Race for Profit: How Banks and the Real Estate Industry Undermined Black Homeownership | Keeanga-Yamahtta Taylor

Keeanga Yamahtta Taylor Imagem KQED
Keeanga-Yamahtta Taylor | Imagem: KQED

In the context of a COVID-19 world, housing and living standard inequities are a phenomenon that have surely been exacerbated. The conditions created by global pandemic have undoubtedly contributed further to greater poverty in many areas—from housing, to jobs, to access to food security and water resources (informed by colonial legacies in North America especially). Any discussion of histories related to global or regional housing must be considered from this sort of lens. In this sense, the recent book Race for Profit: How Banks and the Real Estate Industry Undermined Black Homeownership, published not long before the pandemic began in 2020 offers prescient analysis.

In Race for Profit Keeanga-Yamahtta Taylor argues that “unprecedented public-private partnership in the production of low-income housing tethered the HUD [Department of Housing and Urban Development] and the FHA [Federal Housing Administration] to real estate brokers, mortgage bankers, and homebuilders” (p.4). The historiographical focus rests on a critique of the “declensional framing” of “urban crisis” through the late 1960s and 1970s, which Taylor suggests, “belies the dynamic and innovative methods of financing generated to develop the urban housing market” (p.5). As she forcefully argues:

[f]ar from being a static site of dilapidation and ruin, the urban core was becoming an attractive place of unparalleled opportunity, a new frontier of economic investment and extraction for the real estate and banking industries. The race for profit in the 1970s transformed decaying urban space into what one U.S. senator described as a ‘golden ghetto’ where profits for banks and real estate brokers were never ending, while shattered credit and ruined neighborhoods were all that remained for African Americans who lived there (p.4). Leia Mais

Dancing with the revolution: Power, Politics, and Privilege in Cuba | Elizabeth Schwall

Nos últimos anos, historiadores e historiadoras dedicadas à História de Cuba têm analisado a Revolução, iniciada em 1959, para além de paradigmas predominantemente econômicos e políticos. Essa corrente historiográfica, defensora do estudo da “Revolução a partir de dentro” (BUSTAMANTE; LAMBE, 2019), tem abarcado uma série de temáticas ligadas às políticas culturais, ao papel de marcadores sociais da diferença e do cotidiano para entender a história do país após a ascensão do Movimento 26 de julho ao poder. Entre as obras que se enquadram nesta perspectiva está Dancing with the Revolution: power, policts and privilegie in Cuba, da historiadora Elizabeth B. Schwall.

Lançado em 2021, o livro é um dos novos volumes da coleção Envisioning Cuba (The University of North Carolina Press), sendo resultado da tese de doutorado em História da autora, defendida na Columbia University. Docente da Northern Arizona University, Schwall é especialista nas relações entre arte e revolução e possui, para além de vasta produção, a experiência como dançarina, o que lhe permite um olhar sensível ao tomar como objeto de análise o balé, a dança folclórica e a dança moderna em Cuba ao longo do século XX. A partir de uma perspectiva historiográfica, que transita entre a História Social e a Cultural, a autora analisa de que forma os três estilos de dança foram mobilizados entre os anos 1930 e 1990 por sujeitos, pelo Estado e pela sociedade cubana. Leia Mais

Prieto: Yoruba Kingship in Colonial Cuba during the Age of Revolutions | Henry B. Lovejoy

Faz mais de um século que historiadores e antropólogos têm se atribuído a tarefa de realçar o legado dos homens e mulheres procedentes do chamado “país iorubá” em Cuba. Cumprir tal tarefa parecia inevitável, pois se tratava dos criadores de um dos sistemas religiosos de origem africana mais difundidos e aceitos no país: a Santería. Sistema que, a partir de uma visão colonialista assumida sem muitos reparos, foi catalogado como menos “selvagem” ou mais “civilizado” do que outros de igual origem, o Palo Monte ou Regla de Conga, uma herança que os cubanos podem ostentar com certo orgulho. No caso da Santería, admiração que possivelmente aumentaria se muitos outros cubanos soubessem que os lucumís – como eram chamados os iorubás em Cuba – foram os protagonistas de algumas das mais sérias sublevações produzidas na primeira metade do século XIX. Não importa tanto se estas revoltas se manifestavam, no dizer dos estudiosos, como mera continuidade das “guerras” que muitos haviam sustentado em suas terras, porque o próprio fato de rebelar-se fora suficiente para incorporá-los ao cânone da luta anticolonial, mais ainda se destruíram plantações açucareiras e cafezais e, no caminho da liberdade, mataram a todo soldado espanhol empregado por seus opressores. Em resumo, ainda que o ditado mais conhecido em Cuba seja “quem não tem de congo tem de carabali”, também devemos contabilizar um DNA lucumí digno de ser conhecido, e assim a muitas histórias de vidas que ainda permanecem ocultas nos arquivos. Leia Mais

Securing sex: morality and repression in the making of Cold War Brazil – COWAN (RTA)

COWAN, Benjamin A. Securing sex: morality and repression in the making of Cold War Brazil. Chapel Hill, NC: University of North Carolina Press, 2016. Resenha de: ZALUSKI, Jorge Luiz. Impressos, discursos e moralidade nos regimes autoritários instituídos no Brasil. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.12, n.29, e0501. jan./abr., 2020.

Atualmente, os regimes autoritários instituídos durante o século XX na América do Sul e na América Central constituem tema de muitas investigações científicas e, ainda, um profícuo campo de pesquisa na historiografia. No livro Securing sex: morality and repression in the making of Cold War Brazil, Benjamin A. Cowan apresenta uma interpretação sobre determinadas “facetas” dos regimes autoritários instituídos no Brasil, centrando o foco de sua análise na ditadura militar que governou o país entre 1964 e 1985. O autor é Doutor em História pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e realizou estudos sobre as temáticas relações de gênero, sexualidade, movimentos sociais da denominada direita e violências no século XX. Essa obra, que recebeu o prêmio da Associação de Estudos Latino-Americanos (Latino American Studies Association [LASA]) em 2017, ainda não tem tradução para o português.

Para a elaboração da narrativa histórica, o historiador analisou 35 impressos publicados no Brasil entre as décadas de 1930 e 1980. Dentre esses impressos se encontram os jornais O Estado de S. Paulo, Correio da Manhã e O Globo, que circulavam em diversos estados da federação. As revistas de informação, como Claudia, Veja, Manchete, e as revistas produzidas por instituições militares, com ênfase para A Defesa Nacional, Revista Militar Brasileira e Segurança e Desenvolvimento também fazem parte da documentação investigada. Tais impressos foram pesquisados pelo autor em várias instituições, com destaque para o Arquivo Nacional, o Arquivo Nacional do Exército, a Biblioteca da Academia Militar das Agulhas Negras e a Biblioteca do Exército.

A obra se divide em 7 capítulos, que têm como “fio condutor” as ações de diferentes naturezas adotadas por representantes do Estado brasileiro e pelos civis para combater o que foi considerado um “desvio moral” da população à época. O autor, no processo de construção da narrativa histórica, apoia-se no referencial conceitual relativo ao “pânico moral”, idealizado pelo sociólogo sul-africano Stanley Cohen na década de 1970. Benjamin A. Cowan afirma que as mudanças socioculturais ocorridas na sociedade brasileira na segunda metade do século XX geraram novas experiências que provocaram grande preocupação em grupos sociais identificados no campo da política como de direita.

O autor destaca que algumas premissas dos discursos autoritários e moralistas estão presentes na sociedade brasileira durante grande parte do século XX. No primeiro capítulo da obra, intitulado “Only for the cause of the pátria: the frustrations of interwar moralism” (tradução livre: Somente pela causa da pátria: as frustrações do moralismo no entreguerras), Cowan analisa como a política socioeconômica adotada no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) contribuiu para instaurar em uma significativa parcela da população novas práticas e novos valores, que acabaram sendo alvo de questionamento por parte de intelectuais, religiosos, juristas e outros personagens identificados com a direita. Para Cowan, parte dos grupos sociais de direita, entre eles integrantes do Movimento Integralista e católicos, que associaram as novas práticas e os novos valores a 2 processos: a) ao comunismo; e b) a uma crise moral que colocava em xeque muitos dos “valores tradicionais da família brasileira” (aqui entendida como a configuração de família das elites), inclusive os relativos à masculinidade. Segundo o autor, o governo de Getúlio Vargas, especialmente durante a Ditadura do Estado Novo, como “resposta” ao referido quadro, optou por manter um estreito “diálogo” com os grupos sociais de direita, adotando políticas nos campos da educação escolar, da assistência social etc. que instituíam e/ou reforçavam uma configuração de família nuclear associada aos valores burgueses e com distinções de gênero Na década de 1960 e no início da década de 1970, a política socioeconômica implementada durante o “Milagre Econômico” pelos governantes da ditatura provocou novas mudanças no âmbito da família e das relações de gênero que foram alvo de questionamentos de grupos sociais de direita. No segundo capítulo da obra, intitulado “Sexual revolution? Contexts of countersubversive moralism” (tradução livre: Revolução sexual? Contextos do moralismo contrassubversivo), Cowan explora como se deu a aproximação entre os civis e os governantes militares, com o objetivo de combater os considerados subversivos. Por meio da análise das revistas Manchete e Realidade, o pesquisador observou que temas como juventude, sexualidade e moralismo estiveram no centro de debates públicos na década de 1960, muitas vezes associados aos discursos comunistas. O autor destaca que muitos jovens brasileiros das diferentes camadas sociais não estavam interessados nos debates públicos da época sobre família e sexualidade. Apesar desse fato, a produção de discursos para a “proteção” da família nuclear burguesa e de determinada perspectiva de sexualidade heteronormativa foi bastante grande. Esses discursos de cunho moralista incitaram a ampliação da vigilância sobre as escolas ginasiais e secundárias e as universidades, vistas como espaços privilegiados onde se propagavam ideais considerados subversivos.

No terceiro capítulo, intitulado “Sexual revolution! Moral panic and the repressive right” (tradução livre: Revolução sexual! Pânico moral e direita repressiva), Cowan enfoca as relações estabelecidas em nível transnacional entre grupos de direita do Brasil e do exterior. Para o autor, após as manifestações estudantis de maio de 1968 emergiu um discurso de crise cultural no Ocidente que contribuiu para a construção de muitas narrativas voltadas ao combate do comunismo e à defesa da família nuclear burguesa. No Brasil, tal discurso foi difundido por meio da ideia de “pânico moral”, que apresentava a resistência armada, a delinquência juvenil e a crítica às relações de gênero como sinônimos de uma crise moral que supostamente destruiria a juventude brasileira. Segundo o autor, integrantes de movimentos sociais, como Tradição, Família e Propriedade (TFP) e Rearmamento Moral do Brasil (RM), tinham por “missão” defender as práticas e os valores morais da família brasileira. Por meio da revista Doutrina de Segurança Nacional, o autor analisou os discursos de membros dos referidos movimentos sociais que foram utilizados para sustentar o moralismo instituído no período e proporcionar legitimidade às ações do Estado brasileiro de diferentes ordens contra aqueles que rompiam com práticas e valores relativos à família compartilhados pela direita.

No quarto capítulo, intitulado “Drugs, anarchism, and eroticism: moral technocracy and the military regime” (tradução livre: Drogas, anarquismo e erotismo: tecnocracia moral e o regime militar), Cowan aborda o papel desempenhado pelos tecnocratas durante a ditadura militar em relação às temáticas família e relações de gênero. Juristas, filósofos, educadores, médicos etc. publicavam artigos na Revista da Escola Superior de Guerra, considerada um dos principais “porta-vozes” do regime autoritário. Esses técnicos, que atuam em diferentes setores da burocracia, sobretudo da federal, partilhavam do ideário que atribuía aos comunistas a difusão de ideais sobre a “liberação das mulheres” que ocasionavam a “degeneração da família” e o “problema da juventude”. A juventude, nesse discurso, era considerada delinquente, usuária de drogas e portadora de práticas e valores relativos à sexualidade que necessitavam ser controlados. Para o autor, o discurso enunciado por esses burocratas se mostrou de fundamental importância na construção de leis e na implementação de políticas sociais no período. Dentre essas leis se destacam o Código de Menores, de 1979, e a Lei do Divórcio, aprovada em 19771.

No quinto capítulo, intitulado “Young ladies seduced and carried off by terrorists: secrets, spies, and anticommunist moral panic” (tradução livre: Moças seduzidas e levadas por terroristas: segredos, espiões e pânico moral anticomunista), o autor investiga os discursos que acusavam uma parcela das mulheres brasileiras de ser responsáveis pela divulgação de discursos de cunho subversivo. As revistas Ação Democrática e A Defesa Nacional dedicaram inúmeras páginas a esse ideário antifeminista e anticomunista. Segundo o historiador, essas duas concepções conjugadas favoreceram a perseguição e a tortura de muitas jovens que integraram os agrupamentos políticos contrários ao regime ditatorial. Em “Brazil counts on its sons for redemption moral, civic, and countersubversive education” (tradução livre: O Brasil conta com seus filhos para a redenção moral, cívica e a educação contrassubversiva), sexto capítulo do livro, Cowan analisa como a disciplina escolar Educação Moral e Cívica (EMC) foi utilizada como “instrumento” de combate ao comunismo. Para o historiador, a EMC articulou em seu conteúdo programático as preocupações construídas em torno do “pânico moral” anticomunista. Por meio da disciplina, esse discurso circulou em larga escala em materiais didáticos produzidos para o ensino ginasial da época. Na revista A Defesa Nacional, por exemplo, eram recorrentes os artigos que entendiam que a escola deveria difundir entre os alunos noções sobre uma masculinidade que subsidiasse a preparação para a carreira militar, bem como para a edificação de uma família nuclear.

No último capítulo do livro, intitulado “From pornography to the pill: bagunça and the limitations of moralist efficacy” (tradução livre: Da pornografia à pílula: bagunça e as limitações da eficácia moralista), Cowan analisa as “fissuras” presentes nos discursos sobre o uso de métodos contraceptivos pelas mulheres durante o processo de redemocratização, iniciado no final da década de 1970. Temas como controle da natalidade e pornografia ganharam destaque nos debates sobre saúde pública do país. Para o autor, os defensores do regime ditatorial teceram largas críticas às políticas sociais colocadas em prática na época, que distribuíam contraceptivos para a população e também passaram a associar o processo de redemocratização à ideia de retrocesso político.

É notável como o historiador mobilizou um grande número de fontes na obra Securing sex: morality and repression in the making of Cold War Brazil, que possibilitou a produção de reflexões inovadoras sobre as temáticas estudadas, muitas vezes de modo tangencial, em relação aos regimes autoritários instituídos no Brasil. Soma-se a esse trabalho de pesquisa das fontes o uso de um extenso e atual referencial bibliográfico sobre as ditaduras brasileiras (governo de Getúlio Vargas e ditadura militar) para além das publicadas em português. Esse fato, que permite que o(a) leitor(a) estabeleça conexões entre as produções nacionais e internacionais. Por fim, a obra contribui com os estudos da História do Tempo Presente seja em relação às temáticas estudadas, seja em relação à temporalidade dos discursos. Dados os recentes acontecimentos no Brasil, uma parte desse passado parece inseparável, como lembra Henry Rousso (2016, p. 302), “um passado que volta para assombrar o presente”.

