História & Outras Eróticas | Martha S. SAntos e Marcos Antonio Menezes

O que pode um corpo sem juízo? Quando saber que um corpo abjeto se torna um corpo objeto e vice-versa? Não somos definidos pela natureza assim que nascemos Mas pela cultura que criamos e somos criados

Sexualidade e gênero são campos abertos

De nossas personalidades e preenchemos

Conforme absorvemos elementos do mundo ao redor

Nos tornamos mulheres – ou homens,

Não nascemos nada

Talvez nem humanos nascemos

Sob a cultura, a ação do tempo, do espaço, história

Geografia, psicologia, antropologia, nos tornamos algo

Homens, mulheres, transgêneros, cisgêneros, heterossexuais

Homossexuais, bissexuais, e o que mais quisermos

Pudermos ou nos dispusermos a ser

O que pode o seu corpo?

Jup do Bairro.

História & Outras Eróticas, organizado por Martha S. Santos, Marcos Antonio Menezes e Robson Pereira da Silva, é fruto de um esforço científico coletivo que extrapola a materialidade dos textos que compõe a obra. O troca-troca cultural entre arte e agenda política (MEIHY, 2020, p. 13) que nos chega, tem origem na realização do VI Congresso Internacional de História da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí. Desta feita, os louros pela excelência são creditados aos/às autores/as e estendem-se aos discentes e docentes do Curso de Licenciatura em História da referida universidade, bem como, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo investimento na produção científica brasileira. Leia Mais

Teatro y Memoria en Concepción: Prácticas Teatrales en Dictadura. Concepción | Marcia M. Carvajal, Nora F. Rivas e Pamela V. Neira

El libro Teatro y Memoria en Concepción: Prácticas Teatrales en Dictadura, escrito por las investigadoras Marcia Martínez Carvajal, Nora Fuentealba Rivas y Pamela Vergara Neira, fue publicado en octubre de 2019. Escribo esta reseña a partir de la presentación que hice en Valparaíso el 26 noviembre de 2019, a un mes y una semana de comenzado el levantamiento popular en Chile. Recordar ahora estas fechas alberga un sentido particular, pues conlleva el peso de aquel presente y la certeza de que a futuro se observará este periodo histórico en busca de la memoria de un país. Ese día la conversación sobre el libro nos remitió una y otra vez a reconocer el pasado en aquel presente. La realidad olía a lacrimógena y nos golpeaba la cara, la salida de la presentación debió ser por la puerta trasera del edificio que nos reunía, en carreras y postas de agua con bicarbonato.

En la introducción del libro las autoras plantean que el devenir de su trabajo fue “una metodología de la incertidumbre, que nos invitó a transitar por el rigor de lo académico, lo subjetivo de las experiencias y nuestras propias dudas, reflexiones, cambios de ruta y nuevos convencimientos” (10), creo que aquella incertidumbre se expandió más allá del proceso de investigación y escritura, pues dado el contexto, también estuvo en los envíos de copias, en las presentaciones, e imagino que seguirá presente en las preguntas que surjan de la lectura de esta obra. Leia Mais

Mandarin Brazil: race, representation, and memory. | Ana Paulina Lee

A obra Mandarin Brazil , premiada como melhor livro em humanidades na seção Brasil pela Latin American Studies Association, é uma leitura importante para a compreensão das representações dos chineses na cultura popular brasileira. O livro remonta a construção e ressignificação dos estereótipos raciais associados ao imigrante chinês na literatura, na música e no teatro nos séculos XIX e XX. A obra extrapola o enfoque da historiografia nacional sobre os debates e as construções raciais em torno da imigração chinesa entre 1850 e 1890. Ana Paulina Lee (2018) priorizou a elaboração, reprodução e apropriação da chinesness , expressões culturais que elaboram conceitos e estigmas raciais referentes à China e aos seus habitantes. Essas imagens foram concebidas e apropriadas em meio a um intenso diálogo global fortalecido após a abolição do tráfico negreiro. Tais representações circulam dentro de uma memória circum-oceânica, um processo criativo por meio do qual a cultura da modernidade se inventa ao transmitir um passado que pode ser esquecido, recriado ou transformado em uma memória coletiva. Leia Mais

Le théâtre d’Aphrodisias: les structures scéniques. Aphrodisias – CHAISEMARTIN; THEODORESCU (RA)

CHAISEMARTIN, N.; THEODORESCU, D. Le théâtre d’Aphrodisias: les structures scéniques. Aphrodisias 8, 2017. Resenha de: DUARTE, Adriane da Silva. Revista Archai, Brasília, n.29, p 1-7, 2020.

Assim que retorna de suas viagens, o jovem Quéreas narra à população reunida no teatro as aventuras vividas longe da pátria ao lado d e Calírroe, sua esposa, relato que retoma o argumento d aquele que é hoje tido como o primeiro romance ocidental, Quéreas e Calírroe, de Cáriton de Afrodísias (I d.C.). Na trama, o teatro também abriga assembleias cívicas, como a que decide o casamento entre os dois jovens no primeiro capítulo, e o julgamento do pirata que saqueara o túmulo da jovem. Embora a ação se passe em Siracusa e  no  período  clássico,  parece-me  claro  que  o  autor, que orgulhosamente proclama sua identidade logo na frase de abertura do romance (“Eu, Cáriton  de  Afrodísias,  secretário  do  orador Atenágoras, vou narrar uma história de amor que aconteceu em Siracusa”, Quéreas e Calírroe I.1), tem em vista como cenário o grandioso teatro de sua Afrodísias natal, agora minuciosamente desvendado por Nathalie de Chaisemartin e Dinu Theodorescu, com a colaboração de A. Lemaire e Y. Goudin, naquele que consiste no oitavo volume da série de títulos que trazem os resultados das escavações conduzidas  pela  New  York  University no  sítio arqueológico da Turquia.

O livro finalizado por N. de Chaisemartin, em virtude da morte de seu coautor, se insere dentro de um gênero muito específico, o d os relatórios arqueológicos, uma literatura por vezes bastante árida. Como nota, P. Gros, e m seu prefácio, realizar o estudo e a publicação das estruturas cênicas do teatro de Afrodísias, implicando o desafio “de reconstruí-lo graficamente sem deixar de lado nenhuma peça desse imenso quebra-cabeças”(e quebra-cabeças aqui não é apenas força de expressão), pressupõe conhecimento técnico, arquitetônico e iconográfico raros. A tarefa se torna mais complexa na medida em que o edifício, que desempenhou inúmeras funções além da primária (sediar espetáculos), sofreu alterações e acréscimos ao longo do tempo, tornando-se um caso de interesse também historiográfico e tipológico. Naturalmente, um estudo desse vulto, não pode ser conduzido  sem  a  cooperação  de  equipes  multidisciplinares  e internacionais, com destaque para pesquisadores turcos, austríacos, além de americanos, ingleses e franceses, coordenados a princípio por Kenan Erim (1929-1990), que desde a década de 1960 se dedicou ao sítio de Afrodísias – entre os anexos, o volume traz dois capítulos-síntese em inglês e em turco para os que não leem francês.

Na década de oitenta, N. de Chaisemartin foi convidada por Erim para empreender o e stud o d os frisos decorados do teatro, a cujos esforços  somou-se logo D. Teodorescu,  um  arqueólogo  com especialização em arquitetura, ampliando o escopo da pesquisa. O propósito era determinar e datar a s fases de construção do teatro e das modificações mais significativas que sofreu desde a sua fundação, no final do século I a.C. até o seu colapso, em decorrência  de um terremoto, em VII d. C. O presente livro reúne os dados concernentes à arquitetura do edifício de cena, da fachada ocidental, bem como da orquestra, já que a cavea, os assentos destinados ao público, segue sendo explorada. O  resultado  impressiona  pela minúcia da reconstituição, ricamente ilustrada por inúmeras plantas e ilustrações, além de um inestimável dossiê fotográfico com mais de oitenta páginas.

Pode-se dizer que o teatro ressurge dos escombros a que fora condenado e, com ele, parte significativa da história daquela que é uma das mais interessantes cidades da Ásia Menor.

Como não sou arqueóloga, mas uma helenista cujo interesse por Afrodísias  se  deve aos  estudos  sobre  o  romance  antigo e, particularmente, Cáriton, cujo livro traduzi, é dessa perspectiva que vou tratar essa publicação. Afrodísias é descrita com frequência como uma cidade helenística grega da Caria, localizada hoje na Turquia, na vizinhança de Geyre – em verdade essa cidade ficava sobre o sitio e foi removida para permitir as escavações. De fato, a cidade é refundada e recebe esse sugestivo nome, a partir do culto sincrético que a deusa local estabelece com Afrodite, em III a.C., mas a ocupação é muito anterior (c. 1200 a.C.). Apesar da colonização grega, ganha importância pela relação privilegiada que estabelece com Roma, de quem se torna aliada estratégica desde as Guerras Mitridáticas (I a.C.). Seus habitantes souberam muito bem explorar a rivalidade entre as potências emergentes locais, como Mileto e Éfes o, e os interesses romanos para construir uma aliança que a favorecesse no cenário geopolítico, usando para tal o culto de Afrodite. Como se sabe, após a ascensão de César, cuja família se pretendia descendente de Vênus, a deusa ganha importância no panteão latino. É justamente a consolidação de Otávio no poder após a vitória em Áccio (31 a.C.) e sua consagração como o Augusto (27 a.C.) que marcam um reflorescimento de Afrodísias, cuj o plano urbanístico passa por grandes reformas, das quais o teatro é uma das mais eloquentes. O conjunto  de  monumentos  extremamente  bem preservados, documentados com o apoio de amplo registro epigráfico, e escavado de forma exemplar, torna esse sítio um caso único para conhecer a vida em uma cidade grega do período romano.

Na origem desse empreendimento está uma figura singular, Gaius Julius Zoilos, um cidadão de Afrodísias que os aza res da vida fizeram escravo de Júlio César – quer por ter sido aprisionado em uma das inúmeras guerras travadas na região, quer por ter sido vítima do tráfico de pessoas comandado por piratas que infestavam os mares (para um breve perfil de Zoilos ver Bear d, 2017, p. 512-514). Após prestar bons serviços a seu senhor, de quem se tornou representante, coube a Otávio como parte do espólio de César, que o liberto u e d eu mostras de afeição por ele em suas cartas. Rico, voltou a Afrodisias e tornou-se um benfeitor da cidade, contribuindo com a construção e o embelezamento de diversos monumentos, entre eles, o teatro e templo de Afrodite. Uma série de registros epigráficos, recolhidos de placas  comemorativas  afixadas  na  parede norte do  edifício, testemunham o reconhecimento da cidade a ele e a outros que, posteriormente, patrocinaram reformas e acréscimos.Ao mesmo tempo, esse verdadeiro arquivo guarda a história de Afrodísias e de sua relação com Roma e seus imperadores, que se quis tornar bem visível aos visitantes estrangeiros. Há um pequeno dossiê epigráfico no volume em questão relacionado à construção do teatro, mas outras evidências podem ser encontradas no site Inscriptions of Aphrodisias (http://insaph.kcl.ac.uk/iaph2007/index.html).

Assim, o teatro, que além de abrigar espetáculos, também sediava as assembleias da cidade e outras festividades, foi construído, juntamente com o templo de Afrodite e outros monumentos da cidade, como forma de celebrar a nova ordem romana e de marcar a inserção de Afrodísias nela. N. de Chaisemartin, ao analisar os motivos decorativos da fachada cênica do teatro, confere relevo ao motivo de Apolo citaredo coroado pelas Musas, que ocupa o nicho central.  O  conjunto  escultórico evoca  as  glórias  de  Otávio, especialmente  o  triunfo  em  Áccio – Dioniso,  o  patrono  dos espetáculos dramáticos é posto de lado em vista de sua associação com Marco Antônio. Segundo a autora, Otávio se vale do histórico de lealdade da cidade cária para com Roma e das suas relações pessoais com Zoilos para dar início a um programa ideológico centrado na  propagação  de  sua imagem  como Princeps que brevemente se espalharia por toda Ásia Menor, alcançando todo o Império.

