such as “health”or “music”that is made up of a factor that limits the unlimited in the Philebus is coordinate with other late presentations of the cosmic generation of entities marked by the qualities of being concordant and symmetrical, especially what is found in Plato’s  Timaeus.”Horky (2013:  255) here cites what he calls the “dialectical tenor”of Timaeus’s description (at 80b2-8, translation is Horky’s following Barker 1989) of συμφωνίαι in which slower sounds “catch up [to swifter sounds] they do not disturb their motion by imparting a different one…[but]…by attaching [to one another] in a similarity [ ὁμοιότητα προσάψαντες ], they are blended together into a single effect, derived from the high and the low [ μίαν ἐξ ὀξείας καὶ βαρείας συνεκεράσαντο πάθην ]. Hence they  provide pleasure to people of poor understanding, and delight to those of good understanding, because of the imitation of the divine harmonia that comes into being in mortal movements.”

For Horky (2013: 256), and following Barker, “the Demiurge’s activity of division is based on the classification of means and proportions advanced by Archytas in Fragment 2.189. It remains only a speculation, but we can nevertheless see Hippasus of Metapontum hiding in the background of  Archytas’s classification, informing both Archytas’s approaches to music theory and Plato’s approaches to generation of the world-soul.”This then manifests in the spatiotemporal “pause”, by which Horky (2013: 256) means “the assimilation of one thing to another that had previously been different, or alternatively to the placing of things in opposition in a relationship of concordance (256).”This pause occurs in dialectical relationships as well as physics and metaphysics, which Horky relates to Plato’s theorizing about the “monochord”. Here Horky (2013: 258) makes fascinating use of Mitchell Miller’s claim that Plato is thinking of the so-called ‘Dorian mode’ (when in  Tim 35b4-36b6  the Demiurge dividing  universe with Pythagorean ratios) in order to show that if a two-octave stretch of string were divided in such a way the seven-notes of the octave would be repeated once, there would thus be a repeating order in the continuum. For Horky (2013: 258), Plato could thus describe this as a limit on the unlimited continuum: “Plato might describe this activity as bringing a limit based in “due measure”to bear on what is otherwise unlimited, the continuum that  lacks proper measurement and is thereby neither  “commensurate”nor “concordant”without it.  Dialectic, cosmology, and metaphysics are thus  understood in Plato’s Timaeus and Philebus to conform to the rules of mathematics, both harmonic and calculative, and are understood to be informed by empirical observation. (258)”

Here—in this final conclusion about dialectic, cosmology and metaphysics are seen as  both  the  result of a calculative and harmonic and informed by empirical observation—we see the singular value of both Horky’s “controversial thesis”about Plato as an inheritor and extender of the tradition of mathematical Pythagoreanism and his “comprehensive analysis”of the all the sources for that tradition, both antedating and postdating Plato. In its comprehensiveness and its precision, this concluding  claim seems to me emblematic of the success of  Horky’s work, and why it will be a standard text for those interested in Plato and in Pythagoreanism, and especially for those of us interested in their  interconnection.

Notas

  1. While this discussion of Horky’s book appears under my signature, I want to flag clearly and loudly that it owes a real debt to my research assistant, Lindsay Parkhowell.
  2. In the interest of full disclosure, I should report that when this was presented at the “Recent Books on Pythagoreanism”book celebration at the State Library of Berlin on Monday 21 October 2013, Philip Horky greatly objected to this, and insisted that in his view it is precisely the chapters not presented here that are to him the most important. I leave it to his readers—who will be many—to decide for themselves.

Michael Weinman – Bard College, Berlin.

Acessar publicação original

 

Platão: a construção do conhecimento – SANTOS (RA)

SANTOS, José Trindade. Platão: a construção do conhecimento. São Paulo: Paulus, 2012. Resenha de: ARAÚJO, Rodrigo. Revista Archai, Brasília, n.12, p.195-196, jan., 2014.

Centrada na temática do conhecimento, a obra de José Trindade Santos se volta ao tratamento das questões relativas ao ‘ser’ e ao ‘saber’ por dentro  dos diálogos platônicos.

Evidencia, de logo, dois problemas com que Platão se confronta: a constituição da ‘realidade’  (distribuída pelos mundos ‘sensível’ e ‘inteligível’) e a organização das ‘competências cognitivas’  (‘saber’ e ‘opinião’) que possibilitam conhecê-la  adequadamente.

Para enfrentar esses problemas, Platão teria divisado um sofisticado e complexo programa de  investigação que perpassaria toda sua obra, fortemente marcada pelas críticas às concepções cognitivas correntes na Grécia clássica (sécs. V-IV a. C.).

Empreendendo tal crítica, que na visão do  Autor poder-se-ia sintetizar como  construção do  conhecimento, Platão aborda a cognição a partir  da leitura do poema de Parménides,  Da natureza, na qual o “pensamento/conhecimento”é colocado como um estado infalível, percebido pela inteligência, independente da senso-percepção e captado  pela linguagem.

Levando igualmente em conta os paradoxos levantados pelos sofistas, Platão tenciona mostrar como uma concepção coerente e consistente da  cognição é capaz de adequar o contato com o mundo instável, construído pela sensibilidade, à exigência da estabilidade do ‘ser’.

Trindade principia pela acurada análise dos  diálogos chamados ‘socráticos’, o Autor expõe o  elemento pedagógico dos debates e a utilização da metodologia refutativa, com a finalidade de denunciar as limitações dos pretensos “saberes”humanos.

Seguidamente, refletindo sobre a ‘reminiscência’ e a chamada ‘Teoria das Formas’, mostra o postulado ontoepistemológico nesse outro grupo de diálogos:  todas as mentes humanas são dotadas da mesma estrutura eidética e todos devem esforçar-se por recordar, recuperando a memória das Formas. Como, para Platão, ‘o que é’ são as Formas, somente estas constituem o ‘ser’, sendo nesta recuperação que consiste o ‘saber’.

Nos capítulos subsequentes, empenhado na  compreensão dos chamados ‘diálogos críticos’, o  Autor apresenta a discussão sobre a reformulação da ‘Teoria das Formas’, na qual Platão parece tentar reconhecer uma função cognitiva para a ‘ doxa ’, encarando então a cognição como um  processo que será avaliado pelo resultado a que conduz:  verdadeiro ou falso.

No entanto, segundo o Autor, na revisão da ‘Teoria das Formas’, Platão põe em causa a herança eleática, descartando pressupostos ligados direta ou indiretamente a Parménides. Rejeita o monismo, o imobilismo do ser e a identificação do saber com  o ‘conhecimento como  estado ’. Para atingir essa  finalidade obriga-se a redimensionar o significado do ‘não-ser’, passando a encará-lo como ‘um outro ser’, entendido como ‘diferença’ – ‘o outro’ –, e não apenas como o ‘contrário’ do ser.

Nessa nova abordagem das relações entre  ‘conhecimento’ e ‘ser’, Platão desenvolve um projeto unitário de conhecimento da realidade, vinculando o mundo sensível à estrutura inteligível que serve de matriz à própria cognição. É dessa reformulação que nascerá aquilo a que se nomeará ‘conhecimento’.

Desvelando uma das mais belas e clássicas  temáticas que principiaram a literatura filosófica,  a obra insere-se no rol dos textos indispensáveis  aos que se debruçam sobre os diálogos platônicos, ao tempo em que vem cunhada pelo espírito do  pioneirismo, inaugurando a série de publicações da Coleção Cátedra.

Rodrigo Araújo – Universidade Federal da Paraíba.

Acessar publicação original

 

Enseñar filosofía o filosofía del enseñar: acerca de Platón y la política – SOARES (RA)

SOARES, Lucas. Enseñar filosofía o filosofía del enseñar: acerca de Platón y la política. Buenos Aires: Tecnos, 2010. Resenha de: BIEDA, Esteban. Revista Archai, Brasília, n.9 p.153-156, jul., 2012.

Ante todo, acordemos un breve marco conceptual. En líneas generales, el objeto de estudio de la filosofía no son las cosas, sino las I que los filósofos se hacen o tienen acerca de esas cosas.  La etimología de la palabra “teoría”da cuenta de esto, dado que tiene que ver con la “contemplación”de algo, con la “visión”que se puede tener de un objeto, de un fenómeno o de una idea: una teoría no es la cosa sino una representación de la cosa. Siguiendo esta línea, la historia de la filosofía probablemente consista en una representación del modo en que tal o cual filósofo se ha representado, a su vez, determinada cosa: estaríamos ante una  representación de representación. La distancia que media entre el historiador de la filosofía y el mundo podría parecer, así, casi insondable. Es por esta razón que algunos han afirmado que hacer historia de la filosofía no es una tarea filosófica sino, a lo sumo, historiográfica. En lo que sigue trataré de mostrar por qué, a mi juicio, el libro de Lucas Soares, Platón y la política, es una prueba que refuta dicha posición: no es sólo un libro de historia de la filosofía sino fundamentalmente un libro filosófico.

