Sobre o autoritarismo brasileiro | Lilia Moritz Schwarcz

Nós, os brasileiros, somos como Robinsons: estamos sempre à espera do navio que nos venha buscar da ilha a que um naufrágio nos atirou (Lima Barreto, “Transatlantismo”, Careta).

Em tempos de retrocesso, em que a esperança parece ter fugido do coração dos homens, é preciso voltar ao passado. Em momentos históricos conflitantes, nos quais a histeria e intolerância tornam-se a tônica do cotidiano, é preciso entender onde erramos, reencontrarmo-nos com o mais profundo de nós. Em momentos de frivolidades, mesquinharias, total apatia ao saber e à cultura, é preciso um pouco mais de poesia, de literatura, arte, diálogo. Como diria o poeta: “Precisamos adorar o Brasil! Se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens, porque motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos” (ANDRADE, s.d., s.p). Leia Mais

La história como campo de batalla: interpretar las violencias del siglo XX | Enzo Traverso

A violência é um fio condutor viável para se compreender a historização do século XX? E ainda: o “campo de ruínas” em que consiste o século em questão oferece condições para a produção de conhecimento, enquanto fonte para reflexões no âmbito da Teoria da História?

As perguntas com que esta resenha se inicia podem ser respondidas por meio do livro La História como campo de batalla: interpretar las violencias del siglo XX, de Enzo Traverso, publicado originalmente L’histoire comme champ de bataille: interpréter les violences du XXe siècle, em Paris, em 2011, sem ainda tradução para o português. Objeto de investigação de um variado número de historiadores, o século XX se recusa a uma definição final: “A era dos extremos” (HOBSBAWM, 1995), “o tempo das crises” (REIS FILHO; FERREIRA ZENHA, 2000), “o século esquecido” (JUDT, 2010), “o século sombrio” (TEIXEIRA DA SILVA, 2004) são algumas das definições cunhadas pela historiografia recente. Traverso não destoa dessas acepções, definindo-o, sobretudo, como a era da violência, das guerras totais, das revoluções que naufragaram e das utopias que desmoronaram (TRAVERSO, 2012, p. 325). Leia Mais

Entre a revolução dos costumes e a ditadura militar: as cores e as dores de um país em convulsão | Adrianna Setemy

No panorama de estudos relativos a ditadura militar brasileira – e em especial no que tange as políticas de governo e aos aspectos culturais conservadores da época – foi lançado recentemente uma interessante contribuição da historiadora Adrianna Setemy, ela que é mestre e doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e com pós-doutorado na mesma instituição. Nessa obra a autora mostra com acuidade, como após o golpe de Estado de 1964 no Brasil, inúmeros fatores afetaram o comportamento das pessoas, desde o modo de se vestir, até as questões relacionadas a sexualidade, além disso, nesse mesmo interim ressalta que o mundo tomava conhecimento de uma gama de fenômenos que o abalaria, tais como: o término da Segunda Guerra Mundial, a luta dos direitos civis, a Guerra do Vietnã, da mesma maneira que, introdução da pílula anticoncepcional, a influência do rock, do movimento hippie e do uso de drogas faziam parte das manifestações políticas e culturais daquele momento. O Brasil, por sua vez, sentiu todas essas circunstâncias sob a agonia de uma ditadura, a qual, a repressão não se limitou apenas ao campo político, mas também aos costumes que contestavam os padrões da “moral e dos bons costumes”, a partir da forte interferência do moralismo. Setemy discute esses temas, tendo como fonte de investigação duas revistas Manchete e Realidade durante o intervalo entre 1964 e 1968, onde, nos anos 60 desempenharam a capacidade de abordar temas polêmicos, ganhando lucro nas vendas, sem colocar-se em risco pelo viés político da censura ou da recusa dos conservadores. Entre a revolução dos costumes e a ditadura militar é um livro, que foi lançado pela editora Letra e Voz no ano de 2019, que nos permite refletir como foi possível durante os conturbados anos ditatórias a impressa, com destaque para as revistas citadas, tratarem sobre as mudanças comportamentais que se fizeram nesse contexto. Leia Mais

História da saúde no Brasil | Luiz Teixeira, Tânia Pimenta e Gilberto Hochman

Quais questões, abordagens e conceitos mobilizam o campo da história da saúde no Brasil? Quais temas já foram abordados e quais as possibilidades de expansão nesse campo de pesquisas? O que pode ser considerada uma historiografia da saúde? Como diferenciar história da medicina, história da saúde, história das doenças e história das ciências? Esses questionamentos estão na essência da coletânea “História da Saúde no Brasil”, organizada pelos pesquisadores Luiz Teixeira, Tânia Pimenta e Gilberto Hochman, todos da Fundação Oswaldo Cruz. O livro, que reúne uma visão geral sobre os diferentes trabalhos desenvolvidos na instituição em termos de pesquisa histórica, a um só tempo materializa uma visão sobre o passado da saúde no país e uma rede de pesquisadores que têm se dedicado a temas nesse espectro nos últimos trinta anos. Compreender e discutir não somente o conteúdo do livro, mas também o projeto institucional que representa, é fundamental. Leia Mais

Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos | Ludmila Costhek Abílio

O Brasil é, hoje, o terceiro maior mercado mundial de produtos de higiene pessoal, perfumes e cosméticos. Segundo dados do setor, no ano de 2013, o país ficou atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão e à frente de gigantes como a China. A previsão é que o Brasil ocuparia, até o primeiro semestre de 2016, o segundo lugar no ranking. No Brasil, a campeã de vendas nesse setor é a Natura. A enorme quantidade de pessoas vendendo produtos cosméticos revela o crescimento exponencial desse setor. No mundo são cerca de 95 milhões de vendedoras. O Brasil tem, atualmente, 4,5 milhões. Somente a Natura tinha, em 2007, 400 mil pessoas revendendo seus produtos. Em 2014, já tinha chegado à marca de 1,3 milhões. O sucesso da Natura adveio, principalmente, da adoção, desde 1974, do “Sistema de Vendas Diretas” (SVD). As vendas nesse formato não exigem postos físicos de trabalho; elas ocorrem através de relações interpessoais, com “consultoras” que vão de porta em porta apresentar os catálogos aos clientes. Esse sistema é antigo no Brasil, mas, no último decênio cresceu de modo avassalador. O Brasil ocupa hoje a quarta posição nessa área, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Japão e China. O volume de negócios do setor movimentou mundialmente o montante de US$ 169 bilhões em 2013; no Brasil chegou à marca de R$ 41,6 bilhões. Leia Mais

A dominação e a arte da resistência: discursos ocultos | James Scott

Com o recente lançamento de A dominação e a arte da resistência pela livraria Letra Livre de Portugal (especializada em escritos libertários) podemos enfim dispor em língua portuguesa de uma das principais obras de James C. Scott. Até então os interessados nas ideias deste autor no Brasil tivemos de nos contentar com as traduções de uns poucos artigos publicados em periódicos acadêmicos.3

Há cinco décadas James C. Scott, professor de Ciência Política e Antropologia da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, vem produzindo uma extensa obra que abrange diferentes campos de estudos, como economia política, relações agrárias, hegemonia e formas de resistência, política camponesa e, mais recentemente, anarquismo. Entre os seus livros mais importantes estão: The moral economy of the peasant (1979), Weapons of the weak (1985), Seeing like a state (1998) e The art of not being governed (2009). Leia Mais

Do bispo morto ao padre matador: Dom Expedito e Padre Hosana nas construções da memória (1957-2004) | Igor Moreira Alves

No dia primeiro de julho de 1957, por volta das 18 horas e 30 minutos, três sons de disparos de revólver ecoaram no Palácio Episcopal, em Garanhuns, no agreste pernambucano. João, empregado da casa, ao ouvir o barulho, correu à porta e deparou-se com o bispo, Dom Francisco Expedito Lopes, caído ao chão, ensanguentado, moribundo. Imediatamente pediu-lhe que chamassem o Monsenhor José de Anchieta Callou. Soube-se naquele momento, pelo próprio Dom Expedito, o nome daquele que o alvejou: Padre Hosana de Siqueira e Silva, seu subordinado. O motivo seria a denúncia que chegara ao bispo de que Padre Hosana estaria tendo um caso amoroso com Maria José Martins, sua prima e empregada doméstica. Dom Expedito Lopes faleceu depois de oito horas de intensa agonia. Padre Hosana, a princípio, refugiou-se no Mosteiro de São Bento. Como menciona o autor, “o crime, com suas interpretações, deixou marcas”3. É a partir dessas (re)interpretações, das marcas do dizer, lembrar e narrar o crime, que ele constrói sua obra.

Igor Alves Moreira é licenciado em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú e mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará. Neste livro, fruto de sua dissertação de mestrado defendida em 2008 4, ele procura explorar e faz isso com maestria, como o crime que sentenciou Dom Expedito à morte e Padre Hosana ao julgamento dos homens, foi lembrado e (re)contado através das construções do lembrar. Apesar de admitir que a história é uma reconstrução da memória, Igor viola as memórias e gesta uma história intrigante5, possibilitando assim a construção de seu objeto, um acontecimento singular6. Leia Mais

A tolice da inteligência brasileira – ou como os países se deixam manipular pela elite | Jessé de Souza

Jésse de Souza é um dos principais cientistas sociais brasileiros da atualidade. Graduado em direito, mestre em sociologia pela UNB e doutor pela Universidade de Heidelberg. Possui pós-doutorado em psicanálise e filosofia na New School for Social Reasearch em Nova Iorque e uma trajetória acadêmica de pesquisas sobre classes e desigualdades sociais no Brasil. É professor titular de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e foi presidente do Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA).