A particularidade do caso a frodisiense reside justamente em sua precocidade (é um dos primeiros monumentos com esse motivo e contemporâneo do templo de Apolo Palatino em Roma) e na riqueza de sua documentação, além de, pode-se acrescentar sem temor, na espetacular qualidade de seus monumentos, graças a o talento de exímios artesãos e ao mármore de qualidade superior de que dispunham.

Interessante também é verificar como este edifício é único na medida em que atesta a transição d a arquitetura de tipo helenístico para o de tipo imperial na Ásia Menor, apresentando características que sugerem a influência de Vitrúvio, cujo tratado sobre arquitetura data de pouco antes da edificação do teatro.Isso de fato só é possível se pensarmos no papel desempenhado por Zoilos, um homem entre duas culturas, como atesta sua estela funerária em que é representado com a capa grega e com a toga romana, provando, como quer M. Beard (2017, p. 514), que “na cultura do império romano, era possível ser ao mesmo tempo grego e romano ”.

O teatro foi remodelado nas décadas e séculos posteriores para poder se adaptar às múltiplas funções que desempenhou. Outros benfeitores como Aristocles Molossos, na primeira metade do século I d.C., dão continuidade ao programa de Zoilos, dotando o prédio de novos assentos e das escadarias de acesso ao s andares superiores da cena, cada vez mais adaptada aos oradores, e Hermas, que no final do mesmo século, reforma a orquestra. Por fim, em III d.C., novas mudanças são feitas, visando favorecer as lutas de gladiadores, espetáculos de caça e os balés aquáticos. O grupo escultórico também vai se enriquecendo, com o acréscimo de estátuas que celebram atletas que conquistaram renome para a cidade, além de outros cidadãos ilustres. Como nota Chaisemartain (2017, p. 1 81), o teatro de Afrodisias, apesar das adaptações sofridas para se adaptar à evolução dos espetáculos, manteve inalterada a fachada cênica, o que aponta para a sua relevância como depositária da memória coletiva dos cidadãos.

Afrodisias, que tem o título de Wor ld Heritage da UNESCO, continuará  a  nos  surpreender,  uma  vez  que as  escavações prosseguem, assim como a publicação de estudos que remontam décadas de pesquisas. O presente volume cumpre bem esse papel de dar vida a um monumento que, por sua vez, é capaz de iluminar o passado de uma cidade e nosso conhecimento sobre um período fértil da antiguidade. Para os interessados na pesquisa envolvida em Aphrodisias, indico o site Aphrodisias excavations (http://aphrodisias.classics.ox.ac.uk/index.html).

O romance de Cáriton, termina com a evocação a uma só vez do teatro e do templo de Afrodite, ambos o bra de Zoilos e motivo de orgulho dos afrodisienses (Quéreas e Calírroe, VII. 8):

Enquanto a multidão estava no teatro, Calírroe, antes de ir para casa, foi ao templo de Afrodite. Tocando-lhe os pés e pousando sobre eles o rosto, com os cabelos soltos, beijou-os e disse: — Sou grata, Afrodite.

Referências

BEARD, M. (2017). SPQR: Uma história da Roma Antiga. São Paulo, Crítica.

DUARTE, A. S. (trad.) (no prelo). Cáriton. Quéreas e Calírroe. São Paulo, 34.

Adriane da Silva Duarte – Universidade de São Paulo – São Paulo – SP – Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Noites circenses: espetáculos de circo e teatro em Minas Gerais no século XIX – DUARTE (RBH)

A segunda edição de Noites Circenses: espetáculos de circo e teatro em Mi­nas Gerais no século XIX, de Regina Horta Duarte, chegou aos leitores em 2018. Na sua primeira edição (Campinas: Ed. Unicamp, 1995), o livro foi saudado como trabalho muito bem escrito e cativante (Mello e Souza, 1996) e considerado referência para estudos sobre teatro e circo no Brasil (Silva, 1996). Os que lerem a nova edição constatarão que a obra não envelheceu e continua digna desses elogios. Leia Mais

Mutirão em Novo Sol – XAVIER; BOAL (RH-USP)

XAVIER, Nelson; BOAL, Augusto. Mutirão em Novo Sol. São Paulo: Expressão Popular, 2015. Resenha de: BATISTA, Natália. Multirão da História: Teatro, memória e apropriações no presente. Revista de História (São Paulo) n.176 São Paulo  2017.

A disciplina histórica tem observado o campo teatral com relativo distanciamento. Nos últimos anos as pesquisas têm aumentado gradativamente, mas ainda é possível perceber um olhar desconfiado para a temática. Entre as motivações para esta opção, constata-se a dificuldade de apreender a efemeridade do ato teatral, a carência de acervos e a necessidade de construir uma metodologia que contemple este novo objeto da história, mas velho na experiência humana. Entende-se que as problemáticas supracitadas não deveriam ser impeditivas para a análise do ato teatral em perspectiva histórica. Deveriam servir antes como estímulo para a construção de novos olhares para a produção teatral.

A noção do “aqui e agora” do espetáculo, bem como a sua incapacidade de reprodução, poderiam justificar o afastamento dos historiadores dessa abordagem. No entanto é importante questionar: quais objetos da história podem ser reproduzíveis? A inserção de qualquer tema histórico no presente se dá a partir do trabalho do pesquisador que escolhe o tema, delimita o objeto, seleciona fontes e constrói uma metodologia útil para a sua pesquisa. Evidentemente, o estudo do teatro possui peculiaridades, mas sua matéria humana é a mesma de qualquer processo histórico. Ao pesquisar o teatro é preciso agir como o ogro da lenda descrito por Marc Bloch: “Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça”1, mesmo quando o odor humano lhe parece distante.

O ato teatral enquanto encenação se esvai no momento dos aplausos finais. No entanto, de acordo com Batista, o teatro “continua existindo na memória coletiva dos que o fizeram, o assistiram e da sociedade que o cercava. Ele persiste no tempo através de rastros, sinais, documentos e fragmentos de memória”2. Tomando por base essa perspectiva, o resultado obtido com a publicação Mutirão em Novo Sol é consistente, pois articula o texto da peça, escrito por Nelson Xavier, o contexto histórico de sua produção, a pesquisa teórica, a análise das diferentes encenações, a documentação de época, depoimentos dos participantes da montagem, além de suas apropriações no presente. A articulação das diferentes perspectivas contribui para fazer do teatro um objeto plenamente histórico, a partir do momento em que reconstrói aspectos do contexto que o produziu e insere a cultura como elemento facilitador da compreensão de aspectos político-sociais do Brasil dos anos 1960.

O livro Mutirão em Novo Sol foi publicado no ano de 2015, fruto da parceria entre a editora Expressão Popular e do LITS [Laboratório de Investigação em Teatro e Sociedade]. O LITS é um grupo de pesquisa vinculado ao Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Seu objetivo é “conectar trabalhos de pesquisa acadêmica e artística e, assim, gerar reflexões críticas sobre as interações entre formas teatrais, projetos de modernização e situações produtivas da vida cultural3”.

A publicação da obra analisada dialoga efetivamente com os pressupostos sugeridos pelo coletivo.

Trata-se de um trabalho posicionado politicamente e que percebe a importância de desvelar uma obra desconhecida do grande público, contextualizar sua produção e interpretá-la a partir do contexto atual. De acordo com Iná Camargo, autora da orelha do livro, trata-se de um “resgate do outro lado da história” a partir do momento em que coloca em cena um texto que destaca a temática da reforma agrária, fazendo uma adaptação da rebelião conhecida como Arranca Capim, que ocorreu no interior de São Paulo.

A peça se passa na fictícia cidade de Novo Sol e o eixo na narrativa é o julgamento de Roque, um líder camponês. É possível observar um ir e vir no tempo, que perpassa a ação presente [o julgamento] e a reconstrução histórica [passado] da luta dos camponeses desde a sua chegada à Fazenda Cova das Antas e o acordo com Porfírio, dono da fazenda. Ele definia que após arar as terras os camponeses poderiam semeá-las. No entanto, no momento do plantio o latifundiário desfaz o acordo e tenta expulsar os trabalhadores para plantar capim e alimentar o gado. Diante da morosidade do poder judiciário para resolver a questão, os camponeses saqueiam o barracão da fazenda, além de arrancarem o capim plantado. Como forma de vingança, Porfírio manda matar Honório, um farmacêutico que tenta ajudar os camponeses na busca por justiça. Durante a peça vários personagens fingem prestar “solidariedade” aos trabalhadores, mas fica evidente o medo que possuem do latifundiário, uma espécie de coronel da região que controla a justiça, a igreja e a polícia, dentre outras instituições. Tentando encontrar alternativas, os camponeses se organizam para fundar a União [uma espécie de associação], motivação para que Roque seja acusado de subversão e agitação. No final da peça, ocorre um enfrentamento onde o líder camponês é condenado, mas pode ser liberado desde que convença os camponeses a parar o “arranca capim”. Ele não aceita o acordo e explicita que a luta dos trabalhadores é mais forte que a individual e eles continuarão na luta mesmo sem a sua presença.

O texto da peça foi escrito por Nelson Xavier em 1961. Contou ainda com a participação de Augusto Boal, principalmente na elaboração das falas do Coronel Porfírio. Ele foi produzido após uma conversa com Jôfre Corrêa Neto, inspiração para o personagem Roque. O líder camponês havia acabado de ser liberado da prisão e concedeu uma entrevista no Teatro de Arena de São Paulo, contando como se deu a resistência na Fazenda Santa Fé do Sul e os pormenores do que ficou conhecido como o Arranca Capim. A partir desta experiência real e da narrativa de Jôfre, a dramaturgia foi sendo construída. Ela não teve como objetivo fazer uma adaptação do fato histórico, mas se apropriar dele para construir um texto que dialogasse com o contexto político nacional, já que a luta pela terra perpassou e ainda perpassa todos os estados brasileiros.

De acordo com a Nota Introdutória de Sérgio Carvalho o texto tem grande importância na dramaturgia brasileira, tendo em vista que “inaugura uma sequência de peças de temática camponesa produzidas antes do golpe de 1964, influenciando o cinema novo do período; assume o ponto de vista dos explorados de modo radical, utiliza-se de elementos épicos como poucas vezes no teatro político no Brasil”4. Sua circulação enquanto obra teatral encenada permitiu que as perspectivas apresentadas no texto pudessem chegar ao público formal, mas também ao público que inspirou sua dramaturgia: os camponeses. Talvez pela necessidade de compreender o texto a partir da experiência teatral concreta é que o livro buscou analisar estas diferentes perspectivas.

A publicação é composta por alguns eixos centrais: o texto da peça e sua avaliação crítica, além das diferentes propostas de encenação. No primeiro eixo, o texto, é possível perceber a intervenção do coletivo que compara as suas duas edições e o recria a partir de seu cotejamento. São utilizadas muitas notas de rodapé para orientar o leitor sobre as escolhas dos editores do texto. Nesse sentido, trata-se de um trabalho que deixa claro as suas intervenções e propostas de interpretação do texto enquanto documento. Assume-se, nesta reflexão, o texto como documento histórico, pois se considera que sua análise pode descortinar aspectos da sociedade brasileira no que tange à compreensão do teatro [enquanto produto cultural] e da política [enquanto prática social].

No que diz respeito aos artigos complementares da publicação é possível perceber que eles descortinam aspectos que vão do texto à encenação. Alguns são teórico-analíticos e outros memorialísticos, o que lhes confere singularidade ao articular a teoria e a memória. É uma escolha interessante mostrar tanto a produção intelectual em torno do texto quanto as interpretações dos sujeitos sobre eles próprios e a encenação.