Comencemos por la expresión “hacer filosofía”o, mejor dicho, “tener a la filosofía como profesión en el siglo XXI”. La posición más tradicional sugiere que hacer filosofía consiste en la creación de sistemas de conceptos capaces de dar cuenta del  mundo circundante. Junto a este sentido clásico  y restringido hay otro quizá demasiado amplio: si es cierto, como decíamos antes, que el filósofo no trabaja con el mundo sino con las representaciones que tiene acerca del mundo, alguien podría concluir que, en ese caso, cada hombre particular es un  filósofo particular, alegando que las representacio nes son particulares e intransferibles. Si la primera definición de “hacer filosofía”–en tanto creación de sistemas conceptuales– era demasiado estrecha, esta segunda parece demasiado amplia. ¿Qué estadios intermedios hay v.g. entre la intrincada prosa hegeliana y el taxista que se pregunta por las razones de su tristeza? ¿Qué puentes hay entre el plano de la teoría y el de la praxis en lo que respecta a las preguntas filosóficas por antonomasia: “¿qué es el mundo?”, “¿qué es el hombre?”? Vayamos a esto.

En un tratado dedicado al estudio del alma  Aristóteles insiste en que “filósofo”no es quien tan sólo posee conocimientos filosóficos, sino quien se sirve de ellos, quien los teoriza, quien los pone en acción. El hombre que posee conocimientos pero  está dormido o no los utiliza no es filósofo en sentido pleno. El conocimiento por el conocimiento mismo no es una meta aristotélica. Ahora bien, ¿qué hay que entender por ‘utilizar los conocimientos filosóficos’? Cuando Aristóteles se propone definir lo que entiende por “conocimiento”(epistéme), cosa que hace en el primer capítulo de la que probablemente sea su obra más compleja, la Metafísica, señala como característica fundamental su enseñabilidad. Es en ese contexto que sienta la siguiente posición: “signo para distinguir al que sabe del que no sabe es su capacidad de enseñar”(Met. 981b7). Alguien “sabio”no es, pues, quien simplemente posee conocimientos, sino quien es capaz de utilizarlos o actualizarlos, entre otros modos posibles, mediante la enseñanza. Enseñar filosofía es, sin dudas, uno de los puentes que buscábamos, uno de los lazos capaces de unir el mundo de las más abstractas teorías filosóficas y las quizá poco revisadas convicciones de quienes se acercan a la filosofía por primera vez. Un filósofo no es únicamente quien crea sistemas conceptuales complejos sino también quien los comparte pedagógicamente con sus alumnos.

¿Qué tiene que ver todo esto con el libro de Lucas Soares? Pues bien, en él se plasman  esos dos aspectos que, sólo cuando unidos, hacen a la verdadera filosofía: la erudición teórica, por un lado, y el carácter irrenunciablemente  didáctico con el que se la presenta, por el otro. Al conocimiento profundo y exhaustivo de las  diversas representaciones que tuvo Platón acerca de su mundo y, en particular, de su realidad política, Lucas le suma la traducción a un plano donde se vuelve comunicable. Su libro no reposa, inerte, en el limbo de los análisis enrevesados e incomprensibles, sino que se compromete con la transmisión de la letra platónica sin por ello desatender la claridad y accesibilidad para el  lector. Aun cuando es un fino estudioso de los complejos problemas de la filosofía antigua (y  contemporánea), Lucas logra lo que pocos: hacerlo atractivo para cualquiera, dócil a la lectura para quien esté dispuesto a conocer cómo pensó Platón su entorno político y en qué dirección  hubiese querido transformarlo. ¿Significa esto  que estamos ante un manual de filosofía política platónica? De ningún modo, porque el libro no se limita a describir –pretensión del manual– sino que interpreta  mediante una hipótesis rectora  que lo recorre: “nuestra intención es desmitificar tanto la supuesta confianza ciega en la  pintura ideal de gobierno que Platón delinea en República, como el presunto realismo extremo de Leyes. Como se intentará demostrar a lo largo del libro, el pensamiento platónico es un tanto más complejo…”(p.10). No se resume el pensamiento político platónico, sino que se lo interpreta sobre la base de un profundo respeto, tanto por la letra platónica como por los lectores. ¿Y qué es la docencia sino la re-presentación de ciertos contenidos conceptuales, sensatamente dosificados con las propias interpretaciones? Enseñar interpretando, lo que podríamos denominar una “didáctica hermenéutica”, es una de las formas de la filosofía, y es lo que este libro propone.

Hay una idea que me interpela hace ya  varios años: si hoy Platón viviera, no entendería la mayor parte de los libros que se escriben acerca de él. Y esto ocurriría, creo, porque hay quienes identifican “hacer filosofía”con “complicar lo sencillo”. Tantos  papers, libros monográficos,  colecciones de artículos, todos escritos por los  así (auto)denominados “mayores especialistas en  la obra platónica”, se definen, en algunos casos  (porque por suerte hay varias excepciones), por su capacidad para complicar: cuánto más se enroscan los argumentos, más ‘serio’ y ‘valioso’ es el libro.  ¿Desde cuándo la seriedad es eso? ¿Por qué no  volver a los filósofos griegos del modo que proponía Pascal, pensador al que nadie se atrevería a negarle seriedad: “ordinariamente suele imaginarse a Platón y a Aristóteles con grandes togas y como personajes graves y serios; eran buenos sujetos,  que se divertían, como los demás, en el seno de la amistad. Escribieron sus leyes y retratos de política para distraerse y divertirse: esa era la parte menos filosófica de su vida. La más filosófica era vivir sencilla y tranquilamente”(Pensamientos)? Montaigne se lamentaba de un modo similar: “borran de la  historia que el más sabio y el más virtuoso de los hombres, Sócrates, bailaba”(Ensayos).

Desde mi punto de vista, un libro de filosofía no nace cuando es publicado; tampoco cuando es comprado por alguien. Un libro de filosofía nace  cuando es leído. Pues bien, me atrevo a decir que todos esos libros “eruditos”o de “especialistas”no deben tener, a nivel mundial, más de mil o dos mil lectores, lectores entre los cuales, si estuviera vivo, probablemente no se contaría Platón. ¿Por qué no? Porque, como afirma Lucas en su libro a propósito del proyecto político platónico, “el hecho de erigir su primer y mejor orden político como un ideal  inalcanzable en los mismos términos que supone  el modelo (parádeigma), no significa que la  pólis platónica se limite a una mera abstracción teórica, inviable en la práctica y sustraída al devenir histórico, sino que se trata más bien de un horizonte regulativo que apunta fundamentalmente a señalar un nuevo camino y la meta que debería proseguir de allí en más la verdadera política”(pp.232-3).  El genio de Platón no consiste en lo que algunos consideran su ‘idealismo’: el creador de la teoría  de las ideas no fue un idealista, al menos no en  el sentido que hoy le damos al término. El genio  de Platón consiste en su esfuerzo –quizás nunca  definitivamente exitoso– por tratar de comunicar  el plano de lo modélica y anheladamente perfecto con el de lo difuso y corruptible. A eso se refiere Lucas cuando afirma que “Platón nunca emprende su investigación acerca de lo político en abstracto, sino que pone en práctica un abordaje de naturaleza dual, el cual supone un ojo puesto en el análisis  histórico […] y otro puesto en la elaboración de  una alternativa política de cuño personal”(p.229). Parafraseando este pasaje, me atrevo a decir que  ‘Lucas nunca emprende su investigación, sea cual fuere, en abstracto, sino que pone en práctica un abordaje de naturaleza dual, el cual supone un ojo puesto en la transmisibilidad de los problemas a sus alumnos-lectores y otro puesto en la elaboración  de una interpretación de cuño personal’. Muchos  libros que estudian la filosofía antigua son escritos “en abstracto”; el de Lucas, por el contrario, se  concreta en la misión cuasi divina de la enseñanza, de aquello que hace que cada hombre no sea una mónada cerrada sobre sí misma, sin posibilidad de comunicarse con sus pares. Lucas no escribió un libro para él mismo, no lo escribió para regodearse en  un saber que, por ser incomprensible para muchos, sólo lo satisface a él y a unos pocos colegas; más bien escribió un libro que contiene la generosidad intelectual como marca distintiva. A propósito de la misión “cuasi divina”de la enseñanza, me refiero a que el verdadero docente es quien puede tener un ojo puesto en aquello que enseña y el otro en sus alumnos –paridad no siempre tenida en cuenta lo suficiente–. Este lugar ‘intermedio’ es lo que, según Platón, define nada menos que a Éros, semi-dios  encargado de comunicar el plano divino con el  humano. Es en ese sentido que hablamos de “eros docente”: la docencia es una actividad erótica por cuanto supone un tipo de comunicación cimentada en dos deseos que se encuentran: deseo de saber, por un lado, y de enseñar, por el otro. Sin dudas, este libro contiene altas dosis de eros docente.

