A invenção do profissionalismo no futebol: tensões e efeitos no Rio de Janeiro (1933-1941) | Eduardo de Souza Gomes

Luciano do Valle
Luciano do Valle| Imagem: Ludopedio/Band

Apesar da inserção recente nas pesquisas historiográficas,2 o esporte vem se tornando um objeto de estudo rotineiramente utilizado pelos historiadores que visualizam neste fenômeno uma rica veia de possibilidades para compreender diversas manifestações sociais, culturais e econômicas. Esta obra resenhada, escrita pelo historiador brasileiro Dr. Eduardo de Souza Gomes se inclui nesse contexto ao utilizar o futebol para problematizar aspectos históricos ligados à profissionalização da modalidade esportiva no Rio de Janeiro (Brasil) e na Colômbia.

O livro está organizado em três capítulos, amparados por pressupostos metodológicos da história comparada.3 Neles, o autor aborda o processo de profissionalização do futebol na Colômbia e na cidade do Rio de Janeiro que, na época investigada, era a capital federal do Brasil e tinha influência na movimentação política e social ao nível nacional. Além disso, o autor ressaltou a impossibilidade de tratar a profissionalização no Brasil como um todo, visto as disparidades desse processo entre os estados brasileiros. A Colômbia, por sua vez, conforme o Gomes, possuiu um processo de profissionalização que abrangeu o país como um todo, facilitando tratar esse processo em âmbito nacional. Leia Mais

Fútbol en Cuba. Entre el balón y “la pelota” en la comunidad global | Miguel Lisbona Guillén

En las dos últimas décadas, la afición por el fútbol ha tenido un auge exponencial, consolidándose como el deporte con mayor número de seguidores en el mundo: cerca de 650 millones de personas.1 Este fenómeno se debe –en buena medida– a la difusión instantánea y masiva de jugadores, equipos, torneos y mercadotecnia, a través del internet y las diferentes plataformas virtuales. De acuerdo con la Federación Internacional de Fútbol Asociación (FIFA), la tecnología digital omnipresente ha generado nuevas generaciones de seguidores que utilizan el internet de forma casi permanente. En los propios términos de la FIFA, “no solo se interesan por los 90 minutos del partido, sino también por lo que rodea el encuentro; no solo quieren ver los torneos más consolidados, sino también competiciones de eSports. Los hábitos de los hinchas evolucionan, como también lo hace la manera en que viven el fútbol”.2 Las cifras proporcionadas por FIFA son ejemplificativas: 83% de los aficionados a este deporte usan smartphone mientras ven televisión; el consumo de contenidos del Mundial Femenil de Francia 2019 aumentó 460% respecto a la edición anterior de 2015, y el 77% de los telespectadores del Mundial de Rusia 2018 utilizaron un teléfono móvil o una tableta mientras seguían los partidos por televisión. El fútbol es hoy un deporte que se consume vorazmente de forma digital desde cualquier rincón del mundo. Leia Mais

Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 | Heather Dichter (R)

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DICHTER H Soccer Diplomacy1Heather Dichter | Foto: The Hithacan |

Nas últimas duas décadas, as pesquisas sobre a relação entre futebol e ciências sociais se desenvolveram de forma célere no Brasil. Um aspecto, entretanto, permaneceu à margem das principais monografias: estudos sobre diplomacia, relações internacionais e esporte (Suppo, 2012, p. 397-433). O impacto da chamada década esportiva,1 momento em que o esporte estava na ordem diplomática, não se refletiu no aumento de estudos sobre o assunto no país. Na literatura internacional, porém, o panorama é distinto. Em 2014, os historiadores Heather Dichter e Andrew L. Johns editaram Diplomatic games, livro sobre a relação entre esporte, agência estatal e relações internacionais. Na conclusão, Thomas Zeiler apontava uma lacuna: nenhum capítulo sobre futebol em um volume hegemonizado por historiadores dos Jogos Olímpicos (Zeiler, 2014, p. 443). Seis anos depois, em uma resposta à altura da provocação de Zeiler, Heather Dichter traz ao público nova coletânea – Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 – dedicada exclusivamente ao esporte mais popular do mundo.

Soccer diplomacy percorre contextos geográficos múltiplos – Ásia, África, Europa, Oceania, América do Sul, Estados Unidos e Caribe – para refletir sobre as relações entre futebol e diplomacia. No total, são dez capítulos, além de uma introdução e uma conclusão, escritos por pesquisadores de origens nacionais distintas. São mobilizados documentos dos arquivos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), da Federação Internacional de Futebol (Fifa), de ministérios das relações exteriores diversos e de federações esportivas nacionais e internacionais. Um dos principais méritos da coletânea é justamente o de pôr em diálogo os arquivos diplomáticos e os arquivos das instituições esportivas nacionais e internacionais. Com frequência, a ideia de autonomia dos esportes separou esses dois campos de investigação.

Refletindo o quadro da literatura internacional, há no livro o predomínio de uma abordagem que trabalha o futebol como instrumento político, o que, por vezes, tende a reduzi-lo a uma ferramenta política governamental. Um dos efeitos indiretos é a negligência do papel das emoções nas relações internacionais, campo que tem crescido nos últimos anos.2 Os sentimentos e os estereótipos nacionais possuem impacto na tomada de decisões políticas, por isso devem ser incorporados à análise. A redução do esporte a instrumento político termina por sobrevalorizar a racionalidade e a intenção dos atores políticos, além de reforçar uma visão das relações internacionais centrada no Estado.

Nesse aspecto, seria interessante retomar uma provocação feita por Sarah Synder: podem os historiadores das relações internacionais enxergar torcedores, jogadores e técnicos como atores diplomáticos? Pode-se falar do futebol como uma forma própria de diplomacia? (Snyder, 2020).A distinção metodológica feita por Peter Beck entre diplomacia do futebol (soccer diplomacy) e o futebol como diplomacia (soccer-as-diplomacy) pode ser útil. No primeiro caso, a diplomacia do futebol se dedicaria a pensar os usos que os Estados nacionais fazem do esporte. No segundo, o futebol como diplomacia pensaria os atores envolvidos no campo esportivo – clubes, torcidas, dirigentes, federações esportivas internacionais – na conformação de uma diplomacia de força própria. “Enquanto a diplomacia do futebol é uma área relativamente bem conhecida” – arremata o próprio Peter Beck – “o futebol como diplomacia […] é ainda um conceito emergente” (Beck, 2020, p. 227).

Na prática, entretanto, os conceitos se misturam. Basta pensar, por exemplo, que o papel da Fifa na organização de um arcabouço político internacional é tema onipresente no livro. À primeira vista, é digno de nota que a cronologia do livro se sobreponha à periodização do século XX esquadrinhada por Eric Hobsbawm (1994). Nela, o marco zero é a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Paul Dietschy reforça o argumento: “o período entre 1914 e 1939 é crucial para o desenvolvimento de uma diplomacia esportiva” (Dietschy, 2020). Não é coincidência, aliás, que esse período seja o de consolidação da Fifa. Na década de 1920, a Fifa salta para cerca de quarenta filiados, com representação política nos cinco continentes (Burlamaqui, 2020). Essa observação mostra como a gênese de uma diplomacia do futebol é fenômeno indissociável da arquitetura do sistema Fifa e, portanto, do futebol como diplomacia.

O crescimento da Fifa, por sua vez, é correlato à criação e à expansão do seu principal produto: a Copa do Mundo de Futebol Masculino. Três capítulos do livro – de autoria de Paul Dietschy, Brenda Elsey, e Euclides Couto e Allan Valente – trabalham diretamente a escolha do país sede para o torneio. Aqui, o tema em relevo são as estratégias de três países – França, Brasil e Chile – que se apresentaram como candidatos a receber a Copa do Mundo. Em primeiro plano, Dietschy observa a precocidade do investimento do Ministério das Relações Exteriores francês na diplomacia futebolística. Antes da Segunda Guerra Mundial, a Fifa contou com vários presidentes franceses, com ligação direta com o Quai d’Orsay. Dietschy destaca o papel de Jules Rimet na escolha da França como sede da Copa do Mundo em 1938. Por sua vez, Couto e Valente e Elsey refletem sobre o problema e o peso das identidades e dos estereótipos nacionais na disputa por esses torneios. Nos dois casos, a imagem construída internacionalmente e o apelo às características ditas intrinsecamente nacionais são determinantes. Em 1962, a imagem do Chile como um país estável, sem golpes de Estado ou levantes revolucionários, foi crucial para que os delegados da Fifa o escolhessem como sede da Copa do Mundo em detrimento da Argentina. Em 2014, o mito da democracia racial foi revisitado nos discursos do presidente Lula nos preparativos para a Copa do Mundo sediada no Brasil.

Outro campo temático explorado no livro é o da relação entre Guerra Fria e futebol. Não faz muito tempo o historiador Robert Edelman observou como o futebol permaneceu do lado de fora das narrativas sobre Guerra Fria (Edelman, 2018, p. 417-432). À primeira vista, como os Estados Unidos tinham pouco interesse no jogo, o futebol teria se mantido alheio ao confronto, enquanto os Jogos Olímpicos se converteram no principal local da disputa política entre as superpotências. Esse panorama começou a ser revisto desde a publicação de The global Cold War, de Odd Arne Westad (2005). Desde então, novas abordagens sobre o confronto – mais atentas às dimensões regionais do conflito – foram produzidas. Esse novo olhar sobre a Guerra Fria possibilitou rever o lugar do futebol nesse conflito.

Em The finest ambassadors: American-Icelandic football exchange, George Kioussis revisita o suposto lugar excepcional dos Estados Unidos, alheio à diplomacia do futebol durante a Guerra Fria. O capítulo mostra como o Departamento de Estado estadunidense também viu na diplomacia do futebol uma estratégia para disputar os “corações e mentes durante a Guerra Fria”. Kioussis faz um estudo de caso sobre uma turnê da seleção estadunidense à Islândia em 1955. Por sua posição geográfica, a Islândia era vista como aliado estratégico dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Uma das formas de conter a influência cultural soviética na região foi o envio da seleção de 1955 para a disputa de uma série de três partidas. No ano seguinte, os islandeses seriam convidados a visitar os Estados Unidos.

Descentrar o olhar euro-americano sobre a Guerra Fria é tema do texto de Erik Nielsen, Sheilas, wogs and poofters in a war zone, sobre um torneio amistoso vencido pela seleção australiana no Vietnã em meio à Segunda Guerra da Indochina.3 Ainda sobre Guerra Fria: o capítulo de Heather Dichter, “Football more important than Berlin”, por sua vez, fala sobre um problema comum: a restrição de vistos concedidos aos países do Leste Europeu. A política da Otan de não reconhecimento da Alemanha Oriental contrastava com os procedimentos adotados pela Fifa, que admitiu a associação da Alemanha Oriental em 1953. Vale dizer que a Fifa foi uma das poucas associações esportivas internacionais a aceitar imediatamente países como a Alemanha Oriental e a Coreia do Norte. Não raro, a política da Fifa contrastava com a postura dos governos nacionais, que restringia o acesso dos atletas às competições e não emitia vistos. Heather Dichter analisa, então, dois torneios juniores da Fifa que a Alemanha Oriental, embora classificada, não pôde disputar pela não emissão de vistos. Ela examina, então, como essa política da Fifa foi importante para revisão de medidas da Otan de isolamento da Alemanha Oriental. E provoca: se os países ocidentais falavam tanto em liberdade de circulação e criticavam a existência do Muro de Berlim, como conciliar este discurso com essa política de não emissão de vistos?

