O ódio como política: A reinvenção das direitas no Brasil | Esther Solano Gallego

Ester Solano Imagem Nocaute
Ester Solano | Imagem: Nocaute

No dia 8 de outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial brasileira, a editora Boitempo liberou gratuitamente o e-book O ódio como política: A reinvenção das direitas no Brasil, organizado pela socióloga Esther Solano Gallego, com o objetivo e “ajudar a compreender” como havíamos chegado à situação na qual o retrógrado Jair Bolsonaro estava à frente nas pesquisas e com grandes chances de vencer a eleição. Às vésperas de um novo certame, em junho de 2022, as preocupações com as ameaças (algumas delas já concretizadas) à democracia brasileira, as teses, as propostas de resistência ao “fascismo” comunicadas naquele livro permanecem na “ordem do dia”. Por essa razão, revisitaos a obra tantas vezes resenhada para reavivar as suas assertivas.

O odio como politicaOs 22 autores que compõem o projeto são, em maioria, professores universitários brasileiros das áreas das ciências humanas e sociais, ativistas e cartunistas e um religioso identificados com o campo progressista. Todos contribuem para o cumprimento da meta do livro, descrita por Gallego: “aprofundar-se nas complexas dinâmicas das direitas desde diversos pontos de vista e análises”. Se quisermos de fato lutar contra as direitas, continua a organizadora, “com frequência antidemocráticas e retrógradas, devemos primeiro observar, escutar, enxergar a realidade e entendê-la para depois combatê-la. Não sabemos tudo. Aprendamos juntos.” (p.8). [i]

Para iniciar o aprendizado, compreendamos que as “direitas” às quais o título da obra se refere são plurais na terminologia. Os autores a tratam como “conservadorismo radical”, “direita”, “direita radical”, “extrema direita”, “grupos de direita”, “nova direita” e “novas direitas”. Abordadas, em sua maioria, como lideranças políticas, partidos políticos, movimentos e instituições da sociedade civil, as direitas nascem nos anos 80, a partir da reorganização “das classes dominantes”, representadas em várias instituições de pesquisa e financiamento (think thanks), como também das ameaças sofridas por essas classes médias em suas “oportunidades”, da conjunção de identidades e da conjuntura propiciada pelas redes sociais e internet, já nos anos 2000/2010.

Alguns autores destacam o caráter militante desses grupos (ao contrário do caráter financiado desses grupos), o transbordamento dessa militância para além dos partidos, alcançando editoras, movimentos e grande mídia, marcando a sensibilidades de jovens da periferia que passaram literalmente da esperança dos anos de crescimento econômico à indignação com a indiferença do Estado em termos de segurança e oportunidades, por exemplo. Outros ainda ressaltam as consequências que essas direitas de orientação militarizadas trouxeram à vida dos negros, dos pobres, das mulheres e das pessoas GLBTI. A “democracia, os direitos humanos, ao Estado laico e à diversidade humana”, segundo um desses autores, foram as principais vítimas dos fundamentalismos e extremismos advindos das novas direitas.

O diagnóstico está presente na maioria dos textos, enquanto as declarações propositivas são minoritárias. Como sair dessa situação? Em geral, estudar, denunciar, protestar são as medidas. Apenas um se engaja em solução radical: transformar “as condições socioeconômicas que lhe fornecem a base material” (p.35).

No que diz respeito ao espírito deste dossiê de Crítica Historiográfica, vale destacar as ideologias atribuídas às novas direitas brasileiras. Se hoje, autores divergem nos critérios de classificá-las e nos termos empregados para as designações, imaginem há quatro anos. Os autores agrupam os mesmos étimos de modo diferente, embora na maioria das combinações o libertarianismo esteja presente: “libertarianismo” (ultraliberalismo), “fundamentalismo religioso” (antiaborto, homofobia) e “anticomunismo”; “libertarianismo”, “monetarismo” (Chicago) e “neoliberalismo” (Áustria); “libertarianismo”, “conservadorismo” e “reacionarismo”; “libertarianismo”, “fundamentalismo religioso” e “anticomunismo”; “fundamentalismo religioso cristão” e “extremismo religioso cristão” (que ganham a forma de “protofascismo”).

Autores também significam as palavras de modo diferente e até divergente. Eles afirmam que os “conservadores” são os mais aguerridos combatentes da (falsa) “ideologia de gênero”; que o “conservadorismo radical” (mapeado nas redes sociais) divide brasileiros em “pessoas de bem” e “vagabundos”, ou seja, denunciam esse segundo tipo como humanos de comportamento desviante, resultantes de uma educação equivocada e do culto aos direitos humanos, que corrompem a inocência das crianças, cujo líder é Lula e os instrumentos são movimentos sociais, sindicatos e Supremo Tribunal Federal. Eles afirmam, por fim, que a ideologia das novas direitas pode ser sintetizada na ameaça do “inimigo interno”, sobrevivente do Discurso de Segurança Nacional dos tempos da ditadura, na reação ao estado de bem-estar social (neoconservadorismo) e na implantação de políticas de “austeridade” (neoliberalismo).