Ahora bien, ¿dónde se ve todo esto en el  libro? En la mismísima “Introducción”encontramos el siguiente manifiesto: “se procuró equilibrar en el libro un tipo de exposición clara y ágil con el rigor filosófico y la pluralidad interpretativa que el tema amerita”(p.13). La claridad y la agilidad como  contrapropuesta al lenguaje imbricado y ampuloso, pero sin resignar, por ello, rigor filosófico. Pero hay más: “se ha priorizado, tanto en el cuerpo central como en las notas, la utilización de fuentes primarias, las cuales apuntan a brindarle al lector mayores elementos de juicio a partir de apoyo textual “(p.13). Ya en la propuesta, Lucas le advierte al lector que no pretenderá persuadirlo de determinada línea interpretativa: el autor selecciona y presenta al lector su propia interpretación, pero también aquello que considera relevante para que el lector mismo pueda generar sus propias preguntas e interpretaciones. La filosofía está viva porque activa el pensamiento del lector que, si bien asiste a la exposición de teorías ajenas, no por eso es asfixiado con toneladas de bibliografía secundaria y de problemas tan rebuscados como alejados de la letra platónica. Si bien el libro cuenta con un gran número de notas al pie en las que el lector interesado o el especialista pueden  encontrar referencias bibliográficas de toda índole para profundizar los problemas o conocer algunos debates de la crítica al respecto, no es eso lo más interesante que tiene. Porque sí: hay libros de historia de la filosofía que hacen que la filosofía se cierre sobre problemas que, paradójicamente, hacen que el pensamiento se detenga; algo similar a lo que le ocurrió al ciempiés de la madre de Gelman: “Siempre recuerdo una anécdota que me contó mi vieja, una leyenda rusa. Una vez estaba una arañita ahí al borde del camino y pasa un ciempiés. Entonces, la araña le dice: ‘Señor ciempiés, qué complicado, ¿cómo hace para caminar? ¿Con los cincuenta pies izquierdos primero, cincuenta después de la derecha, diez y diez, uno y uno?’. Y el ciempiés se puso a pensar, y no caminó nunca más”(Juan Gelman, Revista Ñ 11/3/2006). El libro de Lucas invita a pensar a Platón pero en marcha, caminando, es decir: leyendo a Platón mismo, y no desde la atalaya de debates anquilosados y estancos. En una entrevista, Fernando Savater afirmaba: “yo creo que uno de los problemas principales del estudio de la filosofía es lograr entender de qué va o, mejor, cogerle la gracia: como los chistes. No es tan fácil. Isaiah Berlin empezó su vida académica como filósofo (era uno de los discípulos predilectos de Wittgenstein) pero luego dejó este primer amor para dedicarse a la historia de las ideas; cuando se le preguntó por las razones de tal cambio, repuso: ‘Es que quiero estudiar algo de lo que al final pueda saber más que al principio (Diario El País, 02/09/2008). Cuando uno termina de leer el libro de Lucas puede tener la certeza de que sabe algo más que antes de leerlo.

En por todo esto que estoy convencido de que, si Platón viviera, sin dudas leería Platón y la política, entendería Platón y la política  y, más importante  aún, lo recomendaría a sus alumnos de la Academia.

Esteban Bieda – Universidad de Buenos Aires – CONICET.

Acessar publicação original

Platão. Helenismo e diferença – AZEVEDO (RA)

AZEVEDO, Maria Teresa Nogueira Schiappa de. Platão. Helenismo e diferença. Raízes culturais e análise dos diálogos. Coleção Archai. São Paulo: Annablume Clássica, 2012. Resenha de: OLIVEIRA, Francisco de. Revista Archai, Brasília, n.9, p.137-140, jul., 2012.

A obra “Platão. Helenismo e diferença. Raízes culturais e análise dos diálogos “aparece publicada sob patrocínio do grupo Archai, consagrado como Cátedra Unesco Archai, que se dedica às origens do pensamento ocidental. A editora é a AnnaBlumme Clássica, de São Paulo, de cujo conselho editorial faz parte o colega e amigo Gabriele Cornelli, que  saúdo também como presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos e enquanto cooperante com o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, em cujo âmbito foi  elaborado o belo texto que tenho a honra e o prazer de apresentar.

E começo por me referir à sua autora, Maria Teresa Schiappa de Azevedo, que é bem conhecida pela inteligência, argúcia, capacidade crítica e  escrita escorreita e elegante. Além disso, trata-se de uma investigadora que domina como poucos a obra de Platão, por um contacto de longos anos em estudos e traduções sempre de elevada qualidade, numa abrangência e aisance que logo são percetíveis na questão sempre difícil da cronologia da obra  platónica, cuja discussão nas p.21-31 é um exemplo de análise especialmente conseguida e com grande capacidade crítica e espírito sintético, na linha de Cornford, embora divergindo dele quanto ao Fedro e ao Crátilo (cf. p.29).

E não se trata de um simples rememorar desta velha questão, pois um dos mais profícuos resultados da investigação produzida é exatamente mostrar  como, sobre um tema preciso, o pensamento platónico foi sofrendo evolução ao longo do tempo e graças às vivências do próprio filósofo.  Essa evolução é  rastreada tanto na evolução do pensamento como a nível da arte do diálogo, incluindo a caraterização das personagens e a sua origem, e a de Sócrates em especial (ver p.175 ss., início da Segunda Parte),  bem como a escolha dos cenários dos diálogos. M. T. Schiappa de Azevedo assinalou ainda, de forma magistral, a maneira como essa evolução do pensamento e da arte de Platão correspondia, também, à evolução da Atenas coeva e do resto do mundo grego, que passam por alterações muito significativas, em especial na época em causa, entre Péricles e o período helenístico.

A edição agora em apreço faz juz a todas  essas qualidades: bem informada, bem escrita, bem organizada. A obra estrutura-se em 3 partes, para além de uma Introdução:

PRIMEIRA PARTE

1. Pressupostos metodológicos (cronologia, Athenaioi, xenoi e barbaroi;

2. Cronologia

2.1 Athenaioi, Xenoi e Barbaroi 31

2.2. Estatuto genérico nos diálogos platónicos 31

2. O testemunho do Crátilo 47

1. Sócrates em Platão

2. Sócrats e Atenas 59

3. Sócrates e xenoi 74

3. Incidências orientais e recriação platónica 79

1. Música grega e incidências orientais 89

2. Divindades orientais e recriação platónica 93

2.1. As duas Afrodites 93

2.2. Adónis 105

2.3. O dionisismo 119

2.4. o xamanismo 134

SEGUNDA PARTE. Diálogos da primeira e da segunda fases

1. Atenas no contexto helénico 175

2. A cidade 175

  1. A cidade e os mitos das origens 178

2.1. O Eutidemo e o mito de Íon 178

2.2. O Menéxeno e o mito da autoctonia 185

3. Menção genérica de outros Estados gregos 190

4. Lacedemónios 194

2. Atenas e a Antinomia Grego / Bárbaro 213

1. Contextualização 213

2. O testemunho dos diálogos 217

3. O Grande-Rei 224

4. Nomos / Physis na antinomia Grego / Bárbaro 230

TERCEIRA PARTE. Diálogos da terceira fase (últimos diálogos) 249

1. Atenas no contexto helénico 251

1. Atenienses e Xenoi 251

2. A Academia e a experiência siciliana 260

3. Uma nova vivência de xenia 283

2. Atenas e Bárbaros 291

1. Linhas de evolução 291

2. Egípcios 307

2.1. Contextualização 307

2.2. O Egipto de Platão 311

3. Persas

3.1. Contextualização 327

3.2. A Pérsia de Platão 331

4. Vias de superação da antinomia Grego / Bárbaro 338

Em relação a esta estrutura, acrescem  conclusões (p.347) bem apropriadas e muito lógicas e fundamentadas; bibliografia exaustiva e criteriosa; um bom índice de autores antigos e fontes.

Diria somente que me pareceria interessante acrescentar um índice temático, pois temas e conceitos interessantes não faltam nas páginas que  preenchem o esquema apresentado.

É o que logo se vê nas páginas introdutórias. Num verdadeiro sumário do estado da questão, a  própria autora afirma, na p.12: são “escassos os  estudos que tratem a questão incontornável da  relação grego/ bárbaro através do texto platónico”, prejudicada, para alguns críticos, “pelo peso do  passo 470c-471b da República, onde a cruzada pan-helénica da retórica do tempo se traduz na palavra de ordem “contra os Bárbaros”. Mas é a excepção  e não a regra, como espero deixar demonstrado na análise que se segue”.

São também explanados alguns pressupostos metodológicos, que enuncio novamente através das palavras da própria autora (p.15-16):

– “a imprescindibilidade de distinção entre  estrangeiro grego (xenos) e estrangeiro bárbaro  (barbaros), sem a qual será difícil evitar algumas  ambiguidades interpretativas – como sucede no  estudo, em vários aspectos aliciante, de H. Joly;

–  a importância da língua na perspectivação da dicotomia grego/ bárbaro (e parcialmente, da sua superação), de acordo com as reflexões linguísticas e etnográficas que passam do séc. V a.C. às décadas iniciais do século seguinte, concentrando-se  no Crátilo;

–  a projecção da figura de Sócrates num conceito de cidadania que congloba valores atenocêntricos específicos, sobretudo presentes na primeira fase dos diálogos (mas nunca de todo abandonados);

–  a viragem essencial que eventos decisivos da vida de Platão, nomeadamente a primeira viagem à Sicília e a fundação da Academia, consignam na abertura dos diálogos do último período ao mundo dos xenoi e dos barbaroi”.

Esta súmula permite facilmente entrever a  riqueza de conteúdo de um estudo que, logo ao  escolher a temática proposta, vai tratar um vasto acervo de questões de grande relevância em termos científicos e de atualidade, e alguns até espinhosos, como a interpretação do papiro de Derveni.