Vale mencionar ainda o capítulo de Roy McCree, “High Jack, soccer and sport diplomacy in the Caribbean, 1961-2018”. No pós-Segunda Guerra Mundial, a Fifa adotou o sistema confederativo, que organiza suas associações nacionais em continentes. A Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf) é responsável pela América Central, o Caribe e a América do Norte. O capítulo analisa como Jack Warner emergiu de uma pequena associação nacional – Trinidad e Tobago – para se transformar em um protagonista da política da Fifa nos últimos anos. McCree salienta a importância das divisões internas da Concacaf – o bloco caribenho, o bloco da América Central e a América do Norte – na importância da construção do poder de Warner, líder do bloco caribenho, responsável por 31 federações nacionais no Congresso da Fifa. É importante destacar que o texto é raro estudo sobre o papel das confederações na construção de uma ordem futebolística internacional. Para uma análise não eurocêntrica do sistema Fifa é preciso revisitar o papel histórico que as confederações desempenharam na produção desse modelo político internacional.

Uma última nota crítica. No livro, o futebol apresentado é tão somente o futebol de espetáculo-masculino. Para aludir a um conceito formulado pelo antropólogo Arlei Damo (2018), trata-se do futebol no singular, e não de futebóis, no plural. Pensar as relações entre diplomacia e o futebol praticado por mulheres, por exemplo, seria uma das formas de pluralizar o termo. A ausência desse tema é percebida pela própria organizadora Heather Dichter, que lamenta não ter sido capaz de incluir texto sobre a Copa do Mundo de Mulheres. Essa, entretanto, não seria a única forma de pluralizar o conceito. Uma dificuldade ainda maior é a de pensar o futebol como diplomacia às margens do sistema Fifa, além da fronteira construída por essa instituição. O desafio é trabalhar formas de futebol não vinculadas à ação estatal e ao sistema Fifa, como, para citar exemplos, o futebol de várzea, o futebol praticado por etnias indígenas, o futebol praticado por grupos LGBTQ e por associações internacionais de trabalhadores. São, em síntese, formas de pensar e fazer o futebol que operam às margens do sistema Fifa e, não raro, são produzidas em plano internacional e/ou transnacional.

A despeito dessa pequena observação, Soccer diplomacy é já obra incontornável aos interessados em investigar a história do futebol e as relações internacionais. Apresentando fontes inéditas e interessantes problemáticas metodológicas, o livro abre rotas importantes de investigação.

Referências

BECK, Peter. Conclusion: “Good kicking” is not only “good politics”, but also “good diplomacy”. In: DICHTER, Heather (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 Lexington: The University Press of Kentucky, 2020, p. 221-251.

BURLAMAQUI, Luiz Guilherme. A dança das cadeiras: a eleição de João Havelange à presidência da Fifa São Paulo: Intermeios, 2020.

DAMO, Arlei. Futebóis: da horizontalidade epistemológica à diversidade política. FuLiA/UFMG (Belo Horizonte). v. 3, n. 3, p. 37-66, 2018.

DICHTER, Heather . (ed.). Soccer diplomacy: inter­national relations and football since 1914 Lexington: The University Press of Kentucky, 2020.

DIETSCHY, Paul. Creating football diplomacy in the French Third Republic, 1914-1939. In: DICHTER, Heather (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 Lexington: The University Press of Kentucky, 2020, p. 30-38.

EDELMAN, Robert. An interview with Robert Edelman. Kritika: Explorations in Russian and Eurasian History v. 19, n. 2, p. 417-432, 2018.

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

KEYS, Barbara. Henry Kissinger: the emotional statesman. Diplomatic History (Oxford). n. 3, p. 587-609, 2011.

SNYDER, Sarah B. Playing on the same team: what international and sport historians can learn from each other. In: DICHTER, Heather (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 Lexing­ton: The University Press of Kentucky, 2020, p. 18-30.

SUPPO, Hugo. Reflexões sobre o lugar do esporte nas relações internacionais.Contexto Internacional(Rio de Janeiro). v. 34, n. 2, p. 397-433, 2012.

Luiz Guilherme Burlamaqui – Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB), campus Recanto das Emas. Brasília (DF), Brasil. [email protected].


DICHTER, Heather. (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914.Lexington: The University Press of Kentucky, 2020. 286 p. Resenha de: BURLAMAQUI, Luiz Guilherme. Na encruzilhada: o futebol entre a história política e a diplomacia. Tempo. Niterói, v.27, n.1, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF].

Torcidas Organizadas na América Latin – HOLLANDA; AQUILAR (DSSC)

HOLLANDA, Bernardo Borgues Buarque de; AQUILAR,  Onésimo Rodríguez (eds.). Torcidas Organizadas na América Latina. Rio de Janeiro: 7Letras, 2017, 232 pp. Resenha de: FERREIRA, Daniel Vinícios. Diacronie Studi di Storia Contemporanea v. 42, n. 2, 2020.

L’America Latina comprende buona parte del continente americano: il suo concepimento teorico, tuttavia, sarebbe sorto solamente nel XIX°secolo; una differenza radicale che si riscontra non soltanto rispetto all’Europa, ma anche guardando agli Stati Uniti1. Nell’ambito della cultura sportiva il calcio si sarebbe reso protagonista tra i latino-americani e da esso sarebbero sorte a partire dalla seconda metà del Novecento formazioni di tifosi associate alle sottoculture giovanili.

Nel campo scientifico brasiliano sono dei pionieri degli studi sul tifo Roberto Da Matta (riguardo alla rappresentazione di politica e democratica) e Simoni Guedes. Per quel che riguarda gli studi più recenti vale la pena menzionare quelli di Ronaldo Helal, Victor de Andrade Melo, Arley Sander Damo, Gilmar Mascarenhas, Irlan Simões e Bernardo Borges Buarque de Hollanda, i quali si occupano della storia del tifo, delle identità e configurazioni delle tifoserie (come nel caso delle tifoserie organizzate), degli stadi (e delle loro trasformazioni) in Brasile.

È in questo tentativo di pensare in maniera critica il tifo latino-americano che ci si presenta il lavoro Torcidas Organizadas na América Latina, curato dai ricercatori Bernardo Buarque de Hollanda (Brasile) e Onésimo Rodriguez Aguilar (Costa Rica), entrambi autori di riferimento per il tema. L’opera in oggetto è anche il risultato di alcuni incontri accademici sulla questione, a riprova dello sforzo tuttora in atto di colmare una lacuna di opere sul tema e favorire la reciproca conoscenza tra i ricercatori che si occupano di calcio in America Latina.

Il libro riunisce nove articoli, frutto di ricerche sviluppate in contesti differenti, ma raccolte in una pubblicazione collettanea pensata per il pubblico brasiliano. Gli autori differiscono quanto alla formazione scientifica, benché a prevalere nelle analisi sia uno sguardo storico-antropologico. A partire da questioni specifiche (come la violenza), essi cercano di svelare i complessi significati socio-culturali implicati nel tifo organizzato presso i gruppi giovanili in diversi paesi del subcontinente.

Sílvio Aragón, antropologo e professore dell’Universidade Nacional do Mar de Plata (Argentina), analizza il rapporto tra i mutamenti politici in Argentina e la trasformazione delle soggettività e dei processi di socializzazione delle tifoserie, avendo come focus la comprensione della violenza in questi collettivi. L’esperienza considerata da Aragón è quella della barra2 brava La Gloriosa Butteler, legata al Clube Atlético San Lorenzo del quartiere Almagro (Buenos Aires). Il contesto neoliberale avrebbe contribuito ad esacerbare l’individualismo sul piano sociale corrodendo i vincoli tradizionali, esacerbando nella contesa le differenze/alterità, condizione, questa, che diviene maggiormente drammatica per quegli individui in difficoltà sul piano sociale o economico. Per quel che riguarda i clubs, questi avrebbero gradualmente perduto il loro carattere associativo per promuovere sempre più la logica consumista. Tra i tifosi, invece, i vecchi vincoli ed impegni collettivi più ampi, che favorivano generalmente il legame con la sinistra peronista, avrebbero ceduto il passo a sempre più intense ed aggressive lotte per il potere all’interno della tifoseria. In tale contesto la violenza all’interno o tra gruppi di barras sarebbe gradualmente divenuta sempre più naturale e banale. Questa violenza – associata a identità plasmate da una certa idea di mascolinità – rimetterebbe a concetti razionali (come l’idea di aguante3), e renderebbe possibile l’acquisizione di uno status all’interno della barra, non riflettendo così qualcosa di accidentale o irrazionale.

Marcelo Faria Guilhon, scienziato sociale e laureato in Giurisprudenza, svolge un’analisi circa la traiettoria storica delle tifoserie organizzate in Brasile attraverso la considerazione della violenza e del trattamento legislativo riservato a questi gruppi da parte dello Stato. Guilhon mette in risalto il modo in cui la forma-tifoseria si origina durante gli anni in Brasile con la popolarizzazione e massificazione del calcio nei principali centri del Paese (anni Venti e Trenta). Proprio dalle tifoserie avrebbe cominciato a prevalere, tra le tribune del Paese, un ethos più attivo e performativo. Per quel che riguarda invece le tifoserie organizzate, queste avrebbero avuto la loro origine negli anni Trenta per poi toccare l’apice negli anni Ottanta, quanto i collettivi sarebbero divenuti numerosi e avrebbero cominciato ad esercitare un’influenza politica nei clubs. Tali

3 Il termine è traducibile come “resistenza, sopportazione”. Il concetto di aguante è fondamentale per comprendere l’ethos del tifoso delle cosiddette barras-bravas in América Latina. Tale concetto ritrova la sua matrice nelle tifoserie argentine – la più influente ed estesa in America Latina (in Brasile a prevalere è invece il modello delle tifoserie organizzate). Aguante sarebbe dunque um concetto polisemico dalla connotazione positiva, in generale associato al corpo e alle varie forme assunte dalla capacità del tifoso di donarsi al suo club collettivi risulterebbero intimamente associati alla cultura popolare (come il samba e il carnevale). Nel contesto della dittatura militare anche queste tifoserie fecero proprie strutture gerarchizzate e burocratizzate. La violenza (che era sempre esistita nel calcio) si sarebbe ulteriormente intensificata con l’emergere di un’estetica e di un comportamento più aggressivi tra i gruppi, un fenomeno in seguito rafforzato dal contesto neoliberale e dalla diffusione di «tribù urbane» (nell’intero paese), note per l’uso della corporeità nelle loro espressioni (fatte di musica e danza, come nel punk e nell’hip-hop). Osservando la legislazione Guilhon afferma che lo Statuto del Tifoso4 ha normato la concezione del tifoso in quanto cittadino e consumatore. In una nuova legge (del 2010, precedente alla Coppa del Mondo e alle Olimpiadi brasiliane) sono stati inseriti nuovi dispostivi che avrebbero trattato direttamente delle tifoserie organizzate, rendendo peraltro possibile che le responsabilità ricadessero sui gruppi (e non sugli individui) per quegli atti che si fossero verificati all’interno della tifoseria. Il ricercatore pone l’accento sul disaccordo di questa legge con i princìpi costituzionali (e coi diritti fondamentali) del paese, oltre a metterne in risalto la probabile inefficacia. Arriva quindi alla conclusione per cui la legislazione rivela presupposti ingannevoli in un contesto di caro biglietti, nuovo formato degli stadi e in cui viene imposto una nuova modalità di tifare contrapposta alla tradizione culturale di tifo delle classi popolari.