A publicação contou com muitas entrevistas. Elas foram utilizadas tanto nos textos de análise, produzidos por pesquisadores, quanto na compreensão da memória dos sujeitos que participaram de alguma etapa do texto ou da montagem de Mutirão do Novo Sol. Por vezes, percebem-se diferentes narrativas para o mesmo evento vindas de sujeitos diversos, o que dá à publicação um caráter polifônico, além da dimensão ambígua de qualquer experiência histórica.

O livro é dividido em três partes: Soma-se a “Depoimentos” e “Imagens e Canções” [blocos que fecham o livro] uma primeira parte não nominada, que contempla o texto teatral e uma de análise teórico-histórica mais densa. Nela está contida a Nota Introdutória de Sérgio Carvalho, que faz uma breve apresentação da história da escrita da peça, assim como sua importância na dramaturgia nacional. A Apresentação, assinada pelo autor Nelson Xavier, narra o processo de construção da peça e a importância do testemunho de Jôfre, que permitiu alcançar minimamente o ideal de um teatro que dialogasse de forma mais efetiva com o povo, como desejava alguns integrantes do Teatro de Arena. Ela é seguida do texto dramatúrgico completo e de uma Avaliação, escrita também por Nelson Xavier quando assistiu a adaptação da peça feita em 2012, no Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e Florestas. O autor faz um paralelo sobre a sociedade brasileira no contexto da escrita e quando foi reencenada, em 2012. Para ele, a peça expressa a sua geração, ou a forma como ele viveu e pensou as emoções de sua geração.

O artigo Jôfre, Roque e a Guerra do Capim, de Clifford Andrew Welch, apresenta dados históricos oriundos de documentação e entrevistas realizadas a partir da metodologia da história oral. O autor contextualiza a vida de Jôfre, narra a sua trajetória e tece comparações entre a história dita oficial e a narrativa construída na peça. Ele compara o nome dos personagens reais e fictícios, à ascensão de Jôfre e à força devastadora do Estado na mediação da questão. O texto permite compreender a peça e as opções estéticas de seus autores, assim como apontar as possibilidades do estudo do teatro no campo da disciplina histórica. Ao final ele menciona que apesar das diferenças com o caso real, a peça iluminava aspectos da luta pela terra no Brasil, tais como a miséria dos camponeses, o poder latifundiário, a corrupção das instituições do Estado e a única alternativa do campesinato, a auto-organização.

Nos textos que seguem são apresentados três diferentes encenações da peça ainda no período anterior ao golpe civil-militar. São eles Mutirão no CPC Paulista, de Sara Mello Neiva, que analisa a montagem realizada com a direção de Gianfrancesco Guarnieri; Julgamento no MCP do Recife, de Paula Autran, que investiga a inovação instituída pela peça no que tange à imediata recepção pelos camponeses; e Rebelião do CPC da Bahia, de Mariana Soutto Mayor, que narra a relação dos artistas de teatro, cinema e música na produção da montagem baiana.

Além da peça em si e de sua análise, o livro contribui também para descortinar outro aspecto importante da cultura brasileira deste período: a produção do CPC [Centro Popular de Cultura] em pelo menos dois estados: São Paulo e Bahia. Ao se investigar as montagens do CPC fora do Rio de Janeiro é possível observar a força dos CPCs e o seu importante papel na discussão das questões nacionais através da cultura. O mesmo ocorreu com o MCP [Movimento de Cultura Popular], de Recife, que começa a se articular com outros movimentos de base inseridos nesse contexto. A publicação segue o percurso da peça por diferentes estados e permite visualizar as singularidades das encenações. O último tópico da primeira parte é a Cronologia, que faz uma articulação entre a história e a memória, já que foi inserida exatamente entre os textos de análise teórico-histórica e os depoimentos.

A segunda parte, intitulada Depoimentos, consistiu na apresentação de entrevistas editadas, que foram realizadas para o livro ou produzidas em contextos anteriores. Para cada depoimento foi selecionado um título que enunciasse a temática central das narrativas e orientasse o leitor em seu percurso literário. São eles: Peripécias da Montagem, de Chico de Assis; Aprendizado no Arena, de Ricardo Ohtake; Público Camponês, de Juca de Oliveira; Ligas Camponesas e MCP; de Moema Cavalcanti; Trabalho de Cultura Popular, de Luiz Mendonça; Dramaturgia no MCP, de Ilva Niño; e Rebelião em Salvador, de Orlando Senna.

Alguns depoimentos foram coletados especificamente para a publicação e outros produzidos em diferentes contextos. Um ponto alto da utilização dos depoimentos é localizar o leitor, explicitando quando as entrevistas foram produzidas, por quem e com quais objetivos. Tais informações são fundamentais para entender as construções dos sujeitos no tempo e o caráter transitório da própria memória. Para Ulpiano “a memória é uma construção social, é formação de imagem necessária para os processos de constituição e reforço da identidade individual, coletiva e nacional. Não se confunde com a História, que é forma intelectual de conhecimento, operação cognitiva5”. Nesse sentido, a memória, quando não é problematizada, cria tensões com a História e isso é perceptível em alguns momentos do livro. Seria interessante que os depoimentos fossem acompanhados de uma análise histórica ou de uma breve discussão sobre o papel da memória na composição do livro. Em determinados momentos História e memória se confundem e podem causar inquietações em um leitor que desconhece a temática. De qualquer modo, não tira o mérito da iniciativa de colocar na mesmo publicação diferentes pontos de vista sobre a mesma experiência histórica, a peça.

Outra informação perceptível nos textos acadêmicos e depoimentos é a modificação do horizonte de expectativa dos sujeitos após o golpe civilmilitar. Para além dos artistas envolvidos com as manifestações de cunho engajado, foram perseguidos também os camponeses que tinham qualquer tipo de atuação política. Sendo a peça uma tentativa de elo entre artistas e camponeses, quase todos os envolvidos tiveram seus rumos modificados não só na perspectiva artística, mas também na política.

Na terceira parte, intitulada Imagens e Canções, discutiu-se a questão musical em Partituras das Canções, de Paulinho Tó; a análise da documentação de época a partir do texto Imagens de um processo, de Érika Rocha e Paulo Fávari; e o Posfácio, de Rafael Villas Bôas, que descreve o processo de “redescoberta” do texto, o contexto em que as edições foram cedidas pelo autor e sua eficácia simbólica ao ser trabalhado com os integrantes do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra].

O livro pode ser entendido como um alentado esforço de pesquisa, edição, publicação e divulgação de uma importante obra dramatúrgica. Ele pode ser pensado no sentido de um grande mutirão da história, onde pesquisadores, historiadores, atores e sujeitos se unem para a realização de uma obra coletiva, preocupada em discutir as experiências do passado com vistas a transformar o presente. Se a história caminha com parcimônia na análise do campo teatral, a publicação Mutirão em Novo Sol apresenta interessantes desdobramentos que podem inspirar os historiadores e fomentar novas possibilidades de estudo do teatro no campo da disciplina histórica.

Referências

BATISTA, Natália. Nos palcos da História: “Liberdade, Liberdade”. São Paulo: Editora Letra & Voz, 2017. [ Links ]

BLOCH, Marc. Apologia da história ou O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. [ Links ]

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A História, cativa da memória: para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. In: Rev. Inst. Est. Bras, São Paulo, n. 34, 1992, p. 09-24. [ Links ]

XAVIER, Nelson & BOAL, Augusto. Mutirão em Novo Sol. São Paulo: Expressão Popular, 2015. [ Links ]

1BLOCH, Marc. Apologia da história ou O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p.54.

2BATISTA, Natália. Nos palcos da História: “Liberdade, Liberdade”. São Paulo: Editora Letra & Voz, 2017, p.77.

3XAVIER, Nelson & BOAL, Augusto. Mutirão em Novo Sol. São Paulo: Expressão Popular, 2015, p.191.

4XAVIER, Nelson & BOAL, Augusto. Mutirão em Novo Sol. São Paulo: Expressão Popular, 2015, p.7.

5MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A História, cativa da memória: para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. In: Rev. Inst. Est. Bras, São Paulo, n. 34, 1992, p.22.

Natália Batista – Doutoranda pelo Programa de pós-graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Mestre em História e Culturas Políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora do Núcleo de História Oral da mesma instituição. Autora do livro Nos palcos da História: “Liberdade, Liberdade”. São Paulo: Editora Letra & Voz, 2017. E-mail: [email protected].

Pensar em não ver – escritos sobre as artes do visível (1979-2004) – DERRIDA (A-EN)

DERRIDA, Jacques. Pensar em não ver – escritos sobre as artes do visível (1979-2004). Organização de Ginette Michaud, Joana Masó e Javier Bassas. Tradução de Marcelo Jacques de Moraes. Revisão técnica de João Camillo Penna. Florianópolis: Editora UFSC, 2012. Resenha de PIMENTEL, Davi Andrade, Alea, Rio de Janeiro, v.17 n.1, jan./june, 2015.

Gostaria de começar esta resenha pelo tom dado por Derrida a seus textos que compõem o livro Pensar em não ver. O tom é o modo pelo qual o escritor convida o leitor a participar de seu texto. O tom, por assim dizer, é um chamado que, segundo Derrida, ganha o contorno da palavra vem – é preciso dizer que essa palavra está desconstruída pelo escritor, está violentada, retomada, reprisada, maltratada para que possa significar o além-dela-mesma. No momento em que esses textos dizem vem, eles nos chamam a participar de uma experiência de escrita que retoma ou nos direciona a uma experiência sobre a arte visual em parceria com o escritor; experiência que se configura como um chamado que não nos diz vem por aqui ou por ali, que não nos garante nada e que nem mesmo nos faz uma promessa. É por nada prometer que cada momento de leitura desses textos se transforma em um acontecimento – ele próprio, o livro, é o acontecimento: “trata-se da viagem não programável, da viagem cuja cartografia não é desenhável, de uma viagem sem design, de uma viagem sem desígnio, sem meta e sem horizonte. A experiência, a meu ver, seria exatamente isso” (DERRIDA, 2012: 80). O vem é o tom de um chamado, é a experiência – esta, por sua vez, nos chega através da árdua tarefa do tradutor Marcelo Jacques de Moraes, com suas perdas e ganhos, tensionada entre a dívida e a criação, entre a língua a traduzir e a língua traduzida. Tarefa que faz ressoar o tom derridiano, um tom também a traduzir, já traduzido.

Desde o primeiro texto, “As artes espaciais: uma entrevista com Jacques Derrida”, o escritor expõe a importância do tom antes mesmo do conteúdo de seus textos, pois o tom é o que se apresenta primeiro no jogo de apostas da escritura, como também é a base para que esse jogo possa ser efetivamente jogado. O tom mantém com o texto e com o leitor uma relação de risco, de incitação, de excitação e de gozo, por isso a iniciativa de Derrida em pluralizar o tom, em escrever em vários tons, para que o seu texto não fique restrito a um só interlocutor: “Pergunto-me com quem estou falando, como vou jogar com o tom, o tom sendo precisamente o que informa e estabelece a relação” (DERRIDA, 2012: 42). Se não podemos negligenciar os suportes, os “debaixos” de uma obra de arte, como bem lembra Derrida no texto “Os debaixos da pintura, da escrita e do desenho: suporte, substância, sujeito, sequaz e suplício”, por ser o debaixo o suporte necessário para que a obra de arte possa ser tomada enquanto tal, não podemos negligenciar também o tom que age como suporte do texto apresentado pelo escritor, por todo e qualquer escritor: “qualquer que seja sua matéria, o corpo do suporte é uma parte indissociável da obra” (DERRIDA, 2012: 287).

