Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca | Marcelo Badaró Mattos

Durante décadas, os pesquisadores avaliaram que o nascimento da classe trabalhadora brasileira foi epifenômeno mecânico das determinações estruturais: o florescimento do capitalismo industrial e a expansão do trabalho assalariado, após o fim do sistema escravista. Essas duas determinações estruturais teriam exacerbado a luta de classes ou, antes, engendrado a própria classe trabalhadora, que, nesse processo, adquiriu consciência de seu papel histórico, fundando sindicatos e partidos classistas na transição do século XIX para o século XX. Portanto, a formação da classe trabalhadora brasileira estava inextricavelmente ligada ao trabalho industrial-fabril e operário. O trabalhador livre e o trabalhador escravo no Brasil eram abordados, quase que invariavelmente, numa relação de dicotomia fixa, como duas categorias antagônicas e dissociadas, que jamais se aproximavam ou entrecruzavam em termos de vivências e experiências político-culturais.

Talvez, por isso, durante um longo tempo os especialistas da história social do trabalho ficaram apartados dos especialistas da história da escravidão. Os primeiros, quando investigavam a formação da classe trabalhadora brasileira, costumavam negligenciar a participação dos escravizados e ex-escravizados no processo. Já os segundos não davam a devida importância às experiências escravas no processo social do trabalho. Felizmente, esse panorama vem mudando, e as falsas dicotomias sendo superadas. Os historiadores estão cada vez mais se convencendo de que essas duas áreas de estudos e pesquisas são confluentes, entrelaçam-se, tecem interconexões, devendo, portanto, ser tematizadas de forma dialógica. Leia Mais

Paulistas e emboabas no coração das Minas: Ideias, práticas e imaginário político no Século XVIII | Adriana Romeiro

A obra recente de Adriana Romeiro, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, vem suprir uma lacuna de estudos recentes sobre o episódio da guerra dos emboabas, conflito que agitou Minas Gerais no início do século XVIII.

O levante dos emboabas é um tema clássico da história do Brasil, já abordado por autores do século XVIII, como Sebastião da Rocha Pitta, Manuel da Fonseca, Pedro Taques Leme e Cláudio Manuel da Costa. O tema foi retomado pelos primeiros historiadores que se propuseram a escrever uma história nacional, originando uma controvérsia sobre quem teria protagonizado um movimento então identificado como nativista, se os paulistas ou os emboabas. Leia Mais

Memorias de la bacanal – vida y milagros del carnaval montevideano 1850-1950 | Milita Alfaro

O Brasil é o país do Carnaval? Com toda a certeza, mas a pergunta não está bem formulada, pois evoca a idéia de que apenas o Brasil seja um espaço privilegiado para a festa. Quem já teve a oportunidade de visitar o Uruguai durante o período carnavalesco sabe que o nosso pequeno vizinho – cuja população é de aproximadamente três milhões de pessoas e a extensão territorial menor do que a do Rio Grande do Sul – comemora entusiasticamente a folia momesca, durante um período bem mais longo do que os nossos quatro dias. Escolas de samba, comparsas, murgas e candombes, entre tantas outras manifestações, enchem as ruas e os teatros da capital Montevidéu e das cidades do interior; as emissoras de televisão transmitem as festividades e muitos municípios anunciam a sua comemoração como “o mais destacado folguedo”, em um apelo cultural e turístico a revelar uma significativa concorrência pelo mercado da folia.

O mais impressionante é que, no Uruguai, o Carnaval não é festejado apenas nas ruas e teatros, ele também é lembrado, estudado e consumido em livros e publicações, em uma série de lançamentos disponibilizados todos os anos nas livrarias, com os mais variados objetivos e abordagens, entre eles, obviamente, os estudos históricos e sociológicos. A produção intelectual sobre o tríduo momesco é comparativamente muito maior do que a do Brasil, ainda mais se forem consideradas as diferenças de tamanho entre os dois países. A academia brasileira apenas recentemente começou a encarar com mais profundidade a festa – como se pode conferir pelas contribuições de Maria Clementina Pereira Cunha (2001, 2002), Lazzari (2001) e Simson (2007) –, enquanto os vizinhos se preocupam em analisar o fenômeno há muito mais tempo e a tomá-lo como mais um espaço onde se desenvolvem a história, as identidades e as clivagens de sua sociedade. Leia Mais

FREAKNOMICS – o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta | Steven Levitt e J. Dubner Stephen

A economia não trata apenas de política monetária, inflação e taxa de juros, temas áridos e talvez até chatos para alguns, muitas vezes incompreensíveis.

A economia explica não apenas como se distribui a renda entre lucros e salários ou por que ocorre alta de preços em determinados períodos, mas também fornece uma explicação de como o mundo funciona. Nela encontramos técnicas para compreender e explicar o que afeta as diversas dimensões da nossa vida cotidiana.