Miguel Cornejo, professore presso la Facoltà di Educazione dell’Università di Concepción (Cile), ci offre un articolo che si concentra sulla natura socio-identitaria delle barras in Cile e sulla questione della violenza. Sarebbe proprio quest’ultima ad essere aumentata sino a salire alla ribalta a partire dalla fine del XX secolo. Il comportamento radicale dei barristas (maggioritariamente giovani uomini di classe bassa) sarebbe complesso e dovrebbe essere inteso quale espressione all’interno di una configurazione di relazioni complesse, della quale fa parte l’atomizzazione degli individui in un contesto più ampio di globalizzazione e corrosione del concetto di cittadinanza. In Cile spiccano due barras principali, Los de Abajo (Universidad Catolica) e Garra Blanca (Colo-Colo). Cornejo sostiene che i giovani barristas, socialmente emarginati, si sarebbero appropriati degli stadi di calcio, potendosi sentire lì protagonisti e liberi, accolti in una comunità. Il calcio avrebbe così rivestito un ruolo centrale nelle loro vite, definendone identità, alterità, gruppi di appartenenza e linee di conflitto. I clubs e i dirigenti si sarebbero avvalsi di questo appoggio senza però conferire alle barras una responsabilità istituzionale. Per quel che riguarda la legislazione, il ricercatore mette in rilievo leggi e programmi atti ad impedire e punire la violenza a partire dal 1994, ma che non avrebbero compiuto grandi passi in avanti. Per il 2012 sono messe in rilievo nuove modifiche normative, ispirate a modelli europei, con le quali si proibisce ai tifosi di portare oggetti (quali estintori5, striscioni e fumogeni) e si promuove il collettivi risulterebbero intimamente associati alla cultura popolare (come il samba e il carnevale). Nel contesto della dittatura militare anche queste tifoserie fecero proprie strutture gerarchizzate e burocratizzate. La violenza (che era sempre esistita nel calcio) si sarebbe ulteriormente intensificata con l’emergere di un’estetica e di un comportamento più aggressivi tra i gruppi, un fenomeno in seguito rafforzato dal contesto neoliberale e dalla diffusione di «tribù urbane» (nell’intero paese), note per l’uso della corporeità nelle loro espressioni (fatte di musica e danza, come nel punk e nell’hip-hop). Osservando la legislazione Guilhon afferma che lo Statuto del Tifoso4 ha normato la concezione del tifoso in quanto cittadino e consumatore. In una nuova legge (del 2010, precedente alla Coppa del Mondo e alle Olimpiadi brasiliane) sono stati inseriti nuovi dispostivi che avrebbero trattato direttamente delle tifoserie organizzate, rendendo peraltro possibile che le responsabilità ricadessero sui gruppi (e non sugli individui) per quegli atti che si fossero verificati all’interno della tifoseria. Il ricercatore pone l’accento sul disaccordo di questa legge con i princìpi costituzionali (e coi diritti fondamentali) del paese, oltre a metterne in risalto la probabile inefficacia. Arriva quindi alla conclusione per cui la legislazione rivela presupposti ingannevoli in un contesto di caro biglietti, nuovo formato degli stadi e in cui viene imposto una nuova modalità di tifare contrapposta alla tradizione culturale di tifo delle classi popolari.

Miguel Cornejo, professore presso la Facoltà di Educazione dell’Università di Concepción (Cile), ci offre un articolo che si concentra sulla natura socio-identitaria delle barras in Cile e sulla questione della violenza. Sarebbe proprio quest’ultima ad essere aumentata sino a salire alla ribalta a partire dalla fine del XX secolo. Il comportamento radicale dei barristas (maggioritariamente giovani uomini di classe bassa) sarebbe complesso e dovrebbe essere inteso quale espressione all’interno di una configurazione di relazioni complesse, della quale fa parte l’atomizzazione degli individui in un contesto più ampio di globalizzazione e corrosione del concetto di cittadinanza. In Cile spiccano due barras principali, Los de Abajo (Universidad Catolica) e Garra Blanca (Colo-Colo). Cornejo sostiene che i giovani barristas, socialmente emarginati, si sarebbero appropriati degli stadi di calcio, potendosi sentire lì protagonisti e liberi, accolti in una comunità. Il calcio avrebbe così rivestito un ruolo centrale nelle loro vite, definendone identità, alterità, gruppi di appartenenza e linee di conflitto. I clubs e i dirigenti si sarebbero avvalsi di questo appoggio senza però conferire alle barras una responsabilità istituzionale. Per quel che riguarda la legislazione, il ricercatore mette in rilievo leggi e programmi atti ad impedire e punire la violenza a partire dal 1994, ma che non avrebbero compiuto grandi passi in avanti. Per il 2012 sono messe in rilievo nuove modifiche normative, ispirate a modelli europei, con le quali si proibisce ai tifosi di portare oggetti (quali estintori5, striscioni e fumogeni) e si promuove il questi vengono

controllo delle relazioni tra barras e clubs. L’autore conclude argomentando le ragioni per cui il problema della violenza è più complesso e richiederebbe altre misure per essere affrontato meglio, come ad esempio ripensare il ruolo delle barras, la promozione di politiche pubbliche di inclusione e il miglioramento delle infrastrutture degli stadi.

Alejandro Villanueva Bustos, sociologo con una formazione pedagogica, sviluppa invece un’analisi critica sulle barras colombiane e sulla questione della violenza. Bustos afferma che se la relazione barras/violenza in Colombia risale al 1990, soltanto dieci anni dopo lo Stato decise di proporre delle politiche su questo tema. La violenza nel calcio si verificherebbe al di là del contesto degli stadi e delle partite, dal momento che è presente anche nei quartieri e può essere legata ad altri problemi come le bande criminali urbane. Nel 2004 il governo lanciò un progetto (“programmi di convivenza”) a Bogotá per occuparsi del problema. Tale progetto ha visto riuniti vari attori sociali, tra cui alcuni rappresentanti delle barras, avente per base un comitato il cui scopo era la condivisione della responsabilità nella risoluzione del problema a partire dalla convivenza/tolleranza tra le barras e dall’inclusione dei suoi membri. Il già citato decreto sarebbe divenuto, nel 2009, la base per un’altra legge – questa volta applicata all’intera Colombia – che estese il modello delle commissioni e dei “programmi di convivenza” all’intero Paese (agendo in maniera integrata e preventiva). Questo comportò peraltro nuove limitazioni e regole per gli spettacoli sportivi con l’emergere di un protocollo nazionale per standardizzare e regolamentare la gestione delle tifoserie, dando così origine a El estatuto del Hincha o el aficionado (2012). Il ricercatore valuta positivamente questi progetti, in quanto avrebbero reso possibile una diminuzione della violenza. Ciononostante il lavoro dovrebbe essere intensificato, sia attraverso un maggiore impegno dei clubs e delle barras, sia rivolgendo l’attenzione ad altre istanze sociali (come un’educazione di buon livello, il lavoro e l’offerta per il tempo libero dei giovani).

Onésimo Rodríguez Aguilar, antropologo e professore presso la Scuola di Antropologia dell’Università della Costa Rica, conduce un’analisi socio-storica sulla barra della Costa Rica (La Ultra Morada) sorta nel 1995 ed associata al club Deportivo Saprissa (Prima divisione). Egli tratta dei conflitti (l’uso e le pratiche di potere) verificatisi all’interno della barra nel corso degli anni per il suo controllo. I suoi principali leaders (8), che sostenevano la presidenza, si denominavano “cavalieri della tavola rotonda” e provenivano da due grandi aree della città di San José: Los del Sur (area più popolare) e Los del Norte (area più di classe media). In tali conflitti il bene comune e la lotta di classe avrebbero dominato i repertori retorici delle due fazioni in lotta, il cui fine comune era il dominio autoritario e il controllo soggettivo della massa dei tifosi, a vantaggio di un gruppo dirigente. Queste contese avrebbero avuto come sfondo una formazione eterogenea ed instabile di collettività, ma anche di appartenenze, lealtà e identità. Aguilar conclude affermando che la barra era un collettivo con un’organizzazione politica complessa, con rivalità complesse (al di là degli spazi ludici) e perciò molto distante da qualsiasi presupposto di omogeneità.

Jacques Ramírez Gallegos, professore dell’Instituto del Altos Estudios Nacionales (IAEN) dell’Ecuador, tratta delle barras dell’Ecuador (sorte nell’ultimo trentennio del XX secolo e che guadagnarono forza negli anni Novanta) soffermando la sua attenzione sul tema della violenza. Egli fa qui riferimento ad alcune barras legate ai principali clubs del Paese (a Quito e Guayaquil). Gallegos mette in risalto il fatto che la comprensione della violenza nel calcio ecuadoriano non può prescindere dal prendere in considerazione il tema del regionalismo: il bipolarismo politico-economico (ed urbana) tra le due principali città dell’Ecuador (Quito e Guayaquil) e la stessa difficoltà storica del paese di consolidarsi in uno Stato-nazione centralizzato, cosa ha avuto ripercussioni sul mantenimento di forti regionalismi (e per estensione sull’organizzazione provinciale del calcio). Oltre a ciò, l’autore analizza l’ascesa stessa delle barras ed i contenuti sociali che coinvolgono i giovani barristas, come la simbologia della mascolinità, del successo, del sessismo, dell’omofobia e del razzismo contro gli afroamericani e/o indios. Un simile percorso sarebbe stato più volte trascurato dal potere pubblico ecuadoriano che, a partire dal XXI secolo avrebbe cercato di promuovere misure per combattere la violenza (come punizioni più rigorose e miglioramento degli stadi), seppur sulla base di proposte superficiali.