Respigo algumas ideias da leitura que fiz.  Schiappa de Azevedo sabe contextualizar muito  bem as problemáticas discutidas, mostrando como o fenómeno de aculturação se relaciona com permutas e veículos diversos, incluindo a diplomacia e a guerra, o que se torna evidente nos intercâmbios com a Pérsia após as invasões do continente grego. Aqui, o bárbaro inimigo já tinha uma história de  relacionamento com a Hélade desde a época minóica e micénica, e em particular desde o período arcaico, quando a aristocracia usava marcas de vestuário  persa como sinal de elitismo, fenómeno a que  Miller chama perserie (p.299); o inimigo bárbaro, dizia, verá a sua imagem liberta dos estereótipos  tradicionais que baseavam a felicidade do Grande Rei no ouro, ideia desprezada no Teeteto, 175c (p.275; cf. Lísis, 209d, Ménon, 78d ou a embaixada persa nos Acarnenses de Aristófanes); sob a influência  de Xenofonte, a Pérsia passa mesmo a fornecer  paradigmas de comportamento à sociedade grega  (p.336). Mais do que isso, é bem posto em relevo como a evolução cultural está fatalmente ligada a circunstancialismos históricos, como quando o imaginário grego substitui o bárbaro persa pelo bárbaro cartaginês ou osco, agora os verdadeiros inimigos de um pan-helenismo já alargado, em finais do séc. V, aos colonos gregos da Magna Grécia e da Sicília.

O exempo da Pérsia e do Grande Rei é apenas uma faceta da apropriação das sabedorias bárbaras praticada pelos gregos, apropriação que, naturalmente supõe ou cria as condições para o reconhecimeno, nos bárbaros, de um Outro que tem mérito e que  pode, até, ser superior aos gregos em domínios  específicos, da religião à organização política, a  ponto de a imagem da Pérsia ideal — a de Ciro —, lembrar Atenas nos seus melhores tempos (p.333; cf. Carta  VII, 332a-b, que classifica Dionísio I de  Siracusa como “sete vezes menos sábio do que Dario”, p.336). Isto para não falar noutros sinais da influência assíria, caldaica e mesopotâmica, com  que poderíamos relacionar os mitos da República e do Fedro, ou a filosofia dualista do Bem e do Mal, do Alcibíades I.

É esse também o caso do Egipto, cuja fonte de conhecimento primacial, à época, é o livro II de Heródoto, um Egipto exaltado por domínios artísticos, como a música e a dança, e científicos, como a farmacologia, a escrita, o ensino da matemática (veja.-se o mito de Theu, no Fedro e Leis 819bd); a aura de simpatia de que goza em Atenas assenta, além do mais, em alegadas relações entre Atenas e Saís – que, segundo o Timeu, 21e e 23-24, teriam sido fundadas pela mesma divindade (Neith na língua egípcia, Atena em grego) – e que beneficiariam de um intercâmbio regular, estabelecido após a fundação do porto de Náucratis e da colónia de Cirene, bem como do casamento do faraó Âmasis com uma grega. Os atenienses e Platão admiram no Egipto a sabedoria milenar e a estabilidade política de um regime baseado numa hierarquia social que terá  servido de inspiração à República e às Leis.

A brevidade implícita nesta apresentação  permite-me ainda relevar o modo como a cidade de Atenas é apresentada, e com bom fundamento na obra platónica, como cidade que, apesar do mito da autoctonia ou até graças a ele — e fazendo juz às referidas ligações preferenciais ou até originárias  com a Iónia e com Saís —, se vai sabendo abrir à diversidade e à tolerância, primeiro na perspetivação de um ideal pan-helénico, depois a estrangeiros  bárbaros, firmando-se no culto de Zeus Xenios (Leis, 953de). Acompanhando este percurso, a Academia funciona, a seu tempo, como instituição aberta a xenoi de toda as cidades gregas e mesmo a estrangeiros – e quadra bem ter sido doado por Anicéris de Cirene o terreno onde se fundou a Academia. Como escreve a autora, p.326: “os sistemas legislativos  platónicos mantêm no conjunto o respeito pela diversidade, que os diferentes povos e Estados gregos foram consciencializando na sua evolução comum”.

Em suma, recomendo esta leitura, tanto  pelo valor científico como por ser uma imagem  expressiva da verdadeira paideia grega, base da  tolerância europeia da alteridade. E Schiappa de Azevedo demonstrou cabalmente o enorme contributo de Platão para essa maravilha: “Ao longo do séc. V a. C., o conhecimento e a aceitação  mútua de padrões civilizacionais diversos foram  ganhando ‘simpatizantes dos Gregos’ (phillelenes) entre os Bárbaros e ‘simpatizantes dos Bárbaros’ (philobarbaroi) entre os Gregos (p.343); ou ainda, a propósito das Leis e do uso polissémico do termo xenos: “o intercâmbio deliberado da condição de xenoi, que os três interlocutores partilham entre si nas fórmulas de tratamento, anula idealmente a dicotomia entre polites e xenos, presente de forma mais ou menos perceptível nos diálogos anteriores”(p.285-286).

Francisco de Oliveira – Universidade de Coimbra. Trabalho desenvolvido no Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, no âmbito do Projecto Quadrienal da UI&D- CECH/FCT POC 2010.

Acessar publicação original

 

Plato and the city | Gabriele Cornelli

Sinal dos tempos de globalização, o livro Plato and the City, editado por Gabriele Cornelli, da Universidade de Brasília, e Francisco Lisi, da Universidade Carlos III de Madrid, está em inglês, recheado de citações em grego, foi publicado em 2010 na Academia Verlag de Sankt Augustin da Alemanha, sobre Platão e a cidade. Não há um urbanista no elenco, mas professores de filosofia antiga. Se queriam apenas “especialistas”, poderiam ter deixado o latim atual, a língua inglesa, e escrito o livro em grego. Sinal dos tempos: não só o intelectual brasileiro, mas também o espanhol, o italiano ou o francês que quiser dar uma contribuição para o mundo, precisa publicar em inglês. Quem escreve em português, parece estar morto de antemão para o mundo da ciência, da arte e da teoria. Não se trata aqui de bater no peito e se orgulhar da língua portuguesa. Ela resulta de uma dupla derrota e uma dupla prepotência: derrota dos povos ibéricos invadidos pelos romanos; derrota dos povos indígenas pela invasão lusitana; prepotência romana sobre as pro-víncias (regiões vencidas), prepotência senhorial lusa sobre a língua geral que se falou no Brasil até o século XVIII.

Se o livro foi publicado em inglês para um mundo dito latino, cabe examinar se ele merece o temor reverencial do neolatim da hegemonia atual. Caberá ver a que nos leva essa interiorização da dominação alheia. Está-se discutindo a questão da justiça nas relações sociais, o direito que o filósofo se atribui não só para dizer o que ela é, mas transformar sua definição em prática de governo. Está em jogo, portanto, a pretensão do filósofo de se considerar dono da verdade e formar uma casta governamental. O ponto nevrálgico disso está no Livro VII da República, conhecido como “mito da caverna”, o que leva a releitura dessa obra de trás para diante, dando prioridade ao seu “fecho de ouro”, o momento em que Sócrates desmonta todo o sistema proposto.

O que menos se deve fazer, no entanto, é mitificar e mistificar essa alegoria estendida, essa parábola do “mito da caverna”. Assim como, em vez de fazer de Platão um monopólio de helenistas, teria sido estratégico levar em conta o que um urbanista teria a dizer quanto à visão dele sobre a cidade, não teria sido nocivo o olhar de um literato. Professores de filosofia tendem a ver em Platão apenas um filósofo, quando, antes de mais nada e sobretudo, ele é um escritor. Isso pode parecer pouco, parecer inferior, para quem afirma em alta voz que Nietzsche não é um filósofo e sim apenas um escritor. A pergunta que se impõe é o que fica aí escondido, o que não se quer que seja dito.

Isso se torna ainda mais difícil de expor numa “resenha”, da qual se espera que ela seja uma propaganda do livro, pois é isso o que impera no país. Não há mais crítica literária no Brasil. Os espaços na mídia são tomados por poucas editoras grandes, que divulgam aí seus livros, ignorando os dos concorrentes. Não há também mais crítica de cinema nem cadernos de ideias no Brasil. Estranhamente, havia mais liberdade para esse tipo de crítica nos pérfidos tempos da ditadura militar do que hoje, tempos ditos de democracia. Quando a censura foi encerrada oficialmente em 1985, ela se interiorizou na mídia e se deixou de ter a frente ampla pela liberdade de expressão que reunia intelectuais de segmentos diversos durante a ditadura, gerando nichos críticos.

Olhando a extensa bibliografia publicada no final do livro, p. 125 a 131, ficam evidentes duas ausências sintomáticas, como se não tivessem nada a dizer sobre Platão e nunca tivessem dito nada crucial: Nietzsche e Heidegger. Tratei de retomar proposições deles num capítulo sobre “a alegoria da caverna”, no livro Fundamentos da teoria literária, publicado em 2002 pela Editora da Universidade de Brasília, mas que já havia sido escrito quinze anos antes. Não se trata de vaidade, mas de retomar um ponto central, já tornado público e que desloca a discussão. Não adianta ignorar o que já foi dito e que altera de modo fundamental a temática, fazendo-se de conta que a discussão pode ser mantida nos termos da conveniência conivente. Ser professor de filosofia não é ser filósofo. Aliás, os grandes filósofos não fizeram doutorado em filosofia, não poderiam lecionar nos cursos de filosofia que deveriam estudar suas obras.