As palavras acima podem ser atribuídas a Steven Levitt, um economista original que não acompanha a conjuntura econômica nem a política monetária. Que não domina a matemática, a econometria nem a macroeconomia. Que tipo de economista é esse? Sem dúvida se trata de um economista politicamente incorreto. Porém original e provocador. Leia Mais

No território da Linha Cruzada: a cosmopolítica afro-brasileira | José Carlos Gomes dos Anjos

O livro No território da linha cruzada: a cosmopolítica afro-brasileira é escrito por José Carlos Gomes dos Anjos, e trata-se de um trabalho etnográfico no qual o autor, enquanto antropólogo, militante do movimento negro e filho-de-santo de um terreiro de Linha Cruzada, vale-se desses diferentes status, em diferentes momentos, para configurar sua problemática, colher seus dados e construir o texto etnográfico. Antropólogo já antes envolvido em pesquisas sobre religiosidade afro-brasileira, o autor volta seu olhar ao processo de remoção da Vila Mirim – uma vila de maioria negra no centro de Porto Alegre – para a implementação do entroncamento de três grandes avenidas, quando o movimento negro é acionado para mediar os conflitos que a iminência da remoção provocam. Dos 113 domicílios da área a ser removida, seis eram terreiros. É nesse contexto que dos Anjos se inicia como filho-de-santo de mãe Dorsa, uma das líderes da resistência contra a proposta da prefeitura de Porto Alegre de reassentar os moradores no bairro Rubem Berta, movimento instaurado em 1992, quando em reunião realizada num terreiro, formou-se a Comissão dos Moradores a serem removidos. A única reivindicação alcançada pela comunidade foi de não ser removida para Rubem Berta, mas para o bairro Chácara da Fumaça.

O autor, então, norteia suas análises acerca das estratégias políticas dos atores envolvidos nesse processo: a Comissão dos Moradores contra a remoção, a Associação dos Moradores da Vila Divina Providência (a favor da remoção), a Prefeitura de Porto Alegre e o Movimento Negro Unificado. Leia Mais

Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX | Ana Paula Vosne Martins

O livro de Ana Paula Vosne Martins despertou minha atenção em função do interesse que tenho mantido na pesquisa da metodologia, da epistemologia e da história da ciência de um modo geral. De forma específica, o livro trata desses temas voltados para o caso de duas especialidades da medicina, tais sejam, a ginecologia e a obstetrícia. Fortemente apoiada em uma metodologia foucaultiana, bem como em uma literatura contemporânea sobre a história cultural do corpo, a Autora discorre sobre o modo como a comunidade científica em geral e a medicina especializada, de modo particular, produziram um vasto arsenal de representações da mulher, que trataram de reduzir a mulher a um corpo problemático, em contrapartida à racionalidade atribuída ao homem.

A História e a Cultura universal têm muitos exemplos de valorização da figura feminina. De Helena, passando por Joana d’Arc, ou por Inês de Castro, até Maria Bonita, muitas foram as mulheres que povoaram o imaginário de histórias e lendas. Em Homero ou em Cervantes, em Luis de Camões ou Emile Zola a mulher aparece sempre com destaque. Lendas, deusas e mitos femininos estão por toda parte e em todos os tempos. Recentemente, na literatura, Dan Brow popularizou, novamente, o mito do sagrado feminino em seu best seller “O Código da Vinci”, que destaca o culto e a defesa de Madalena. Ainda mais forte é a impressão de Lewis Munford, em “A Cidade na História”, que confere à mulher o poder de uma revolução fundamental no processo civilizatório da humanidade. Segundo o Autor, na revolução agrícola, que marca a passagem do homem de nômade para sedentário, antes de todas as histórias escritas (há cerca de 12.000 anos), a mulher teria sido a grande responsável pela descoberta do ciclo de crescimento dos vegetais. A mulher, afeita às tarefas mais lentas, como o cuidado com os recém nascidos, mais do que o homem, veloz caçador e guerreiro, teve tempo para o cultivo de plantas, sendo essa revolução antes uma revolução sexual. É inegável a contribuição feminina em toda a história. Leia Mais

Fronteira Rebelde: A Vida e a Época dos Últimos Caudilhos Gaúchos | John Charles Chasteen

O livro é resultado da tese de doutorado de John Charles Chasteen, publicada em 1995 pela University of New Mexico com o título “Heroes on Horseback: a Life and Times of the Last Gaucho Caudillos” 3. O texto é prefaciado pela professora Helga Iracema Landgraf Piccolo, que ressalta a importância da pesquisa realizada pelo historiador norte-americano relativa à fronteira do Rio Grande o Sul e do Uruguai enquanto um espaço privilegiado para a ação dos caudilhos, no caso os irmãos Gumercindo e Aparício Saraiva/Saravia.