Gli antropologi Roger Magazine (professore dell’Universidad Iberoamericana di Città del Messico) e Sergio Fernández Gonzállez (professore dell’Universidad Autónoma Metropolitana di Xochimilco) ci offrono un’analisi sulla trasformazione delle tifoserie in Messico tra il 1995 ed il 2014, quando le tradizionali porras6 vennero gradualmente sostituite dalle barras. Sottolineano il fatto che, in tale processo, vi fu un mutamento nelle forme di potere all’interno dei gruppi di tifosi e una barrificazione dei quartieri messicani: in altri termini, la territorialità di queste località cominciò ad essere permeata dalla simbologia e perfino dalle contese tra le barras. Magazine e González affermano inoltre che la trasformazione del tifo in Messico si era verificata parallelamente (venendone a sua volta influenzata) alla transizione stessa della società messicana, storicamente associata al corporativismo clientelare statale, nella direzione di una società più autonoma – ma anche atomizzata e caratterizzata da un maggiore iato tra ricchi e poveri – in un contesto che era già quello della globalizzazione e delle politiche neoliberali. I ricercatori arrivano a considerare le barras alla stregua di spazi alternativi per l’espressione della cultura popolare in Messico – ed anche del divenire plurale e della democratizzazione dell’urbe – e che tuttavia finirono per essere stigmatizzate come icone della violenza da parte di vari settori della società, il cui giudizio risente di una prospettiva classista. Un’interpretazione errata ed eccessiva, giacché la violenza nel calcio sarebbe legata alla complessità di tanti altri fattori.

I sociologi Aldo Panfichi, professore presso la Pontificia Università Cattolica (Perù) e Jorge Thieroldt, professore presso l’Università del Kansas (Usa), offrono un’analisi (comparativa e storica) della relazione tra calcio e identità in Perù. L’esperienza analizzata è quella del club Alianza Lima e del Clube Universitário de Deportes. Gli studiosi sottolineano come l’Alianza Lima sia storicamente legata ai neri, ai meticci e ai settori popolari e consacrata all’immaginario di un calcio più estetico. L’Universitário sarebbe invece il club degli universitari e della classe medio-alta, dedito a un calcio più muscolare nel gioco. Il classico avrebbe conosciuto la sua ascesa alla fine degli anni Venti, diventando da allora sempre più importante. Nell’ultimo trentennio del Novecento sorsero le barras associate ai clubs. In uno scenario segnato da convulsioni politiche, autoritarismo, impoverimento e corruzione, il calcio avrebbe canalizzato le rivalità sociali e sarebbe servito anche all’esercizio di distinte forme di violenza fisica e simbolica da parte dei gruppi giovanili emergenti. Nel contesto delle barras, la vecchia dicotomia che rappresentava le identità e le rivalità tra i clubs sarebbe stata risignificata a partire da alcune persistenze.

La collettanea si chiude con un articolo di Leonardo Mediondo, professore di sociologia presso l’Università Ort (Uruguay). Mediondo tratta delle barras e dei tifosi uruguaiani, concentrandosi su due clubs: il Clube Atlético Peñarol ed il Clube Nacional de Futebol. In un breve testo non suddiviso per tematiche egli esplora varie possibilità e aspetti di approfondimento delle tematiche dell’identità, delle soggettività e dell’appartenenza sportiva nella realtà (eterogenea) della società uruguaiana. In tale prospettiva interpreta anche il coinvolgimento dei differenti tipi di tifosi e di barras nelle rappresentazioni simboliche e nelle attività legate agli assembramenti.

Il libro Torcidas Organizadas na América Latina si rivela essere un opera di riferimento sulla tematica, apportando una varietà interessante e rilevante di esperienze e questioni presentate e delineate in modo chiaro. Può inoltre vantare una certa originalità in virtù del taglio che propone. Per quanto già esistessero dei lavori sul tifo nel sub-continente – e tra questi merita una menzione speciale il pionerismo del ricercatore argentino Pablo Alabarces7 – vi sono molte questioni ancora poco esplorate all’interno di quest’ambito. Tra queste quella della violenza, che preoccupa sempre più le autorità e le figure coinvolte nello sport nella regione (e che spesso viene ancora combattuta in maniera errata). L’opera ha come merito principale quello di offrire al lettore (non soltanto latino-americano e/o accademico) uno sguardo panoramico e introduttivo sulle relazioni tra calcio e società secondo una prospettiva che permette di pensare oltre il prisma limitante dello Stato-nazione o delle norme del senso comune.

Notas

1 BURKE, Peter, A ideia de América Latina, in BURKE, Peter, O historiador como colunista, Rio de janeiro, Civilização Brasileira, 2009, pp. XX-XX.

2 Con il termine barra l’Autore si riferisce ad un tipo di tifoseria perlopiù giovanile e più animato della norma [ N.d.T.]

4 Legislazione promulgata in Brasile nel 2002 con la quale si è cominciato a trattare specificamente degli spettatori delle partite di calcio.

5 Tra le tifoserie latinoamericane è invalsa l’usanza di introdurre estintori caricati con i colori della squadra;  questi vengono impiegati in alternativa (o assieme) ai fumogeni per i festeggiamenti [NdT].

6 Le porras si distinguono dalle barras in quanto si configurano più come “confraternite” di amici ed eventualmente dei rispettivi parenti e presentano uno “stile di tifo” meno violento [N.d.T.]

Pablo Alabarces è uno dei più importante intellettuali dell’America Latina, specialista nell’indagine sulle connessioni tra calcio e società. L’autore è considerato in questo campo um pioniere per opere come ALABARCES, Pablo (comp.), Futbologías. Fútbol, identidad y violência en América Latina, Buenos Aires, CLACSO, 2003; ma anche per lavori di riferimento sul tema come: ID., Fútbol y Patria, Buenos Aires, Prometeo Libros, 2002; ID., Hinchadas, Buenos Aires, Prometeo Libros, 2005.

Daniel Vinícius Ferreira – È titolare di un dottorato di ricerca binazionale in Storia presso l’Università Federale del Paraná (UFPR) e l’Universitat Autònoma de Barcelona (UAB). Si occupa del tema delle identità e delle appartenenze nella globalizzazione del calcio riservando una particolare attenzione ai clubs spagnoli e brasiliani. Attualmente è ricercatore presso l’UFPR nel Nucleo di Studi “Futebol e Sociedade” (NEFES).

Graziano Mazzocchini – Dottorando in Filosofia Contemporanea presso l’Università Federale di Minas Gerais (UFMG), Brasile, ha conseguito la laurea triennale e la laurea magistrale in Filosofia presso l’Università degli Studi di Bologna. Si occupa perlopiù del pensiero di Michel Foucault e di teoria critica tedesca.

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Não é só a torcida organizada: o que os torcedores organizados têm a dizer sobre a violência no futebol? | Marcelo Fadori Soares Palhares e Gisele Maria Schwartz

Introdução

A violência no futebol tem sido um dos principais temas de pesquisas acadêmicas nas áreas das ciências humanas e sociais dos últimos vinte anos no Brasil, sobretudo no que se refere aos confrontos envolvendo torcedores organizados. 5 Alguns trabalhos e autores se tornaram referência nesse tema, por exemplo, a produção de Maurício Murad e Luiz Henrique de Toledo. Na esteira de um tema com grande potencial, Marcelo Palhares e Gisele Schwartz apresentam o livro Não é só a torcida organizada: o que os torcedores organizados têm a dizer sobre a violência no futebol?

Nesta pesquisa, os autores apresentam novas perspectivas acerca do estudo desta relação tensa entre o torcer e a violência, a fim de destacar as motivações destes agentes para tal ocorrência 6. Para isso, Palhares e Schwartz descarregam grande esforço na coleta de informações referentes aos episódios envolvendo violência nos estádios, aplicando uma metodologia embasada em depoimentos retirados de entrevistas envolvendo membros de algumas torcidas organizadas do São Paulo Futebol Clube7 que visa detectar aspectos linguísticos regulares que tipificam a definição de “violência no futebol brasileiro”8. Com efeito, o intuito das entrevistas e das demais ferramentas apresentadas para interpretação das falas dos entrevistados (ricamente aplicada no decorrer do livro) é identificar quais embasamentos e táticas argumentativas estão presentes nas falas dos torcedores para poder, enfim, compreender o que é violência para determinado grupo. Leia Mais

Dando tratos à bola: ensaios sobre futebol – FRANCO JÚNIOR (RBH)

FRANCO JÚNIOR, Hilário. Dando tratos à bola: ensaios sobre futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. 464p. Resenha de: HOLLANDA, Bernardo Buarque. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.38, n.77, jan./abr. 2018.

Dez anos após a sua entrada “em campo”, o historiador medievalista Hilário Franco Júnior, professor da Universidade de São Paulo, volta a oferecer ao público brasileiro um livro sobre futebol. Se em 2007 sua estreia no tema foi marcada por um trabalho de cunho sistemático, elaborado depois de longa maturação, Dando tratos à bola colige escritos esparsos do autor no último decênio. Parte deles é constituída de ensaios inéditos, enquanto a outra vem sendo publicada sob a forma de artigos em jornais de grande circulação e em periódicos científicos especializados.

É certo que a obra anterior apresentava um projeto mais ambicioso e completo. A dança dos deuses: futebol, sociedade, cultura propunha-se realizar uma macro e uma micro-História do mundo contemporâneo, com recortes longitudinais capazes de articular um Brasil “agrícola e mestiço, desigual e combinado” a uma Europa “industrial e colonialista, dividida e integrada”. Essas escalas e ordens de grandeza foram desenvolvidas sob uma perspectiva diacrônica, a cobrir um amplo painel histórico, que ia de meados do século XIX a princípios do século XXI. Em paralelo, o livro compreendia o esforço de examinar o futebol como metáfora dessa mesma contemporaneidade, a se valer de uma miríade de exemplos colhidos em cinco áreas de saber: a sociologia, a antropologia, a religião, a psicologia e a linguística.

Se a ambição e a completude do livro inaugural acedem aqui a textos pontuais, motivados por circunstâncias excepcionais, como a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, o resultado atualiza o acompanhamento que Franco Jr. faz de seu tema. A adoção do ensaio como gênero narrativo, que tantos frutos legou à tradição do pensamento social brasileiro e dos estudos histórico-literários, confere ao autor liberdade para transitar pelas temáticas mais díspares e pelas situações mais inusitadas suscitadas pela prática do futebol profissional ao redor do mundo.

A publicação de inéditos em formato ensaístico compõe uma nova totalidade, estruturada no livro em seis partes: “Copa do Mundo”; “Em torno da Copa de 2014”; “Identidade, memória, sociedade”; “Personagens do jogo”; “O jogo”; e “Observando o observador”. Essa disposição dá sentido ao modo como Hilário Franco Junior pensa o Brasil contemporâneo e o fenômeno futebolístico em dimensão global.

A abordagem do autor destaca-se por seu método de pesquisa e por seu processo de levantamento bibliográfico. Residente há muitos anos na França, sua bibliografia e seu material de consulta se diferenciam tanto dos estudos acadêmicos sobre o futebol no Brasil quanto dos escritos jornalísticos da imprensa esportiva local. Característica já presente no livro anterior, o acesso a obras de menor circulação no Brasil demarca um modo próprio de expor seus conhecimentos futebolísticos. O primeiro ponto a notar é a sua erudição, que possibilita trafegar com facilidade da história antiga à moderna, da estrutura à conjuntura, do conceito abstrato ao lance anódino de um jogo. Está-se diante de um historiador equipado de um arsenal de informações, muitas delas factuais e enciclopédicas, é bem verdade, mas que dão outro tipo de historicidade, de inteligibilidade e de concretude ao universo futebolístico.