Quando se retoma um grande filósofo, a tendência dominante é diluir seus questionamentos, divinizar algumas assertivas, ser peão de seu rodeio, em vez de pegar o pião dos problemas na unha e tratar de pensá-lo adiante. As grandes obras guardam em si uma diferença, um abismo, entre o que elas puderam dizer e aquilo que elas gostariam de ter dito, mas apenas conseguiram sugerir. Se o leitor não conseguir penetrar nesse reino da diferença e recriar seu imaginário, ele não vai captar os impulsos e as pulsões que movem a obra e constituem o estatuído. Ele não vai conseguir pensar adiante, sem pensar adiante não vai conseguir chegar ao que foi pensado.

Qual é a pólis que existe dentro da caverna? Ela é um resumo da sociedade grega e de todas as sociedades de classe. Divide-se entre uma minoria de senhores ociosos e uma maioria de serviçais de dois tipos. Os ociosos são alimentados e cuidados por escravos e ficam olhando o cinema das sombras projetadas na parede a partir de uma fogueira nos fundos. Há “artistas”, titiriteiros ou bonequeiros, que movimentam figuras e imitam vozes: eles se enquadram entre os serviçais. Tanto as figuras quanto as vozes copiam entes que existem fora da caverna. Para fazer isso, os “copistas” precisariam ter saído da caverna e visto como é o mundo lá fora. Isso não é, porém, lembrado na argumentação do “filósofo”, embora esteja contido na fábula.

A fogueira deve ser alimentada provavelmente por madeira, já que não há a menor referência a uma fonte de petróleo permanente na caverna. Árvores não crescem dentro de cavernas. Os escravos precisariam sair da caverna para buscar a madeira. É muito provável que tenham de ir lá também a fim de arranjar alimentos para si e para seus senhores, pois seria absurdo que comessem apenas musgo e cogumelos.

No discurso de Sócrates, sem contradição do coroinha Glauco, é apenas entre os ociosos que há de surgir alguém que se liberte das cadeias e vá até lá fora, vendo a maravilha do sol como centro do universo (essa bobagem é postulada como verdade absoluta em contrapartida à doxa do geocentrismo). A saída necessária dos artistas e a dos escravos não é considerada. Oficialmente ela nem acontece. O filósofo só pode aí surgir entre os aristocratas, jamais entre os que trabalham. Ele quer ser aristocrata sendo filósofo, ele quer ser servido, ele quer mandar. Sabe-se o estrago que essa proposta de meritocracia fez à razão crítica ao ser implantada como estrutura da Igreja Católica.

Quando se transforma uma história em mito, ela é sacralizada, tornada tabu, não pode mais ser questionada em suas contradições, omissões, errâncias. A exegese trata de acobertá-las, fala do menor como se fosse maior, deixa o maior de fora, distorce, finge, mente. A hermenêutica filosófica deveria ser o contrário disso, mas continua presa à exegese teológica. Quem julga os juízes? Qual é o mérito do mérito?

Na República, o filósofo não é alguém que ama o saber: ele ama, antes e acima de tudo, o poder. Por isso participa da mentira. Ele finge que nem os artistas nem os que trabalham já saíram antes dele da caverna, que ele é o primeiro e único e, por isso, merece o poder. Ora, o poder ele já tinha, estava entre os que eram servidos, o que ele propõe é uma nova casta sacerdotal no poder, a dos pseudofilósofos. Não é irônico, e ainda mais eficaz, que essa proposição seja feita por Sócrates, que não tinha origem aristocrática? Por que um filósofo não pode surgir entre os que trabalham? Não foi Kant filho de um carpinteiro?

Quando Heidegger examinou o mito da caverna, insistiu muito no perigo que o filósofo corre quando se dispõe a libertar seus antigos companheiros das cadeias que os prendem. Eles não querem ser libertados. Eles preferem continuar no estado de alienação. O pressuposto é, porém, que o filósofo realmente sabe o que é a verdade, que ele está acima da doxa da plebe e dos demais contemplativos. O que ele tem por verdade é, no entanto, mais um erro, que não se corrige com a assertiva de que o sol é apenas uma estrela de quinta grandeza, já que não se conhecem todas as estrelas. Supor que a verdade seja um “desencobrimento” sugere que ela já tenha estado aí um dia, tendo apenas sido esquecida. Isso leva a fetichizar a etimologia como filosofia.

É uma grande ruptura propor aí que a maioria dos membros da oligarquia não quer nada com nada, quer apenas ficar sendo servida, gozando uma vida vegetativa. Isso significa que não vai ter mérito todo aquele que tem sangue nobre, mas que é preciso ter sangue azul para poder ter mérito. É o mesmo que Sófocles postulou na trilogia tebana, quando aparentemente ousou propor que fosse alçado ao poder alguém que mostrou ter mais mérito do que os demais, mas que acaba se revelando como filho do antigo rei. É um reformismo que nada tem de revolucionário. O erro da aristocracia não faz, todavia, com que o “povo” esteja certo, que dele emana toda a verdade: a Terra continua não sendo o centro do universo, já porque não há universo nem centro. Só não há classe baixa porque a alta não é elevada.

Se o “filósofo” nega o seu nome e não é amigo da verdade, mas como qualquer político apenas usa o discurso para chegar ao poder, ele não tem “mérito” maior, ele não representa a verdade. Por isso, é preciso desconfiar de toda a sua argumentação, mesmo quando se supõe que haja algo como um princípio de justiça, e que a justiça não se deve confundir com a vontade do mais forte. A República precisa ser relida pelo avesso. Assim como a Bíblia, ela deve ser dessacralizada para ser entendida como a ficção que ela é. Isso acaba com o tabu e o temor reverencial, mas permite estabelecer outro tipo de diálogo e reconhecer outra grandeza, a literária.

Sócrates propõe a existência de um mundo das ideias do qual os entes reais seriam cópias, mas, no fim, quando propõe a Glauco andar pelo campo com um imenso espelho, ele sugere que existem primeiro as coisas reais e só depois o reflexo delas na mente humana. Numa obra que é basicamente uma criação ficcional, ele elogia Homero como grande poeta, para depois dizer que ele teria de ser expulso da cidade ideal, já que os artistas ficam inventando outros mundos. Ora, com isso ele acaba questionando e desconstruindo tudo o que havia proposto. Se Homero merece ser preservado, é problemática a proposição de um Estado totalitário, que não dê liberdade ao artista, em que um artista como Homero não possa ter espaço (como não tem na escola brasileira).

Questões centrais como essas aqui aventadas a título exemplificativo, pouco vi propriamente discutidas e levadas adiante pelos autores que compõem essa antologia (que é, aliás, muito boa para o relatório da CAPES e o currículo Lattes). Quando eles beiram alguma questão, em vez de pensarem por conta própria adiante, em geral recuam e tratam de ver o que o Mestre disse. Uma coisa é, porém, o que Sócrates diz, outra o que ele pensa sobre o que diz, uma terceira é o que Platão pensa sobre o que Sócrates pensa sobre o que Sócrates diz: maior é, no entanto, aquilo que o escritor Platão deixou entrever para que se pense adiante. Cada caixa maior altera a menor nela embutida. Em vez de ficar preso ao primeiro nível, teria sido melhor que os membros da antologia tivessem ousado ir para o quarto nível.

Flávio R. Kothe – Professor titular de Estética na FAU/UnB, autor de obras sobre o cânone literário brasileiro, a narrativa trivial, a teoria literária e a arte comparada, tradutor de Nietzsche, Marx, Kafka, Benjamin, Adorno, Habermas e outros, autor de poemas, contos e novelas.


CORNELLI, Gabriele; LISI, Francisco L. (Eds). Plato and the city. St. Augustin dei Bonn: Academia Verlag, 2010. Resenha de: KOTHE, Flávio R. Urbana. Campinas, v.4, n.1, p.251-255, jan./jun. 2012. Acessar publicação original [DR]

 

Platão & a educação – PAVIANI (C)

PAVIANI, Jayme. Platão & a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.1. Resenha de: RECH, Gelson Leonardo. Conjectura, Caxias do Sul, v. 16, n. 3, Set/dez, 2011.

A obra Platão & a educação, do professor Jayme Paviani, é uma obra na qual o autor articula o pensamento educacional de Platão, um dos filósofos mais importantes do Ocidente. O livro integra a coleção “Pensadores & Educação” da Editora Autêntica com o objetivo de apresentar as ideias de renomados e significativos autores do pensamento educacional.

O livro, de caráter introdutório à leitura de Platão sob a perspectiva educacional, está organizado em 17 pequenos capítulos nos quais se articulam os diversos diálogos de Platão percorrendo as relações desses com a questão educacional e, no fim é completado por mais quatro capítulos com “Comentários aos Diálogos” (Ménon, Protágoras, República e Leis) seguido de “Textos Selecionados” que abordam a temática educacional, além de uma rica e sintética “Terminologia” e “Cronologia” que situam sobretudo os neófitos. A despeito da ressalva do próprio autor sobre a “falta de tempo para me dedicar melhor aos detalhes” (p.8), temos uma publicação acessível a estudantes dos cursos de licenciatura, a pesquisadores e professores, com esmerada redação que busca, além de apresentar o pensamento do filósofo, estabelecer relações com a atualidade – traço digno de nota – dirigindo-se a todos que queiram iniciar a leitura de um clássico da filosofia. Leia Mais

Platão – TRABATTONI (RA)

TRABATTONI, Franco. Platão. São Paulo: Annablume, 2010. Resenha de: SANTOS, José Trindade. Revista Archai, Brasília, n.5, p.143-146, jul.2010.