Referências

ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente, o contemporâneo. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2016.

Jorge Luiz Zaluski – Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Florianópolis, SC – BRASIL. E-mail: [email protected].

The People of the River: Nature and Identity in Black Amazonia/1835-1945 | Oscar De La Torre

Em 2020, The People of the River ganhou o prêmio de melhor livro do GT Amazônia da LASA (Latin American Studies Association). Publicação baseada na tese de doutorado em História do autor, este livro já havia obtido, em 2019, um prêmio (Outstanding First Book Prize) da ASWAD –Association for the Study of the Worldwide African Diaspora. Sem dúvida, a obra é instigante e fascinante, com uma narrativa fluente, às vezes com doses de ironia bem aplicadas ao longo do texto. Leia Mais

The Second American Revolution: The Civil War-Era Struggle over Cuba and the Rebirth of the American Republic | Gregory P. Downs

On April 17th, 1888, Frederick Douglass addressed a crowd that had gathered in honor of the twenty-sixth anniversary of emancipation in the District of Columbia. Douglass, the most prominent black abolitionist of the century, had recently turned seventy. He might, at this age, have been expected to look back proudly on a career that had helped bring about the liberation of four million slaves. Instead, he despaired. On that day, he described in stark terms what he had witnessed on a recent tour of the Southern States. In the South, “the landholder imposes his price, exacts his conditions, and the landless Negro must comply or starve…we shall find him a deserted, a defrauded, a swindled, and an outcast man-in law free, in fact a slave; in law a citizen, in fact an alien; in law a voter, in fact, a disfranchised man.” Emancipation, Douglass concluded, was “a stupendous fraud-a fraud upon him, a fraud upon the world.”

This scene-and others like it-have dominated the recent historiography of Reconstruction in the United States. Over the past two decades, scholars have engaged in what Carole Emberton calls “Unwriting the Freedom Narrative”-challenging a standard historical synthesis that still focuses on Lincoln’s Emancipation Proclamation as the moment when the Civil War transformed into a war for freedom.3 These narratives have also laid siege to the foundational text in Reconstruction literature-Eric Foner’s Reconstruction: America’s Unfinished Revolution 1863-1877. In 1988, Foner argued that the end of slavery marked a moment of revolutionary possibility for interracial democracy in the United States. For a brief time, a significant number of Southern whites “were willing to link their political fortunes to those of blacks,” in a massive democratic experiment “without precedent in the history of this or any other country that abolished slavery in the nineteenth century.”4 Since then, historians including Amy Dru Stanley, Stephen Kantrowitz, Ari Kelman and many others have questioned the revolutionary potential of Reconstruction. Their work has exposed the deep continuities between slavery and freedom, whether by revealing the roots of contract labor in white anti-slavery ideology, by highlighting the ambiguous meaning of freedom for black abolitionists, or by centering the devastating consequences of Northern victory for indigenous people across the continent.

In The Second American Revolution: The Civil-War Era Struggle Over Cuba and the Rebirth of the American Republic, Gregory P . Downs seeks to restore the revolutionary possibility of Reconstruction. The first part of his story points to the forceful, extralegal transformation of the U.S. Constitution between the years 1865 and 1870 as proof of the revolutionary nature of the times. During these years, the Radical Republicans in Congress relied on military force to compel Southern states to ratify three amendments that radically altered the Constitution. The 13th, 14th, and 15th amendments-which destroyed slavery and granted freedmen full citizenship rights-were only passed because Congress extended its war powers past the date of surrender. This story, largely familiar to U.S. historians, has one important analytical twist. Downs characterizes the Radical Republicans in Congress as “bloody constitutionalists.” In moments of bloody constitutionalism, he argues, “managerial revolutionaries temporarily turn to violence to implement new political systems, then try to return to peace.”5 After the U.S. Civil War, Republican congressmen did not want to enter a state of permanent revolution. Rather, they sought to force through a specific legal transformation-emancipation-and then return to “banal, normal time.”6 To Downs, this category can help explain why Americans so frequently overlook the radical “re-founding” that took place during Reconstruction, and instead hold on to a comforting idea that the Civil War saved the nation.

The second part of Downs’ story moves U.S. Reconstruction out into the Atlantic World. Here, he argues that U.S. Reconstruction was part of a series of “revolutionary waves” that began in Cuba and Mexico, reverberated into the United States, and eventually swept back out again into the Spanish-speaking Atlantic World.7 In order to support this claim, Downs begins chapter two by exploring the role that Cuba played in U.S. antebellum politics. He argues that Cuban annexationists, slaves, and revolutionaries all helped push the questions of Cuban slavery and annexation into center stage in the United States, deepening the divide over slavery that culminated in the secession crisis of 1861. In chapter three, he turns to the revolutionary possibilities that U.S. Reconstruction opened up in Cuba and Spain. Here, he argues that U.S. Reconstruction created widespread, international expectations for the end of slavery and the triumph of democracy.8 In the late 1860s, Cuban and Spanish revolutionaries both embraced these possibilities to launch republican revolutions. In Spain, these men toppled a monarchy; in Cuba, they launched a ten-year war for national independence. In Downs’ telling, the failure of Radical Reconstruction in the United States undermined Cuban independence. In 1870, President Grant refused to intervene on behalf of the Cuban insurgency. As a result, slavery “limped along” in Cuba for another twenty years.

One aspect of this story represents a remarkable challenge to the existing literature on Reconstruction. Throughout The Second American Revolution, Downs sidelines the question of whether Reconstruction marked a moment of lost “promise” for American democracy. Instead, he claims, Reconstruction history demonstrates the likely need for a third re-founding of the United States. “It may be safer to pretend that we live in a self-governing and perhaps self-correcting political machine,” Downs writes. “But the past does not confirm to our wishes. Nor does the future.”9 This stance marks a sharp break with Foner, who has recently suggested that the Reconstruction-era Constitution provided civil rights activists with the foundation for success during the twentieth century.

Yet, the role of Cuba in this argument is never entirely clear. According to Downs, the outcome of Reconstruction was determined by “managerial revolutionaries.”10 These men operated within the boundaries of the U.S. Congress or the U.S. military. Actors outside of the nation-state bear no causal force in bringing about the radicalism of Reconstruction, or its demise; rather, Cuba appears in the narrative as a new way to highlight the revolutionary nature of Reconstruction. As he puts it, “once we see the Civil War within international events, it no longer looks moderate or restorative, in its leaders’ intentions, in its methods, or in its effects.”11

This disconnect is the result of a major omission. In more than a hundred pages, Downs barely mentions the tens of thousands of Republican voters who did desire permanent revolution: the freedpeople themselves. The Republican Party only triumphed as a coalition. Northern industrialists depended on abolitionists and former slaves to destroy the planter class in the United States. Cuban revolutionaries understood this. In 1868, at the height of Radical Reconstruction, liberal elites launched the first war for Cuban independence. Within three months, they had declared all slaves behind enemy lines free. As in the United States, it was the slaves who transformed a conservative war for the nation into a radical war for abolition and democracy.

The radicalism of this moment, then, was rooted in black politics across the Atlantic World. While The Second American Revolution breaks new ground by calling for revolutionary change based on the historical experience of Reconstruction, Downs misses an opportunity to explore the roots of this revolution in a transnational struggle for black freedom. Still, as Downs explains, “this book is less a finished argument about the outcome” of Reconstruction than an invitation to engage in new explorations of transnational history.12 In this respect, the book will certainly succeed.

Notas

3. Carole Emberton, “Unwriting the Freedom Narrative: A Review Essay,” Journal of Southern History 82, no. 3 (May 2016): 377-394.

4. Eric FonerReconstruction: America’s Unfinished Revolution (New York: Harper & Row, 1988), xxiv.

5. Downs, The Second American Revolution: The Civil War-Era Struggle over Cuba and the Rebirth of the American Republic (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2019), 6.

6. Downs, The Second American Revolution, 6.

7. Downs, The Second American Revolution, 7.

8. Downs, The Second American Revolution, 97.

9. Downs, The Second American Revolution, 54.

10. Downs, The Second American Revolution, 6.

11. Downs, The Second American Revolution, 57.

12. Downs, The Second American Revolution, 10.

Referência

DOWNS, Gregory P. The Second American Revolution: The Civil War-Era Struggle over Cuba and the Rebirth of the American Republic. Chapel Hill: University of North Carolina Press. 2019. 232p. Eric Foner, Reconstruction: America’s Unfinished Revolution (New York: Harper & Row, 1988), xxiv.

Samantha Payne – Harvard University. Cambridge – Massachusetts – United States of America. Samantha entered the PhD program at Harvard’s University Department of History in 2015. Her research interests include the comparative history of slavery and emancipation, race, and the history of capitalism.


DOWNS, Gregory P. The Second American Revolution: The Civil War-Era Struggle over Cuba and the Rebirth of the American Republic. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2019. Resenha de: PAYNE, Samantha. The place of cuba in the global history of reconstruction. Almanack, Guarulhos, n.23, p. 509-513, set./dez., 2019. Acessar publicação original [DR]

Madhouse: psychiatry and politics in Cuban history | Jennifer Lambe

This history of Cuba’s main psychiatric asylum, Mazorra – named after the owner of the slave plantation upon which the hospital was built – aims to be much more. Impressive in scope, historical detail, and thoughtful analysis, Madhouse largely meets its two parallel, if overlapping goals: to trace the history of attitudes towards and the experience of mental illness in Cuba, and to introduce a set of new historically-informed concepts for understanding Cuban mental states. Lambe evokes the latter in a line on the very first page of the book’s Introduction: “In the borderlands of indifference and on the margins of meaning lies Mazorra, primordial laboratory of the fifth dimension” ( Lambe, 2017 , p.1) The book fulfills the first goal well and provides a lot of insight into the second.

Lambe’s goal is not just to reconstruct Cuba’s attempts to deal with mental illness, but to understand the contours and effectiveness (or lack thereof) of the Cuban state through three or four very different eras. From the late nineteenth and early twentieth centuries, with its two US occupations, to the years of corruption, the Revolution, and beyond, Lambe documents the tremendous changes in the Cuban psych fields, as well as some continuities. The first sixty-plus years of Mazorra’s existence were marred by brutal levels of neglect; the mid-twentieth century attempts at reform had minimal effect. After the revolution, the government harnessed the power of a strong, centralized state and clear sociological objectives to broaden and deepen the treatment of social pathologies. Throughout, Lambe argues, Mazorra remained an enduring symbol of the island, including its best and worst images. Leia Mais

The World the Civil War Made | Gregory P. Downs e Kate Masur

A discussão sobre as consequências da Guerra Civil constitui campo central dos debates sobre a extensão da cidadania e a ampliação da ação estatal naquela república. Essa circunstância imprime forte demanda por originalidade aos trabalhos publicados pelas novas gerações, especialmente naquilo que toca à natureza do Estado que emergiu daquela contenda. Esse movimento implica tanto a escolha de novos temas, quanto a revisão dos cânones centrais da tradição anterior. Os trabalhos mais recentes buscam superar o que ficou conhecido como “a narrativa da liberdade”.[1] O que vem sendo contestado por essas pesquisas é uma forma de descrever o conflito e suas consequências a partir das transformações que levaram à emancipação dos escravos, a aprovação de três emendas que universalizaram a cidadania e o crescimento vertiginoso do poder de intervenção do Estado Nacional. A história seria muito bonita se tivesse terminado por aí, mas os caminhos tomados pela política dos Estados Unidos mostraram-se pouco promissores em termos das aspirações por integração racial e extensão da cidadania que marcaram os anos imediatamente posteriores ao final do conflito.

As abordagens que agora são criticadas operaram sobre a dicotomia escravidão/liberdade, na qual a Guerra atuaria como o grande vetor dessas transformações. Essa visão, que sobressaiu nos últimos cinquenta anos, derivou do impulso pelos direitos civis, que galvanizou o país com os movimentos de contestação do status quo, o combate à segregação racial e as lutas por inclusão social envolvendo negros, mulheres, índios e outras minorias. A percepção de que o país que ajudou a derrotar o nazi-fascismo discriminava parcelas expressivas da sua própria população causava desconforto na opinião pública. Essa sensação, potencializada pelos traumas da guerra fria, estimulou gerações de historiadores a mergulharem numa época em que foi possível pensar a construção de uma sociedade multiétnica tendo por base a ação de um Estado nacional de caráter reformista. Um período da história dos Estados Unidos durante o qual capitalismo e reforma social pareceram caminhar unidos.

A era da Guerra Civil passou a ser vista como uma janela de oportunidades durante a qual reformas importantes entraram em execução, destacando-se a emancipação de quase quatro milhões de pessoas e a destruição do sistema de plantation no Sul. Nesse contexto, a atuação do Estado nacional e de suas organizações, principalmente o Exército, foi associada a ações positivas que transformaram o caráter da cidadania norte-americana mediante a sua nacionalização e a redução da autoridade dos estados ou do poder das elites locais. A experiência da guerra teria sido positiva, sobretudo pela destruição da influência da oligarquia sulista, que exercia uma atuação reacionária na organização nacional tanto pelos obstáculos internos que ela criava quanto por seu projeto de expandir o escravismo no plano internacional. A derrota do Sul levou a um fortalecimento sem precedentes das prerrogativas do Estado Nacional, desacorrentado das amarras que limitavam suas ações no período pré-guerra. O Estado, segundo essa visão, tornou-se não apenas o propulsor do desenvolvimento econômico, mas a principal arena de defesa da expansão dos direitos, tendo como sua principal ferramenta a atuação de um Exército vencedor. Emblemático dessa posição é o livro de Eric Foner, que redefiniu a “revolução inacabada” como central para as mudanças nos padrões de comportamento da população frente ao Estado nacional. O trabalho de Foner reavaliou o processo de reconstrução do Sul dos Estados Unidos após a vitória da União como um momento significativo de mudanças, ressaltando a aliança entre o Partido Republicano, o Exército e os libertos, no contexto daquilo que Lincoln denominou como “O renascimento da liberdade”.[2]

As críticas atuais partem geralmente da percepção de que persiste a discriminação, que penaliza minorias e imigrantes. Da constatação de que promessas reformistas dos movimentos pelos direitos civis não se cumpriram. Da persistência de um processo de marginalização de amplos setores da sociedade norte-americana, a despeito de anos de políticas de ação afirmativa. Da comprovação de que essa situação é apoiada por setores da população. E da constatação das limitações do Estado que surgiu no pós-guerra. A pauta aqui enfatiza as continuidades, preocupando-se em entender os elementos que possibilitaram a manutenção das estruturas elitistas que permaneceram ativas no mundo criado pela Guerra. Esse movimento de revisão do revisionismo foi denominado pela historiadora israelense Yael A. Sternhell como “The Antiwar Turn”.[3

]A coletânea de treze textos organizada por Downs e Masur vincula-se ao movimento de reconsideração que contesta o legado libertário da Guerra. Ela resultou de uma conferência realizada na Pennsylvania State University sob o título “New Directions in Reconstruction”. Trata-se de uma visão mais cética da herança do conflito, atenta às injustiças e arbitrariedades que permaneceram ou mesmo se expandiram como resultado das forças que a vitória da União ajudou a deslanchar. Mas principalmente descrente dos efeitos benéficos da relação entre reformismo e capitalismo na história da nação. Ela cobre principalmente o período da chamada Reconstrução (1863-1876), quando as lideranças do Partido Republicano estabeleceram os parâmetros da operação do sistema político e do acesso aos direitos básicos nas diferentes regiões. Trata-se do projeto de reestruturação do Sul após a derrota, quando o partido Republicano e o Exército se associaram aos libertos e aos grupos pró-União numa tentativa de transformar as relações de trabalho expandindo direitos e realizando outras reformas tendentes a erradicar os fundamentos da sociedade escravista. Trata-se de uma revisão pela base, com o claro intuito de reformular o entendimento das consequências do conflito para diferentes setores, com ênfase nas experiências das minorias: índios, mulheres negras, coolies, mexicanos e outros grupos cujas identidades permaneceram subalternas no mundo que a Guerra Civil ajudou a criar. Como Steven Hahn destacou na conclusão “a principal tarefa daquilo que costumeiramente denominamos como ‘Reconstrução (…) foi a reorganização da economia política dos Estados Unidos, definindo o curso daquilo que se tornaria a próxima reconstrução – não nos anos de 1950 e 1960, mas através da reconstrução corporativa da América, na década de 1890” (340).