A marca expositiva do historiador ampara-se em um tema-guia, seguido de um sem-número de casos e de exemplos extraídos de uma bibliografia que procura fugir ao crivo do território nacional. Desse ângulo, Franco Jr. procura enfrentar a tão decantada brasilidade, embora não considere neste caso que boa parte dessa crítica já venha sendo praticada, seja por parte da comunidade científica (Helal; Lovisolo; Soares, 2001), seja por parcela expressiva da crônica especializada (Kfouri, 2017Tostão, 2016Giorgetti, 2017).

Os livros, as revistas e os jornais que sustentam sua argumentação são na maioria estrangeiros, e poucos deles chegaram a circular no Brasil. Trata-se de referências que versam não apenas sobre futebol, mas também sobre as ciências humanas e até mesmo as ciências exatas. Consultadas diretamente em línguas alemã, francesa, espanhola, inglesa e italiana, as citações não constituem simples gesto de distinção e repercutem na fatura da obra, a pôr em prática exercícios de deslocamentos “de fora” e “para fora” do Brasil.

Com efeito, o autor confronta os renovados debates acerca da identidade nacional, supostamente encarnada na Seleção brasileira, e elabora uma crítica própria à alcunha “país do futebol”. Se a metáfora se desgastou ainda mais após os polêmicos megaeventos esportivos e a “humilhante” derrota por 7 a 1 para a seleção alemã nas semifinais do Mundial de 2014, a coletânea traz um ensaio originalmente publicado em 2013, em que a imagem era alvo de objeções por parte do autor, somando-se a autores como Helal, Soares e Lovisolo que, em 2001, já se referiam a essa “invenção” (Helal; Lovisolo; Soares, 2001). Longe de ser uma questão de ordem apenas conceitual, o argumento agrega números concretos e estatísticas atualizadas, constituindo-se a seu juízo um critério diferencial decisivo para demonstrar a impropriedade do seu uso nos dias de hoje. Malgrado a utilização desses dados quantitativos possa ser questionada como prova cabal por pesquisadores menos afeitos a tal método, o autor levanta uma série de informações contemporâneas sobre médias de público frequentador de estádios, números de praticantes, equipamentos disponíveis, audiência de canais televisivos e vendagem de periódicos esportivos no Brasil, entre inúmeras outras variáveis, para dar evidências de que o culto ao futebol no país é inferior em cada um desses quesitos quando comparados a outros países.

Outro traço metodológico caro ao presente livro se articula com o anterior pela capacidade de armazenamento de materiais extraídos de jornais e revistas de esporte internacionais. O banco de dados acumulado pelo autor conduz o leitor por tempos e espaços distintos, iluminando, com uma torrente, às vezes excessiva, de exemplos, personagens e competições, clubes e selecionados, eventos e cenários ignotos do mundo do futebol.

Um gosto um tanto exagerado do autor pelo anedótico leva-o a dedicar muitas páginas à identificação de situações pitorescas sobre o goleiro das Índias Orientais Holandesas na Copa de 1938, sobre um jogador islandês que tomou parte na excursão do Arsenal de Londres ao Brasil, em 1949, ou ainda sobre a introdução de traves cilíndricas no Maracanã dos anos 1960. Como já frisado, tais informações só são possíveis porquanto se mobiliza uma profusão de fontes, que vão do periódico francês L’Auto à revista italiana Guerin Sportivo, do jornal britânico The Sunday Mirror ao periódico austríaco Kurier, do diário português A Bola ao semanário inglês World Soccer, entre muitos outros meios informativos a que não se tem acesso costumeiro no Brasil.

O trânsito entre “o interdisciplinar da universidade e o unidirecional do jornalismo” permite a Hilário Franco Júnior enfrentar em igual proporção as questões internas (técnicas e táticas) e externas (sociais, culturais e políticas) do futebol. Se os pesquisadores acadêmicos foram criticados por José Miguel Wisnik em Veneno remédio (Wisnik, 2007), por quase nunca tratarem da dinâmica do jogo propriamente dito, tal reparo não se pode imputar a Dando tratos à bola.

Em pelo menos três instigantes capítulos – “O treinador revolucionário”, “A geometria variável das táticas” e “O tabuleiro do futebol” –, o autor demonstra conhecimento específico de toda a evolução da linguagem futebolística, das regras que a codificaram ao longo do tempo, da racionalidade associada às estratégias de ocupação dos espaços e das infindáveis análises combinatórias, franqueadas pelos sortilégios do acaso no jogo.

Em brevíssimas linhas, eis os traços de um livro dedicado à longa duração das relações entre futebol e cultura, com interesse acadêmico, mas também capaz de satisfazer um curioso e renitente boleiro, cronista ou antiquarista esportivo. Espelho da sociedade, ao mesmo tempo cristalino e dissimulado, o futebol é aqui tomado como vetor de fenômenos estruturais e conjunturais, que permitem ao autor pensar temas transversais como a guerra, a migração, o racismo, a geopolítica, a violência, a decadência e a rivalidade, entre inúmeros outros. Quanto à sociedade brasileira, a obra traz um balanço e um retrato em nada complacentes do Brasil do século XXI, na ressaca do “Mineirazo”, do “Maracanazo social” e de tudo o mais que conturba a intrincada conjuntura política dos últimos anos.

Referências

GIORGETTI, Ugo. Dando tratos à bola. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 5 nov. 2017. [ Links ]

HELAL, Ronaldo; LOVISOLO, Hugo; SOARES, Antonio Jorge. A invenção do país do futebol: mídia, raça e idolatria. Rio de Janeiro: Mauad, 2001. [ Links ]

KFOURI, Juca. Confesso que perdi: memórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. [ Links ]

TOSTÃO. Tempos vividos, sonhados e perdidos: um olhar sobre o futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. [ Links ]

WISNIK, José Miguel. Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. [ Links ]

Bernardo Buarque Hollanda – Professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV). Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Fundação Getúlio Vargas, Escola de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

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The Country of Football: Politics, Popular Culture, and the Beautiful Game in Brazil – FONTES; HOLLANDA (RBH)

FONTES, Paulo; HOLLANDA, Bernardo Buarque de. The Country of Football: Politics, Popular Culture, and the Beautiful Game in Brazil. London: Hurst & Company, 2014. 274p. Resenha de: CORNELSEN, Elcio Loureiro. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.35, n.70 jul./dez. 2015.

O “país do futebol” – muito se escreveu e se alimentou esse mito nas últimas quatro décadas, dentro e fora do Brasil. Nesse sentido, The Country of Football oferece ao leitor um percurso pela história do futebol brasileiro, de seus primórdios aos dias atuais, percurso esse pavimentado por contribuições de vários pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

Na introdução intitulada “The Beautiful Game in the ‘Country of Football'” (p.1-16), os historiadores Paulo Fontes e Bernardo Buarque de Hollanda, organizadores da obra, ressaltam que o Brasil continua a ocupar uma posição de destaque no cenário internacional, quando o assunto é futebol. Pela trajetória vitoriosa, coroada pela conquista de cinco títulos mundiais, a expressão “Country of Football” teria se tornado “nossa própria metáfora de Brasil” (p.2).1

O primeiro capítulo do livro, intitulado “The Early Days of Football in Brazil: British Influence and Factory Clubs in São Paulo” (p.17-40), da socióloga Fátima Martin Rodrigues Ferreira Antunes, versa sobre os primórdios do futebol brasileiro. De início, a autora chama a atenção para o fato de que o football já era praticado como atividade física na década de 1880 em escolas religiosas do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e de São Paulo. Essa nova modalidade adotada pela elite logo despertaria o interesse também de membros das classes operárias, o que culminaria com a formação dos chamados “clubes de várzea” e, sobretudo, de clubes de fábricas, num primeiro passo rumo à popularização.

No capítulo seguinte, intitulado “‘Malandros’, ‘Honourable Workers’ and the Professionalisation of Brazilian Football, 1930-1950” (p.41-66), o historiador norte-americano Gregory E. Jackson enfoca o período de profissionalização do futebol brasileiro a partir de 1933. De acordo com esse autor, sob o jugo autoritário, o futebol representou “uma ferramenta pedagógica para construir cidadãos eugenicamente aptos e culturalmente ortodoxos” (p.43). No contexto da Era Vargas, “o jogo e a cultura do futebol apresentaram um tropo para as críticas da suposta democracia racial do Brasil” (p.61), e encontraram no sociólogo Gilberto Freyre e no jornalista Mário Filho dois pensadores fundamentais na construção do discurso em torno do “mulatismo” como traço de um suposto estilo brasileiro de jogar.

O terceiro capítulo, “Football in the Rio Grande Do Sul Coal Mines” (p.67-85), da antropóloga Marta Cioccari, dedica-se ao estudo de um caso específico: investigar “a importância social e o simbolismo da classe trabalhadora como expressos na vida de mineiros e ex-mineiros de carvão no município de Minas do Leão, no Rio Grande do Sul” (p.67). Trata-se de uma pesquisa etnográfica realizada pela autora, que residiu no período de setembro de 2006 a fevereiro de 2007 em Minas do Leão, uma pequena localidade com cerca de 8 mil habitantes, cuja fonte de renda principal é a mineração. Segundo a autora, o futebol desempenha papel importante no cotidiano do município, onde os primeiros clubes criados por trabalhadores das minas foram fundados nas décadas de 1940 e 1950 (p.69).

No quarto capítulo, “‘Futebol De Várzea’ and the Working Class: Amateur Football Clubs in São Paulo, 1940s-1960s” (p.87-101), o historiador Paulo Fontes destaca a relevância do futebol de várzea como forma de lazer, especialmente em bairros operários das grandes cidades brasileiras. Segundo o autor, “para muitos, o fervor dos torcedores e o sentimento de apego entre os clubes locais e suas comunidades fazem do futebol amador, do futebol ‘real’, herdeiro do que há de melhor nas tradições do futebol brasileiro” (p.88). Tais clubes eram autênticos centros de lazer que integravam diversas atividades para além do futebol, atraindo, assim, amplos segmentos da comunidade em que se localizavam.

O quinto capítulo, “The ‘People’s Joy’ Vanishes: Meditations on the Death of Garrincha” (p.103-127), do antropólogo José Sergio Leite Lopes, apresenta uma “etnografia do funeral” (p.103) de Manuel Francisco dos Santos, mundialmente conhecido como Garrincha. “Uma canção de gesta medieval” (p.108): assim define o antropólogo a intenção de cronistas esportivos, em jornais publicados logo após a morte do ex-jogador, em atribuir sentido épico à carreira de Garrincha, marcada por triunfo e fama no esporte, graças à extrema habilidade em driblar os adversários que o tornou uma figura legendária, não obstante a fase de decadência e a morte trágica, praticamente esquecido, vítima do alcoolismo, em Bangu, no subúrbio do Rio.