Da composição dos textos derridianos de Pensar em não ver, o tom que se sobressai é o de uma certa familiaridade, ou melhor, de uma certa informalidade, no que essas duas palavras têm de um certo deixar-se à vontade, não apenas pelas entrevistas que recortam magistralmente o todo do livro, como costuras que reafirmam a relação entre escritor e leitor, mas, sobretudo, pelos textos corridos. Quando Derrida reflete sobre a pintura, a fotografia, o desenho, o teatro, a videoinstalação e o cinema, o tom dado a esses textos é o tom de uma familiaridade que rompe com a formalidade mais precisa que encontramos em outros textos seus. Tudo se passa como se o próprio Derrida estivesse em face do leitor para compartilhar com ele o seu pensamento sobre as artes do visível, sobre a sua potência impotente que a todo instante se faz presente quando lhe é pedido para falar/escrever sobre uma arte que não é a da escritura: “Estou muito feliz e honrado por me encontrar aqui, intimidado também porque, como os senhores verão, minha incompetência é real, e não é de modo algum por uma fórmula de polidez ou de modéstia que começo declarando-a, essa incompetência” (DERRIDA, 2012: 163).

Em Pensar em não ver, do convite do tom se passa ao convite em forma de pensamento que Derrida faz tão bem: “O pensamento é também pensável em um movimento pelo qual ele chama a vir, ele chama, ele nos chama” (DERRIDA, 2012: 75). Pensamento que convida a pensar a arte visual enquanto produto de uma invisibilidade que lhe é essencial. Derrida defende ao longo de seus 20 textos que a visibilidade tem como contraponto seu suporte invisível. Na verdade, o que nos é dado a ver é o invisível, não o visível. No texto “O Sacrifício”, dedicado ao teatro, Derrida diz: “Mas se, desde sempre, o invisível trabalha o visível, se, por exemplo, a visibilidade do visível – o que torna visível a coisa visível – não é visível, então uma certa noite vem cavar um abismo na própria apresentação do visível” (DERRIDA, 2012: 399). A própria luz que nos ilumina é invisível, a própria palavra que nos constitui homens é invisível, logo, somos todos feitos, desenhados, pintados, modelados, filmados a partir de nossa nudez invisível.

Do contorno invisível próprio a toda arte, Derrida elege a figura do cego como o modelo de sua concepção artística. No texto “Pensar em não ver”, o escritor compreende que, para existir o desenho, ou, de uma forma mais geral, para que a arte visual possa existir enquanto acontecimento singular e único, é preciso que metaforicamente o artista se cegue, é preciso que ele passe pelo processo do enceguecimento. Em uma das passagens mais brilhantes do livro, Derrida comenta que, por termos os olhos à frente de nossos rostos, temos o que chamamos de horizonte. Através do horizonte, vemos vir o que nos chega e, desse modo, podemos tanto afastar quanto acolher ou nos defender do que vem do fundo do horizonte. Se por um lado a visão nos protege, essa mesma visão faz com que o acontecimento, no sentido próprio do que surpreende, se neutralize, perca sua potencialidade enquanto violência, enquanto irrupção artística. Por essa razão, o acontecimento somente pode surgir quando não é mais possível ter o horizonte como perspectiva: “o movimento em que o desenho inventa, em que ele se inventa, é um momento em que o desenhista é de algum modo cego, em que ele não vê, ele não vê vir, ele é surpreendido pelo próprio traço que ele trilha, pela trilha do traço, ele está cego” (DERRIDA, 2012: 71).

É preciso estar cego, é preciso se entregar ao movimento estabelecido pelo lápis, pelo pincel ou pela câmera para que a arte possa surgir enquanto acontecimento. O gozo artístico provém dessa entrega, dessa suspensão da visão, dessa cegueira que aflora os demais sentidos, que aflora a sensibilidade do artista, que deixa por instantes os conceitos ou pré-conceitos que formulam o mundo visível para se entregar ao abismo de uma certa noite – entregar, palavra libidinosa que expõe o artista e nos expõe à arte desse artista. Em uma entrevista com Derrida, o artista Valerio Adami, no texto “Êxtase, crise. Entrevista com Roger Lesgards e Valerio Adami”, comenta o passo inicial de seu processo criador, que se assemelha em muitos aspectos ao processo de enceguecimento proposto por Derrida:

Apoio, então, o lápis no papel, faço um ponto e a mão se move: esse ponto se torna, portanto, linha, essa linha se torna o perfil de uma montanha… É um caminho para o maravilhamento, a descoberta, em relação direta com o instinto e a memória – a memória instintiva. A mão se move porque consigo realmente me esvaziar de tudo, deixando a ela a liberdade (DERRIDA, 2012: 239).

Poderíamos supor que, ao falar do desenho, Adami tocaria na questão da visão, mas o que lemos é exatamente a não-visão, a mão que se deixa livre, liberdade daqueles que somente têm a mão como suporte no mundo; nada mais intrínseco ao cego do que as mãos. Responde Adami a Derrida e Lesgards: “A mão sempre foi uma das minhas obsessões” (DERRIDA, 2012: 240). Da imagem dos cegos, somos direcionados por Derrida à imagem das palavras que constituem os textos de Pensar em não ver. As palavras, como disse acima, seguem um tom, elas próprias dão um tom particular aos textos presentes no livro.

As palavras deixam de ser meros transmissores para, elas também, se configurarem em objetos de arte. O modo como Derrida tece seu texto, o modo como ele trabalha a palavra, maltratando-a, violentando-a, faz dela um acontecimento: “O que faço com as palavras é fazê-las explodir para que o não verbal apareça no verbal” (DERRIDA, 2012: 39). Em muitos momentos, a relação que as palavras mantêm entre si faz delas imagem, elas produzem uma imagem, mas não no sentido corrente da relação do signo linguístico – a palavra derridiana vai além da reunião de morfemas para se desenhar em imagem, em palavra-imagem. Ao lermos determinadas passagens de Pensar em não ver, é como se estivéssemos diante de uma tela. Estamos, a bem da verdade, visualizando e não lendo, como nesta bela passagem do texto “Com o desígnio, o desenho”: “o desenhista, quando desenha um cego, quaisquer que sejam a variedade ou a complexidade da cena, está sempre desenhando a si mesmo, desenhando o que pode lhe acontecer, e, portanto, já está na dimensão alucinada do autorretrato” (DERRIDA, 2012: 174). Visualizo, antes de tudo, o autorretrato de um desenhista cego.

As palavras-imagens são retomadas por Derrida ao conversar sobre o filme em que participou, segundo ele, como ator: D’ailleurs, Derrida. No texto em que se discute sobre o filme, “Rastro e arquivo, imagem e arte. Diálogo”, o escritor comenta da participação da palavra, agora não mais a palavra escrita, mas sim a falada: “As falas estavam ali como imagens, feitas para serem, de algum modo, levadas pela necessidade do ritmo, do encadeamento, da consequência icônica […] Icônico quer dizer estruturado segundo a necessidade e a lei da imagem” (DERRIDA, 2012: 101). Semelhante com o que ocorre no filme, a palavra no texto derridiano destacado acima é tornada elemento icônico. Desse modo, ao refletir sobre o desenho, sobre o movimento do artista ao desenhar, Derrida comenta o desenho de Valerio Adami ou de François Loubrieu com um outro desenho – desenho provindo de sua escrita atravessada por palavras-imagens. Logo, o movimento que adquire o texto derridiano é de uma profusão de reflexos, de pinturas distendidas em palavras-imagens, desenhos que se assemelham a seus próprios desenhos de escrita, fotografias que recontam o negativo de sua escrita de imagem. Imagens e mais imagens, profusão de imagens en abyme.

O leitor provavelmente se demorará na leitura sobre as fotografias de Frédéric Brenner, não por ser o texto longo ou de difícil compreensão, não, não se trata disso. A dificuldade está na delicadeza a qual se expõe Derrida ao analisá-las. Fotografias de judeus, fotografias da memória. Diferente dos outros textos, o tom familiar, quase prosaico com o qual o escritor vai tecendo o seu pensamento sobre as questões da comunidade judaica, sobre suas próprias questões recalcadas ou veladas, produz um sentimento de falta, de perda, no leitor. Ao lermos o texto “[Revelações, e outros textos. Leituras das fotografias de Frédéric Brenner]”, quase que imediatamente nos colocamos no lugar do outro, do outro sem pátria, sem terra, do outro-sem, por assim dizer, quase esquecido e, por isso mesmo, afeito à memória, a velar a memória de um passado que ainda assombra, mas que, continuamente, se transforma em um passado esquecível, esquecido: “A melancolia do homem é visível. Será legível? Ela pode assinar a memória enlutada com aquilo que ele recorda e que ele ainda vela, mas ela pode também chorar a amnésia, o esquecimento daquilo mesmo que teria sido preciso velar para que se velasse – e que ameaça apagar-se no próximo sopro da história” (DERRIDA, 2012: 332).

O visível da fotografia dá a ver o invisível que se esconde por trás da figura conhecida de Jacques Derrida. Nesse texto, sabemos um pouco de sua infância, de seu prenome judeu, de sua mãe, de seu avô… estamos íntimos de Derrida, o que confere a familiaridade do tom. Do mesmo modo como nos identificamos com a falta judaica – “todos nós nos identificamos, universalmente, com uma minoria” (DERRIDA, 2012: 343) -, o escritor, sendo judeu, não poderia deixar de se identificar com as fotografias de Brenner: “Tento identificar, mas também me identificar, ao mesmo tempo em que persigo o limite de uma tentação tão irresistível, de uma compulsão como essa” (DERRIDA, 2012: 327). Identificação acordada com uma reflexão constante sobre a falta/perda que acomete(u) o povo judeu. Diáspora? Não significa somente a dispersão dos judeus pelo mundo – significa algo ainda mais profundo. Segundo Derrida, a diáspora afeta a partir do interior, “ela divide o corpo e a alma e a memória de cada comunidade” (DERRIDA, 2012: 323). É o sentimento de estar deslocado que afeta os judeus, nada lhes é mais autêntico. Mas não nos esqueçamos, como também os judeus não se esquecem, que nada nos é próprio, nem mesmo a nossa língua nos é própria:

Nós, nós todos, todos os seres vivos presentes, os seres vivos do passado e os espectros do futuro, nós todos, homens ou animais, não temos lugar próprio e terra bem-amada a não ser prometida, e prometida desde uma expropriação sem idade, mais velha do que todas as nossas memórias (DERRIDA, 2012: 341).

O visível fotográfico, ao trazer à tona o obscuro da memória de Derrida, dialoga com as perspectivas da invisibilidade com as quais o escritor trabalhou ao longo de seus textos de Pensar em não ver, não por acaso o título do livro carrega a marca da invisibilidade, ou, se quisermos, a marca da cegueira: não ver. A partir dos tons dos vários textos derridianos presentes neste livro, sobressai o pensamento de que a arte da visibilidade tem como suporte, base de sua contra-assinatura, a invisibilidade ou, como sugere Derrida, em “Aletheia“, a noite, o obscuro: “Nada é mais escuro do que a visibilidade da luz, nada é mais claro do que essa noite sem sol” (DERRIDA, 2012: 305). O que presenciamos ao ver uma obra é sua inscrição invisível. Em um desenho, em uma pintura, o que vemos é o traço diferencial que não mais existe, mas que persiste no rastro que se torna o desenho ou a pintura que observamos em um museu, em um livro, em qualquer lugar em que a arte esteja exposta. A arte visual é produzida a partir dos debaixos, de traços já inexistentes, do flash noturno que ilumina o invisível diante da máquina fotográfica. É nos debaixos que o efeito da arte é produzido – é lá, no debaixo, que se produz o desejo, a interdição, o gozo, a incitação, a excitação, a obra: “Quando se fica sem ar diante de um desenho ou de uma pintura, é porque não se vê nada; o que se vê essencialmente não é o que se vê, mas, imediatamente, a visibilidade. E, portanto, o invisível” (DERRIDA, 2012: 82).