A crítica dirigida à Reconstrução fica evidente já na introdução, quando os organizadores sugerem que “a ideia é dispensável”. Essa sugestão deriva da persuasão de que a “Reconstrução” não proveu “a estrutura mais adequada para o entendimento do sentido das várias histórias dos Estados Unidos no pós-guerra” (4). O ponto reaparece com intensidade variável em diversos capítulos subsequentes ainda que alguns mantenham uma abordagem mais tradicional ao tratar de temas como o terror e a agressão sexual. Kidada E. Williams enfoca como os Afro-Americanos lidaram com o trauma dos ataques noturnos, praticados por organizações paramilitares como a Klu Klux Klan. Esses ataques visavam à eliminação ou a neutralização das lideranças negras que lutavam por igualdade de oportunidades entre as raças. Trata-se de um levantamento dos depoimentos prestados aos agentes da Secretaria dos Libertos (Freedmen’s Bureau) que expõem as representações do terror que estes indivíduos suportaram e os traumas decorrentes da violência e das injúrias recebidas, num contexto definido como “sofrimento social” (161). Numa linha semelhante, Crystal N. Feimster discute como a experiência da Guerra e da ratificação da 14ª emenda renovaram os esforços das mulheres negras no sentido de determinar quando e com quem consentiriam ter relações sexuais. Essa movimentação ocorreu contra uma cultura do estupro que era comum tanto aos senhores sulistas quanto aos soldados do exército da União. A despeito dos avanços obtidos após o final da Guerra, a retirada das tropas colocou em risco novamente a integridade física das mulheres negras, demonstrando a limitação do governo federal para protegê-las de uma tradição estupradora e intimidante, que persistiu no assim chamado “novo sul”. Ao expor como a herança da escravidão continuou a influenciar a economia política norte-americana, essas historiadoras contestam a noção de que a transição da escravidão para a liberdade tenha sido tão profunda como Eric Foner e outros gostariam. O continuum de violência contra os negros, se alongado do campo para as cidades, levanta questões traumáticas a respeito da narrativa da Guerra Civil e do período subsequente a sua conclusão, sugerindo que o mundo que a Guerra Civil criou permaneceu imerso em concepções de cidadania muito pouco igualitárias.

O legado da Reconstrução, agora enfocado como miragem, é igualmente minimizado no artigo de K. Stephen Prince, que trata da forma como as fotografias das ruínas das cidades sulistas foram recebidas pela opinião pública do Norte. Antes mesmo do fim da guerra a disseminação de exposições fotográficas retratando a destruição das principais cidades sulistas fortaleceu um senso de irreversibilidade histórica entre as audiências nortistas. As imagens de ruínas eram relacionadas à promessa de um Sul renascido (114), misturando-se tanto com a concepção de uma justa punição à rebelião quanto com o fim daquela sociedade tal como havia existido até então (114). Nesse sentido, a catástrofe confederada era vista como “produtiva, construtiva e necessária” (123). No entanto, essa interpretação ignorava que as lideranças sulistas não haviam aceitado sua condição como permanente. Um velho ditado sustenta que “o sul perdeu a guerra, mas venceu a paz”. Ele indica, entre outras coisas, que a mentalidade sulista foi menos atingida pela derrota que a realidade física de suas cidades. Consequentemente, a amargura da porção branca da população sulista fermentou intenções muito diferentes daquelas que os fotógrafos pensavam registrar. Intenções que favoreciam comportamentos, ideologias e estruturas sociais que antecediam à guerra. A permanência dessas atitudes ressalta o que o autor define como a “teimosa tenacidade do passado” (129).

Ainda no campo das crenças e representações, Luke E. Harlow demonstra como a chamada contrarrevolução sulista, baseada na manutenção da supremacia racial branca, derivou em grande medida da manutenção de uma moral cristã que antecedia à eclosão da rebelião. Esse padrão era sustentado pelos ramos sulistas das igrejas Batista, Metodista e Presbiteriana, que aturam como uma força coerente e que continuam a plasmar a cultura política da região. Elas constituíram o que o autor denomina como “uma teologia da escravidão” (151) em oposição aos ideais milenaristas que prevaleciam nos ramos nortistas das mesmas denominações. A busca de elementos de sustentação do passado escravista e a análise da sua persistência constituem pontos fortes dos artigos aqui analisados, especialmente quando lidam com questões relacionadas à memória e as comemorações do pós-guerra.

O principal alvo dos autores, no entanto, não é a propriamente a Reconstrução, mas o conceito de Leviatan Ianque, desenvolvido pelo sociólogo Richard Bensel no final dos anos 80 do século passado.[4] A visão de um Estado nacional revigorado, emergindo do período da guerra com a força de um vitorioso mandato sangrento foi central para a corrente conhecida como “American Development”. A ratificação do Homestead Act, o apoio à industrialização, o controle da atividade monetária constituem etapas importantes da aceleração do processo de formação do Estado, em cumprimento de uma agenda que datava do período Federalista. Os organizadores e a maioria dos autores de The World the Civil War Made criticam esse entendimento da autoridade esposada pelo governo federal. Eles enfatizam a vulnerabilidade dessa estrutura frente a soberanias locais e sua dificuldade para impor a autoridade longe dos centros urbanos.

Em geral, os artigos desta coletânea definem o Estado do pós-guerra através do conceito de “Stockade State” ou Estado de Paliçada. Essa estrutura seria constituída por uma coleção de postos avançados, espalhados pelo território, poderosos apenas dentro de limites geográficos estreitos. Essas composições encontravam-se vulneráveis tanto à ação de centros de poder alternativos, como ao movimento de indivíduos que viviam além de qualquer autoridade pública. A ênfase, portanto, encontra-se na fraqueza relativa do Estado Nacional que emergiu da vitória da União, destacando-se sua incapacidade para incorporar grupos minoritários a uma concepção mais abrangente da cidadania, bem como sua inaptidão para gerenciar os conflitos que emergiram na esteira da guerra. O ponto encontra seu paroxismo no trabalho de Laura F. Edwards, que sustenta que “nem o governo federal e nem mesmo os governos estaduais controlavam a lei e a governança nos Estados Unidos oitocentistas” (28).

Outros capítulos apresentam uma descrição dramática dos conflitos a respeito das formas de trabalho compulsório que se mantiveram após o fim da escravidão. Para Stacey L. Smith as lutas centrais do pós-guerra visavam ao mapeamento dos limites coativos no intuito de determinar como o governo Federal interviria para restringir o poder coercitivo de empregadores, corporações e estados. Analisando as situações da peonagem indígena e da exploração dos coolies, a autora demonstra como o governo republicano foi capaz de confrontar com sucesso a assertiva “de que a servidão indígena poderia ser benéfica” (52), ainda que soluções para a questão da peonagem viessem a ser estabelecidas de maneira lenta e conflituosa. Simultaneamente, a defesa da autonomia individual e da mobilidade ascendente, pedras basilares do credo liberal, levou os mesmos republicanos a baterem-se pela exclusão dos imigrantes chineses. Isso se deu a partir do entendimento de que os coolies, como eram pejorativamente chamados, seriam servis e dependentes num nível que excluiria sua assimilação como trabalhadores livres.

The World the Civil War Made apresenta o poder público como uma estrutura sitiada por forças locais, por funcionários ineptos, por questões constitucionais, todos atuando como limitadores da capacidade estatal de agir com alguma autonomia num cenário de tensões e incertezas. Nesse cenário, a violência assume papel central na narrativa, praticada com liberalidade frente à incapacidade do Estado para atuar com força na periferia da sociedade. Nas palavras dos editores: “{P}erguntamos se a cidadania, os direitos individuais, e a autoridade federal definiram a era” (14). A resposta certamente é negativa. As situações da persistência da peonagem e da exploração continuada dos imigrantes coolies evidenciam os limites da ação do Governo Federal frente a forças locais e costumes de exploração do trabalho, que pareceriam arraigados nas paisagens do Novo México e da Califórnia. Demonstram também que muitas das concepções ideológicas dos republicanos eram insuficientes para lidar com o grau de complexidade das realidades da fronteira oeste daquela república.

Outro lado da mesma crítica refere-se aos efeitos perversos das forças que a guerra deslanchou. Assim, o mesmo Estado que estimulou um desenvolvimento capitalista acelerado mostrou-se cada vez mais insensível frente à questão indígena. Stephen Kantrowitz em seu estudo sobre os índios Ho-chuck observa que as leis e emendas que referendaram a cidadania em escala nacional pretendiam que os nativos abraçassem uma matriz de valores e comportamentos que incluíam os princípios da propriedade privada e os hábitos da colonização, da orientação para o mercado e do lar patriarcal. Para Kantrowitz a experiência dos Ho-Chunks sugere que “a luta pelo significado da cidadania e a política de civilização coercitiva se entrecruzaram” (77). A partir da condição de rivais na disputa pelo uso do solo norte-americano, as tribos indígenas representaram um desafio direto à ideia do solo livre. A política de paz do presidente Grant procurou destribalizar os índios, substituindo sua vida comunal e a posse coletiva das terras por um sistema agrícola patriarcal. Dessa forma, “o conceito de cidadania funcionou como uma ferramenta disciplinar do Estado, não como um caminho para a cidadania indígena” (99).

Em seu capítulo sobre os paradoxos da política indígena, C. Joseph Genetin-Pilawa dissocia os conflitos envolvendo os nativos da trajetória da Reconstrução. O autor entende que o otimismo expresso na criação do Office of Indian Affairs declinou devido a mudanças de concepção entre os próprios legisladores. Estes deixaram de entender a soberania como pilar da política indígena, cedendo à política de colonização que afetava profundamente a capacidade de sobrevivência daquelas comunidades. Nesse sentido, a débâcle da soberania indígena sobre suas terras não resultou do terror ou da intimidação política, como no Sul, mas da ação de forças econômicas e migratórias que o governo Federal não quis ou não pôde controlar. O papel do exército também foi diferente. Se no Sul a instituição envolveu-se na reforma do sistema político contra uma oligarquia branca agressiva, sua atuação no Oeste foi bastante diferente. Ali o exército atacou sistematicamente as comunidades indígenas como forma de erodir sua soberania, tornado-se “um agente poderoso da política de colonização” (194). Sem o Exército, a política de remoção indígena que prevaleceu no final do século XIX seria impossível.

Barbara Krauthamer oferece um dos textos mais originais e provocativos da coletânea. Ela analisa a situação das nações indígenas, muitas das quais possuíam escravos e aliaram-se ao Sul durante a Guerra. O capítulo analisa o tratado de 1866, firmado entre o governo Federal e as nações Choctaw/Chicasaw. O tratado emancipou os escravos negros dos indígenas, simultaneamente afetando a soberania indígena sobre suas terras. Ao invés de alinhar-se às análises que consideraram a pressão antiescravista como um instrumento do avanço colonizador, a autora propõe entendê-lo como “ilustrativo do escopo complexo, contraditório e continental da Reconstrução” (242).

Dois capítulos parecem destoar da proposta do livro. Andrew Zimmerman tenta combinar uma analogia da tradição historiográfica marxista nos EUA aos escritos de Marx e Engels sobre a Guerra Civil. Através da análise da participação de exilados alemães nas forças da União o autor critica o conceito de Revolução Burguesa, que parte da tradição marxista associou ao legado da guerra. Zimmerman afirma que a própria dinâmica da Guerra mudou o conceito de revolução, influenciando os escritos posteriores de Marx e Engels. Trata-se de texto exploratório, crítico aos trabalhos que mais recentemente procuraram encontrar vínculos entre as revoluções europeias de 1848 e a liderança republicana nos EUA. O capítulo também reforça o conceito de agência, a partir da reconsideração da luta dos escravos, considerados atores centrais do proposto processo revolucionário. Aqui inexiste discussão sobre a Reconstrução ou sobre o caráter do Estado emergindo da Guerra, mas uma tentativa isolada e sofisticada de conectar o mundo da Guerra a uma perspectiva internacionalista.

A discussão de Amy Dru Sanley sobre os efeitos do Civil Right Act (1875) na política de direitos humanos demonstra os efeitos positivos da política da Reconstrução, ao considerar essa medida como precursora da criação de uma esfera dos direitos humanos. Essa ação infere que a linguagem dos direitos humanos nasceu naquele contexto, representando um divisor de águas tanto para o fim da escravidão como para a emergência dos discursos sobre reforma social, a partir da disputa sobre o direito ao divertimento. O artigo parte de um processo movido por um negro contra a segregação nos teatros. O direito ao lazer, visto como uma atividade menos relevante, fornece o ponto de partida para uma discussão crítica em relação à historiografia sobre direitos humanos. Trata-se de um dos mais imaginativos capítulos da coletânea, ainda que ele não se alinhe diretamente à discussão sobre a natureza do Estado proposta pelos organizadores.

A introdução, os doze capítulos subsequentes e a conclusão expõem as ambiguidades do mundo que a Guerra criou, enfatizando realidades complexas e multifaceadas. Assim, mais que um era de esperanças e promessas de liberdade, os trabalhos aqui expostos delineiam uma sociedade marcada pela violência e pela persistência de comportamentos tradicionais, estimulados por diferentes aglomerações de poderes locais. Eles descortinam uma agenda de pesquisas que permitirá ao leitor brasileiro situar-se a respeito das abordagens mais recentes sobre a História dos Estados Unidos durante a segunda metade do século XIX.