No sexto capítulo, “Football as a Profession: Origins, Social Mobility and the World of Work of Brazilian Footballers, 1950s-1980s” (p.129-146), o historiador francês Clément Astruc investiga o testemunho de 43 ex-jogadores que atuaram na seleção brasileira entre 1954 e 1978, no intuito de refletir sobre a real capacidade do futebol como meio de ascensão social da classe trabalhadora. Vários entrevistados foram taxativos ao afirmar que a sociedade, em geral, não via com bons olhos o jogador de futebol, por não considerar sua prática uma profissão. Ao invés disso, termos depreciativos lhes eram atribuídos, como, por exemplo, “vagabundo”, “malandro” ou “safado” (p.133).

No sétimo capítulo, “Dictatorship, Re-Democratisation and Brazilian Football in the 1970s and 1980s” (p.147-166), o antropólogo José Paulo Florenzano enfoca o impacto da ditadura civil-militar (1964-1985) sobre o âmbito do futebol brasileiro e estabelece “um contraponto entre a ‘utopia autoritária’, forjada no contexto de militarização, e a República de Futebol, fundada no contexto da redemocratização” (p.148). A militarização do esporte com fins de propaganda teve várias facetas. Mas, como bem aponta o antropólogo, não faltaram vozes no âmbito do futebol para se rebelar contra esse status quo, em busca de uma democratização de seu meio profissional e, igualmente, da sociedade como um todo.

O oitavo capítulo, “Public Power, the Nation and Stadium Policy in Brazil: The Construction and Reconstruction of the Maracanã Stadium for the World Cups of 1950 and 2014” (p.167-185), do historiador Bernardo Buarque de Hollanda, versa sobre a construção do Estádio do Maracanã para a Copa de 1950 e estabelece uma comparação com a sua reconstrução no contexto da organização da Copa de 2014. Nesses dois momentos, houve uma mudança sensível em relação ao público torcedor: enquanto em 1950 havia uma política inclusiva, até mesmo por se tratar de uma época em que a televisão ainda estava ausente das transmissões, nos anos 2000, com as diretrizes da FIFA e uma maior midiatização, passa a vigorar uma política de exclusão, no espaço dos estádios, de segmentos populares da sociedade, impossibilitados de arcar com os altos preços dos ingressos.

Por fim, o nono capítulo, “A World Cup for Whom? The Impact of the 2014 World Cup on Brazilian Football Stadiums and Cultures” (p.187-206), do geógrafo norte-americano Christopher Gaffney, propõe uma reflexão sobre o impacto da Copa de 2014 para os estádios e para a cultura no Brasil, examinando o desenvolvimento de projetos de construção de estádios e demais infraestruturas relacionadas ao esporte. Com extrema lucidez, o geógrafo conclui suas reflexões com um quadro nada otimista: “Esses processos têm o potencial de alterar, permanentemente, um elemento essencial da identidade cultural brasileira. Ironicamente, é o peso cultural do futebol como criado e sustentado pelo ‘povo’ que tornou possível sua potencialidade de venda no mercado global” (p.206). Afinal, não devemos nos esquecer de que, feito uma Medusa, o capital petrifica tudo aquilo que toca.

Nota

1 As traduções de trechos citados são de nossa autoria.

Elcio Loureiro Cornelsen – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: [email protected]

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Coligay: Tricolor e de todas as cores | Léo Gerchmann

Pensar hoje na existência de “torcidas gays” presentes nas arquibancadas de futebol é certamente impensável — para não dizer perigoso —, tendo em vista os inúmeros acontecimentos relacionados à homofobia e mesmo às manifestações violentas de racismo espalhadas por todos os cantos destes espaços esportivos coletivos. No entanto, o mesmo não pode ser dito dos anos 1970-1980, quando em pleno regime ditatorial no país, uma expressão criativa, divertida e polêmica se fez presente no meio das torcidas organizadas do Grêmio: a Coligay. Esta resenha é sobre essa torcida e sua trajetória histórico-afetiva.

Escrito pelo jornalista gaúcho e gremista Léo Gerchmann, o livro Coligay Tricolor e de Todas as Cores busca o resgate da história do primeiro agrupamento de gays torcedores de futebol do país, que pertencia ao Grêmio Foot Ball Porto-Alegrense (FBPA). Um dos rastros que Gerchmann procura revelar é a visibilidade do torcedor como fundamental estímulo para o seu time e a peculiaridade vibrante que a Coligay mantinha em relação às outras duas torcidas organizadas do Grêmio à época (Eurico Lara e Força Azul)3. Leia Mais

Futebol e colonialismo: corpo e cultura popular em Moçambique | Nuno Domingos

Começo pelo autor, pouco conhecido no meio acadêmico brasileiro. Nuno Domingos possui uma trajetória que demonstra uma curiosidade intelectual diversificada. Licenciado e mestre em sociologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, desenvolveu importantes pesquisas a respeito das políticas sociais do Estado Novo Português. Sua dissertação de mestrado sobre a Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade foi um marco nas pesquisas a respeito da relação entre Estado e sociedade nos estudos do período salazarista. Atualmente, no pós-doutorado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, desenvolve pesquisa na área da antropologia da alimentação sobre a produção e os usos sociais do vinho português.

Apesar da pluralidade temática, é possível traçar uma linha teórico/ metodológica que perpassa suas investigações. A sociologia e a antropologia histórica são referências assíduas nos textos de Nuno Domingos, assim como o estudo de práticas culturais com o desenvolvimento de investigações que abarquem temáticas sobre as práticas corporais e as culturas populares. São exatamente dentro desse escopo que suas pesquisas a respeito das práticas desportivas, em Portugal e em Moçambique, podem ser inseridas, assim como o livro Futebol e colonialismo: corpo e cultura popular em Moçambique.

Publicado em abril de 2012, Futebol e colonialismo é o resultado do doutorado defendido pelo autor em antropologia social na School of Oriental and African Studies da Universidade de Londres, com a tese Football in Colonial Lourenço Marques, Bodily Practices and Social Rituals. A mudança do título da tese em relação ao do livro provavelmente estão relacionadas à dificuldade em localizar espacialmente Lourenço Marques – atual Maputo, capital de Moçambique – e o diminuto número de pesquisas sobre cultura popular numa perspectiva histórica, especialmente para espaços urbanos em África. No entanto, essa transformação produziu um descompasso entre nome e conteúdo. Efetivamente, o recorte espacial da pesquisa centra-se na cidade de Lourenço Marques e apenas nela. Ou seja, um leitor desprevenido que resolva ler o livro com o intuito de compreender numa perspectiva nacional acerca do futebol em Moçambique, certamente não será contemplado.

Algo semelhante se encontra na mudança do subtítulo de “social rituals” para “cultura popular”. Mais uma vez a transformação do enunciado faz com que ocorra um descompasso em relação ao seu conteúdo. Efetivamente, Nuno Domingos não aborda o futebol através de um olhar baseado num arcabouço teórico da “cultura popular”. Em determinados momentos suas preocupações estão diretamente relacionadas com a prática do esporte pelos habitantes do subúrbio de Lourenço Marques, local conhecido como a “cidade de caniço”,[1] o processo de circulação das práticas desportivas entre o caniço e o cimento, as transformações dessas práticas provocadas por esse processo ou os mecanismos de poder elaborados para controlar o futebol desenvolvido nas áreas negras da cidade. Porém, não acredito que estes tópicos, tão importantes para as pesquisas que trabalham com o conceito de cultura popular, sejam a preocupação central do livro. Portanto, o título do livro não condiz completamente com o seu teor.

Passo, então, para o interior de Futebol e Colonialismo. Primeiramente uma análise da própria estrutura do livro. A partir dela será possível perceber algumas das escolhas do autor e como, apesar dos problemas listados anteriormente, a obra é um exemplo de pesquisa que mescla com maestria um rico arcabouço teórico com uma minuciosa pesquisa empírica.

Dividido em doze capítulos, cada um deles com diversos subtítulos (excetuando-se o décimo segundo que é uma conclusão da obra), acrescido de um prefácio do antropólogo Harry G. West, a leitura de Futebol e Colonialismo vai se tornando mais e mais prazerosa com o avançar dos capítulos. Esta sensação pode ser explicada pela escolha de manter uma estrutura típica de teses de doutorado para a publicação. Apesar de não ficar explicito, os três primeiros capítulos são puramente teóricos. Sua função aqui é evidente: é uma apresentação das bases acadêmicos de onde parte Nuno Domingos. Para ser mais exato, no primeiro capítulo (“Da etnografia do futebol suburbano em Lourenço Marques, por José Craveirinha, a uma ciência das obras”) o autor nos oferece as diferentes dimensões do problema que pretende explorar. Para dar o pontapé inicial na investigação, Nuno Domingos utiliza-se do que chamou de uma “etnografia dos subúrbios laurentino” produzida pelo poeta e jornalista moçambicano José Craveirinha, em dois textos publicados em 1955 no jornal O Brado Africano. Neles o futebol aparecia como tema central. A intenção de Craveirinha era a de descrever o choque cultural entre um esporte inventado por europeus e a reapropriação dos jogadores suburbanos africanos. O humor e o improviso, segundo o poeta, seriam características intrínsecas desse jogo futebolístico da periferia, e a valorização desses aspectos estava relacionada à contra argumentação combativa das “imagens do africano enquanto ser incivilizado, grosseiro e instintivo, forte, mas pouco inteligente” (p.22).

Desse encontro nem um pouco sereno e harmonioso, outras questões fundamentais para a investigação são colocadas, como o de pensar a multiplicidade das relações entre o colonizador e o colonizado, os espaços segregados e as trocas desiguais existentes nas cidades coloniais e as práticas culturais, assim como os gestos e movimentos dos jogadores, nesses espaços como locais de reivindicação, cooperação, conflitos e formas de ver o mundo. O ineditismo de se investigar o esporte em contextos coloniais africanos é justificado por Nuno Domingos exatamente como um esforço para se entender esses processos como algo que vai além da dominação hegemônicam sobre os colonizados, sendo possível evidenciar os subordinados como agentes históricos do processo de urbanização na África oriental portuguesa.

O que designei como sendo a primeira parte do livro se encerra com o segundo e terceiro capítulos, onde é apresentado o cardápio do arcabouço teórico usado por Nuno Domingos em sua pesquisa. A seleção feita pelo autor vai de encontro a sua formação nas ciências sociais. Sinceramente, não possuo condições para uma análise da maneira como Nuno Domingos utiliza a vasta bibliografia de cunho teórico. Posso apenas salientar que consiste fundamentalmente da obra de três autores: Erving Goffman, Norbert Elias e Pierre Bourdieu. Novamente, me sinto pouco a vontade para explorar os conceitos desses autores e sua utilização na obra de Nuno Domingos, porém cabe aqui listar alguns, como o de “ordem da interação” (Goffman), de “processo de desportivização” e de “padrão de jogo” (Elias) e de “habitus” (Bourdieu). Este último conceito está diretamente relacionado a uma preocupação do autor em pensar o drible (ou o improviso, para José Craveirinha) como um repertório motor que é produzido pela interação dos corpos no jogo e que se constitui como um reservatório de conhecimento. Nesse sentido, o futebol aparece como algo para além dos jogadores, ao mesmo tempo em que é “Produto de uma condição urbana, a malícia era a história feita corpo.” (p. 296). Com estes quatro grandes conceitos, temas como os da interação entre o futebol e o restante da sociedade, entre os jogadores e o público, das performances dos jogadores e dos espectadores, a construção de laços sociais, de identidades e de pertencimento, tornam-se problemas para serem explorados pelas ciências sociais.