1. Que leva um professor de Filosofia Antiga a escrever um livro de introdução a Platão? Penso que, em primeiro lugar, o dirige aos seus alunos, e só depois inclui no seu projeto os alunos dos outros. Mas, creio que ninguém se decide a escrever uma obra introdutória a Platão e ao platonismo se não for movido por uma ideia. No caso de Franco Trabattoni, defendo que essa ideia foi mostrar que o Mestre da Academia é um pensador anti-dogmático.

Entre alunos e manuais, a voz corrente encara Platão como o arquétipo do filósofo dogmático. Teorias que defendem a existência de Ideias inteligíveis desvalorizando a experiência sensível, que afirmam que o conhecimento não passa de reminiscência, que uma flor só é bela porque participa da Beleza, que há “para além da essência”um bem que tudo rege, só podem ser entendidas como construções ideológicas sustentadas dogmaticamente. E, de fato, quem substitui a leitura dos diálogos pela memorização das “teorias”platônicas só pode ler Platão dogmaticamente.

Não importa aqui apurar quem são os responsáveis por essa opção didática, se alunos, professores ou manualistas; nem esse pensamento terá passado pela mente do Autor quando esboçou a presente obra. Sua intenção terá sido, sim, mostrar que Platão pode ser lido como  um pensador anti- dogmático, deixando ao leitor a decisão sobre se deve ser lido por esse viés.

1.1 Por isso, o Autor começa por apontar que, ao contrário do que ocorreu com a generalidade dos filósofos, o Mestre da Academia compôs todo o seu Corpus  na forma dialógica. Essa opção há muito constitui tópico de debate e um mistério. Mas este é adensado pela circunstância de – podendo fazê-lo! –, enquanto filósofo, Platão se excluir de participar nas disputas e investigações que, por escrito, legou à posteridade.

É como consequência desta sua decisão que o registo escritural do “seu pensamento”ficará para sempre como uma obra aberta, sujeita e recomposições periódicas. É ainda por essa razão, agravada pela variação das perspectivas pelas quais é abordada em diversas épocas e culturas, que a reinterpretação da obra platônica – entre nós imposta pela sua inclusão nos currículos escolares – tem sido constante desde a Antiguidade.

Nos últimos dois séculos, as tendências da crítica convergiram em três perspectivas concorrentes. Unitaristas, evolucionistas e analíticos propõem três visões da obra platônica, consoante se concentram na definição da unidade ideológica do Corpus,  no fio evolutivo extraído da análise cronológica da sua produção, ou simplesmente optam por abordar cada diálogo como uma peça autônoma, abstendo-se de o relacionar com o Corpus platônico.

2. Reconhecida a inutilidade do debate sobre os méritos relativos destas três tendências, a partir de meados do séc. passado outras se afirmaram, apoiando-se em critérios têcnicos, temáticos, estilísticos ou de outra natureza. É neste grupo que o Autor da obra em apreço se incluiu, ao optar por esboçar uma estrutura problemática que, de forma não evidente, se apoia numa leitura evolucionista do pensamento platônico.

2.1 Após um capítulo introdutório (15 pp.), dedicado a questões de composição e interpretação do pensamento platônico, a análise do Corpus acha- se organizada em três partes de desigual extensão (não assinaladas no texto).

Os capítulos II a IV (43 pp.) condensam a temática ética e política nas duas linhas polêmicas que atravessam os diálogos “socráticos”, orientando a crítica para os alvos fornecidos pela cultura tradicional e pela sofística. Passado um breve capítulo que abre para questões epistemológicas (13 pp.), a II parte da obra (131 pp.) concentra-se no estudo da metafísica e epistemologia dos diálogos sobre as ideias (ênon, Fédon, Fedro, Banquete, Crátilo, República). Focando a temática da alma, a análise conduz o leitor, através da consideração do amor e das propostas educativas, à teoria ética e política da República. Começa então a III parte (117 pp.), concentrada, primeiro, nos “diálogos dialéticos”(Teeteto, Sofista: cap. XI), depois no “problema do bem no homem e no cosmos”(Filebo, Timeu: cap. XII), finalmente, no “último pensamento político de Platão”(Político, Leis: cap. XIII).

A obra é rematada por um breve apêndice (não identificado como tal) que debate a substância das “doutrinas orais”(cap. XIV), ao qual se seguem bibliografias diferenciadas e um índice de citações (onde falta a paginação).

2.2 Embora praticamente toda a produção platônica seja coberta, os diálogos recebem tratamentos desiguais. Enquanto a obra “socrática”– à qual é concedida atenção passageira –, é abordada topicamente, a problemática dos diálogos “metafísicos”é estudada em profundidade e extensão. No entanto, só na III parte cada diálogo tratado é abordado separadamente, sendo concedida atenção pouco usual à última produção escrita atribuída ao filósofo: As leis.

Esta assimetria serve as intenções do Autor, que nunca deixou de visar os interesses de três públicos muito diferentes. Ao público leigo oferece uma visão global do pensamento platônico, a um tempo rigorosa e acessível. Aos estudantes proporciona a compreensão da unidade e diversidade do platonismo escrito, perpassada por muitas visões e interpretações originais dos problemas postos pela leitura dos diálogos. Finalmente, aos professores fornece um guia de leitura que, destacando o essencial do acessório, separa os programas de pesquisa da sua concretização nos textos e ilumina o sentido do estudo aplicado e profissional dos diálogos e da filosofia platônica.

Na simplicidade com que deve ser apresentado um trabalho introdutório, há muita reflexão sobre a obra do filósofo, que reflete o conhecimento da diversidade das interpretações que tem recebido da parte dos comentadores. Por isso, a opção entre expor as doutrinas e criticá-las é sempre ultrapassada com critério, de modo a não deixar de fora nada que a tradição comentarista recente considere relevante. Por fim, sem se substituir à leitura dos diálogos, a obra ajuda o leitor a trabalhá- los furtando-se a aprisioná-lo na teia dogmática das “doutrinas”, resumidas para consumo escolar, deixando-o entrever os anseios e projetos que conferem sentido à composição dos diálogos.

2.3 A I parte trata o grupo “socrático”(no qual parte do Teeteto  é oportunamente incluída) como um projeto crítico da cultura grega e do movimento sofístico. Sem se comprometer ideologicamente, o A. deixa o leitor entrever que o conflito com a abordagem autonômica corrente, substanciada pela generalidade dos interlocutores de Sócrates, é explicado pela adesão de Platão à proposta axiológica heteronômica do bem (33-34).

Após o capítulo que separa os diálogos “socráticos”dos dedicados à exposição da teoria das ideias, os três seguintes são dominados pela temática da “alma”, abordada das perspectivas complementares do indivíduo, da cidade e da teoria do “amor”. Neste ponto, é oportuno empreender um excurso.

2.3.1 Desde os registros tanto do início da atividade filosófica grega – fixados por Aristóteles –, quanto da Literatura (veja-se: Homero Ilíada I,3-5), a primeira preocupação dos Gregos é com a vida, particularmente na sua relação com a morte. Textos de diversas proveniências evidenciam a plena consciência de que “o que vive”não é o corpo, mas essa entidade chamada “alma”, que “anima”o corpo, até ao momento em que sai, deixando-o “inanimado”.

Esta problemática apresenta implicações religiosas que a nossa cultura integralmente reconhece e aceita. Mas a dificuldade de compreensão atual da posição platônica sobre a alma reside no fato de esta transbordar para terrenos de todo estranhos à nossa cultura: o político (República, Político, Leis), o cósmico (Timeu, Leis X), o cognitivo (psíquico/psicológico/formativo: Mênon, Fédon, República V-VII) e o antropológico (Banquete, Fedro, Timeu).

A diferença de contexto cultural que nos separa dos Gregos deixa o leitor desarmado perante a abrangência da noção grega de alma, reagindo com estranheza a concepções como as da criação e transmigração das almas e da reminiscência, esquecendo que com elas o filósofo dialoga com os seus conterrâneos e companheiros de pesquisa.

2.4 O A. aborda esta questão a partir do Fédon, considerando sucessivamente os argumentos da reminiscência e da participação, ao estudo dos quais associa o Crátilo e – num lance arriscado – a Carta VII.

Passa em seguida à seção epistêmica da República  (VI-VII) para construir o interface da temática da alma.

O seu objetivo é chegar ao primeiro braço da concepção platônica da educação, que complementa com a definição do vínculo unificador do psiquismo individual e coletivo na teoria do amor e na construção da cidade justa. Mas o foco da sua preocupação são as questões epistemológicas que o remetem aos “diálogos dialécticos”.

Não é possivel prestar aqui atenção ao fino recorte dos argumentos com que interpreta separadamente: o problema da opinião verdadeira, no Teeteto, e as críticas de “Parmênides”à doutrina das ideias, coroada com uma magistral, embora sintética, análise do sentido das hipóteses sobre o uno e o múltiplo, no Parmênides.

Na sequência, a análise aborda o Sofista, encarado como a obra em que Platão reformula a sua “doutrina das ideias”, mediante a análise dos “cinco gêneros máximos”e a proposta da dialética.