A distribuição dos artigos poderia ter obedecido a alguma forma de subdivisão temática que ordenasse por assunto. Essa organização tornaria a leitura mais agradável, reforçando a continuidade e facilitando a compreensão sobre as diferenças de concepção entre os colaboradores. Por outro lado, algumas vezes a uniformidade parece um pouco forçada sobre os textos, apesar dos esforços de vários autores para alinharem seus trabalhos aos conceitos-chave do livro. É compreensível que assim seja, já que um dos objetivos dos organizadores é o de entender “{C}omo as mudanças {proporcionadas pela guerra} ecoaram nas vidas das pessoas comuns e das comunidades”. Mas é preciso levar em conta o fato de que nem todos os autores parecem estar lendo por uma mesma cartilha analítica, apesar das referências trocadas entre vários dos capítulos. Ou seja, a coesão analítica nem sempre é consistente, circunstância que pode ser comprovada pela dificuldade para romper com a própria periodização da Reconstrução. Além disso, um pouco mais de uniformidade no tratamento de certos termos seria bem vinda. Os conceitos de Governo Federal, Estado Federal, Governo Central poderiam ter sido padronizados. Mas esse é um problema menor, que futuras reedições deverão corrigir. No geral, ainda cabe refletir até que ponto essas abordagens desautorizam ou complementam os estudos anteriores, particularmente no que diz respeito à longa tradição analítica sobre state building proporcionada pelos trabalhos da Sociologia Histórica, cuja ausência nesta coletânea é completa.[5] O estudo do Estado constitui uma espécie de caixa de pandora que uma vez aberta precisa ser enfrentada na sua totalidade. Assim, pode-se dizer que os estudos dessa coletânea apresentam propostas inovadoras e interpretações alternativas à grande narrativa da liberdade propondo novas direções para os estudos sobre a Guerra Civil e suas consequências. Portanto, eles abrem um caminho, mas ainda é cedo ainda para saber se um novo paradigma está sendo estabelecido.

Notas

1. A esse respeito ver, Caroline Emberton, “Unwriting the Freedom Narrative: A Review Essay”. In The Journal of Southern History, Volume LXXXII, no. 2, maio de 2016, pp.377-394.

2. Foner, Reconstruction: America´s Unfinished Revolution. Nova Iorque, Harper & Row, 1988; Lincoln, “The Gettysburg Address” In Harold C. Syrett (org.), Documentos Históricos dos Estados Unidos, p. 221.

3. Yael A. Sternhell, “Revisionism Reinvented: The Antiwar Turn in Civil War Scholarship,” Journal of the Civil War Era 3 (junho de 2013), pp. 239-256.

4. Richard Franklin Bensel, Yankee Leviathan: The Origins of Central State Authority in America, 1859-1877. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.

5. Para uma coletânea sobre o debate ver, Peter Evans, Dietrich Rueschmeyer & Theda Skocpol, Bringing the State Back In. Cambridge, Cambridge University Press, 1985.

Vitor Izecksohn – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFF, Niterói – RJ, Brasil. E-mail: [email protected]


DOWNS, Gregory P; MASUR, Kate. The World the Civil War Made. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2015. Resenha de: IZECKSOHN, Vitor. Guerra Civil nos Estados Unidos: novo balanço da Reconstrução. Almanack, Guarulhos, n.15, p. 346-355, jan./abr., 2017.

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Atlantic Africa and the Spanish Caribbean, 1570-1640 | David Wheat

Recent studies of colonial and early national Brazil emphasize that the transatlantic slave trade forged not only economic but also cultural and political connections across the South Atlantic. As historians including Walter Hawthorne, Roquinaldo Ferreira, Mariana Candido, Paul Lovejoy, and James Sweet highlight how regular and sustained exchanges between West Africa and Brazil shaped societies on both sides of the ocean, they also offer new geographies for understanding the Lusophone Atlantic. In his new book, David Wheat engages with models of reciprocal exchange and inter-colonial connection in order to redraw the boundaries of the Atlantic World in an earlier period. Analyzing early modern Iberia, Africa, and Latin America as “complementary aspects of a single, unified history” (73), Wheat traces how developments in one area reverberated in the others. Doing so allows him to persuasively argue that the sixteenth- and seventeenth-century Spanish Caribbean should be viewed not as a precursor to the sugar colonies that later came to dominate much of the region, but as a natural extension of economic, social, and political precedents established in West Africa and the Luso-Atlantic world.

In addition to avoiding a teleological analysis of the rise of the plantation complex, Wheat’s innovative and deeply-researched book contributes to a growing body of work aimed at reconceptualizing the Atlantic World and the roles of African people within it. Enslaved Africans and their descendants constituted a demographic majority not just in export-oriented plantation economies, but in settlements that relied on mixed agriculture. In slave societies of this nature, which were first established by the Portuguese in Atlantic islands such as São Tomé and later replicated by Spanish colonizers in the Caribbean, African people performed many of the same functions as peasants in contemporaneous Iberia. Wheat shows how Africans’ diverse labors – as well as their very presence – strengthened Spanish expansion in the Americas. Not unlike their fellow ‘involuntary colonists’ in eighteenth- and nineteenth-century Brazil, these men and women also drew on their experiences in the broader Atlantic World in order to shape the foundations of new American societies in ways that historians are only beginning to appreciate. Drawing on archival materials housed in Colombia, Cuba, Spain, and Portugal, Wheat weaves together the histories and historiographies of Latin America, Iberia, and West Central Africa in order to emphasize a shared past that present-day boundaries tend to obscure. The resultant work highlights the possibilities of extending models of an interconnected Atlantic World backwards in time and across perceived political and geographic borders.

The first half of Wheat’s book is firmly grounded in the history and historiography of West Africa. Responding to critiques of the ‘foreshortening’ of African history, chapter one highlights continuities in African political and cultural identities from the thirteenth through the seventeenth century and beyond. As Wheat surveys key territorial, ideological, and political contests between a host of African states in the Upper Guinea and Senegambia regions, he demonstrates how these conflicts gave rise to slave raiding, which in turn provided captives for export. Attention to the tierra or ethnonyms of these captives – which Spanish officials carefully recorded in sixteenth-century slave ship rosters – allows Wheat to reconstruct the geographic and cultural origins of the enslaved. The fact that these ethnonyms were recognized and retained specific meanings for both Africans and Iberians in the early colonial Americas is important. In contrast to the plantation era, in which the mechanisms of colonial control often reduced Africans to an undifferentiated mass of people, in the early colonial period social and political identities forged in Africa continued to resonate in the diaspora. In his wide-ranging analysis of how events on the continent affected early colonial society, Wheat displays an impressive grasp of African history while also laying a compelling foundation for his interpretation of the Spanish Caribbean as an extension of West Africa.

Attention to the interconnected histories of Africa, Iberia, and the Americas carries into Wheat’s second chapter, which focuses on Angola. While most of the earliest Africans trafficked to the Spanish Caribbean came from Upper Guinea, in the seventeenth century Angola became a major point of embarkation for enslaved people. Arguing that Portuguese colonization of Africa and Spanish colonization of the Americas “mutually reinforced one another” (103), Wheat traces how the creation of the Luso-African state generated many of the captives who were then trafficked to the Caribbean. Elites who profited from the slave trade in Luanda also played active roles as merchants in Caribbean ports, thereby extending their influence and commercial relations across the Atlantic and further cementing ties between Portuguese West Africa and the Spanish colonies. Owing to a combination of factors – including the nature of warfare in West Central Africa and legislation favoring the introduction of enslaved people under age seven – many of the people forcibly transported across the Atlantic in the seventeenth century were children. As Wheat explores in later chapters, this in turn shaped the character of Spanish colonial society, as enslaved children more quickly adapted to Iberian linguistic, religious, and social norms.

Chapter three further develops Wheat’s argument that the character of Spanish Caribbean society was informed by Atlantic Africa. Wheat focuses on Portuguese tangomãos: merchants or mariners who ‘threw themselves’ into Africa, spending longer than one year and one day on the continent. In doing so, Wheat challenges the widespread misconception that the encounter between Africans and Europeans in the Americas always constituted a violent collision between two cultures with no prior experience of one another. Instead, Wheat shows that many men who went to the Caribbean did so after spending extended periods of time in Africa. These tangomãos then drew on their experiences to contribute knowledge of African languages and cultural practices that would have been unknown to colonists who arrived in Spanish America directly from Iberia.

Many tangomãos formed relationships with African women during their time away from Europe, further facilitating both commercial and cultural exchange. These and other gendered relationships inform Wheat’s fourth chapter, in which he emphasizes the predominance and importance of women in free-colored communities in the early Spanish Caribbean. Wheat’s attention to women makes an important intervention in the historiography of early colonial Afro-Latin America, which often focuses on the role of African men as military agents. Equally significant is Wheat’s critique of two notions that often inform discussions of interracial relationships in the colonial era: first, that unions between African or Afro-descended women and European men were generally viewed as illicit or socially unacceptable, and second, that these unions owed to a dearth of white women. While acknowledging the often unequal or exploitative nature of such relationships, Wheat works to dispel these notions by emphasizing the prevalence of legitimate – if often informal – interracial unions both in Africa and in Iberia.

Like their counterparts in Africa, Brazil, and elsewhere in the Atlantic World, women of color in the early Spanish Caribbean occupied a variety of roles. As sexual and marital partners, business people, and the owners of land and slaves, women were instrumental in shaping these societies. Wheat shows that African-born women who were incorporated into Spanish colonial society often shed their ethnonyms in favor of Iberian surnames, suggesting that changes in legal and social status accompanied changes in the identity that individuals claimed or were ascribed over the course of a lifetime.

Chapter five develops Wheat’s central argument that Africans and their descendants fulfilled the role of colonists in the early Spanish Caribbean. By the turn of the seventeenth century, the demographic profile of the Spanish Caribbean had much in common with that of other slave societies throughout the Americas; Africans and their descendants constituted a majority of the population in western Cuba, Hispaniola, Cartagena, Panama, and probably Puerto Rico. The occupations and the experiences of these men and women differed dramatically from those of their counterparts in sugar colonies, however. In these ‘African hinterlands’ of Latin America, free and enslaved black people grew food, raised livestock, and performed many of the same functions as rural peasants in contemporaneous Iberia. Wheat’s expansive view of the early Atlantic allows him to show that Spanish reliance on Africans to fuel self-sustaining farming and ranching economies was not unique; the practice was already well-established by the Portuguese in the Atlantic islands, where enslaved populations labored on mixed-agriculture farms rather than monocultural plantations.

In the final chapter of his book, Wheat further advances the argument that Africans and their descendants played essential roles in expanding Spanish claims to territory and legitimacy in the Americas. Paying careful attention to the terms used to describe Africans in Iberian commercial, legal, and ecclesiastical records, Wheat focuses on the process of acculturation. He argues that the difference between a ‘bozal’ and a ‘ladino’ was more than just place of origin; rather, such terms reflected the possibilities open to individuals of African descent within colonial society. Once again, Wheat artfully reorients the geography of the Spanish Atlantic to include Lusophone Africa. Drawing on historians of the region such as John Thornton and Peter Mark, Wheat shows that acculturation began on the Africa’s western coast, where decades of contact between Portuguese and African merchants provided a basis for mutual exchange. Although What is careful not to overstate African agency, he explores the ways in which Africans helped shape key features of Spanish Caribbean society, situating them as actors rather than passive recipients of the acculturation process. Whether as interpreters or godparents, ‘Latinized’ Africans selectively borrowed elements of Iberian culture in order to adjust – and to help others adjust – to life in the Americas. Wheat also stresses that the acquisition of a European language or religious practice did not necessarily signify the loss of African culture; newly-baptized slaves often shared an ethnonym with their godparents, further illustrating how links forged in Africa continued to inform relationships in the diaspora.

The historiographic stakes of Wheat’s work are high. In six chapters, he challenges the notion that the circum-Caribbean was a marginal or anomalous region of colonial Latin America; redraws the boundaries of the Spanish Caribbean to include Lusophone West Africa; and situates Africans as colonists-albeit involuntary ones-whose labor and presence underpinned Iberian colonial projects while simultaneously shaping early American society. His many interventions promise to inform future scholarship on Latin America and the Caribbean, West Africa, and the role of the Portuguese in the early Atlantic World. Missing from this otherwise ground-breaking and cogently-argued work is a detailed consideration of how Iberian geopolitics impacted the colonial sphere. The origins and specific effects of the Iberian Union-a sixty-year period (1580-1640) during which the same Hapsburg rulers controlled both Spain and Portugal-remain somewhat underdeveloped. Wheat notes that the union facilitated the traffic of some 450,000 enslaved people, as well as the circulation of untold numbers of Portuguese merchants between Iberia, Africa, and the Americas. But one is left wondering whether the unified history he describes would even have been possible without a decades-long era in which the division between Castile and Portugal “was especially blurred” (16). Although Wheat’s decision to devote equal attention to West Africa and the Spanish Caribbean accurately reflects the primacy he affords to events on the ground rather than abstract legislation, drawing the Iberian Peninsula more fully into this story may have further elucidated the inter-continental and inter-imperial exchanges he uncovers.

Studies of the transatlantic slave trade and the rise of the plantation complex continue to offer important insight on African contributions to colonial societies in Brazil and beyond. With Atlantic Africa and the Spanish Caribbean, David Wheat pushes this model backwards in time, demonstrating the importance of African and Afro-descended peoples in a time and place where the plantation system did not predominate. His nuanced discussion of how events in Africa, as well as West Central Africans themselves, shaped some of the earliest settlements in the Americas significantly broadens and reorients existing understandings of the inter-connected nature of the Afro-Atlantic World. Viewed from the vantage point of West Africa and the Portuguese Atlantic, the early Spanish Caribbean looks not like an aberration in colonial Latin America history, but a natural product of longstanding relations and practices on the African coast.

Tessa Murphy Syracuse – University, Nova York NY, Estados Unidos da América. E-mail: [email protected]


WHEAT, David. Atlantic Africa and the Spanish Caribbean, 1570-1640. Chapel Hill: Published for the Omohundro Institute of Early American History and Culture. Williamsburg, VA: by the University of North Carolina Press, 2016. Resenha de: SYRACUSE, Tessa Murphy. New Geographies of the Atlantic World: Connecting Lusophone Africa and Spanish America. Almanack, Guarulhos, n.14, p. 308-313, set./dez., 2016.

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Trabalho, história ambiental e cana-de-açúcar em Cuba e no Brasil – ROGERS et al (RBH)

ROGERS, Thomas et. al. Trabalho, história ambiental e cana-de-açúcar em Cuba e no Brasil. Resenha de: CHOMSKY, Aviva. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.35, n.69, jan./jun. 2015.