Em 2015 publicou A tolice da inteligência brasileira – ou como os países se deixam manipular pela elite, pela editora LeYa de São Paulo. Este livro polêmico pode ser considerado uma espécie de análise de conjuntura do que iria se concretizar em 2016. A obra de Jessé de Souza, quando lançada, não apresentava o impeachment como foco central de análise, mas uma tentativa de interpretação das chamadas “Jornadas de Junho” de 2013. Com intuito de articular o fenômeno das jornadas com a suposta (re) organização do pensamento conservador brasileiro, Souza dividiu sua obra em quatro partes constituintes, perfazendo a discussão clássica da teoria política e sociológica, para entender a estrutura do embasamento ideológico das elites. Leia Mais

A cultura no mundo líquido moderno | Zygmunt Bauman

Com seu livro intitulado A Cultura no Mundo Líquido Moderno, no original Culture in a Liquid Modern World, Zygmunt Bauman prossegue em 2013 suas análises sobre a modernidade, fazendo uma síntese das características que tomou a cultura desde a era “sólida” até a era “líquida”, bem como sua relação com o “multiculturalismo” e “globalização”.

No primeiro capítulo Bauman procura demonstrar que na atualidade não se firmam mais as antigas distinções entre a elite cultural e o chamado “grande público”, essa hierarquia cultural deu lugar a uma elite diversificada que aprecia tanto a “grande arte” quanto os programas populares de televisão e, “onivoramente”, consome diversas formas de arte, tanto populares quanto intelectualizadas, porém preocupada demais em celebrar o sucesso e outras formas festejadas ligadas a cultura. Descreve também “as peregrinações históricas do conceito de cultura”, desde o Renascimento, passando pela reviravolta causada por Pierre Bourdieu no século XX, chegando até os dias atuais, quando adentra a era “líquida”. Bauman mostra que o conceito de “cultura”, surgido no âmbito rural para incitar a ação agrícola, o arado e a semeadura, também esteve relacionado ao cultivo de almas (cultura animi), a interação entre protetores e protegidos, educadores e educados, e ainda esteve relacionado aos ideais iluministas e a construção de uma nação, de um Estado e de um Estado-nação, e ainda a aproximação entre as classes altas e o “povo”, ou seja, entre os que estão na base da sociedade e os que estão no topo. A perda de posição do conceito de “cultura” é resultado de uma série de processos de caracterizam a transformação da modernidade de seu estado “sólido” para seu estado “líquido”, o que Bauman denomina de “modernidade líquida”. Leia Mais

O Guia árabe contemporâneo sobre o Islã político | Ibrahim Abu-Rabi

Lançado em 2011 este livro vem completar duas lacunas: A primeira – existente em todo mundo euro-americano – de obras sobre o Islã e mundo árabe escritas por seus próprios interlocutores. É bem conhecida a frase de Karl Marx usada como epígrafe no clássico livro de Edward Said “Eles não podem representar a si mesmos; devem ser representados”; a segunda – a da mesma linhagem de obras publicadas em português – embora o número de obras publicadas no Brasil sobre essa temática tenha crescido desde o fatídico 11 de setembro de 2001 e trabalhos acadêmicos especializados estejam numa crescente, estudos sobre Islã e mundo árabe feitos por árabes e muçulmanos ainda são raros. Basta lembrar que entre os autores mais publicados – no Brasil sobre esta temática temos Albert Hourani e Edward Said com ascendência árabe, mas com carreiras consolidadas no Reino Unido e EUA, respectivamente, e Karen Armstrong e Bernard Lewis, sem ascendência árabe e oriundos dos mesmos países. Leia Mais

Em Perspectiva | UFC | 2015

Em Perspectiva

A revista eletrônica Em Perspectiva (Fortaleza, 2015-) é um periódico gratuíto, de publicação semestral do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Ceará (UFC). A Revista tem por objetivo estimular a produção intelectual no âmbito da História Social, campo da pesquisa em História, cujas abordagens apreciam análises em torno das experiências dos sujeitos históricos, a partir da qual a problematização das noções de história, sujeito e sociedade emergem enquanto vias fundamentais para a compreensão do passado e de suas representações.

Pretende-se publicar artigos que, em diálogo com outras áreas do conhecimento, discutam categorias temáticas atreladas as relações entre: memória e temporalidade, cultura e poder, migração e trabalho, bem como outras abordagens.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 2448-0789

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