Na segunda parte do livro, não pretendo abordar separadamente cada capítulo. Isso seria dispendioso e, a meu ver, improdutivo. Para explorar este seguimento tentarei fazer uma junção de características gerais que podem ser encontradas ao longo da obra. É exatamente dos capítulos quatro ao décimo primeiro que Nuno Domingos inicia sua análise propriamente dita do futebol e do colonialismo em Lourenço Marques. Se, na primeira parte temos um bombardeio de teoria, nesta segunda parte esta teoria ganha forma – e crítica – com a análise de um amplo corpo documental. Essa vastidão de fontes – proveniente de diferentes locais e de variada natureza, como a documentação administrativa existente Arquivo Histórico de Moçambique, no Arquivo do Conselho Provincial de Educação Física de Moçambique ou no Arquivo Histórico Ultramarino, a imprensa periódica, quase toda localizada na Biblioteca Nacional de Portugal, e um bom uso de entrevistas que realizou com personalidades do futebol moçambicano – dão a nota principal neste momento.

A soma do arcabouço teórico com a documentação produziu uma segunda parte que pode ser dividida em três tópicos: um primeiro tópico, representado pelos capítulos quatro e cinco, onde Nuno Domingos basicamente apresenta Lourenço Marques e a relação entre o Estado Novo português, a construção da cidade no espaço colonial e o racismo imbuído nos projetos de cidadania para a população africana subordinada ao poderio português e a influência dessas questões sobre o corpo no jogo de futebol. O segundo tópico, que corresponde ao momento auge da obra, vai do capítulo seis até o dez, onde o autor produz uma análise do futebol nos subúrbios de Lourenço Marques. Por último, no capítulo onze se encontra uma interpretação bastante frutífera sobre as narrativas a respeito do futebol e como esse falar sobre o esporte – e, principalmente, sobre os clubes e os jogadores – está conectado a produção de representações e noções de pertencimento.

A escolha pela elaboração de dois capítulos, no início dessa segunda parte, que possuem o claro objetivo de produzir uma apresentação da paisagem social do colonialismo português na África, as características da cidade de Lourenço Marques e as noções do Estado Novo português com relação ao esporte, possuem alguns problemas. Num nível mais abrangente, relacionado a própria elaboração da pesquisa, essa contextualização a priori corre o risco de entender o contexto como algo pré-determinado e modulante – em alguns extremos determinante – dos processos e das ações dos grupos e indivíduos que Nuno Domingo pretende estudar. No entanto, pelo menos no capítulo quatro (“Uma desportivização colonial”) o autor consegue escapar desse problema. Longe de produzir um contexto amplo sobre o colonialismo português em Moçambique com caixinhas explicativas onde as problematizações dos demais capítulos deveriam ser cuidadosamente guardadas, a explanação detalhada das características de Lourenço Marques e do sistema colonial português funcionam como ferramentas para aqueles leitores que desconhecem o tema e o espaço geográfico da pesquisa.

Infelizmente não podemos falar a mesma coisa para o capítulo seguinte (“O corpo e a cidade do Estado Novo”). Ao produzir uma análise do projeto educativo do Estado Novo para controlar e adestrar o “corpo” dos atletas que se encontravam sob escopo desse poder, Nuno Domingos deixa de se perguntar em que medida – como, de que maneira e com que intensidade – os projetos e as políticas elaboradas na metrópole foram implementadas em Moçambique. É interessante constatar que sua problematização a respeito dos múltiplos caminhos que a relação metrópole e colônia esta longe de ser simplista. Isso é evidente quando afirma que o futebol acabou por ser um interiorizador de habitus vistos como nocivos a lógica de ordenamento do corpo dos atletas defendida pelo Estado e jogadores dos subúrbios de Lourenço Marques, com seus dribles e sua malícia, incapazes de produzirem manifestações políticas abertas tiveram em seus gestos corpóreos no futebol a possibilidade de questionamento das lógicas totalizantes do Estado.

No segundo tópico dessa parte, Nuno Domingos aprofunda grandes questões em lugares pequenos. Assim, o futebol praticado nos subúrbios, as associações desportivas criadas pela população africana e as relações dessa população e das formas organizativas criadas por ela com a cidade e o Estado colonial, são destrinchados de maneira detalhada ao longo dos capítulos seis até o dez.

Devido a variedade e a riqueza de temas que vão sendo colocados e concluídos, é muito difícil selecionar o que enfocar nestes capítulos. Porém, alguns pontos chamaram minha atenção. No capítulo seis (“O futebol no subúrbio de Lourenço Marques”), por exemplo, ao estudar o processo de disseminação das práticas desportivas em Lourenço Marques, Nuno Domingos constata que, apesar da presença colonial portuguesa, a esfera de influência nos subúrbios ocorreu principalmente entre Lourenço Marques e a África do Sul, especialmente por conta da circulação de trabalhadores moçambicanos nas minas sul-africanas. Ou seja, existia uma espécie de autonomia da influência do colonialismo português, pelo menos até a década de 1930, sobre as práticas desportivas e a construção do associativismo desportivo entre os africanos viventes em Lourenço Marques (“A consolidação de redes de relações associativas locais ligadas às principais cidades sul-africanas tornar-se-ia a causa maior da institucionalização da sua prática.”, p. 121).

No capítulo sete (“Uma ordem da interação suburbana”) as trocas simbólicas que se materializavam em performances, mais especificamente a questão da malícia na prática do futebol, é o problema a ser enfrentado. Nuno Domingos esforça-se com sucesso para fugir de análises essencialistas e coloca as dinâmicas do futebol que não seguia as regras e que era realizado nos terrenos baldios do subúrbio numa perspectiva dinâmica que respondia “a convenções interaccionais e a uma economia de troca simbólica, cuja interpretação possibilitava a leitura de um processo social em curso, nomeadamente as condições de formação de uma experiência urbana sob o domínio colonial português” (p. 145). Nessa perspectiva, a malícia deixa de ser algo naturalizado como intrinsicamente popular e/ou africano para ser entendida como um capital performativo e simbólico “produto das condições de produção de uma prática desportiva socialmente situada, que estabelecia uma relação entre os jogadores e o público. Os gestos e movimentos mais valorizados no repertório motor dos atletas representavam as células básicas de uma economia da troca simbólica que consagrava formas de agir e de ver o mundo” (p.167).

Exatamente para conseguir pensar a malícia enquanto capital simbólico e produto de trocas simbólicas baseadas em diferentes estratégias que incluíam jogadores e público, que Nuno Domingos regressa ao processo de construção do subúrbio de Lourenço Marques no capítulo oito (“A construção social da malícia e o subúrbio de Lourenço Marques”). Ou seja, seu objetivo é o de tentar dar o salto de uma análise da malícia presente nos jogos do subúrbio para a construção de uma comunidade na periferia de Lourenço Marques. Para isso, Nuno Domingos elabora o que chamou de “genealogia da experiência urbana no subúrbio de Lourenço Marques” (p.174), evidenciando como a construção dessa periferia – fisicamente e identitariamente – esteve inseparável da necessidade colonial em explorar a mão-de-obra africana e das restrições a mobilidade dos africanos com a construção, melhor dizendo, com o desejo da construção de bairros segregados para negros e brancos. Ainda que produza uma bela reflexão a respeito da precarização da existência numa situação urbana colonial para a população africana, determinadas afirmações e/ou conclusões carecem de confirmação mais detalhada, especialmente porque suas principais fontes neste capítulo são as portarias administrativas de regulamentação do espaço urbano e o livro do antropólogo colonial Antônio Rita-Ferreira, Os Africanos de Lourenço Marques, da década de 1960, não sendo capaz de refletir a respeito dos anseios, desejos e projetos desses trabalhadores urbanos africanos. Nesse sentido, ao evidenciar a construção de uma “cidade africana” dentro de Lourenço Marques, erguida pela iniciativa local e relativamente independente para edificar espaços próprios, assim como uma singular organização sociocultural, Nuno Domingos dá preferencia em iluminar os interesses coloniais que se “beneficiaram desta auto-organização” produzida por um aglomerado de mão-de-obra que diminuía os custos de sua reprodução e “adequava-se às próprias carências do modelo de exploração colonial português” (p.188).

Essas características não perduraram todo o período em que Lourenço Marques esteve sob regime colonial, e Nuno Domingos percebe uma transformação significativa no trato do Estado a respeito da “cidade africana” a partir da década de 1950. Contudo, nesta análise sobre o subúrbio laurentino falta um ponto importante: o dos próprios africanos suburbanos. Afinal, a abordagem de Nuno Domingos nas relações hierárquicas sócio- raciais de dominação estipuladas pelo colonialismo, evidentemente fundamentais para se entender esse processo, fazem com que o mesmo não explore até que ponto, mesmo com o governo colonial português se beneficiando dessa auto-organização, a população africana dos subúrbios não tenha agido tão pacificamente nesse processo e, inclusive, tenha defendido esse aspecto de desregulamentação do espaço como um mecanismo de liberdade capaz de subverter as exigências feitas a essa população quando se deslocava para a cidade de cimento. Como o próprio Nuno Domingos salienta: a “permanência de práticas coercivas na captação da força de trabalho […] gerou uma enorme desconfiança nos trabalhadores sobre o vínculo laboral” (p.189). Com isso valeria mais apena para o trabalhador africano no espaço urbano realizar biscates sem a existência de laços legais de trabalho e, assim, correr o risco de ser penalizado. Ou seja, há uma possibilidade aqui para se pensar o comportamento desses indivíduos como estratégias para minorar a desequilibrada relação de poder e a ilegalidade de suas ações – tanto no mercado de trabalho como na própria construção de um espaço criador de um habitus – seria uma forma de responder a uma legalidade em que não se sentiam representados.

O capítulo seguinte (“As práticas feiticistas como elemento de uma economia simbólica”) é um dos mais interessantes. A ideia de Nuno Domingos é de demonstrar como dentro da economia simbólica do futebol suburbano, a feitiçaria possui um papel importante na capacidade de “enriquecimento”. Chamado de “cuchecuche”, “cuxo-cuxo” ou simplesmente de “vovô”, as práticas funcionava como um capital simbólico fundamental para se pensar a capacidade de sucesso ou não de uma equipe e de um jogador específico durante uma parte. A referência ao vovô, que poderia ser o indivíduo responsável por fazer a “preparação” do feitiço ou a prática em si, só foi possível de ser analisada pelo autor graças às inúmeras entrevistas que o mesmo realizou durante seu trabalho de campo em Lourenço Marques. Vinculando a “tradições da África ocidental” dos “espíritos dos mortos” (p.206), o vovô é analisado como mais um demonstrativo de desafio aos intuitos da administração colonial com seu trabalho missionário de destruição dos costumes locais. Sendo as cidades pensadas como principais propagadoras de um modus de vida europeu civilizado, a proximidade dessas práticas a estes centros produziu embaraços, ao mesmo tempo em que corrobora a ideia de Nuno Domingos de pensar o movimento do corpo do jogador suburbano não como uma resposta a ideologias da ginástica moderna, da igreja católica ou do fair-play, mas a “uma espécie de libido mágica, assente em tradições partilhadas e transformadas” (p.226).