Quase como epílogo, o A. volta à temática da alma, no Timeu, antecedida por aquilo que entende como sinais da influência pitagórica, no Filebo, e seguida pela teoria sobre a construção do cosmos. Havendo ainda lugar para voltar a prestar atenção àquilo que o A. designa como o projeto político de Platão, no Político  e nas Leis,  a obra termina com uma sucinta, porém, inspiradora avaliação das “doutrinas orais”atribuídas a Platão.

É um trabalho que ficará como um modelo de clareza, concisão e rigor, que se espera mereça  a atenção do estudioso de Platão tanto dentro da Escola, como docente e discente, quanto fora dela, como homem de cultura. Pois está mais que provado pela crítica de todos os tempos que, se poucos são os que concordam com as soluções propostas por Platão, todos se reúnem e debatem em torno dos problemas que o filósofo legou à Humanidade.

4. Faltará apenas mostrar como o A. provou o anti-dogmatismo de Platão. Em primeiro lugar, num enfoque que equilibra as visões da filosofia e da cultura, nunca adota uma visão reducionista da leitura dos textos filosóficos, expressa quer em bem ordenados resumos, quer na enumeração das teses e teorias que a Escola registra como “doutrinas”.

Fica deste modo desfeito o nó górdio atado por quantos tentam reduzir a dogmas os argumentos que o filósofo propôs, com a intenção de apresentar a sua visão crítica da realidade, tal como ela se mostra aos homens, no espaço do seu mundo e no tempo da sua vida. O A. nunca esquece que, com a excepção da reminiscência, as “teorias platônicas”não passam de objetos didáticos expostos em manuais e exigidos pela avaliação do estudo.

Finalmente, com as interpretações parciais e global que propõe, Trabattoni assume com determinação e competência o risco de relacionar teses avançadas em diálogos distintos. Sabendo bem que este risco é corrido por quem se aventura a interpretar Platão, o A. não ignora que essa opção nunca é inviabilizada pelo próprio filósofo, que por vezes se não coíbe de sugerir relações intra- dialógicas.

José Trindade Santos – Professor da Universidade Federal da Paraíba e do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.

Acessar publicação original

 

Platão – BENSON (Ph)

BENSON, Hugh H. (ED.) Et al. Platão. Tradução de Marco Zingano. Porto Alegre: Artmed, 2011 1.  Resenha de: BORGES Anderson de Paula. Philósophos, Goiânia, v.15, n. 1, p.197-202, jan./jun, 2010.

O público brasileiro, interessado no estudo de Platão, que queira consultar uma introdução de primeira linha conta com mais um título no mercado nacional. O professor Marco Zingano (e a editora Artmed) nos prestou um ótimo serviço ao traduzir o volume dedicado a Platão, o (37°) da coleção Blackwell Companions to Philosophy. O livro foi lançado em 2006 sob o título A Companion to Plato, com edição de Hugh H. Benson. Trata-se de um guia atualizado e abrangente na abordagem dos problemas investigados pelos estudiosos do platonismo. O roteiro de temas e o método de análise empregado vêm sendo firmados há cerca de 60 anos por meio de uma produção intensa de livros e artigos no cenário da ancient philosophy. O guia de Benson sintetiza esse trabalho em 29 ensaios inéditos produzidos por 30 especialistas em filosofia antiga.

Antes de comentar o conteúdo de alguns capítulos, quero enfatizar a linha editorial adotada. O volume se dis-tingue de outros guias similares como o The Oxford Handbook of Platonism, editado por Gail Fine em 2008 e o The Cambridge Companion to Plato, editado por Richard Kraut em 1992. O guia de Fine apresenta seus artigos em dois níveis que se complementam: uma parte dos capítulos explora tópicos filosóficos na economia interna do plato-nismo e outra parte examina a estrutura de alguns diálogos. O volume da coleção Cambridge Companions, por seu lado, traz artigos sobre temas específicos, num projeto que privi-legia a abordagem do autor do ensaio. O resultado é útil pela qualidade do time de ensaístas, mas certas lacunas fica-ram evidentes. Sente-se a necessidade de um tratamento mais profundo da epistemologia do Fédon, da República e do Teeteto. Falta também um conjunto de ensaios sobre alguns diálogos centrais. No projeto de Benson, por outro lado, optou-se por dar a cada colaborador um formato exíguo nos capítulos, permitindo explorar um domínio bem mais ex-tenso. Quem desejar garimpar os tópicos nos diálogos terá muitas opções no índice remissivo. No prefácio Benson a-nuncia seu critério editorial: selecionar os temas por sua relevância “filosófica em oposição à relevância histórica” (p. X).

Um aspecto menos virtuoso do conjunto é a opção por especialistas do circuito anglo-saxão. Com exceção das edi-ções críticas consultadas e de alguns títulos de alemães e franceses nas indicações de literatura secundária, o corpo dos ensaios pode induzir o leitor a pensar que a pesquisa de ponta no platonismo está toda concentrada nos Estados Unidos e na Inglaterra, o que é enganador. Itália, França e Alemanha possuem expoentes na atual indústria do comentário em filosofia antiga. Mais recentemente, alguns países da América do Sul, entre eles o Brasil, estão se destacando pela qualidade de seus pesquisadores na área. É interessante comparar com a edição, um pouco mais “democrática” no convite aos scholars, de Sara Ahbel-Rappe e Rachana Kam-tekar no A Companion to Socrates, também da coleção Blackwell Companions.
A seguir vou enfatizar alguns recursos e argumentos dos primeiros ensaios, sem pretender, obviamente, uma análise mais profunda. Minha intenção é temperar o interesse do leitor e induzi-lo à leitura, destes que destaco, bem como dos que não poderei mencionar devido aos limites dessa re-senha.
Após um breve prefácio no qual o editor explica sua es-tratégia na concepção do livro, três ensaios abrem o volume: “A vida de Platão de Atenas”, de D. Nails, “Inter-pretando Platão”, de C. Rowe e “O problema socrático”, de W. Prior. Nails sintetiza com habilidade traços da biografia de Platão, como a ambientação aristocrática, os irmãos, a vida política e os acontecimentos históricos que marcaram Atenas na primeira parte da vida do filósofo. Destaca-se a opção por atrelar tais aspectos a algumas obras, como Euti-demo e Carta VII, certamente uma estratégia segura para dar consistência ao cruzamento entre os acontecimentos da vi-da de Platão e a rica ambientação dramática que caracteriza sua produção filosófica. Rowe, com sua prosa sempre de al-to nível, reúne em poucas linhas a defesa de um socratismo que permearia toda a obra de Platão. Ele firma aí uma posi-ção moderada, se a comparamos com o extremismo das tendências desenvolvimentista e unitária. Já o ensaio de Prior pode parecer deslocado no lugar onde está, a apresen-tação do livro, mas não é um deslize. Como argumentou Rowe no capítulo anterior, tendemos a ver isso como um efeito do fato de que a obra platônica, em linhas gerais, não se afasta do programa filosófico socrático, nem mesmo na chamada fase “madura”.
Depois dessa abertura, o livro se divide em seis partes apresentando oito tópicos do platonismo: método, epistemo-logia, metafísica, psicologia, ética, política, estética e legado. O método e a forma do diálogo são tratados pelos ensaios “A forma e os diálogos platônicos”, de M. M. McCabe, “O E-lenchus Socrático”, de C. Yang, “Definições platônicas e formas”, de R. M. Dancy e “o método da dialética platôni-ca”, do editor. McCabe examina o gênero adotado pelo filósofo e identifica fases de maior e menor presença da forma “diálogo”. Ela especula que Platão pode ter sido ins-pirado pela própria evolução da prosa grega que, apesar de ter culminado num material de tipo argumentativo, não se desvencilhou do apreço dos gregos pelo teatro. A proposta da autora é problematizar esse quadro com a complexa tra-ma dos diálogos. Enquanto “encartados” no quadro, os diálogos não se permitem uma interpretação simplista nos moldes da que os vê, fundamentalmente, como reprodução de um método, proposto por Sócrates, de fazer filosofia.

O ensaio de Charles Young examina o elenchus. É um capítulo com duas qualidades muito úteis: explicita com fô-lego as principais passagens onde o elenchus está em ação no corpus e avalia criticamente a clássica tese de Vlastos sobre os dois tipos de elenchus. Já o artigo de Dancy persegue a i-deia de “definição” em textos como Carmides, Eutifron, Hípias Maior, Laques, Lísis, Protágoras e República I. Seu estilo é árido. O uso de acrônimos, recurso que Jonathan Barnes chamou de “SSPCU style” (in: Philosophy and Phenomenological Research, vol. 56, 1996, p. 489-491) e de símbolos da ló-gica moderna obrigam o leitor não-especialista a retomar certos parágrafos no curso da leitura. Esse detalhe não ate-nua a relevância do objetivo do autor: trata-se de identificar certos procedimentos típicos nas passagens sobre “o que é x” e retirar destes lugares as condições necessárias e sufici-entes do tipo de definição ideal que os diálogos buscam. No detalhe, porém, Dancy defende interpretações que precisam de mais argumentação (cf. a p. 84 ele está consciente disso) como, por exemplo, sua tese de que a terceira condição de uma boa definição, que ele nomeia “Requerimento de Ex-plicação”, envolve alguma conexão causal entre a definição e suas instâncias. Não está claro de modo algum no texto de Dancy que tipo de causalidade é essa.
A dialética é examinada por Benson, fechando o pri-meiro bloco. O autor apresenta soluções para resolver os impasses sobre a conexão entre o método dos primeiros di-álogos e o dos diálogos médios. Destaca-se o esforço para explicar a continuidade entre “metodologias” de hipóteses presentes em Mênon, Fédon e República.