Como ressalta o autor no capítulo introdutório “Caudilhos”, o livro está organizado em dois conjuntos de capítulos intercalados. Nos capítulos narrativos, intitulados por datas, são descritas as trajetórias pessoais dos irmãos Saraiva/Saravia, com os principais episódios políticos e militares em que estiveram envolvidos; de “Janeiro de 1893” até “Janeiro a Agosto de 1894” o teatro da narrativa é a Revolução Federalista de 1893, e o grande protagonista é chefe maragato Gumercindo, o mais velho, tendo Aparício um papel secundário; de “Outubro de 1895” até “Março de 1897 a Setembro de 1904” as atenções voltam-se para as últimas ações armadas promovidas pelos blancos uruguaios comandados por Aparício. Leia Mais

A História de Homero a Santo Agostinho | François Hartog

Portanto, assim deve ser para mim o historiador: sem medo, incorruptível, livre, amigo da franqueza e da verdade; como diz o poeta cômico, alguém que chame os figos de figos e a gamela de gamela; alguém que não admita nem omita nada por ódio ou por amizade; que a ninguém poupe, nem respeite, nem humilhe; que seja juiz equânime, benevolente com todos até o ponto de não dar a um mais que o devido; estrangeiro nos livros, apátrida, autônomo, sem rei, não se preocupando com o que achará este ou aquele, mas dizendo o que se passou.

Esta orientação téorico-metodológica, esta introdução aos estudos históricos, embora tenha semelhança com o postulado estabelecido por Ranke no século XIX, aquele que instruía o historiador a “mostrar como algo realmente aconteceu” (wie es eigentlich gewesen 2), não pertence, no entanto, ao grande historiador alemão. Nem a W. Humboldt, ou a G. Monod, e muito menos a Langlois e Seignobos 3. Esta passagem é uma criação antiga, cuja data remonta ao ano 165 de nossa era, e foi escrita por Luciano de Samósata (119-175 d.C.), autor de numerosos tratados (diálogos, panfletos e sátiras), e da “única obra sobre a história que nos chegou da Antiguidade!”, explica François Hartog, na introdução que faz à coletânea, da qual também é o organizador e comentador, A história de Homero a Santo Agostinho 4. Leia Mais

Anarquia e organização | Mary Del Priore

Resenhista

Edgar Rodrigues Barbosa Neto – Acadêmico de História ICH/UFPEL.

Referências desta Resenha

PRIORE, Mary Del. Festas e utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1994. Resenha de: BARBOSA NETO, Edgar Rodrigues. História em Revista. Pelotas, v.2, p. 261-265, 1996. Acesso apenas pelo link original [DR]

Anarquia e organização | Nestor Makhno

Aqueles que pesquisam sobre o movimento operário no Brasil durante e República Velha freqüentemente se deparam com propostas anarquistas e sua posição frente à Revolução Soviética. Não raro, contudo, os textos específicos do ideário (ou ideários) anarquista(s) que servem de parâmetro para interpretação da conduta dos militantes limitam-se a excertos pinçados dos chamados “grandes teóricos”: Proudhon, Bakunin, Kropotkin, Reclus. Creio que isso ocorre por dois motivos. Um deles seria a ausência de instâncias organizativas em meio ao movimento anarquista capazes de definir com clareza o ideário. Com efeito, na ausência de um partido – mesmo que não de cunho eleitoral – efetuando congressos com certa freqüência, é difícil dizer qual seria a auto-definida como correta posição anarquista: em suma, é difícil definir o que seria a ortodoxia anarquista (se é que isso faz sentido). O outro motivo seria a ausência de textos em português, ou, de qualquer modo, mais acessíveis, de autores anarquistas explicitando seu pensamento. É certo que a coletânea de George Woodcock cumpre parcialmente essa função de prover um volume em português o suficiente denso de textos e contextualizações que sirvam de guia para a interpretação. Contudo, alguns problemas de tradução dessa coletânea interferem, por exemplo, na apreciação da relação que anarquismo e sindicalismo mantiveram durante o Congresso de Amsterdam, de 1907. 1

A coletânea aqui resenhada não resolve esse tipo de problema, mas tem dois grandes méritos. O primeiro é trazer textos anarquistas contextualizados e tematicamente organizados capazes de responder a uma questão específica: quais foram os efeitos da derrota anarquista na Revolução Soviética sobre a forma desses militantes pensarem seus modelos de organização? O segundo mérito é trazer textos praticamente inacessíveis aos que não têm acesso a bibliotecas e edições estrangeiras. Leia Mais

História em Revista | UFPEL | 1994

Historia em Revista 1 História em Revista

História em Revista (Pelotas, 1994-) é uma publicação do Núcleo de Documentação Histórica da Universidade Federal de Pelotas.

A Revista tem como missão publicar artigos, ensaios bibliográficos e resenhas relevantes e inéditas que estimulem a divulgação de pesquisas e debates historiográficos acerca dos diversos campos do conhecimento histórico, de autoria de mestres e doutores em História e áreas afins. O periódico aceita material inédito publicado em português ou espanhol.

Além de artigos livres, o periódico também aceita trabalhos apresentados em eventos científicos e que integram dossiês temáticos organizados por pesquisadores convidados. Buscando contribuir com o desenvolvimento da pesquisa, História em Revista publica ainda textos sobre organização de acervos documentais, depoimentos ou documentos históricos inéditos de significativo interesse para a pesquisa histórica.

[Periodicidade semestral].

Acesso livre.

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