No último capítulo da segunda parte (“Doçura e velocidade: a tática como desencantamento do mundo”), Nuno Domingo produz uma reflexão de como o capital simbólico expresso pelo corpo dos jogadores e produzido por eles no subúrbio de Lourenço Marques entrou em conflito com um processo, que já vinha ocorrendo com a institucionalização dos clubes suburbanos, mas que pode ser sentido nos movimentos específicos daquele habitus motor com a implementação de uma “mentalidade tática”. Como o autor explica:

Este condicionamento do corpo sugeria […] a aplicação ao jogo de um conjunto de princípios de ação modernos e de valores sociais impostos em Lourenço Marques pelo colonialismo: sujeitava o jogador a uma cuidada divisão social do trabalho dentro do campo, a uma especialização de funções limitadora da realização dos seus gestos e movimentos, proporcionando uma experiência distinta de deslocação no espaço e uma relação singular com o tempo. (p.232)

A intenção não era de prolongar-me tanto nos capítulos especificamente. Conforme a escrita fluiu, foi se tornando impossível não aprofundar de maneira pormenorizada os diversos problemas que a cada momento Nuno Domingos levanta. Essa minha impossibilidade esta longe de ser algo apenas pessoal. Ela revela como tenho em mãos uma obra vasta, com uma temática muito bem trabalhada e uma ferramenta fundamental para qualquer trabalho futuro a respeito da história do futebol, da relação entre Estado e sociedade numa realidade colonial, da experiência cotidiana vivida no colonialismo português em Moçambique, da interação dinâmica entre tradição e modernidade e da potencialidade do desporto para moldar as subjetividades humanas.

Um detalhe final: tive a oportunidade de jogar futebol com Nuno Domingos no ano passado. Bastante habilidoso, depois de ler seu livro começo a imaginar que o autor soube – ou já sabia? – incorporar um pouco da sabedoria maliciosa do subúrbio de Lourenço Marques.

Nota

1. Com o crescimento da cidade de Lourenço Marques a partir de meados do início do século XX, se construiu uma divisão espacial sócio- racial entre a chamada “cidade de cimento”, ocupada majoritariamente pelos brancos, mas também por chineses e indianos, e a “cidade de caniço”, ocupada pela população negra.

Matheus Serva Pereira.


DOMINGOS, Nuno. Futebol e colonialismo: corpo e cultura popular em Moçambique. Lisboa: ICS; Imprensa de Ciências Sociais, 2012. Resenha de: PEREIRA, Matheus Serva. Cantareira. Niterói, n.18, p. 119- 125, jan./jun., 2013. Acessar publicação original [DR]

O crime do restaurante chinês: Carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30 – FAUSTO (PL)

FAUSTO, Boris. O crime do restaurante chinês: Carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Resenha de: OLIVEIRA, Pedro Carvalho. Quarta-feira de cinzas e sangue: “O Crime do Restaurante Chinês” de Boris Fausto e o Brasil dos anos 1930. Ponta de Lança, São Cristóvão, v. 5, n.9, p. 71-73, out., 2011.

São Paulo, capital, 2 de março de 1938. Enquanto a cidade começava a se recuperar dos muitos dias de festas e bailes de carnaval e o país se preparava para torcer pela seleção brasileira na Copa do Mundo da França, um crime ocorrido na Rua Wencelsau Braz chamou a atenção da polícia, da opinião pública e da população. As vítimas foram dois imigrantes chineses, que possuíam um restaurante no mesmo local onde moravam – cenário que viria a ser o de suas mortes. Seus dois empregados, um brasileiro e um lituano, também foram mortos. Leia Mais

O Crime do Restaurante Chinês – Carnaval, Futebol e Justiça na São Paulo dos anos 30 | Bóris Fausto

Considerações iniciais

Há no panorama teórico da historiografia uma intensa discussão conceitual, que tem sido descrita como uma disputa entre paradigmas rivais (CARDOSO, 1997: 3). De um lado, aqueles que embasam seus esforços numa ótica iluminista, o que significa acreditar na capacidade da razão humana em descobrir e ordenar as forças em atuação no universo. Entre estes, ainda de acordo com Cardoso, podem ser enquadrados os marxistas, positivistas e mesmo aqueles ligados à “Nova História”. Trabalhos realizados a partir dessas diretrizes tendem a buscar uma visão holística do processo histórico, agregando os fenômenos sob explicações totalizantes.

Na outra ponta estão aqueles que abandonam tentativas generalizantes de explicação, enfatizando a singularidade dos objetos e a impossibilidade de reuni-los sob uma mesma rubrica sem que se percam suas qualidades fundamentais. A esses se atribui a filiação a certo “paradigma pós-moderno”. O movimento tendencial parece apontar para a ascensão da ótica pós-moderna em detrimento do paradigma iluminista. Leia Mais

Tragédias, batalhas e fracassos: as derrotas brasileiras nas Copas do Mundo (1950-1982) | Leonardo Pacheco Turchi

Não são apenas as vitórias que compõem o imaginário futebolístico. “Instrumento de renovação da vida” e o “começar de novo”, tal como afirmou Carlos Drummond de Andrade – oportunamente citado por Leonardo Pacheco na introdução do seu livro “Tragédias, Batalhas e Fracassos” – as derrotas têm um papel essencial dentro do universo esportivo. Publicado com base em seu doutorado defendido no Departamento de História da UFM, o livro de Leonardo tem como objetivo pensar as derrotas brasileiras nas Copas do Mundo entre 1950 e 1982 a partir das narrativas, discursos e imagens dos períodos pesquisados que, em sua maioria, centravam as análises nas questões ligadas à masculinidade e ao envelhecimento2. Para isso, relacionou estes dois temas principais para analisar o universo futebolístico, aqui compreendido por meio de seu principal momento ritual: a Copa do Mundo de Futebol.

Dividido em seis capítulos, cada dedicado a uma Copa do Mundo, o livro permite evidenciar que embora as questões e elementos vinculados às derrotas variem a cada evento, assinalados por um caráter multifacetado, que alternam concepções valorativas ora positivas e ora negativas, tais discursos relacionados às masculinidades e envelhecimento são marcados por certas permanências. A compreensão hegemônica de masculinidade é problematizada e reelaborada ao longo do trabalho, visto que é possível pensar a existência de múltiplas masculinidades em um mesmo contexto. Nesse sentido, faz-se importante o estudo do masculino em relação a outros conceitos e marcadores (geracional, de classe, corporal, racial etc.), decisivos para uma compreensão relacional do que é ser homem em determinados contextos socioculturais. Nesse sentido, o autor pensa o gênero como um conceito plural e relacional, construído e reconstruído socialmente, que abarca múltiplas experiências e marcado por diversas relações de poder. Leia Mais

A dança dos deuses: futebol, sociedade, cultura | Hilário Franco Júnior

Comecemos com um clichê imperdoável: existem 180 milhões de técnicos de futebol no Brasil. Todo mundo pensa que entende do assunto. É uma reconhecida tradição nacional que praticamente a totalidade desse imenso exército de amadores chame o profissional que comanda a Seleção Brasileira de burro. Muitos, mesmo sem entender totalmente a lógica da regra do impedimento, declaram aos berros que podem fazer melhor. Melhor que os técnicos e melhor que os jogadores. Tudo ou nada é o lema. Um segundo lugar na Copa, medalha de prata ou bronze nas Olimpíadas são consideradas campanhas fracassadas. Erros não são permitidos. Perder um pênalti é imperdoável. Sofrer um frango é motivo de vexame eterno. Fazer gol contra é uma heresia.

A cultura do futebol está entranhada na cultura nacional. Seu jargão, seus hábitos, seus mitos. Estranhamente, até mesmo sua história. Não é tão raro que indivíduos que não sabem dizer quem foi Tiradentes ou D. Pedro I sejam capazes de dar a escalação completa do Guarani de Campinas, campeão brasileiro de 1978. O brasileiro médio que, outro clichê, não faz a mínima questão de cultivar a memória nacional, cultiva cuidadosamente sua história futebolística. Diversos programas esportivos de televisão ajudam nessa preservação, passando diariamente cenas de arquivo. Algumas imagens, de tão repetidas, entraram para o imaginário coletivo. Os resultados práticos desse amplo esforço educacional são continuamente comprovados ao final de cada partida de futebol, profissional ou amadora. Os torcedores, por mais simplórios que sejam, destilam orgulhosamente sua erudição esportiva nas rodas de conversa após os jogos. Enfim, todo brasileiro, de modo macunaímico, além de técnico de futebol também é um historiador do futebol. Leia Mais

A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje | Maurício Murad

O futebol tem ocupado, cada vez mais, um espaço como objeto de estudo dos vários pesquisadores, cuja formação se liga à História, à sociologia, à antropologia e demais áreas correlatas. Isso significa que o esforço de análise acerca desta temática vem deixando de ser algo restrito a uma prática diletante, para também ser analisada no âmbito das universidades. Neste aspecto, não tenho dúvidas quanto ao pioneirismo e ao brilhantismo do Professor Maurício Murad, quando nos reportamos à reflexão sobre a temática apontada, sobretudo no que diz respeito a um dos principais problemas que habita o universo do futebol: a violência. O livro é parte de amplas pesquisas que o autor já vem realizando há algum tempo, o que o coloca como indispensável para aqueles que estudam ou venham a estudar e/ou conhecer questões relacionadas ao futebol, também numa perspectiva da pesquisa acadêmica.

Desde já, creio ser necessário concordar com uma das principais teses do autor em questão, quando ele nos sugere em seu livro, que não se deve comparar a violência no futebol com a violência do futebol. A partir desta premissa, provavelmente o autor queira nos alertar quanto às ocasionais conclusões que poderiam naturalizar o futebol como algo estruturalmente violento, tal como muitas vezes alguns jornais impressos, programas de rádios e/ou de televisão, enfim, os diferentes veículos de comunicação poderiam nos levar a crer, quando noticiam os jogos de futebol. Não se trata de rejeitar a existência de absurdos ligados à violência absolutamente condenáveis que, de fato, estão presentes no esporte. Leia Mais

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Desde já, creio ser necessário concordar com uma das principais teses do autor em questão, quando ele nos sugere em seu livro, que não se deve comparar a violência no futebol com a violência do futebol. A partir desta premissa, provavelmente o autor queira nos alertar quanto às ocasionais conclusões que poderiam naturalizar o futebol como algo estruturalmente violento, tal como muitas vezes alguns jornais impressos, programas de rádios e/ou de televisão, enfim, os diferentes veículos de comunicação poderiam nos levar a crer, quando noticiam os jogos de futebol. Não se trata de rejeitar a existência de absurdos ligados à violência absolutamente condenáveis que, de fato, estão presentes no esporte. Leia Mais