Tanto a história do trabalho quanto a do meio ambiente são campos de estudo florescentes e estão, fundamentalmente, relacionadas de muitos modos em termos estruturais. Apesar disso, os historiadores têm sido lentos em aceitar sua relação. A historiografia espelha profundas divisões entre os próprios movimentos trabalhista e ambientalista, talvez porque muitos historiadores cheguem a seus estudos a partir de um envolvimento, ou pelo menos de uma simpatia, com esses movimentos. Os quatro livros aqui resenhados, ao mesmo tempo em que são – cada um por sua própria conta – interessantes e significativos, mostram, coletivamente, o estado ainda nascente da capacidade dos historiadores em conceituar e investigar as formas pelas quais o trabalho e o meio ambiente estão conectados.

O aparente conflito “empregos versus meio ambiente” tem afligido os movimentos trabalhista e ambientalista nos Estados Unidos há décadas e é frequentemente propagado pela indústria, que nitidamente é o vencedor em uma batalha na qual o trabalhismo se vê compelido a unir forças ao capital para se defender dos desafios ambientais. No entanto, o trabalhismo também tem sido fundamentalmente enfraquecido por esse posicionamento, pois a indústria volta o mesmo argumento contra os trabalhadores, transformando-o em “empregos versus salários, benefícios e condições de trabalho”, e às vezes até mesmo “empregos versus sindicatos”. Enquanto isso, os ambientalistas parecem ter poucas respostas para a acusação de que se importam mais com a fauna exótica do que com as necessidades humanas.

A América Latina dificilmente tem ficado imune a essas correntes. Apesar disso, um envolvimento mais incisivo com a história, uma relativa imunidade às tendências políticas da Guerra Fria que vincularam os sindicatos americanos a uma estreita agenda focada no crescimento econômico e os inevitáveis confrontos com o imperialismo americano em suas muitas formas ajudaram o trabalhismo latino-americano a manter uma postura mais independente e, às vezes, até mesmo revolucionária. Como Charles Bergquist salientou há várias décadas, quando os trabalhadores são nativos e o capital é estrangeiro, o trabalhismo frequentemente se mobiliza para fazer parte de coalizões revolucionárias nacionalistas. Enquanto isso, os camponeses latino-americanos impulsionaram o que Joan Martínez-Alier e outros chamaram de “ambientalismo dos pobres” em defesa de seus meios de vida. O status colonial e neocolonial da América Latina moldou fundamentalmente sua história do trabalho e do meio ambiente (Bergquist, 1995Martínez-Alier, 2005).

“O que está acontecendo com as comunidades nos afeta, porque fazemos parte das comunidades”, explicou-me o presidente de um sindicato de mineiros de carvão da Colômbia há vários anos. “Como organização sindical com uma visão social ampla, não podemos nos distanciar dos impactos sociais e ambientais da mina.” Ativistas antimineração a céu aberto na Appalachia ficam perplexos ao ouvir um líder sindical expressar essas opiniões. A análise anti-imperialista e marxista nos sindicatos latino-americanos leva muitos a concluir que as empresas estrangeiras estão explorando igualmente o trabalho e o meio ambiente, saqueando os recursos de seu país na busca do lucro.

Entretanto, uma ativista do Sierra Club ficou menos satisfeita com a resposta que recebeu quando perguntou a outro líder do mesmo sindicato: “Você não concorda que temos de deixar o carvão para trás?”. “Você está perguntando para a pessoa errada”, respondeu ele lentamente. “Nós estamos extraindo aquele carvão para vocês. Se vocês querem ir além do carvão, têm que olhar para vocês mesmos.” Nesse momento, ele pegou diretamente no calcanhar de Aquiles do movimento ambiental norte-americano. Muitos ambientalistas do Primeiro Mundo querem salvar a Terra sem enfrentar o problema político-econômico básico: que os Estados Unidos usam de 25% a 50% dos recursos do planeta, e apelos piedosos para “reduzir, reutilizar, reciclar” não mudarão as políticas econômica, externa e militar que mantêm essa injustiça. Assim, Thomas Rogers cita a reação pessimista de um engenheiro brasileiro à propagação dos carros movidos a etanol: “Agora as rodas dos carros do mundo todo vão girar às custas da fome do Nordeste” (p.210).

Para os analistas mais radicais, tanto os do trabalho quanto os do meio ambiente, a desigualdade econômica global é inerente ao próprio capitalismo. Se o capitalismo está baseado no crescimento econômico contínuo, na obtenção de lucro pela exploração da mão de obra e da natureza, então ele se baseia necessariamente na expansão territorial, na destruição do meio ambiente e no empobrecimento da classe trabalhadora. Se a história do meio ambiente examina a relação dos seres humanos com a natureza, e a história do trabalho examina aqueles que trabalham para outros – em geral, pela transformação da natureza -, então o capitalismo e a Revolução Industrial tiveram um papel fundamental em ambas. A substituição do trabalho humano e animal por fontes de energia derivadas de combustíveis fósseis sinalizou um crescimento drástico da capacidade do capital de explorar tanto a mão de obra quanto os recursos.

Historiadores do Terceiro Mundo e teóricos da dependência vêm sustentando há muito tempo que os recursos e a mão de obra do Terceiro Mundo foram cruciais para o desenvolvimento do capitalismo industrial. Mais recentemente, historiadores como Kenneth Pomeranz e Richard P. Tucker ofereceram uma análise explicitamente ecológica desse processo, examinando como a destruição ambiental foi deslocada para as colônias. De maneira perversa, os colonizadores, que primeiro empurraram os povos nativos para terras frágeis para abrir espaço para seus novos empreendimentos econômicos, acusaram os mesmos nativos de macular a “selva” colonial remanescente com sua presença e suas práticas tradicionais – o ambientalismo tornou-se, assim, um outro estágio do imperialismo. É claro que essas expropriações também tiveram, historicamente, um componente laboral, desde as primeiras medidas de apropriação de terras que acompanharam a Revolução Industrial: elas “libertam” os antigos habitantes para entrarem no mercado de trabalho.1

Os quatro livros aqui resenhados examinam regiões moldadas pelo colonialismo e, especificamente, pelo açúcar. O açúcar foi a primeira agroindústria, e aquela na qual, segundo Sidney Mintz, o sistema escravista criou o proletariado original, o modelo para as primeiras fábricas da Grã-Bretanha, bem como uma fonte alimentar primordial para os primeiros trabalhadores industriais da Europa. Como Manuel Moreno Fraginals e outros têm sustentado há muito tempo, as plantações de cana-de-açúcar devoraram vorazmente tanto as pessoas quanto as florestas (Mintz, 1985Moreno Fraginals, 1976). Todos os livros sugerem questões profundas sobre a natureza global do capitalismo e seus impactos nos seres humanos e no meio ambiente.

Apenas The Deepest Wounds assume a tarefa de realmente conectar as histórias do trabalho e do meio ambiente, focando o Nordeste do Brasil. O livro de Wolford This Land is Ours Now é um estudo de um movimento social brasileiro, intimamente conectado às questões do trabalho e do meio ambiente, que começa, em termos cronológicos, exatamente onde Rogers para. A história ambiental de Cuba de Funes Monzote oferece ideias sugestivas sobre o trabalho, ao passo que Blazing Cane, a história política e do trabalho de McGillivray, levanta questões relevantes para o meio ambiente. Lidos em conjunto, os quatro mostram como o colonialismo e o açúcar estruturaram o debate político em Cuba e no Brasil e oferecem percepções e ideias adicionais sobre como uma história conjunta do trabalho e do meio ambiente pode constituir um empreendimento frutífero.

Funes Monzote assume a visão de mais longo prazo em From Rainforest to Canefield. O título capta com precisão o foco do livro, que consiste, primordialmente, nas florestas de Cuba e nos debates acerca de seu valor e seus usos, com a vitória gradual das plantações de cana-de-açúcar. É, primordialmente, uma história política de questões ambientais, e a história do trabalho está implicada na medida em que as questões trabalhistas nos campos de cana-de-açúcar estão inevitavelmente entrelaçadas com sua expansão e seu esgotamento. É também uma história das ideias, na medida em que os cubanos e seus senhores coloniais se debateram em torno do significado e da finalidade da floresta, e do relacionamento dos seres humanos com a natureza.

Funes Monzote conta a agora conhecida história da expansão das plantações de cana-de-açúcar, primeiro pelo oeste de Cuba, e depois para o leste, destruindo vorazmente florestas em seu caminho. Cuba, sugere ele, “oferece um dos casos mais representativos dos primórdios da agricultura industrial nas Américas”. Diferentemente da agricultura tradicional, que se baseava no princípio de manutenção da viabilidade da terra, a agricultura industrial se baseia na transformação de um recurso renovável – a terra – em um recurso não renovável – ela “funcionou como minas a céu aberto” (p.265).

A cana-de-açúcar exigia não apenas terra para plantar, mas também madeira para combustível, e os donos de plantações cubanos simplesmente se mudaram para novas terras quando esgotaram as suas. Funes Monzote vai além de explicações anteriores e examina a história política e cultural que está por trás do processo: o que a floresta significava para diferentes setores da sociedade cubana e colonial, como eles tentaram impor suas visões e como esse debate moldou a sociedade cubana. Ele reconstrói a maneira como diferentes forças sociais e políticas competiram para impor seus interesses por meio da legislação e da ação, tendo todas o desaparecimento gradativo da floresta como objeto. “Além de avaliar a influência da evolução socioeconômica da ilha e das ideologias dominantes nas atitudes para com o meio ambiente, meu objetivo aqui é destacar a importância das florestas na formação da nação cubana … Esse livro é uma homenagem à importância silenciosa das florestas na história de Cuba” (p.5).

A floresta teve um papel central nos debates sobre o papel do Estado e a distinção entre público e privado, nos crescentes conflitos entre os interesses coloniais espanhóis e um setor “cubano” emergente, nos conceitos de propriedade privada e na noção de bem comum, e no surgimento de ideias sobre a natureza e sua finalidade, ou o relacionamento dos seres humanos com a natureza.

Durante boa parte do período colonial, os principais atores do debate foram a Marinha Real, que queria preservar as florestas para o uso da madeira na construção de navios, e os canavieiros, que reivindicavam soberania sobre as terras que controlavam. Nesse aspecto, o debate em Cuba espelhou – e às vezes prefigurou – o que aconteceu em outros lugares do mundo colonial.2 Tanto a Marinha como os canavieiros viam a floresta em termos economicamente instrumentais, mas seus interesses diferentes os levaram a atitudes e políticas diferentes. Para os donos de plantações, as florestas existiam para serem derrubadas, para a obtenção de combustível ou cana. Para a Marinha, o valor da floresta estava em sua madeira, e, para ser economicamente útil, ela precisaria ter condições de se regenerar. “Os burocratas da Marinha viam o comércio de açúcar como a maior ameaça à construção naval na ilha – não apenas em razão da competição pelo uso da madeira abundante, mas também pelo fato de que plantar cana-de-açúcar eliminava a possibilidade de a mata se regenerar. As características da indústria açucareira naquele período, especificamente sua necessidade de madeira, lenha e solo fértil, eram justificativas suficientes para esses receios” (p.43). “A indústria da construção naval e a indústria açucareira tinham duas concepções irreconciliáveis sobre como as florestas deveriam ser exploradas. Isso não significa que, para a primeira, a proteção das florestas fosse um fim em si mesmo, mas os construtores navais viam a mata como um recurso que, se explorado de maneira razoavelmente ordenada, poderia se regenerar” (p.59).

A posição da Marinha também a levou a articular um bem comum que suplantava aquele do capital privado. Como sustentou o comandante da Marinha Juan de Araoz no final do século XVIII, “para se alcançar essa conservação, os abusos e a liberdade dos homens devem ser reprimidos … o indivíduo nunca vai levar nada em conta a não ser seu interesse privado, que precisa ficar mudo quando defrontado com o interesse geral” (p.107). Quase cem anos mais tarde, um engenheiro florestal espanhol refletiu a mesma postura, lamentando “o egoísmo e a avareza dos indivíduos, que às vezes não entendem seu próprio interesse e são indiferentes ao interesse geral” (p.209). E, em 1918, o botânico cubano Juan Tomás Roig alertou que o governo deveria intervir para “cuidar do futuro da agricultura nacional, frente ao fato de que ‘os donos de plantações só davam atenção a seu interesse privado e imediato'” (p.239).

Nas ilhas menores do Caribe, os canavieiros aprenderam a fazer o cultivo de formas mais sustentáveis – usando o bagaço da cana como combustível, por exemplo. Mas a natureza aparentemente infindável das florestas de Cuba e sua entrada tardia na produção de açúcar – em Cuba, “a produção de açúcar decolou na aurora da era industrial” – incentivaram os donos de plantações a imaginar uma expansão infinita como o caminho mais lógico e lucrativo (p.265). Em poucas gerações, os recursos acumulados em séculos de crescimento das florestas foram esgotados.

O debate político se centrava na questão de quem tinha jurisdição sobre as árvores nas terras que o governo colonial arrogara a si mesmo como Reservas Florestais Reais, e de quanto controle os donos das terras tinham sobre as terras que eram oficialmente deles. À medida que a indústria açucareira se expandia rapidamente no final do século XVIII e começo do século XIX, o conflito colocou a Marinha na posição de ambientalista, defendendo o uso sustentável da floresta e a primazia do bem público sobre o ganho privado. A discussão envolvia mais do que simplesmente a floresta: “Essa batalha contra os limites estabelecidos para a exploração das florestas cubanas atendendo ao interesse da construção naval tornou-se central para as mudanças que ocorriam na estrutura agrícola da ilha e para o triunfo das concepções dos donos de plantações e do liberalismo na esfera econômica da colônia” (p.89). Esse triunfo aconteceu em 1815, quando as Cortes de Cádiz estabeleceram “o direito ‘sagrado’ de propriedade defendido pela primeira revolução burguesa da Espanha” (p.121). É claro que esse direito de propriedade se estendeu também à mão de obra, “mão de obra escrava como uma fonte de enriquecimento rápido, resultando de uma visão de mundo gananciosa no tocante aos seres humanos e ao meio ambiente” (p.128).

Ao final do século XIX, novas fontes de combustível (bagaço de cana e carvão) começaram a substituir a lenha nos engenhos, mas a necessidade de derrubar florestas não diminuiu, já que a indústria estava se expandindo rapidamente e o solo de plantações antigas se esgotava. A preocupação com o esgotamento da terra contribuiu para o questionamento do próprio sistema escravista e sua relação com o uso ineficiente de recursos (p.153). “Se alguém era livre para comprar e vender escravos negros, por que não seria livre para explorar as florestas?” (p.275). Cientistas espanhóis e membros da Sociedade Econômica de Havana reavivaram discussões sobre a necessidade de subordinar o interesse privado ao bem público e levantaram a questão da sustentabilidade de longo prazo: “o homem não vive apenas pelos poucos dias em que exerce seu papel; a posteridade pode também exigir dele uma severa prestação de contas pelo mal que ele fez ou permitiu que acontecesse àqueles bens que negou a seus descendentes” (p.159).