Da leitura desses textos, o que resta para além da ideia da arte visual é o pensamento de que nós, seres humanos, somos constituídos de uma invisibilidade atordoante; não por menos, a arte, as artes do visível, tem como suporte a invisibilidade. A reflexão sobre as artes do visível é o grande mérito dos textos derridianos organizados com extrema precisão por Ginette Michaud, Joana Masó e Javier Bassas na elaboração do livro Pensar em não ver – mérito que a Editora UFSC considerou ao publicá-lo, oferecendo, assim, ao leitor brasileiro, a oportunidade de ter em mãos textos de Derrida raros sobre essas artes e somente agora traduzidos para o português.

Davi Andrade Pimentel – Doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atua como pesquisador da obra do escritor francês Maurice Blanchot. É autor dos artigos: “Thomas – o primeiro blanchotiano” (Revista Letras Hoje, n. 48/ 2013), “O espectro de Kafka na narrativa Pena de Morte, de Maurice Blanchot” (Revista Gragoatá, n. 31/2011), “Rascunhos de um pensamento arrebatador: Maurice Blanchot” (Revista Todas as Letras, n. 12/2010), dentre outros. E-mail: [email protected]. Endereço: Rua Leopoldo Miguez, n. 129, apto. 706, CEP.: 22060-020, Copacabana – Rio de Janeiro – RJ.

Acessar publicação original

[IF]

 

Ensaios de um percurso: estudos e pesquisas de teatro | Esther Priszkulnik

A editora Perspectiva contribui, já há algumas décadas, de forma decisiva para os debates sobre a arte teatral no país. Não é diferente com o livro Ensaios de um percurso: estudos e pesquisas de teatro, lançado em junho de 2013. Nessa obra, a pesquisadora Esther Priszkulnik, falecida em 2009, lança luz e estabelece um diálogo entre três universos teatrais distintos: o da Rússia do início do século XX, o do mundo judaico e o do Brasil dos imigrantes e do modernismo. Baseado em textos apresentados no curso de Pós-graduação do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) e na dissertação de mestrado da autora, defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o livro é organizado por J. Guinsburg e Luiz Henrique Soares e dividido em três partes: Ensaios, Projeto de uma encenação e O teatro ídiche em São Paulo. Leia Mais

William Shakespeare: as canções originais de cena – ZWILLING (AF)

ZWILLING, Carin. Colaboração de Leonel Maciel Filho e Andrea Kaiser. William Shakespeare: as canções originais de cena. São Paulo: Annablume, 2010. Resenha de: PATRIOTA, Rainer; BESSA, Robson. Artefilosofia, Ouro Preto, n.16, jul., 2014.

O livro William Shakespeare: as canções originais de cena, de Carin Zwilling (com a colaboração de Leonel Maciel Filho e Andrea Kaiser), é resultado da pesquisa de doutorado concluída pela autora no Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo sob orientação do prof. Dr. John Milton. Desde já, registre-se a importância crucial do livro, que resgata para o público brasileiro uma faceta raríssima conhecida e comentada do teatro shakespeariano, mas que nem por isso deixa de ser imprescindível a todos aqueles que buscam uma compreensão mais ampla d a arte deste que é o mais admirado artista inglês de todos os tempos. Imprescindível, uma vez que n o teatro de Shakespeare, como deixa bem claro o livro de Carin Z willing, a música não se restringia a uma função meramente decorativa, mas antes operava por dentro da trama e com um impacto estético-catártico decisivo. William Shakespeare: as canções originais de cena, desdobra-se ao longo de s eis capítulos. No primeiro, intitulado “ Sobre William Shakespeare: uma visão panorâmica ”, a autora traça um breve painel da vida e da obra do dramaturgo, oferecendo um quadro cronológico de suas peças em que informa o gênero, as possíveis fontes literárias de que Shakespeare teria se servido, e os principais personagens de cada uma ; o capítulo, cuja brevidade condiz com seu caráter preambular, termina com um interessante comentário de John Dryden – extraído de seu Essay of Dramatic Poesy (1668) – e uma linha do tempo situando os principais eventos da vida de Shakespeare no contexto político e literário da época. O segundo capítulo, “ O teatro inglês ”, da autoria de Leonel Maciel Filho, versa sobre a construção dos teatros londrinos durante os períodos elisabetano e jacobino. Nele, ficamos sabendo que o primeiro teatro moderno fora construído em 1576 por James Burbage, um “ simples ” marceneiro e ator, que custe ara sozinho todo o empreendimento e, com um a ousadia que é tão própria ao homem do Renascimento, veio a fundar aquele que provavelmente foi o primeiro teatro popular da Europa. Por problemas contratuais, o teatro de Burbage teve de se r demolido, mas a madeira empregada em sua construção servi ria para a edificação do famoso Globe – o teatro para o qual Skakespeare veio a escreve r grande parte de suas peças. Leonel Maciel Filho finaliza seu capítulo com uma discussão s obre a retomada do teatro clássico durante o Renascimento. Seguindo as orientações de Vitrúvio em seu De Architectura sobre acústica e teoria da música, os arquitetos do Renascimento tiveram grande preocupação com a questão sonora. Segundo Leonel, essa mesma preocupação norteou a construção d o teatro shakespeariano, pensado mais em função do ator (e do músico) que do cenógrafo. Em “ A música na época de William Shakespeare ”, Carin Zwilling volta à cena e, nesse terceiro ato de sua obra, atua com excelente desenvoltura. De início, descreve a situação social dos músicos e seus divers os papéis, sobretudo o de músico de corte, abordando em seguida – com o auxílio de interessantes ilustrações de época – os

instrumentos mais utilizados, como o alaúde, o virginal, a s viola s da gamba, as flautas, sacabuxas etc. Sua exposição culmina n uma importante exposição conceitual sobre a canção moderna. Nascida da busca pelo resgate da música grega e em oposição ao “artificialismo” da polifonia renascentista, a canção se pauta na expressão de afetos embutidos no texto e elaborados pela melodia. Depois de incursionar pelas terras italianas e esclarecer o conceito de seconda prattica, formulado por Claudio Monteverdi, Zwilling destaca a figura de Thomas Morley – importante madrig alista do período elisabetano, autor de duas canções para o teatro de Shakespeare e de um manual de composição (que é brevemente comentado pela autora). Com o quarto capítulo, “ A música na obra de William Shakespeare ”, chegamos a um momento crucial do livro de Carin Zwilling.

Nele, a autora fornece uma série de dados sobre as canções n as peças de Shakespeare e nos instrui sobre as inúmeras referências musicais feitas pelo dramaturgo, não apenas as poéticas, mas também as técnica s – as indicações para a execução de música de fundo ou para a entrada em cena dos músicos. Discute – a partir das categorias apresentadas pelo renomado pesquisador em Shakespeare Frederick W. Sternfeld – as diversas funções que cabia à música desempenhar dentro da trama e no palco, a exemplo da “música mágica”, que ambientava situações idílicas ou oníricas como aquela em que as fadas ninam Titânia em Sonho de uma Noite de Verão. Às quatro categorias de Sternfeld, Zwilling acrescenta a categoria de “música das esferas”, observando que não só em Shakespeare, mas no teatro da época em geral, o conceito pitagórico de “harmonia das esferas” circulava como um signo cósmico a traduzir a vida e a arte. Segue-se uma descrição das formas de música vocal presentes na dramaturgia shakespeariana, como o carol e o catch, o madrigal, a balada – o gênero predileto de Shakespeare – e a lute air, esta última intimamente associada à obra do ilustre compositor e alaudista John Dowland. O capítulo termina com um quadro das canções utilizadas por Shakespeare, indicando não só a peça da canção, mas também o nome do compositor, o gênero musical a que pertence e sua localização específica na peça (ato e cena). O quinto capítulo, “As canções originais de cena de William Shakespeare”, é o coração do livro de Carin Zwilling. Fruto de cinco anos de pesquisa, ele traz comentários esclarecedores sobre 3 2 canções d e Shakespeare (apenas 33 foram encontradas de um total de 72), contendo ainda a transcrição das partituras e a tradução dessas canções – feita pela autora em colaboração com Leonel Maciel Filho e Andrea Kaiser. Trata-se de um material precioso e do maior interesse para músicos – especialmente aqueles que se dedicam ao repertório antigo –, gente d e teatro e apreciadores de Shakespeare e da literatura em geral. O livro termina com um capítulo que é, na verdade, um apêndice – “Biografia dos compositores das canções de Shakespeare”. Tem-se aqui dez verbetes extraídos do The New Grove Dictionary of Music and Musicians traduzidos por Leonel Maciel Filho. A despeito de seu caráter genérico, o material cumpre sua função como uma fonte de informação para estudantes de música, pesquisadores e curiosos em geral. Não há dúvida de que o livro de Carin Zwilling é digno da maior consideração, sobretudo pelo esforço musicológico de transcrição e análise das canções. Na verdade, ao chamar a atenção para o fato de que o teatro de Shakespeare possuía canções e muita música de fundo, a autora nos convida a reformular nosso ponto de vista acerca d e uma obra que tem sido apreciada sobretudo como literatura, mas que, em sua origem, é mais que isso – é teatro, ou seja, palco, com atores, cantores e instrumentistas. Pela importância da temática e do livro em si mesmo, faz falta, no entanto, uma boa apresentação ou mesmo um prefácio que, em chave estética e musicológica, fizesse as devidas honras ao livro.

Observe-se, por fim, que a autora, que também é alaudista, nos dá um excelente exemplo de que o trabalho do músico não precisa se confinar à lida da performance, podendo – ou mesmo devendo – se prolongar e potencializar pela atividade intelectual e investigativa.

Rainer Patriota-Graduado em música pela UFPB e doutor em filosofia pela UFMG; professor e pesquisador pelo PRODOC junto ao IFAC/UFOP.

Robson Bessa-Graduado em música pela UFMG e doutorando em literatura pela UFMG.

Acessar publicação original

Festa de negro em devoção de branco: do carnaval na procissão ao teatro no círio | José Ramos Tinhorão

A festa como temática em pesquisas é um assunto recente entre os historiadores, pois estes se interessaram pelo assunto apenas nas últimas décadas. No entanto, já é abordada há algum tempo por outros estudiosos, como os folcloristas, jornalistas e sociólogos brasileiros. O jornalista José Ramos Tinhorão, nascido em 1928 em Santos-SP, é crítico e pesquisador na área da história da música e história literária brasileira, autor de uma extensa e diversificada obra sobre temas relacionados à música e festas populares no Brasil e Portugal, com base na pesquisa histórica1.

Os textos publicados por Tinhorão tendem ao materialismo histórico. Em sua obra, é possível notar frequente denúncia sobre a alienação das classes dominantes e uma valorização das classes populares como detentoras da verdadeira cultura nacional. O autor, atravessado pelos novos paradigmas da historiografia, propõe um diálogo com outras disciplinas e utiliza uma diversidade de fontes em sua investigação que abrange desde fontes oficiais, como leis, regimentos e posturas até fontes que outrora não eram consideradas seguras pelos historiadores, como os testemunhos de contemporâneos, o teatro, a literatura de cordel e impressos (folhetos, farsas, entradas e loas). Leia Mais

História, teatro e política – PARANHOS (VH)

PARANHOS, Kátia. (org). História, teatro e política. São Paulo/Belo Horizonte: Boitempo/FAPEMIG, 2012, 248 p. DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. Varia História. Belo Horizonte, v. 29, no. 49, Jan./ Abr. 2013.

O conhecimento histórico é uma construção refinada que dialoga com diferentes fontes documentais e discursos pretéritos. O teatro, em sua diversidade, é simultaneamente objeto de pesquisa, narrativa histórica e fonte documental. Nesse sentido, as relações do teatro com a História são necessariamente complexas e exigem do pesquisador competência para construção de trânsito interdisciplinar e sensibilidade para compreensão da narrativa teatral em si mesma. Exige também formação capaz de fazer da arte teatral um recurso epistemológico possível, na construção de abordagens históricas, que possibilitem compreender o tempo, as espacialidade e as relações sociais constitutivas da própria História.