A segunda parte aborda a epistemologia platônica. G. Matthews assina “a ignorância socrática”, C. Kahn “Platão e a Reminiscência”, D. Modrak “Platão: uma teoria da per-cepção ou um aceno à sensação?” e M. Ferejohn “O conhecimento e as formas em Platão”. Na terceira parte, dedicada à metafísica, T. Penner escreve sobre “As formas e as ciências em Sócrates e Platão”, M. L. Gill propõe “Pro-blemas para as formas”, C. Freeland “o papel da cosmologia na filosofia de Platão, D. Sedley “Platão e a Linguagem”, M. White “Platão e a matemática” e M. McPherran “a religião platônica”.

A psicologia de Platão, na quarta parte, traz os ensaios “os paradoxos socráticos” (Brickhouse e Smith), “A alma platônica” (F. Miller jr.), “Eros e amizade em Platão” (C. D. C. Reeve) e “Platão e o prazer como o bem humano” (G. Santas). Ética, política e estética são contemplados com “a unidade da virtudes”, de D. Devereux, “Platão e a justiça” de D. Keyt, “O conceito de bem em Platão”, de N. White, “Platão e a lei”, de S. S. Meyer e “Platão e as artes”, de C. Janaway. A última parte é consagrada às influências do pla-tonismo na tradição filosófica posterior. C. Shields escreve “Aprendendo sobre Platão com Aristóteles”, A. Long “Pla-tão e a filosofia helenística” e S. Ahbel-Rappe termina o livro com “a influência de Platão na filosofia judaica, cristã e islâmica”.

O livro “Platão”, de Hugh H. Benson e colaboradores, é extremamente útil, tanto para especialistas quanto para es-tudantes de filosofia. Os primeiros vão gostar de ver seus focos de interesse sendo comentados de modo inteligente e eficaz. Os demais terão no livro uma orientação que lhes permitirá conhecer o modo mais profícuo de se abordar Platão, hoje. Por isso, trata-se de um livro indispensável.

Nota

1 Tradução feita a partir do original: “A Companion do Plato”, publicado pela Blackwell e organizado Hugh H. Benson.

Anderson de Paula Borges – Professor-adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Atlântida: pequena história de um mito platônico | Pierre Vidal-Naquet

Devolver o mito à imagem e à poesia, depois de ter

destrinchado sua história, é a dádiva que desejo a

todos aqueles que lerão este pequeno livro (VIDALNAQUET, 2008, p. 177).

Pequena obra-prima é como se pode definir este livro (Atlântida) de Pierre Vidal-Naquet (1930-2006), cujo trabalho renovou os estudos sobre a historiografia greco-romana do mundo antigo (mesmo considerando o fato que tenha sido especialista da Grécia clássica e helenística). Autor de uma vasta produção, em que se destacam: Os assassinos da memória (traduzido no Brasil em 1988), O mundo de Homero (2002), Os gregos, os historiadores, a democracia (2003), e em parceria com Jean-Pierre Vernant: Trabalho e escravidão na Grécia antiga (1989) e Mito e tragédia na Grécia antiga I e II (1991; 1999).

Numa pesquisa minuciosa, o que o autor procura identificar nesta obra é a elaboração de uma historiografia sobre o mito da ‘Atlântida platônica’, ao cotejar evidências arqueológicas e dados etnológicos, que ao longo do tempo serviu para justificar interpretações filosóficas, religiosas e políticas, em cujas ambições estavam: a) a de reconstituição de uma civilização perdida; b) de demonstrar as origens de um povo cuja ‘identidade’ havia sido pouco valorizada; c) de empreender jornadas a lugares distantes, com fins políticos e comerciais; d) e ainda de explorar ilhas e territórios desconhecidos. Em todas essas situações, a narrativa mítica foi se adequando aos novos contextos e espaços geográficos, reconfigurando momentos decisivos (como o de seu desaparecimento), ou se transpondo para outros povos, no interior destas novas narrativas e interpretações. Definir quais foram esses momentos, quais seus interpretes e que mutações foi sofrendo, o mito da ‘Atlântida platônica’, foi à tônica da narrativa de Pierre Vidal-Naquet, coberta de análises criteriosas, mas sem dispensar a fina ironia que é comum aos trabalhos do autor. Leia Mais

Que es la Filosofía Antigua? – HADOT (PR)

HADOT, Pierre. ¿Que es la Filosofía Antigua?, México: Sn., 1998. 338p. (Primera edición enfrancés 1995). Resenha de: MOLINA, Antonio I. Panta Rei – Revista de Ciencia Y Didáctica de la Historia, Murcia, n.4, p. 1998.

Por Filosofía entendemos un fenómeno histórico y espiritual que nace en el 28 de mayo del 585 a.C. fecha en la que se reconoce el inicio del pensamiento racional, tras su separación del mito . Para elautor de esta obra P. Hadot, eminente estudioso del pensamiento grecorromano, la filosofía no debeentenderse como mera teorización, fría palabra o simple discurso, sino como “un modo de vida”,que determina de forma decisiva el discurso filosófico. En opinión de Hadot “el discurso justifica laelección de vida y desarrolla todas sus implicaciones: se podría decir por una especie de casualidade reciproca, la elección de vida determina el discurso y este origina la elección de vida justificándolateóricamente” (193pg). Esta hipótesis, junto a la creencia certera de que toda conversión filosófica requiere necesariamente de un cambio en el individuo, y de la noción del “otro”, es decir que no hayfilosofía sin sociedad, son las ideas que repetitivamente Hadot defiende a lo largo de su libro.

Este presenta tres partes claramente diferenciadas por su mismo autor. La primera parte “Ladefinición platónica del filósofo y de sus antecedentes”, constaría de 4 capítulos. En los que sedescribe la semblanza de los primeros pensadores griegos, siendo su mayor punto de interés, y detodo el libro, la figura de Sócrates, inmortalizada por Platón en el Banquete (Cap. IV). En el Banquete de Platón se creo la figura por esencia del filósofo. Como argumenta Hadot, “Eros y Sócrates personifican, uno de una manera mítica, el otro de manera histórica, la figura del filósofo”(54pg). Al igual que el Eros, hijo de la Riqueza y de la Pobreza, Sócrates es un ser intermedio, amedio camino entre la sabiduría y la ignorancia, que se esfuerza por alcanzar su objeto de deseo, laSofía, pero sin éxito. Pues sólo Dios es sabio, el hombre filósofo. La ruptura entre sabiduría yfilosofía, queda fijada, y el filósofo condenado a comenzar una búsqueda que nunca se ha de acabar,su destino es a la vez trágico e irónico.

La segunda parte “La filosofía como modo de vida”, se inicia con la descripción de las dos escuelasque mayor éxito tuvieron en el mundo antiguo, la Academia y el Liceo. En ambas existió unanecesidad común de formar y modelar al “otro”, pero mientras en la escuela platónica había unaeminente intencionalidad practica, entiéndase política, en Aristóteles y su escuela se pierde poco apoco en pos de alcanzar la vida teorética o contemplativa que va a marcar la figura del sabio (Cap,V-VI). Las grandes escuelas de época helenística como el estoicismo, el cinismo, el epicureísmo oel escepticismo, son calificadas por Hadot como terapéuticas (117pg), pues dieron una mayorimportancia al individuo y sus problemas, pero no renegaban de la posibilidad de cambiar lasociedad mediante el ejemplo de sus vidas, más que por sus palabras. En las escuelas filosóficas deépoca imperial (Cap VIII), esta concepción de la filosofía se mantendrá, pese a la temprana nociónde la “autoridad” de los clásicos, no bastaba con adquirir conocimientos si estos no pasaban aformar parte de la Naturaleza del hombre. Finalmente (Cap IX) muestras sus conclusiones, ademásde oponerse a la concepción chamánica de la cultura griega de algunos autores como Dodds y Mircea Eliade y retratar la figura del sabio en el mundo antiguo.

En la tercera y última parte de su obra “Ruptura y continuidad. La Edad Media y los tempos modernos”, (cap, X-XII) se analiza la influencia del cristianismo en la filosofía, corriente religiosaque se llegara a definir a si misma como filosofía, y como consecuencia una forma de vida, aunqueposteriormente la filosofía quedará destinada a ser una justificación teológica de la religión. Hadotacaba su exposición reflexionando si tal comprensión de la filosofía es aplicable a nuestros días o sipor el contrario se cumple la máxima de Thoreau “En nuestros días hay profesores de filosofía, perono filósofos”.

Acessar publicação original

[IF]

Platon, les mots el les mythes – BRISSON (PR)

BRISSON, L. Platon, les mots el les mythes. París: Maspero, 1982, 238p. Resenha de: AMORÓS, Pedro. Panta Rei – Revista de Ciencia Y Didáctica de la Historia, Murcia, n.2, p.145-147, 1996.

Pedro Amorós

P U JIW A ,4IORÓSAcessar publicação original

[IF]