O final do século XIX assistiu à rápida expansão do açúcar para o leste da ilha, sob o novo sistema do central, o engenho grande e industrializado, que separou o cultivo do processo de moagem. Os novos centrales “ajudaram a acabar com a portabilidade da indústria” – limitando, assim, em termos, a derrubada sem fim da floresta -, mas “a existência de mata abundante na metade leste da ilha permitiu aos canavieiros continuar estabelecendo plantações de cana-de-açúcar em terra virgem, agora com um impacto muito maior por unidade” (p.187).

Enquanto vemos o Estado colonial desenvolvendo uma noção de bem público que o coloca em oposição à classe dos donos de plantações, o autor complementa os argumentos de Kenneth Pomerantz e Richard Tucker sobre a importância ambiental das colônias para o projeto industrial. As florestas de Cuba deveriam ser preservadas para compensar o esgotamento das florestas da própria Espanha, e “grande parte da rica biodiversidade da ilha foi consumida para satisfazer as necessidades alimentares dos nascentes centros industriais da Europa e dos Estados Unidos” (p.66, 275). Os súditos coloniais tinham menos direitos do que os súditos metropolitanos porque a finalidade da colônia era servir aos interesses da metrópole. Outro oficial da Marinha sustentou que “a liberdade … tão atrativa e inocente na Península, não é praticável aqui, porque ela beneficiaria o indivíduo em detrimento da nação inteira e seus interesses” (p.113). Vemos aí também, talvez, uma fantasmagórica prefiguração dos ambientalistas imperiais de hoje, cuja preocupação com a floresta tropical amazônica coexiste despreocupadamente com sua promoção dos biocombustíveis que a estão destruindo.

Funes Monzote chama o começo do século XX, quando o capital norte-americano jorrou no país e as plantações inundaram o leste de Cuba, de “o ataque final à floresta” (capítulo 6). O progresso econômico significou destruição ambiental. “Em nenhum outro momento da história cubana o país experimentou maior crescimento em seu ‘potencial produtivo’, assim como em nenhum outro momento o desmatamento e a mudança ambiental foram tão intensos” (p.218). Em 1926, o presidente Machado retornou a ideais anteriores ao século XIX quando assinou um decreto proibindo a derrubada de árvores tanto em terras privadas quanto nas públicas. Àquela altura, porém, “infelizmente era tarde” para proteger a floresta do leste de Cuba (p.229).

O livro Blazing Cane, de Gillian McGillivray, oferece uma boa contrapartida ao de Funes Monzote na medida em que enfatiza o século XX; assim, retoma cronologicamente a questão onde Funes Monzote termina e privilegia o aspecto do trabalho da história da cana-de-açúcar em Cuba. Um tema-chave para McGillivray é o relacionamento entre os trabalhadores, os canavieiros e o Estado, bem como a natureza do populismo latino-americano. Em geral, o populismo tem sido estudado como um fenômeno urbano na América Latina. No entanto, ao impor sua própria força à custa da classe dos donos de plantações, mesmo um Estado conservador pode apelar para os interesses de classe dos trabalhadores rurais, de maneira comparável ao modo como o Estado colonial de Funes Monzote e o Estado machadista relegaram os interesses dos canavieiros para proteger a floresta. O estudo de McGillivray foca dois engenhos de açúcar, o Tuinucú, da era colonial, situado na antiga região açucareira central de Cuba, e o Chaparra, da era moderna, estabelecido nas vésperas da independência, em 1895, sendo emblemático dos engenhos grandes, industrializados e majoritariamente de capital estrangeiro que se espalharam pelo leste de Cuba durante esse período: parte do “ataque final à floresta” de Funes Monzote.

Suas questões principais, no entanto, são políticas: como o Estado, os capitalistas e as classes populares negociaram o poder nessa sociedade dominada pela cana-de-açúcar. Ela identifica três períodos: “‘o pacto colonial’ (1780-1902), ‘o pacto patronal’ (1902-1932) e ‘o pacto populista’ (1933-1952)” (p.5). No pacto colonial, “os donos de plantações aceitavam o domínio colonial em troca da proteção militar e legal da escravidão e da produção de açúcar por parte da Espanha” (p.14). Sob o pacto patronal, que o substituiu, “os capitalistas estrangeiros e seus intermediários cubanos estabeleceram o controle econômico e político sobre boa parte da população rural da ilha através de uma combinação de repressão, clientelismo, incluindo assistência social privatizada nas plantações, e exploração do fascínio dos ‘cubanos’ pelo progresso e a modernidade” (p.86). Esse também foi o período em que a cana-de-açúcar se espalhou pelo leste da ilha. Finalmente, sob o pacto populista, o Estado assumiu o papel de mediar os grupos de interesse e proporcionar assistência social.

Diferentemente de outros historiadores que enfatizaram o caráter excepcional de Cuba como uma virtual colônia dos Estados Unidos, McGillivray enfatiza as semelhanças com o resto da América Latina no desenvolvimento econômico, social e político de Cuba. Seu argumento de que o Estado fortalecido depois de 1933 criou, em certo sentido, classes sociais na medida em que estabeleceu canais através dos quais elas podiam manifestar seus interesses, substituindo as relações patrono-cliente que caracterizaram os dois primeiros períodos, está em paralelo ao que Rogers descreve sobre o Brasil.

A indústria açucareira de Cuba estava organizada de maneira um tanto diferente da do Brasil, pois boa parte da cana era produzida por pequenos agricultores ou colonos, que formavam um terceiro setor social na região açucareira, além dos donos de plantações/engenhos e dos trabalhadores. A maioria dos colonos era cubana, ao contrário dos donos dos empreendimentos maiores, e muitos também dependiam de mão de obra contratada ou até mesmo de subcolonos para trabalhar seus campos. Eles estavam vinculados aos engenhos maiores porque era lá que vendiam sua cana, e especialmente no leste, porque eram, muitas vezes, arrendatários do engenho. Além disso, muitos dos trabalhadores nas novas plantações do leste eram migrantes contratados na Jamaica, no Haiti ou em outras ilhas das Índias Ocidentais. Os colonos desempenham um papel-chave na tentativa de McGillivray de revisar a historiografia de Cuba.

A historiografia cubana estabelece, tradicionalmente, uma dicotomia clara entre as plantações mais antigas, menores e de propriedade de cubanos no oeste, com seus trabalhadores nativos e uma relação mais igualitária com os colonos, e as plantações de propriedade de norte-americanos no leste, com seus trabalhadores importados das Índias Ocidentais e seus colonos arrendatários completamente subordinados. McGillivray mostra que a realidade é mais complexa. A família Rionda, geralmente vista como representante dos canavieiros nacionais do oeste, era radicada na Espanha, em Cuba e nos Estados Unidos, e o capital do engenho, como até mesmo os escritórios, estavam tanto dentro quanto fora de Cuba. Os donos de engenho tanto do leste quanto do oeste consideravam vários fatores ao optar por produzir cana diretamente ou comprá-la dos colonos. Tanto os colonos arrendatários quanto os independentes se mobilizavam em coalizões nacionalistas e revolucionárias, como também para defender seus interesses particulares. De fato, sustenta ela, os trabalhadores e colonos do leste tinham, em alguns aspectos, mais poder que os do oeste, porque conseguiam mobilizar o sentimento nacionalista em seu favor (p.274).

Os colonos surgem como ator político significativo tanto no leste quanto no oeste de Cuba, em particular, nas revoluções de 1933 e 1959. Em 1933, como o pacto patronal entrou em colapso sob o peso da Depressão, trabalhadores e colonos se voltaram para o Estado, dando origem ao novo pacto populista. Assim como no Brasil sob a ditadura militar, tratava-se de um “populismo autoritário” (Blazing Cane, p.227). Tanto Rogers quanto McGillivray nos oferecem novas perspectivas a respeito de como até mesmo os mais direitistas governos autoritários conseguem, com sucesso, atrair as classes trabalhadoras. Ao criar instituições estatais fortes que intervenham nas relações de trabalho, os populistas conseguem quebrar o jugo das classes dos donos de plantações e criar certas garantias para os trabalhadores. Apesar de inicialmente destruir os sindicatos independentes e reduzir até mesmo os insuficientes benefícios de saúde e educação aos quais os trabalhadores tinham acesso sob o pacto patronal, Fulgencio Batista também implementou um sistema de participação nos lucros e, ao final dos anos 1930, havia se reconciliado com os sindicatos e aprovado uma legislação trabalhista progressista (p.244). A Constituição de 1940 “era talvez a mais progressista da América Latina, pelo menos no papel”, e “estabeleceu o Estado de bem-estar social cubano” (p.248).

Ao enfatizar o caráter populista dos governos de Cuba em meados do século XX, McGillivray restabelece o lugar da ilha nos processos históricos latino-americanos. Ao explicar como “o anticomunismo da Guerra Fria de 1947 a 1959 esvaziou o pacto populista de Cuba e o privou de grande parte de sua substância”, ela também oferece novas percepções sobre a revolução de 1959 (p.228). “A forte reação negativa da Guerra Fria, a partir de 1947, começou a minar o valor social-democrático das instituições populistas ao priorizar novamente clientes individuais em vez de grupos de classe … A Guerra Fria tirou grande parte do espaço que os grupos populares tinham conquistado dentro do populismo de meados do século XX” (p.275). Interessantemente, McGillivray se distancia de explicações segundo as quais o relacionamento com os Estados Unidos determinou excessivamente os acontecimentos em Cuba em períodos anteriores; nessa última década foi a política de Guerra Fria dos Estados Unidos que empurrou o governo Batista do populismo para a repressão e abriu caminho para a Revolução de 1959.

O livro The Deepest Wounds, de Thomas D. Rogers, é o que mais diretamente enfrenta o desafio de escrever uma história do trabalho e do meio ambiente. “A despeito das claras ligações entre o meio ambiente e o trabalho rural … os pesquisadores ainda precisam construir um marco satisfatório para analisar os dois paralelamente”, escreve ele (p.4). Ele poderia estar criticando os dois livros recém-discutidos, já que o trabalho rural está praticamente ausente na história ambiental de Funes Monzote, ao passo que o ambiente natural mal aparece na análise de McGillivray a respeito do trabalho e da política.

Para enfrentar a tarefa, o estudo de Rogers acerca da região açucareira no Brasil propõe os conceitos de paisagem – que incorpora tanto as crenças humanas sobre a terra quanto sua realidade material – e de “agroambiente” na medida em que ele molda a ação humana – e, em particular, o trabalho – e é moldado por ela. Como em Cuba, o sistema de plantações no Brasil se baseou na escravidão até o final do século XIX, e em uma forma de política republicana autoritária durante a maior parte do século XX.

Os donos de plantações e os trabalhadores tinham noções muito diferentes de paisagem. Em relação aos donos de plantações, Rogers analisa como o abolicionista Joaquim Nabuco, o romancista José Lins do Rego e o sociólogo Gilberto Freyre expressaram uma sensibilidade ecológica ao estabelecerem ligações claras entre a degradação da terra e do trabalho através do sistema escravista. Eles vislumbraram uma “paisagem trabalhadora” (p.45) em que o “comando” dos canavieiros tornava a terra e o trabalho produtivos. Apesar de críticos ao sistema, eles injetaram em suas obras uma grande dose de nostalgia, sugerindo que as relações patriarcais mantiveram o sistema em equilíbrio até a introdução da usina ou dos modernos engenhos de açúcar industriais ao final do século XIX: “Tanto os trabalhadores quanto a terra foram degradados pela nova indústria moderna e eficiente” (p.57). A nostalgia deles pela paisagem estava imbuída da nostalgia pelas relações sociais inseridas nela. “O que eles proclamavam como amor telúrico não era paixão pela natureza, mas apreço pela dinâmica da exploração racial, de classe e ambiental que constituía a paisagem trabalhadora da zona açucareira” (p.69). Assim, a análise do Brasil do século XIX feita por Rogers é paralela – e dá uma nuance ambiental – ao que McGillivray descreve em Cuba como o “pacto colonial”, e explora os aspectos laborais dos debates coloniais que Funes Monzote explora.

Para os trabalhadores, em contraposição a isso, a paisagem, corporificada nas lavouras de cana-de-açúcar, significava cativeiro. A abolição da escravatura não mudou a dinâmica fundamental de poder, já que os donos de plantações continuaram a controlar a terra. Os antigos escravos tornaram-se arrendatários: “o sistema manteve os trabalhadores presos aos engenhos mesmo sem o vínculo jurídico da escravidão” (p.73). Não houve uma fuga em massa das plantações, não houve um restabelecimento do campesinato, mas havia, de fato, um desejo por terra. “Visto que os donos de plantações tinham um quase monopólio da propriedade fundiária, o único acesso ‘legítimo’ dos trabalhadores à terra era mediante algum tipo de arrendamento; o caminho para o acesso passava pela provisão de mão de obra” (p.92). Quando os trabalhadores fugiam efetivamente das plantações, o único lugar para o qual eles podiam ir era a cidade. Segundo a exposição de Rogers, pelo menos durante os anos 1940, a cana-de-açúcar significava cativeiro, e os trabalhadores do setor açucareiro do Brasil, tanto quanto os ex-escravos em outros lugares, ansiavam por atingir a verdadeira independência por meio do acesso à terra. Apesar de eles não terem elaborado uma crítica ambiental à cana, o fato de restabelecerem a subsistência contestava implicitamente a destruição ambiental causada pela expansão da agroindústria.

Foi só em meados do século XX que a intervenção da agronomia e do governo trouxe uma expansão, modernização e racionalização da indústria que impôs aos trabalhadores um status mais classicamente proletário, em que seu acesso a lotes na plantação para fins de subsistência se evaporou, especialmente na parte meridional da zona açucareira. Em 1961, mais da metade dos trabalhadores do setor ainda tinha acesso à terra; em 1968, apenas 46% tinha, e muitos desses tinham um acesso apenas nominal. O desejo pela terra continuou a estimular levantes sociais e trabalhistas nos anos 1960. “Os trabalhadores rurais não tinham uma cultura da preguiça, nem se resignaram coletivamente à miséria … em meio a circunstâncias mutantes, eles desenvolveram estratégias de trabalho que mais perto chegariam da liberdade em relação ao cativeiro do patrão” (p.124).

A efervescência dos anos 1950 e 1960 atraiu a atenção do Partido Comunista do Brasil e do governo dos Estados Unidos, e ambos acreditavam que a zona açucareira estava madura para a revolução. Agricultores arrendatários das periferias formaram Ligas Camponesas, enquanto o governo brasileiro voltou sua atenção ao “desenvolvimento” do Nordeste. Tanto a Igreja Católica quanto os comunistas se lançaram à organização de sindicatos, especialmente após a eleição de um presidente progressista em 1961 e a aprovação de um Estatuto do Trabalhador Rural em 1963. Na parte meridional da zona açucareira, onde a modernização da agricultura e a proletarização estavam mais avançadas, prevaleciam os comunistas; no norte, mais tradicional, era a Igreja. Assim, “fatores ambientais e agrícolas” moldaram o caminho da sindicalização e os atores políticos nela envolvidos (p.140). Em ambas as regiões, porém, a demanda por terra e reforma agrária era central para a organização dos trabalhadores.