Essa complexa inter-relação de dinâmicas e procedimentos metodológicos encontrou um belo lugar de expressão no livro História, teatro e política, organizado pela historiadora Kátia Paranhos. A obra de 248 páginas, publicada pela Editora Boitempo, tem o mérito de reunir textos, que embora referentes a experiências peculiares, trazem em comum a “compreensão do fato teatral como uma rede extensa e complexa de relações dinâmicas e plurais que transitam entre a semiologia, a história, a sociologia, a antropologia, a técnica e arte, a representação e a política” (p.10).

Ao abraçar essa perspectiva, o livro contribui para reflexão metodológica sobre o uso de fontes e teorias. Além disso, apresenta ao leitor, um retrato dinâmico de experiências históricas concretas em que teatro e política dialogam.

Na bela e densa apresentação da obra, Kátia Paranhos analisa como o movimento de redefinição do campo da História alargou possibilidades. Entre elas destaca-se a da compreensão do texto teatral não somente como documento ou fonte, mas também como elemento constitutivo da própria trama da história, uma vez que como fato é também ato. Nesse sentido, afirma:

A atividade teatral dialoga com outros campos do fazer artístico e, assim é lógico que incentive uma história que dê conta das relações verificadas dentro e fora do fenômeno teatral. (p.9).

Nesse sentido, para autora teatro é História, ou é a História em ato.

Essa orientação de valorização das inter-relações no campo do teatro está muito bem expressa no artigo de autoria de Adalberto Paranhos, História, teatro e política em três atos. Em seu texto analisa a interseção entre teatro e política, na construção da história por sujeitos sociais ativos:

O teatro seja autodenominado, político, engajado, revolucionário ou até apolítico, é sempre político, independentemente da consciência que seus autores e protagonistas tenham disso. O mundo da política é habitado por todos nós, queiramos ou não, quanto mais não seja porque toda e qualquer elação social implica, inescapavelmente, relações de poder, tenham essas o sentido de dominação ou não. (p.36).

Nesse sentido, não seria temeroso afirmar que a compreensão da organizadora da obra e dos autores dos textos nela reunidos é de que em sua construção artesanal cada espetáculo teatral é único. Mas que o teatro em si é heterogêneo, dialético e inserido em determinados tempo e espacialidade.

A dialética é inerente à extensa e diversificada rede de relações e dinâmicas que compõem o fenômeno teatral. Rede que, em uma tessitura de múltiplos fios, transita entre História, semiologia, sociologia, antropologia e política. Considerada essas características de mobilidade e pluralidade, o livro, em seu conjunto reafirma sua filiação a um campo renovado de produção do conhecimento histórico. Renovação que absorve novos objetos e novas formas de construção epistemológica, que considera a narrativa não uma simples reprodução do real, mas uma escolha permeada por variáveis diversificadas.

Ao traduzirem a complexa heterogeneidade inerente ao movimento da história e à construção do saber histórico, os textos selecionados pela organizadora do livro, além de reflexões sobre fontes, trazem rica contribuição sobre temas variados, entre eles o teatro russo e o teatro espanhol. A ênfase maior recai, todavia, sobre a produção teatral brasileira, em especial o teatro brasileiro de engajado, crítico e contestador, no período do imediato pré 1964 e na conjuntura que sucedeu o golpe político ocorrido naquela ano.

Na abertura da coletânea o leitor encontrará o belíssimo texto, “Editar Shakespeare”, de autoria de Roger Chartier, professor da Universidade da Pensilvânia” e membro do Centro de Estudos Europeus na Universidade de Harvard. Chartier, com precisão regada por formação histórica erudita, analisa a construção e a materialidade do texto shakespeariano e sua inerência histórica.

A coletânea também é composta por textos que abordam assuntos variados, tais como:

– relação entre História, teatro e política;
– teatro revolucionário russo;
– o teatro engajado de João das Neves;
– a produção dramática de Miguel Hernades à época da Guerra Civil Espanhola;
– a obra teatral de Oduvaldo Vianna, nos tempos sombrios brasileiros, pós AI5;
– produção de cenas teatrais por artistas como Hélio Oiticica e Lina Bo Bardi;
– itinerários da opereta e mapeamento de fontes selecionadas nas cidades do rio de Janeiro e São João Del Rei.

Os textos referentes ao teatro brasileiro são expressivos da importância histórica do teatro com especial destaque para o tempo presente, a bem dizer contemporâneo de muitos dos autores que contribuíram para a construção de um livro intenso que, embora de autoria múltipla, não se apresenta como um quebra cabeça desarticulado.

Como assinala Kátia Paranhos na apresentação do livro, o teatro em cena e o teatro em texto transbordam para além da representação e do fato teatral em si ganhando multiplicidade fulgurante e expressão histórica singular. A consideração da multiplicidade e da singularidade são também características do livro por ela organizado. As abordagens interdisciplinares inerentes aos capítulos escritos por autores de formação variada, trazem efetiva contribuição para a ampliação de horizontes metodológicos no campo da História em particular e das Ciências Humanas em geral.

Além disso, o livro cumpriu o objetivo de sua organizadora de “oferecer ao leitor um quadro inicial das diferentes categorias de discurso teatrais” (p.12). Ou seja, avançar para além do discurso teatral hegemônico e voltar o olhar para discursos teatrais não iluminados pela crítica. Para tanto considerou o fenômeno teatral em toda sua amplitude, incorporando análises sobre dramaturgia e dramaturgos, experiências cênicas, escrita teatral, gêneros do teatro, relações entre escolas de pensamento e práticas teatrais e, finalmente relação entre teatro e sociedade.

Essas são razões que considero mais do que suficientes para leitura do livro. Além disso, com certeza, o olhar e a compreensão dos leitores, encontrarão em suas narrativas e análises outros holofotes a iluminar a cena da leitura e as correlações entre o fazer teatro e política na História.

Lucilia de Almeida Neves Delgado – Departamento de História. Universidade de Brasília. [email protected].

 

 

 

 

 

La nouvelle Héloïse – ROUSSEAU (SY)

ROUSSEAU, Jean-Jacques. La nouvelle Héloïse. Paris: Librairie Générale Française, 2008. Resenha de: GONÇALVES2, Marcos Fernandes. A concepção do espetáculo como supérfluo1. Synesis, Petrópolis, v.3, n.1, p. 86-98, jan./jun., 2011.

Em A nova Heloísa, Rousseau desenvolve uma crítica à função do teatro na sociedade. Saint Preux, em suas idas a Paris, pôde observar o teor de seus espetáculos enquanto formadores de consciência e indicadores de luxo e ociosidade. A análise do filósofo no presente romance é muito semelhante à desenvolvida em seu escrito intitulado Carta a d’Alembert sobre os espetáculos, que versa constantemente sobre o assunto que tanto ocupava o tempo do genebrino. Desta forma, poder-se-á constatar no presente escrito que até a concepção do filósofo acerca da arte em questão sofre a influência de seus estudos críticos sobre o luxo e supérfluo cultivados pelo homem social. Além disso, existe uma analogia à questão de o homem civilizado estar sempre encenando sua vida social, como num constante espetáculo3, ao invés de manifestar seus verdadeiros sentimentos aos seus semelhantes. Desta forma, o teatro assume na ótica rousseauniana o estatuto de um reflexo da falsidade e das relações de interesse presentes na sociedade. Em suma, o que se pretende estabelecer são os parâmetros da crítica ao luxo, ao inútil e à ociosidade que se manifesta no artifício do homem social em tentar representar a si mesmo e o meio em que vive.

Poder-se-ia afirmar que os espetáculos conseguem desempenhar uma função pedagógica na sociedade em que residem, ou não passam de mero fruto da ociosidade dos homens com a finalidade de preencher mais um dos caprichos humanos? Da mesma forma que os indivíduos engendram um número incontável de novas necessidades para ocuparem seu tempo e satisfazerem suas paixões, o teatro surge como um novo meio de se buscar a felicidade em algo efêmero. O espectador vai ao teatro não apenas para assistir, mas também para se sentir como aquela personagem que admira e que passa a constituir um paradigma a ser imitado. Rousseau assinala em sua crítica ao luxo a fundamental importância de se priorizar aquilo que pode trazer um bem estar ao ser humano. De outra forma, se a arte de encenar se apresenta como algo de pouco préstimo ao gênero humano, fatalmente será classificada como mais uma invenção humana supérflua. Há que se desenvolver uma plena expressão da realidade, em que o dito em cena possa condizer com a realidade daqueles assistem o espetáculo. A expressão inútil4 do espetáculo pode ser definida como uma inação no sentido de não se conseguir obter uma transcendência das palavras ditas no palco à realidade a que se dirigem:

Conhecem-se assim as conversas que aqui se mantêm, mas nada do que pode servir para apreciá-las. Digo o mesmo quanto à maioria dos novos escritos, digo o mesmo da própria Cena que, desde Molière, é bem mais um lugar em que se declamam bonitas conversas do que a representação da vida civil. (ROUSSEAU, 1994, p.227).

A razão da crítica se dá pelo papel que assume a representação na vida dos citadinos, se situando mais como um espetáculo com o objetivo de gerar distração do que propriamente despertar a consciência para a realidade circundante. Com qual objetivo se declamam bonitas conversas senão o de distanciar o olhar do espectador das questões concernentes ao contexto em que vive5? Rousseau cobra um compromisso com a realidade que possa conferir à arte um distanciamento daquilo que considera supérfluo. Os bens desejados pelo homem do estado civil se constituem em luxo pernicioso à medida que roubam-lhe seu tempo e retiram-lhe sua independência, pois não lhe dão a oportunidade de viver sem eles. Com isso, de um estado de liberdade primitiva, em sociedade, o indivíduo adquire necessidades e paixões que ao mesmo tempo lhe causam prazer e tormento. Todo prazer gerado pelo luxo se caracteriza como algo efêmero que se findará no próximo anseio. É justamente no próprio desfrute do prazer que surge o tormento por conta de uma consciência de sua finitude. Nada pode garantir ao ser humano a felicidade peremptória e, desta forma, é preciso estar sempre em busca de novas distrações. Esse ato de buscar constantemente distrações futuras, que na maioria das vezes não são necessárias, usurpa o tempo das pessoas e as escraviza às suas paixões. A esse respeito, Rousseau argumenta a d’Alembert o porquê de sua reprovação aos espetáculos:

[…] vejo, de início, que um espetáculo é uma distração e, caso na verdade necessite o homem de distrações, concordareis ao menos que sejam elas permitidas na medida em que são necessárias e que qualquer distração inútil constitui um mal para um ser cuja vida é tão curta e o tempo tão preciso. (ROUSSEAU, 1958, p. 346).

Como visto, a não ser que haja uma preocupação que vá além do âmbito da distração, o espetáculo está fadado a se restringir a algo dispensável da vida em sociedade com relação à consolidação do bem-estar de todos. Nesse ponto, é possível constatar que há uma inevitável associação do espetáculo à presença da ociosidade na sociedade. Homens que possuem tempo para frequentar encenações públicas6 são ociosos e gastam seu tempo com vãs necessidades para preencher as lacunas de sua inação. Podem ser caracterizados como aqueles que não têm uma consciência madura do valor que se deve dar ao seu tempo, isto é, do quão precioso é saber utilizar de maneira correta um bem tão escasso em sociedade: “O bom emprego do tempo torna o tempo mais precioso ainda, e, quanto mais se aproveita, menos se quer perdê-lo.” (ROUSSEAU, 1958, p. 346). O indivíduo absorvido por suas inúmeras paixões e necessidades recentes não consegue encontrar uma ocasião oportuna para poder gozar dos bens que adquire mediante seu trabalho. Pelo fato de estar sempre à procura de novas realizações e distrações, o homem civilizado nunca tem o tempo adequado para vivê-las com a intensidade requerida. É esse, em grande parte, o problema do luxo: propicia ao seu possuidor toda a ostentação desejada aos olhos alheios, contudo retira ao próprio dono o momento de quietude para gozá-los.