O golpe militar de 1964, de acordo com Rogers, “não foi uma vitória inequívoca dos donos de plantações”: “em termos da trajetória das lutas dos trabalhadores, houve uma continuidade que transpôs a linha divisória” (p.159). O impacto crucial, no Nordeste, foi a incursão do Estado nas relações entre donos de plantações e trabalhadores, o que inevitavelmente limitou a autonomia dos canavieiros e criou estruturas para os trabalhadores fazerem valer suas demandas. “A simples presença de uma autoridade concorrente no âmbito dos donos de plantações foi a mais importante mudança” (p.162) – algo semelhante ao pacto populista que McGillivray descreve para a Cuba dos anos 1930.

Os canavieiros reagiram com a implementação de um novo regime de trabalho – um regime de subcontratação ou trabalho temporário – para tirar seus trabalhadores do alcance do regime trabalhista do governo. Essa medida rompeu os antigos vínculos, inclusive o arrendamento, que prendiam os trabalhadores às plantações. Nos anos 1970, a maioria dos trabalhadores do setor açucareiro trabalhava sob esses novos esquemas e morava fora das plantações, em pequenas cidades (p.168). Rogers documenta uma crescente divisão entre os líderes sindicais, que continuavam a enfatizar a reforma agrária, e os trabalhadores, que passaram a ver os benefícios do Estado para os trabalhadores como um objetivo mais central, no final dos anos 1960 e início dos 1970. “A terra não era mais a condição sine qua non da liberdade. A mobilidade se tornou importante, com pagamentos feitos de forma confiável, e agora as condições do cativeiro eram entendidas na dicotomia entre o engenho e a rua … À medida que a liberdade passou a ser associada ao recurso à burocracia do Estado, os trabalhadores se viam com menos frequência em termos ‘camponeses’, mesmo no tocante à aspiração a ter vínculos com a terra. Eles eram, em primeiro lugar e antes de tudo, assalariados; poder-se-ia dizer que foram proletarizados” (p.178). Comparando-os aos trabalhadores da região de plantação de banana no Equador, e refletindo McGillivray, Rogers cita Steve Striffler para sustentar que eles “foram transformados em uma classe por meio do diálogo com o Estado. Foram ‘organizados pelo Estado e para dentro dele'” (p.207).

A cana-de-açúcar também foi transformada, em parte, pelo compromisso do governo com a exportação de produtos agrícolas, e, depois do choque do petróleo de 1973, pela produção de açúcar para etanol, utilizando técnicas da Revolução Verde e incentivos econômicos. Novos fertilizantes permitiram que a cana se expandisse para “áreas anteriormente inapropriadas” (p.183). “O preço pago pela expansão da cana-de-açúcar foram córregos fétidos, céus repletos de cinzas, florestas derrubadas e maior número de enchentes” (p.201).

Foi uma solução típica de direita para as gritantes desigualdades latino-americanas: expandir sem redistribuir. No entanto, como nos lembra Rogers, “um dos problemas dos projetos de crescimento econômico altamente modernizantes foi que eles deixaram de levar em consideração o meio ambiente” (p.184). Especialmente no norte da zona açucareira, que havia sido menos afetado pelas modernizações anteriores, os efeitos ambientais foram drásticos. Essas mudanças, combinadas à abertura política do final dos anos 1970, levaram a um renascimento da sindicalização e das greves entre os trabalhadores do setor canavieiro. A gravidade da degradação ambiental no norte ajuda a explicar por que ele foi o epicentro das atividades sindicais e grevistas, em contraposição aos anos 1960 (p.196).

O trabalho e o meio ambiente estão conectados na medida em que o lucro, ou o desenvolvimento econômico, depende do controle de ambos – embora o capital não possa, verdadeiramente, controlar nenhum dos dois. “Assim como os donos de plantações antes dela, a ditadura pensou que comandava a paisagem. Em ambos os casos, esse controle era uma ilusão. Essas falhas equivalem a uma denúncia da própria noção de comando como abordagem à gestão do meio ambiente ou da mão de obra” (p.204).

Apesar de Rogers nos oferecer uma história na qual os trabalhadores do setor açucareiro buscaram, por séculos, escapar da cana e ganhar acesso à terra para fins de agricultura de subsistência, ele também sugere que a paisagem pode ajudar a explicar o compromisso dos trabalhadores com a cana-de-açúcar hoje. “A visão das pessoas a respeito de sua localização – das possibilidades e realidades de sua vida – é estruturada por discursos sobre a paisagem. Esse conceito nos permite pensar sobre os impactos materiais desses discursos, entrelaçando fios culturais com o meio ambiente em si … Examinar esses discursos melhora nosso entendimento das motivações e perspectivas que orientam as ações das pessoas, e ajuda a explicar por que as raízes da cana-de-açúcar na Zona da Mata são tão profundas. Profundas o suficiente para que nem os donos de plantações nem os trabalhadores possam pensar em suas vidas sem ela” (p.217).

O livro This Land is Ours Now, de Wendy Wolford, começa no ponto em que Rogers termina cronologicamente. Um dos mais dinâmicos e conhecidos movimentos rurais que surgiram na América Latina nas últimas décadas é o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), no Brasil. Wolford examina como o MST, nascido entre pequenos produtores no Sul do Brasil, evoluiu e se adaptou ao contexto muito diferente do Nordeste do país, onde, como Rogers mostrou, os trabalhadores do setor açucareiro perderam a maior parte de seus laços com a terra. O livro de Wolford trata de um movimento social, mas a plantação de cana-de-açúcar e a sociedade que ela criou formam um contexto importante: séculos de produção de cana moldaram tanto a história do uso da terra quanto as crenças sobre a terra e a consciência dos trabalhadores. Assim como as outras obras aqui resenhadas sugerem, tanto a história do trabalho quanto a do meio ambiente são, de certa maneira, histórias da consciência: das formas como as pessoas pensam sobre o trabalho e o meio ambiente.

A economia moral, a ideologia e os objetivos do MST, sustenta Wolford, que também se tornaram sua face pública e internacional icônica, refletiam as realidades de pequenos agricultores, em sua maioria descendentes de europeus, do Sul do Brasil. O MST dava ênfase à reforma agrária por meio da invasão de terras e ao desenvolvimento de ideologias e instituições alternativas e socialistas através desse processo. Foi complicado para os trabalhadores do setor açucareiro desempregados do Nordeste, descendentes de escravos africanos, que eram uma força de trabalho totalmente proletarizada buscando trabalho, em vez de terra, ajustar-se a essa abordagem. “Sua decisão de aderir ao MST não era indicativa de um desejo de continuar um modo de vida agrícola … A crise contínua pela qual passava a indústria da cana-de-açúcar abriu caminho para a aceitação do MST porque havia poucas alternativas no contexto econômico desanimador dos anos 1990 no Brasil … Nem todo o mundo ficou contente em ter terras próprias, porque eles preferiam ganhar a vida com base no trabalho assalariado e não na agricultura de subsistência” (p.18-19).

Em uma clara inversão de Marx (embora em concordância com os argumentos das obras Peasant Wars of the Twentieth Century, de Eric Wolf, e The Moral Economy of the Peasant, de James Scott), o MST via os trabalhadores do setor açucareiro como “individualistas”, em oposição aos valores mais coletivos dos camponeses do Sul (p.19). “Os camponeses são – e sempre foram – os verdadeiros subalternos do Capital, o ‘outro’ que legitimou e possibilitou a industrialização, a colonização e o desenvolvimento no pós-guerra”, sustenta Wolford (p.70). De certa maneira, a “consciência camponesa” levava a valores coletivos, e os camponeses do Sul estavam, “inicialmente, bastante receptivos à ideia de produção cooperativa … a forma de produção combinava com seu senso tradicional de comunidade igualitária” (p.104-105). No entanto, os líderes do MST frequentemente constatavam que também os camponeses do Sul eram “individualistas e não conseguiam substituir adequadamente o ‘eu’ da sociedade capitalista convencional pelo ‘nós’ da comunidade alternativa do MST” (p.104). Wolford sustenta, porém, que os desafios para os coletivos do MST no Sul do Brasil vinham menos da ideologia camponesa deficiente e mais de dificuldades organizacionais e pessoais dentro dos coletivos do movimento.

Wolford, porém, concorda com Rogers no sentido de que o que ela chama de “hegemonia do discurso açucareiro” prevalece na região açucareira do Nordeste. “Mesmo quando os trabalhadores rurais plantavam frutas e verduras, eles ainda afirmavam que a cana-de-açúcar era a única cultura verdadeiramente viável” (p.185). Como explicou o presidente de um assentamento do MST, muitas vezes os assentados nem se preocupavam em plantar em suas terras recém-obtidas: “Eles estão cansados, têm que sair de casa cedo para cortar cana para terem algo que comer” (p.184). O compromisso ideológico e prático com a cana e com o trabalho assalariado significava que o programa do MST, tão atrativo no Sul, era menos promissor no Nordeste.

Wolford prefacia seu estudo perguntando se é legítimo que uma pesquisadora investigue os problemas e falhas de uma organização que ela admira e que parece oferecer um dos poucos raios de esperança para a crescente população de grupos rurais espoliados no mundo todo. Seu estudo é claramente simpatizante, e ela sustenta que um melhor entendimento dos desafios que se colocam a esse movimento deveria ajudar a fortalecê-lo, e não a enfraquecê-lo. De fato, o compromisso, a visão e a força do MST, e seu potencial para a verdadeira transformação rural, transparecem nessa avaliação sóbria. Uma das conclusões mais desalentadoras dessa obra é que “é muito mais difícil promover o desenvolvimento sustentável do que expropriar terras” (p.128). O MST tem sido mais bem-sucedido em mobilizar e apoiar pessoas nos dias urgentes e empolgantes das ocupações de terra. Mas o desenvolvimento rural sustentável, especialmente em terras esgotadas e no contexto de um capitalismo global neoliberal e declinante, tem permanecido um desafio elusivo virtualmente em toda parte.

Todos os quatro livros têm como foco regiões moldadas por colonialismo, cana-de-açúcar e escravidão. Todos eles mostram como a própria natureza e as ideias e crenças das pessoas sobre o mundo natural contribuíram para outros desdobramentos políticos e sociais e se cruzaram com eles. No entanto, os quatro livros levam suas análises para direções bem diferentes. Ao comparar duas regiões, Wolford e McGillivray buscam tornar mais complexas as narrativas nacionais – mas de maneiras bem diferentes. Wolford enfatiza as diferenças no contexto do trabalho e do meio ambiente no Nordeste em comparação com o Sul do Brasil e, assim, as experiências muito diferentes que os trabalhadores e camponeses tiveram com o MST nas duas regiões. McGillivray contesta a narrativa nacional bifurcada em Cuba, que propõe padrões muito diferentes para as partes oriental e ocidental da ilha. Ela mostra que, em vez disso, ambas as regiões eram mais como colchas de retalhos.

Adotando uma abordagem explicitamente ambiental de uma longa extensão da história, Funes Monzote e Rogers se ocupam mais diretamente das questões teóricas de como as interações humanas com a natureza contêm um componente crucial da história humana. Em todas as quatro obras, no entanto, a relação entre as pessoas e o meio ambiente tem um papel importante nas histórias política e do trabalho. Cada livro contribui com novas formas de entender o impacto profundo que a cana-de-açúcar teve nas relações sociais, nos movimentos políticos e nos Estados. O ambiente natural abriu o caminho para a cana-de-açúcar, sofreu a destruição em função dos interesses do açúcar, influenciou a consciência dos trabalhadores, do capital e do Estado nas regiões açucareiras, e continua sendo um fator importante nas lutas do século XXI nessas regiões.

Das quatro obras aqui resenhadas, no entanto, apenas Rogers tenta explicitamente construir uma abordagem teórica que interligue as questões do trabalho e do meio ambiente. Não ficamos sabendo se os formuladores de políticas públicas ambientais de Funes Monzote em Cuba cogitavam a existência de paralelos ou conexões entre a exploração da mão de obra e do ambiente natural, ou como os trabalhadores escravizados ou livres do setor açucareiro cubano concebiam sua relação com o meio ambiente. Além disso, apesar de o açúcar ter sido e continuar sendo um produto colonial e de exportação por excelência, tanto em sua história do trabalho quanto na do meio ambiente ainda há muito a ser explorado com relação à interação de forças globais com essas histórias locais e à natureza dos ambientalismos popular e de elite no mundo pós-colonial.

A necessidade de histórias que possam nos ajudar a entender as múltiplas ligações entre o trabalho e o meio ambiente é mais urgente do que nunca. Os socialistas latino-americanos do século XXI continuam a se basear em empreendimentos agroindustriais e extrativos para sustentar seus projetos redistributivos e acusam os críticos estrangeiros de imperialismo ambiental. Os movimentos trabalhista e ecológico do Primeiro Mundo se esforçam para ultrapassar análises individuais e localizadas dos problemas que enfrentam. Enquanto isso, a cultura centrada no consumo continua causando estrago até os mais remotos cantos do planeta, ao mesmo tempo em que movimentos pela soberania alimentar ganham impulso. O contexto global, e particularmente o colonial e pós-colonial, continua a estruturar a terra e o trabalho, bem como a compreensão dos sujeitos coloniais a respeito de seu relacionamento com a terra e o trabalho.

Os livros aqui resenhados dão uma importante contribuição para expandir nossas definições e compreensões tanto da história do trabalho quanto da do meio ambiente. A próxima geração da pesquisa vai se basear neles e nas percepções de ativistas latino-americanos das áreas do trabalho e do meio ambiente sobre os contextos e histórias globais que forjaram os sistemas, a consciência e os movimentos trabalhistas e ambientais, bem como as maneiras como esses movimentos, por sua vez, enfrentam os contextos globais. As crises e contradições atuais frisam a importância de se entender como chegamos a esta situação e quais caminhos tomados e não tomados no passado poderiam sugerir futuros alternativos.

Referências

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DOWIE, Mark. Conservation Refugees: The Hundred Year Conflict between Global Conservation and Native Peoples. Cambridge, MA: MIT Press, 2009. [ Links ]

GROVE, Richard H. Colonial Conservation, Ecological Hegemony and Popular Resistance: Towards a Global Synthesis. In: MacKENZIE, John M. (Ed.) Imperialism and the Natural World. Manchester: Manchester University Press, 1990. [ Links ]

MARTÍNEZ-ALIER, Joan. The Environmentalism of the Poor: A Study of Ecological Conflicts and Valuation. Oxford: Oxford University Press, 2005. [ Links ]

MINTZ, Sidney Wilfred. Sweetness and Power: The Place of Sugar in Modern History. New York, NY: Viking Press, 1985. [ Links ]

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TUCKER, Richard P. Insatiable Appetite: The United States and the Ecological Degradation of the Tropical World. Oakland, CA: University of California Press, 2000. [ Links ]

Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2010.