As peças teatrais parisienses, segundo a observação de Saint-Preux, embora possam possuir certa ligação com o coração humano, não conseguem compor um quadro que retrate a sociedade plena que as acolhe. Embora a encenação seja nada mais que um reflexo da sociedade excludente e desigual da qual faz parte, possui uma forte tendência a disfarçar através de uma conveniente máscara os problemas sociais. Sua finalidade em vista disso, na maioria das vezes, se resume ao divertimento alienante que pode proporcionar às pessoas. Eis então uma utilidade inegável do espetáculo: divertir e distrair as pessoas, ocupar seu tempo ocioso. E desta forma, corre-se um grande risco de se criar uma sociedade de homens pacientes e telespectadores de sua realidade, de sujeitos egoístas e sem noção de seus costumes por conta de uma formação que não tem interesse na instrução de pessoas conscientes. O amigo de Júlia especifica bem essa faceta ao descrever-lhe com qual intenção se desenvolvem as peças parisienses:

Várias dessas (peças) são trágicas mas pouco emocionantes e, se nelas encontramos alguns sentimentos naturais e alguma verdadeira ligação com o coração humano, não oferecem elas nenhuma espécie de instrução sobre os costumes particulares do povo que divertem. (ROUSSEAU, 1958, p. 227).

Há na proposta de frugalidade rousseauniana a tentativa de afastar gradualmente do convívio humano toda espécie de superfluidade que possa corromper e gerar desigualdade no meio social. Desta forma, a sua reprovação ocorre em decorrência dos divertimentos oferecidos pelos espetáculos, que se dão sob a forma de inação de alguns em detrimento do trabalho de outros. Nem todos têm tempo e condições financeiras para freqüentarem um teatro. Aquele que trabalha para o desenvolvimento da sociedade em que vive não possui a ociosidade para se deleitar com prazeres que em nada acrescentariam ao bem estar comum a não ser uma diversão passageira: “Do mesmo modo, vê-se constantemente o hábito do trabalho tornar insuportável a inação e uma consciência sadia extinguir o gosto dos prazeres frívolos”. (ROUSSEAU, 1958, p. 346). Rousseau ressalta a d’Alembert que existe uma incompatibilidade entre o gosto por frivolidades e a consciência que almeja a edificação da realidade e da ação pelo trabalho. O homem não foi feito para permanecer ocioso assistindo passivamente a construção de uma realidade utópica à sua volta, como propõe a fantasia teatral. Ele possui a função de afirmarse a si mesmo enquanto indivíduo autêntico sem a necessidade de nenhuma espécie de ornamento ou máscara para viver socialmente. Todavia, o espetáculo tem a errônea preocupação em dar aos homens a falsa noção de escolha do caminho a se seguir. Ao assistir uma peça, o homem parisiense vê-se imerso em uma outra realidade que não corresponde à sua e, por efêmeros instantes, pode converter-se naquilo que sempre almejara ser. Desta forma, a representação conduz o indivíduo a uma fuga da realidade e faz com esta se perpetue ao exercer seu fascínio sobre sua consciência. Fica bem explícita essa questão ao Saint-Preux analisar de maneira eficiente o aspecto seletivo da cena parisiense: “Há nesta grande cidade quinhentas ou seiscentas mil almas de que nunca se fala no Palco”. (ROUSSEAU, 1994, p. 228). Ora, é obvio que se o espetáculo tem o intuito de apresentar ao público algo que lhe provoque momentos prazerosos de fuga, é de suma importância levar-lhes personagens ilustres que estejam acima de sua categoria. Com isso, o espetáculo pode ser conceituado como duplamente discriminatório: seleciona tanto os que assistem quanto os que são assistidos. Ninguém manifesta o interesse em ver histórias de pessoas comuns de uma condição social baixa; a vida dos ilustres é mais interessante de ser apreciada. O espetáculo se afirma assim como uma genuína extensão da realidade exterior que apenas preza pelo esteticamente aceitável. É justamente com a pretensão de se criar o belo, que não se tem no mundo real, que o espetáculo multiplica ainda mais os preconceitos tentando disfarçá-los. O que se pode notar é que os autores, sob o engodo de distração e divertimento, trazem para dentro da cena os prejuízos que causam a infelicidade fora dela. Apenas há interesse na contemplação de pessoas distintas e bonitas, como se a sociedade real fosse formada unicamente por tais indivíduos. Contudo, o fato de se omitir as mazelas sociais na cena, revela sob o pretexto da fantasia a real indiferença e o contragosto em perceber o lado feio que impregna toda a sociedade. Nesse ponto, o palco se constitui um refúgio, uma ilha em que o espectador tem a ilusão de se isentar de toda a mácula e corrupção do mundo. Em reprovação à mentalidade preconceituosa, Saint-Preux lembra Júlia sobre dois exemplos: “Molière ousou pintar burgueses e artesãos tanto quanto marqueses; Sócrates fazia falar cocheiros, marceneiros, sapateiros e operários”. (ROUSSEAU, 1994, p.228).

Uma vez que fica explícita a intenção de se buscar uma identidade fora de si mesmo, pode-se corroborar a existência de um descontentamento com seu próprio eu que não atende suas exigências. A opção pelo que é simples e natural não traz a satisfação adequada ao grau de ociosidade a que chegou o homem moderno. Destarte, é necessário fantasiar ser aquilo que não se é e engendrar novas paixões que não seriam suas se não assumisse uma outra identidade. Rousseau responde a d’Alembert que é com base em uma necessidade de negar a si mesmo que o homem recorre às distrações dos espetáculos: “É, porém, o descontentamento consigo mesmo, é o peso da ociosidade, é o esquecimento dos gostos simples e naturais que tornam tão necessária uma distração exótica”. (ROUSSEAU, 1958, p.346). Ao definir o teatro como uma distração exótica, na Carta sobre aos espetáculos, o genebrino tenta descrever o fato de espectador encontrar prazer unicamente fora de si. Ou seja, é no palco que o observador se sente plenamente realizado e autêntico com sua falsa identidade. Contudo, o gozo não se dá num processo de representação, mas na própria encarnação da identidade da personagem que passa a se constituir o espectador7. Essa fusão entre personagem e observador constitui um aspecto indesejável, pois anula a autonomia do indivíduo que põe-se a viver fora de si sem uma consciência e valores próprios: “De modo algum aprecio a possibilidade de constantemente ter-se de levar o coração à cena, como se não tivesse bem dentro de nós”. (ROUSSEAU, 1958, p. 346). É interessante notar que não é apenas o espectador que leva seu coração à cena, mas igualmente, o próprio ator que compõe a personagem sacrifica seu eu para dar vida ao seu rebento8. Qual é o reflexo de tudo isso para a vida em sociedade? Ora, os espetáculos são criados para alimentar os gostos das pessoas, para entretê-las e retratá-las com a melhor aparência possível. Mesmo que o retrato apresente pouca similaridade com o modelo original, o mais importante é fazer com que cada um se manifeste o mais satisfeito possível com seu aspecto, conforme expressa Rousseau a d’Alembert:

Em geral, a cena é um quadro das paixões humanas, cujo original está em todos os corações, mas, se o pintor não tivesse o cuidado de acariciar suas paixões, os espectadores logo ficariam desgostosos e não desejariam mais ver-se sob um aspecto que fizesse com que desprezassem a si próprios. (ROUSSEAU, 1958, p. 348).

Em outros termos, poder-se-ia afirmar que o espetáculo, assim como a polidez, constitui uma arte de agradar as pessoas, mostrando-lhes, para satisfação de seu narcisismo, um reflexo que as agrade. Desta forma, como a maioria das relações estabelecidas na sociedade, a arte adquire também um caráter de conveniência social e passa a se identificar com os anseios de quem a assiste, para cumprir apenas seu papel de distração e não de crítica.

Rousseau reconhece que a principal utilidade do espetáculo se resume a agradar gerando, de certa maneira, uma dissimulada harmonia social9:

Quanto à espécie dos espetáculos, é ela certamente determinada pelo prazer que proporcionam, não pela sua utilidade. Talvez se possa encontrar alguma utilidade neles, mas o objetivo principal é agradar e, divertindo-se o povo, alcança-se suficientemente o objetivo. (ROUSSEAU, 1958, p. 347).

Existe uma grande periculosidade sob o véu de uma suposta harmonia que começa e termina com o abrir e cerrar de cortinas. Cada indivíduo que se compraz diante da cena parisiense vê apenas sua própria fortuna e felicidade, sua satisfação plena não possui nenhuma relação com o benefício comum, diz respeito tão somente ao êxito ou fracasso daquele que o representa no palco10. Todos querem obter o sucesso em detrimento da derrocada do outro. Todavia, é muito interessante analisar que o espetáculo possui a função de maquiar a realidade desigual que se estende para além dos palcos e das platéias. À medida que só se vê representar pessoas de condições sociais respeitáveis, fica clara a tentativa de se criar uma suposta sociedade seletiva11 em que os paradigmas de virtude e dignidade são atribuídos apenas a uma pequena aristocracia. A cena moderna esconde atrás de suas cortinas a desigualdade entre ricos e miseráveis presente nas ruas parisienses e dá lugar à representação de uma sociedade épica em que nunca se ouviu falar em pobreza. Com base nisso, Saint-Preux revela a Júlia que o espetáculo já não se preocupa em mostrar os homens como verdadeiramente são, e sim apresenta-os sob adornos na tentativa de criar um outra realidade:

[…] é assim que a cena moderna não abandona mais sua entediante dignidade. Nela não se sabe mais mostrar os homens senão em trajes dourados. Parece até que a França somente é povoada de condes e cavaleiros e que mais o povo é miserável e mendigo mais a representação do povo é brilhante e magnífica. (ROUSSEAU, 1994, p. 228).

A função social do teatro, então, é cumprida de acordo o esperado uma vez é preciso disfarçar o lado desagradável da sociedade com a intenção de torná-la, ao menos aparentemente, mais harmoniosa. E qual o melhor lugar para se fazer isso, a não ser em um palco onde não se vê indivíduos miseráveis e degradados? Enquanto durar a encenação, será nutrida a falsa sensação da existência de uma sociedade mais justa e igualitária cujos problemas apresentados são solucionados até o fim do espetáculo.

Dificilmente pode-se extrair uma eficiente faceta pedagógica e benéfica aos costumes e à virtude das peças teatrais. Tanto em A nova Heloísa quanto na Carta sobre os espetáculos, Rousseau assinala que a exígua tentativa em se instruir o povo nas representações fracassa, ou por uma interpretação errônea de quem assiste ou por um método de ensinar inadequado do assistido12. A comédia, por exemplo, tem por objetivo primeiro gerar divertimento, contudo no seu próprio ofício desenvolve um método de retratação caricatural com a finalidade de provocar risos através do ridículo. O interessante, segundo Saint-Preux relata a Júlia, é que ao invés do ridículo gerar repugnância àqueles dele caçoam, acaba surtindo um efeito contrário de imitação de vícios e corrupções: “O resultado é que, ao pintar o ridículo das condições que servem de exemplo aos outros, ele é antes difundido do que eliminado”. (ROUSSEAU, 1994, p. 228-229). Mas qual a causa dessa difusão ilógica do que se apresenta como ridículo em cena? Por que há a imitação13 do que se configura como algo aparentemente ruim? O próprio amigo de Júlia trata de responder a questão dando sequência à sua arguição:

[…] o povo, sempre imitador dos ricos, vai menos ao teatro para rir de suas loucuras do que para estudá-las e tornar-se ainda mais louco do que eles ao imitá-los. Eis do que o próprio Molière foi causa, corrigiu a corte infectando a cidade e seus ridículos marqueses foram o primeiro modelo dos janotas burgueses que os sucederam. (ROUSSEAU, 1994, p. 229).

Eis um outro problema que surge em virtude da índole seletiva das peças parisienses: a forte tendência em se criar uma espécie de etiqueta. O âmbito teatral adquiriu um significado de lugar de referência, em que se ensina às pessoas como se deve portar em sociedade. Desta forma, sua predileção pela representação de personalidades de alta estirpe, despertou uma errônea consciência de que suas atitudes demonstradas no palco seriam as mais plausíveis socialmente. As personagens em trajes dourados e com suas vidas fictícias tornaram-se paradigmas para pessoas que não possuíam um modelo de verdadeira virtude na vida real. Obviamente, o problema da imitação se configura como o ponto central que permite afirmar o teatro como um propagador do luxo:

Além desses efeitos do teatro relacionados com as coisas representadas, existem outros, não menos inevitáveis, que se ligam diretamente à cena e às personagens representadas, e a esses os genebrinos já citados atribuem o gosto pelo luxo, pela vestimenta e pela dissipação, que, com razão, temem introduzir entre nós, não é somente a frequentação dos comediantes, mas o teatro, que pode despertar esse gosto pelo aparato e vestuário dos atores. (ROUSSEAU, 1958, p.377).

Surge com isso um grande problema com relação ao espetáculo: como divertir o povo sem permitir que ele imite aquilo que assiste? Ora, a gênese da comédia, por exemplo, consiste na ridicularização dos vícios latentes de cada pessoa. Desta forma, isentar as pessoas do contato com a difusão de vícios, mentiras e corrupções deve caminhar necessariamente no sentido de privá-las do contato com o espetáculo. Não há um outro meio, pois o próprio genebrino

define a d’Alembert a boa comédia como aquela capaz de causar os maiores danos possíveis aos costumes:

Tudo, nela, é mau e pernicioso, tudo permite inferências aos espectadores e, baseando-se o próprio prazer do cômico num vício do coração humano, desse princípio se segue que, quanto mais agradável e perfeita é a comédia, mais funesta aos costumes é seu efeito. (ROUSSEAU, 1958, p. 359).

Desta maneira, sem adentrar ao estudo de um outro gênero, a crítica rousseauniana ao teatro de costumes se estrutura com base na análise do efeito nocivo que este causa nos espectadores. Dificilmente o gosto do público se volta às pessoas de bem que são representadas, pois faz parte da própria alma da peça tornar as más índoles mais interessantes que as boas. Há propositalmente a inclinação em dar uma maior altivez de iniciativas aos indivíduos corrompidos, enquanto às pessoas de bem é reservada uma apatia que não desperta nenhum interesse no público.  A esse respeito, Rousseau, apesar de admirar Molière, critica suas peças por conduzirem os espectadores à contemplação dos maus exemplos de sua sociedade representada:

[…] quem negará ser o teatro desse mesmo Molière, cujo talento admiro mais do que qualquer outra pessoa, uma escola de vícios e de maus costumes, mais perigoso do que os próprios livros em que se faz questão de ensiná-los? Seu maior cuidado está em pôr no ridículo a bondade e a simplicidade, e de colocar a astúcia e a mentira no lado que se tem interesse; suas pessoas de bem são somente pessoas que falam, seus corruptos são pessoas que agem e a quem os mais brilhantes sucessos favorecem com mais frequência; finalmente, a honra dos aplausos muito raramente cabe ao mais estimável e quase sempre cabe ao mais esperto. (ROUSSEAU, 1958, pp. 359-360).

Como fica claro, Rousseau reitera na Carta a d’Alembert sobre os espetáculos, através de uma critíca à obra de Molière, o caráter de distorção de valores exercido pelo representação. Há, indubitavelmente, uma forte tendência em se promover a distração pública com base na ridicularização de valores e exaltação de defeitos. Se, em determinadas ocasiões, os defeitos são postos à mostra com o intuito de serem eliminados, o que se dá efetivamente, amiúde, é o oposto do supostamente pretendido pelo autor.

Nas obras que foram trabalhadas, os espetáculos são vistos por Rousseau como uma forma de distração cujos benefícios compreendem elementos insignificantes se comparados aos vícios e maus exemplos que incitam em seus apreciadores. Quando se retoma a questão da própria utilidade enquanto um fator fundamental para a determinação consciente do que pode ser denominado de supérfluo, a arte de representar analisada por Saint-Preux não foge a essa classificação. O espetáculo, sob o pretexto de divertir, é um produto com o objetivo de satisfazer mais uma paixão engendrada socialmente e, ao mesmo tempo, é um meio de sugerir e induzir à invenção de outras.

Notas

1 Resenha submetida em 21/04/2011 e aprovada em 28/06/2011.

2 Mestre em Filosofia pela da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e atua como professor adjunto de Filosofia Política, Sociologia e Hermenêutica na Faculdade João Paulo II e Filosofia Geral, História e Ensino Religioso no Ensino Médio e Fundamental do Colégio Estadual Léo Pizzato. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3014358631184052. E-mail: [email protected]

3 “Toda sociedade desempenha uma espécie de teatro implícito e difuso que a institucionalização do teatro desperta, purifica e torna, por assim dizer, hiperbólico.” (PRADO Jr., 1975, p. 18).

4 Há que se ficar bem que claro que o espetáculo não é completamente inútil, todavia sua utilidade para Rousseau é insignificante diante de seus malefícios. A respeito do embate entre utilidade e divertimento, Bento Prado assevera: “O que o gênio, em sua solidão, não pode transformar é o destino, o conjunto de condições sociais psicológicas de delimitam, na série contínua dos possíveis, o grau ótimo de combinações entre divertimento e utilidade exigido pelo público real do teatro; ignorando tais restrições impostas por seu público real, o gênio instala sua obra no ar, e não marca um caminho viável para a cultura. É assim que Rousseau contesta a idéia de perfectibilidade contínua das artes e a substitui por aquela de uma perfeição máxima, segundo a forma histórica que serve de horizonte ao autor e ao público”. (PRADO Jr., 1975, p. 8).

5 Sobre a corrupção que se dá por vãs palavras diante da inação, Bento reflete o seguinte: “[…] aqui também essa corrupção é obra de uma humanidade separada do trabalho e da natureza, fechada no universo artificial dos salões, presa da retórica vã do galanteio. Porque o espectador ignora toda linguagem que não seja ornamento”. (PRADO Jr., 1975, p. 10).

6 É de suma importância compreender que aqui quando se utiliza do termo pública faz-se referência a uma dimensão coletiva. As peças são frequentadas por várias pessoas, desta forma pode-se dizer que possuem um caráter público. Contudo há um outro significado para o emprego do termo que não utilizamos neste capítulo. Este diz respeito aos espetáculos que se dão ao ar livre como, por exemplo, as encenações que ocorriam a céu aberto na Grécia Antiga.

7 Quanto à questão da relação entre ator e espectador, Bento tece algumas considerações: “Mas esse lugar, que, por sua forma, decide a natureza do encontro entre ator e espectador, é determinado ele próprio pela forma política da sociedade em que sem manifesta. Se o teatro só se estrutura, então, nos espaços que a sociedade lhe oferece, se as diferenças entre as formas de espetáculos remetem às diferentes formas de poder, esta tipologia dos espetáculos será necessariamente política”. (PRADO Jr., 1975, p. 13).

8 “Um comediante em cena, mostrando sentimentos que não são seus, dizendo o que lhe fazem dizer, representando amiúde um ser quimérico, aniquila-se, por assim dizer, anula-se com seu herói; e nesse esquecimento do homem, se algo dele resta, é para tornar-se o brinquedo dos espectadores. A situação do comediante é assim definida como alienação, perda de ser em proveito de outro imaginário. Mas essa anulação do homem em proveito do imaginário – o jogo da representação como desdobramento, mas, sobretudo, como supressão da presença – só tem virulência moral e prática porque pode imbricar-se imediatamente na prática social dada que a precede.” (PRADO Jr., 1975, pp. 17-18).

9 Contudo, é preciso deixar bem claro que na afirmação do divertimento, enquanto função principal do espetáculo, reside uma contribuição útil para a sociedade apontada pelo genebrino na Carta a d’Alembert: “A razão deseja que se favoreçam as distrações das pessoas cujas ocupações são prejudiciais e que se desvie dessas mesmas distrações aqueles cujas ocupações são úteis”. (ROUSSEAU, 1958, p. 377). Desta forma, o espetáculo adquire uma função paliativa impedindo os maus de praticarem seus atos reprováveis.

10 “[…] a alma do espectador se distancia da vontade moral e cívica, e reflete, à sua maneira, em suas paixões,o estilo do déspota cruel: as paixões não mais convergem na direção da constituição de um corpo coletivo e fecham cada espectador numa ilusória soberania.” (PRADO Jr., 1975, pp. 13-14).

11 “Na Nouvelle Héloise, descrição do teatro em Paris implica numa análise sociológica do teatro clássico: na cumplicidade entre a cena e seu público, é a pretensa universalidade do mundo de uma classe social que se afirma, suprimindo a representação (e reprimindo a realidade) das outras classes e das outras formas de humanidade.” (PRADO Jr., 1975, p. 14).

12 No concerne à função moral e pedagógica da cena, Rousseau adverte a preponderância de seus inconvenientes com a relação àquilo que poderia ofertar de benéfico: “[…] o efeito moral do espetáculo e do teatro nunca poderia ser bom e salutar em si mesmo, pois a considerar-lhe apenas as vantagens, nele não se encontra qualquer utilidade real que não seja superada pelos inconvenientes”. (ROUSSEAU, 1958, p. 377). Desta forma, vê-se decreta a face do espetáculo enquanto algo inútil e sem nenhum poder corrigir os costumes errôneos: “Ora, devido a uma conseqüência de sua própria inutilidade, o teatro, que influência alguma tem no sentido de corrigir os costumes, muito pode alterá-los”. (ROUSSEAU, 1958, p. 377)

13 “É, assim, com o mesmo tom virtuoso que Rousseau e Diderot definem os limites naturais arte e insistem na eficácia corruptora das formas desviantes da imitação, a representação do vício (ou da contra-natureza), passando a aparecer como causa necessária de falta de moral.” (PRADO Jr., 1975, p. 9).

Referências

GARCIA, Cláudio Boeira. As cidades e suas cenas: a crítica de Rousseau ao teatro. Ijuí/RS: Editora Unijuí, 1999. (Coleção “Ensaios políticos e filosofia”).

GOULEMOT, Jean M. “Présentation et Notes”. La nouvelle Héloïse. Paris: Librairie Générale Française, 2008.

GUYON, Bernad. “Notes”. Julie ou La nouvelle Heloise. Paris: Plêiade, 1964. (Oeuvres Complètes)

PRADO JUNIOR, Bento. “Gênese e Estrutura dos Espetáculos”. Estudos Cebrap, núm.14, outdez/1975. São Paulo, 1975.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Carta a d’Alembert sobre os espetáculos. Tradução de Lourdes Santos Machado. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1958.

________. Discurso sobre as ciências e as artes. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção “Os Pensadores”).

_________. Júlia ou a nova Heloísa. Tradução de Fúlvia Moretto. Campinas:   Hucitec/Ed. Unicamp, 1994.

________. Julie ou La nouvelle Héloise. Paris: Garnier-Flammarion, 1967.

________. La nouvelle Héloïse. Paris: Librairie Générale Française, 2008.

Marcos Fernandes Gonçalves – Mestre em Filosofia pela da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e atua como professor adjunto de Filosofia Política, Sociologia e Hermenêutica na Faculdade João Paulo II e Filosofia Geral, História e Ensino Religioso no Ensino Médio e Fundamental do Colégio Estadual Léo Pizzato. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3014358631184052. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[DR]