Durham, NC: Duke University Press, 2009.

Durham, NC: Duke University Press, 2010.

Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2008

Notas

Resenha publicada originalmente em Social History, v.38, n.4, November 2013.

1 Pomeranz, 2000Tucker, 2000Dowie, 2009Grove, 1990, p.23, 25. Grove observa que “os primeiros ensaios políticos de Marx e o estimulante, por ele mesmo admitido, de suas primeiras tentativas de análise séria do processo social originam-se de sua preocupação com a criminalização dos camponeses pelas novas leis florestais nos anos 1840” (p.32).

2 Grove também sustenta que as políticas florestais que protegiam as necessidades de madeira de Marinhas Reais moldaram o pensamento colonial primitivo sobre o meio ambiente e frequentemente colocavam o Estado colonial em conflito com empresas privadas (1990, p.21). Em Cuba, a principal contestação do conservacionismo da Marinha vinha da indústria do açúcar, diferentemente de outros lugares no mundo colonial onde camponeses nativos e povos da floresta foram deslocados por governos coloniais que visavam preservar os recursos para suas próprias finalidades.

Aviva Chomsky – Salem State University. E-mail: [email protected].

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Reading is my window: books and the art of reading in women’s prisons – SWEENEY (EA)

SWEENEY, Megan. Reading is my window: books and the art of reading in women’s prisons. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2010. Resenha de: SPEZIA, Carlos Humberto. Uma janela para a esperança. Em Aberto, Brasília, v. 24, n. 86, p. 159-161, nov. 2011.

Megan Sweenney realiza um mergulho no universo feminino da leitura em prisões. Em 94 entrevistas diretas, realizadas nos Estados da Carolina do Norte, de Ohio e da Pensilvânia, a autora faz uma abordagem criteriosa sobre como as detentas trabalham os escassos materiais de leitura disponíveis dentro do presídio para entender um mundo do qual, agora presas, estão distantes. Apesar da limitada oferta de títulos bibliográficos, a autora consegue mostrar como as mulheres encarceradas utilizam esses poucos recursos literários para enriquecer suas experiências, o que colabora para o aumento da autoestima e da conexão com o mundo fora das grades. Sempre contundentes, citações com estas estão presentes em todo o estudo de Megan Sweenney e ilustram as diferentes visões e experiências das mulheres encarceradas:

[…] se há várias pessoas que voltam às prisões, então temos que repensar o sistema prisional. (Monique) A prisão tem sido uma experiência de aprendizagem para mim. Eu cresci aqui. Eu me tornei a mulher que sou hoje. Aprendi a processar as coisas diferentemente e agora entendo o meu valor. (Starr)

O trabalho de Megan Sweeney compreendeu um longo estudo da análise dos hábitos de leitura de várias detentas do sistema prisional americano. Suas entrevistas misturam-se com a narrativa da obra, e o leitor torna-se cúmplice dos depoimentos sempre traumáticos das mulheres encarceradas. Esse clima, embora trágico, constitui o fertilizante para o desabrochar das histórias das personagens, que têm em comum a aproximação da socialidade por meio da leitura, mesmo vivendo numa estrutura na qual o objetivo menos específico é sua ressocialização.

As personagens de Sweeney permanecem sempre perto do leitor, compartilhando pensamentos e desejos inspirados no bem estar que a leitura proporciona ante as aviltações da prisão.

A maior parte da obra de Megan é composta de entrevistas com suas próprias personagens reais representadas por pseudônimos. Dessa forma, o leitor acaba por compartilhar das variadas experiências por elas relatadas, tendo como constante o sofrimento físico e moral em suas histórias de vida.

Os depoimentos coletados por Megan Sweeney transportam o leitor para dentro da realidade individual do universo prisional, ilustrando como cada uma das detentas consegue extrair algo de positivo para suas vidas por meio dos livros que lhes são ofertados.

Denise, por exemplo, deixa claro em depoimento sua necessidade angustiante de ler para lutar por conhecimento ou por qualquer informação que seja, mesmo com a ciência de não entender o que está lendo.

[…] Você não sabe o que encontrará na leitura dos jornais […] eu leio cada centímetro do jornal. Não tenho a menor ideia do que seja Nasdaq, mas leio sobre isso, pois eu não sei e então crio minha própria história sobre o que leio.

Apesar de Sweeney afirmar que a preferência de leitura das detentas reflete a disponibilidade de títulos literários na biblioteca das prisões, ela baseia seu estudo em três gêneros específicos: ficção, narrativa e livros de autoajuda. Devido ao acesso limitado a livros, as mulheres detentas escolhem o que está disponível nas prateleiras, mas a autora frisa que as leitoras têm suas preferências de gêneros literários.

Muitas vezes elas leem o que não gostam ou desconhecem por uma simples questão de oferta de títulos bibliográficos.

Tal fato está destacado no início do capítulo 5, na citação de uma das personagens: “Não me importa se o livro é desconhecido para mim. Eu sei que ele irá me ajudar, eu o lerei. Nunca encontrei um livro que não me ajudasse.” (Ellen).

Sweeney enfatiza a preocupação com a discriminação da sociedade em relação às mulheres encarceradas, que muitas vezes é exercida pelos próprios funcionários das prisões. A autora frisa que a maioria da população prisional é composta por mulheres afrodescendentes, as quais se encontram presas a um instituto que, em vez de trabalhar sua ressocialização, as deixam isoladas. Os livros, que lhes poderiam servir de lenimento, são escassos e limitados em termos de gêneros literários. A leitura em prisões é vista como um favor, uma premiação, uma recompensa para o bom comportamento, uma forma de mantê-las ocupadas, mas não como um direito.

Valhalla e Denize, algumas das personagens recorrentes, descrevem os livros em termos de amizade e os caracterizam como amigos fiéis que podem ajudá-las nos momentos difíceis: “Há personagens que conheci que os guardo dentro de mim.” Embora o hábito da leitura não seja plenamente estimulado nas prisões, Megan Sweeney expõe no relato de seus personagens quão importante a leitura é para as detentas:

[…] é como se pudesse ver aquele livro ali parado, e me misturando em suas páginas.

Quando eu leio, vou tão fundo que consigo sentir os perfumes. Se leio sobre a floresta, vejo os insetos andando sobre as folhagens, vejo a água escorrendo das folhas.

As dificuldades enfrentadas pelas detentas, quer no âmbito do acesso à leitura, quer no do sofrimento do encarceramento, nos fazem refletir sobre questões como sistema prisional, ressocialização, punição, direitos, deveres, desejos, e, acima de tudo, sobre a busca de significados da vida dos dois lados dos muros. A leitura nesse caso é a esperança de sol na escuridão da existência prisional e perpassa a janela, condicionalmente, em tênues raios de luz.

Carlos Humberto Spezia – Mestre em Bioética pela UnB, professor de l íngua portuguesa e ingles, é especialista em Linguística e gestãode projetos. Trabalha há 20 anos na educação de jovens e adultos. E-mail: [email protected].

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Fear & Memory in the Brazilian Army & Society – SMALLMAN (RBH)

SMALLMAN, Shawn C. Fear & Memory in the Brazilian Army & Society. Chapel Hill & London: University of North Carolina Press, 2002, 265p. Resenha de: IZECKSOHN, Vitor. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.25, n.50, july/dec. 2005.

A influência do exército na política brasileira se estende da segunda metade do século XIX até o início da década de 1980. A abrangência das intervenções militares esteve sujeita a debates intermináveis, a maioria dos quais procurou explicar as causas do golpe militar de 1964 e os 21 anos de ditadura que se seguiram por meio dos conflitos do final do período monárquico, especialmente a chamada “Questão Militar”. Para isso muitas vezes procurou-se encontrar as raízes da intervenção militar, que foram identificadas em aspectos particulares da vida da instituição, destacando-se aí os estudos sobre a formação educacional dos oficiais e as pesquisas sobre suas alianças com os aliados civis, em geral aqueles incompatibilizados com a democracia.

Os arranjos internos e informais que moldaram boa parte do comportamento dos oficiais não constituíram um tema central para os historiadores da instituição. O livro em questão tenta preencher essa lacuna. Fear & Memory in the Brazilian Army & Society, do historiador norte-americano Shawn C. Smallman, baseia-se na utilização de fontes manuscritas inéditas e em entrevistas com militares de facções diferentes, buscando enfatizar o papel desempenhado pelas estruturas informais que moldaram ambos: o comportamento político do exército e a versão institucional de sua história. O autor define essas estruturas como “as regras não escritas, organizações, convicções e crenças que moldam o poder sem sanção oficial ou recursos governamentais” (p.5).

Smallman analisa a gênese e a consolidação das estruturas informais durante o período de 1889 a 1954. Partindo de uma posição secundária durante a maior parte do período monárquico, o exército pôde derrubar o regime e proclamar uma República em nome da ordem e do progresso. Apesar do seu papel proativo no golpe de 1889, faltou ao exército, durante décadas, um programa claro para unificar facções diferentes em torno de algumas demandas básicas. Essa debilidade institucional tornou a luta para manter o controle hierárquico sobre os soldados, suboficiais e oficiais rebeldes uma tarefa muito mais violenta e personalizada do que normalmente se supõe. De fato, na falta de uma ideologia militar consistente, influências externas, divergências pessoais e divisões políticas constantemente debilitaram a realização dos procedimentos formais, sujeitando o exército à instabilidade. Smallman argumenta que, em resposta a essa vulnerabilidade, aqueles que ocuparam o topo da hierarquia constantemente empregaram a violência, a tortura e o suborno para controlar a instituição.

Os procedimentos que possibilitaram à hierarquia forjar sua própria versão da memória institucional do exército devem muito ao medo e à prática do esquecimento. Muitos episódios de violência, assim como acusações de corrupção, foram apagados da história oficial. Outros episódios, como a revolta de 1935, foram convenientemente manipulados para justificar os meios brutais de punição das facções derrotadas. Outros ainda, como a repressão sistemática aos membros da facção nacionalista, desapareceram dos registros.

O livro contesta a visão de um exército unido e coeso, deixando clara também a extensão de preconceito racial no interior da instituição. De acordo com Smallman, desde a década de 1920, foram poucas as oportunidades para a ascensão de suboficiais, um caminho que contrasta com a situação dos primeiros anos da República. Além disso, negros, judeus e outras minorias foram sistematicamente discriminados nas seleções para o oficialato. As evidências apresentadas vão contra o discurso histórico/institucional que vê o exército como um oásis para as boas relações entre brasileiros de todas as classes, cores e credos.

Outro ponto polêmico tratado pelo livro é a caracterização de relações pessoais como o recurso fundamental para a construção de alianças e a formação de grupos políticos. Este aspecto é particularmente bem delineado na descrição do processo em que a hierarquia passou de uma posição estatista, calcada na defesa do papel proativo do Estado na atividade econômica, para um posicionamento mais internacionalista no decorrer da década de 1940, no rescaldo da aliança militar com os Estados Unidos (capítulos 3 e 4). Partindo de uma pesquisa minuciosa em fontes primárias, ancorada a uma síntese bem feita da literatura, Smallman demonstra que o pragmatismo e as alianças pessoais foram geralmente muito mais essenciais à formação de facções que a identificação ideológica ou um sistema de convicções. De fato, os oficiais do exército eram menos dependentes das conexões políticas externas que os civis trabalhando em posições estatais, mas esta situação, por si só, não constituiu um antídoto contra um nível alto de clientelismo endógeno. Nem o exército foi uma instituição total, isto é, fechada em si mesma e dotada de uma mentalidade inteiramente independente do contexto externo, nem os seus procedimentos funcionais conseguiram ser inteiramente burocratizados.

O ponto central do livro é o destaque dado ao papel da corrupção no estabelecimento de vínculos pessoais entre os altos escalões da hierarquia, a alta burocracia e os interesses empresariais. A corrupção militar sempre foi tolerada pelas elites civis, na medida em que era vista como uma fraqueza que poderia ser funcional para a subordinação do exército. Porém, a ascensão de oficiais para posições estratégicas nos empreendimentos estatais aumentou a escala da corrupção, reforçando as ligações entre esses oficiais e setores da comunidade empresarial. A instituição de tribunais especiais e o uso habitual da coação, freqüentemente imobilizaram qualquer tentativa de investigação, tornando a corrupção uma atividade segura para os oficiais que estavam no topo da carreira. Neste aspecto particular, o livro poderia ter discutido um pouco mais as relações entre as facções militares e os partidos políticos estabelecidos durante o regime de 1946. Isto teria permitido um melhor delineamento entre a corrupção propriamente dita e o acesso a posições de poder na estrutura estatal, especialmente a presidência e as diretorias de autarquias. Talvez não fosse o propósito do autor vincular esses aspectos às estruturas externas, mas o exército não se encontrava num vácuo e um pouco mais de debate sobre as conexões não prejudicaria sua argumentação, mesmo que o objetivo continuasse sendo o de manter o foco nos condicionamentos internos e na coesão do grupo. Mais atenção para a política nacional teria reforçado os aspectos informais particulares da instituição durante esses anos cruciais, contrariando tendências tradicionais que minimizam a importância da experiência democrática de 1946. Qual foi o papel da politização das facções nas disputas internas entre os nacionalistas e internacionalistas? Como esses oficiais percebiam o seu papel como coadjuvantes nas disputas político-partidárias da época? A simples redução da competição às polaridades da guerra fria não é capaz de dar conta da extrema complexidade política do período, da qual a corporação não se encontrava alheia.

Fear & Memory fornece uma descrição detalhada sobre as motivações dos oficiais do exército durante a segunda metade do século XX. A arqueologia das estruturas informais presta especial atenção para as reordenações internas no intuito de explicar a ação militar, mostrando que a amnésia coletiva permaneceu como a política oficial do exército durante anos. O trabalho localiza os sinais de descontentamento do exército na Guerra do Paraguai, analisando a política da instituição ao longo do processo que desembocou no envolvimento com a modernização autoritária e com o anticomunismo feroz das décadas de 1940 e 1950. Nessa perspectiva, a violência sistematicamente empregada contra os civis durante a longa ditadura 1964-1985 teria sido primeiramente gestada no interior da própria instituição, através de uma ação de contenção sistemática dos soldados e dos dissidentes. Vale perguntar se a pesquisa precisaria descer a um passado tão distante quando seu foco estava concentrado nos anos 40. A ênfase na longa duração nem sempre é compatível com a análise da estrutura de alianças pessoais e do oportunismo individual, enfatizados pelo autor, e acaba reproduzindo a tendência tradicional de buscar as origens da crise na Questão Militar.

Apesar destas ressalvas, o livro apresenta perspectivas novas para o estudo de muitos aspectos internos da instituição, mostrando que a complexidade dos eventos pode ser deslocada muitas vezes para as paixões e motivações pessoais, sinalizando para a importância do desígnio humano na análise dos obstáculos que esse setor da burocracia estatal estabeleceu para impedir o exercício pleno da democracia.

Vitor Izecksohn – Universidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ.

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