No que diz respeito especificamente ao lugar do direito, três textos se destacam. Dois deles tratam de direitos de grupos determinados e um da ação do poder judiciário. Em “Precisamos falar da ‘direita jurídica’”, Rubens Casara denuncia o “populismo jurídico” e o “ativismo jurídico” como ameaças à democracia, assim como os operadores do direito que interpretam as leis ao modo conservador e neoliberal, ou seja, que concebem o poder judiciário como “um mero homologador das expectativas do mercado” ou “instrumento de controle tanto dos pobres […] quanto das pessoas identificadas como inimigos políticos do projeto neoliberal” (p.92)

Precisamos falar da direita juridica Imagem UOLCULT

Precisamos falar da direita jurídica | Imagem: UOL/CULT

Dos dois que tratam de grupos, o primeiro descreve ações dos fundamentalistas aos “direitos LGBTI” na Constituinte de 1988 (orientação sexual) e no parlamento, de 2006 a 2015 (anti-homofobia, união estável de pessoas do mesmo sexo e identidade de gênero). “Moralidades e direitos LGBTI nos anos 2010”, de Lucas Bulgarelli, põe formalmente os direitos LGBTI e os direitos humanos em posições separadas, ambos combatidos pelos conservadores. O segundo texto – “Feminismo: um caminho longo à frente”, de Stephanie Ribeiro –, denuncia a negação do “direito ao aborto seguro e legal” (de modo direto pela direita e indireto pela esquerda) e a vertente feminista de orientação “liberal”. Segundo a autora, trata-se de “um feminismo sem comprometimento com outras mulheres […] ou que não precisa ter um posicionamento político […] pautado em ascensão individual e não em rompimento com estruturas opressoras” (p.133)

Apesar dos esclarecimentos, das denúncias e alertas, a coletânea não está isenta de afirmações controversas e/ou usos equivocados de conceitos. Duas delas chamam a atenção pelo primarismo: a inclusão do conservadorismo (uma macro ideologia) em pé de igualdade com o neoliberalismo, por exemplo, a afirmação de que a defesa do estado de direito é uma “reivindicação conservadora” que serve ao capital. Outras não menos inquietantes são: a admissão da existência de “neoliberais de esquerda”; a declaração de que o Ministério Público foi partícipe de todos os golpes de Estado; que o neoliberalismo” e a “nova direita” são ideais antagônicos; e que a esquerda liberal e neoliberalismo progressista são ideais sinônimos.

Usos equívocos que merecem a atenção do leitor são a tomada do fundamentalismo como fundamentalismo religioso, a definição de extremismo como uso de violência, sem a respectiva definição de violência; e o emprego de “feminismo liberal” com o sentido de feminismo neoliberal.

O grande termo ausente, porém, é o “ódio”, que está no título do livro e na apresentação da editora. Ele aparece (antifeminista e pró segurança pública) tangencialmente como o par oposto da esperança (orçamento participativo e bolsa família) entre os jovens pobres de Porto Alegre, o ódio às minorias, disparado pelas “classes dominantes” (FHCC), o discurso de ódio experimentado pelos pobres, diante da falta de “dignidade” resultante da crise econômica (F), o ódio ao pensamento livre disparado pelos reacionários contra os professores pelo ESP (FP), demonstrando que não é sentimento de esquerda ou de direita (contraditando, de certo modo, o que sugere a designação da obra).

As ausências e as situações controversas, ao contrário de borrarem a obra, somente reforçam a importância da sua leitura. Para profissionais do direito, principalmente, o livro pode auxiliar na mudança de sensibilidade dos apartidários e imparciais “operadores” para as causas das mulheres e da população LGBTQIA+. Para os professores de História, o livro serve duplamente: como testemunhos dos anos quentes do golpe e da campanha eleitoral de 2018 e como roteiro de para a ação, seja no planejamento da formação continuada, seja na orientação da ação no interior da escola. Aliás, os objetivos anunciados pela organizadora (e cumpridos com sobras) são em si mesmos pragmáticos e beneméritos: “observar, escutar, enxergar a realidade e entendê-la para depois combatê-la.” (p.9).

Sumário de O ódio como política: A reinvenção das direitas no Brasil

Prólogo | Gregório Duvivier

Apresentação | Esther Solano Gallego

  • A reemergência da direita brasileira | Luis Felipe Miguel
  • Neoconservadorismo e liberalismo | Silvio Luiz de Almeida
  • A nova direita e a normalização do nazismo e do fascismo | Carapanã
  • As classes dominantes e a nova direita no Brasil contemporâneo | Flávio Henrique Calheiros Casimiro
  • O boom das novas direitas brasileiras: financiamento ou militância? | Camila Rocha
  • Da esperança ao ódio: a juventude periférica bolsonarista | Rosana Pinheiro-Machado e Lucia Mury Scalco
  • Periferia e conservadorismo | Ferréz
  • A produção do inimigo e a insistência do Brasil violento e de exceção | Edson Teles
  • Precisamos falar da “direita jurídica” | Rubens Casara
  • O discurso econômico da austeridade e os interesses velados | Pedro Rossi e Esther Dweck
  • Antipetismo e conservadorismo no Facebook | Márcio Moretto Ribeiro
  • Fundamentalismo e extremismo não esgotam experiência do sagrado nas religiões, Henrique Vieira
  • Moralidades, direitas e direitos LGBTI nos anos 2010 | Lucas Bulgarelli
  • Feminismo: um caminho longo à frente | Stephanie Ribeiro
  • O discurso reacionário de defesa de uma “escola sem partido” | Fernando Penna
  • Sobre os autores
  • Charges

Resenhista

Lucas MirandaLucas Miranda Pinheiro é Doutor em História (UNESP/Franca), professor do Departamento de Relações Internacionais (DRI) e do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Entre outros trabalhos, publicou (em coautoria) Perspectivas e Debates em Segurança, Defesa e Relações Internacionais e Relações Internacionais: Olhares Cruzados. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6576943412041943; Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4821-0168; E-mail: [email protected].

 


Para citar esta resenha

GALLEGO, Esther Solano. O ódio como política: A reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018. 133p. Resenha de: PINHEIRO, Lucas Miranda. Bolsonarismo à direita? Crítica Historiográfica. Natal,.2, n. esp. (Novas Direitas em discussão), ago. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/um-elemento-ausente-resenha-de-o-odio-como-politica-a-reinvencao-das-direitas-no-brasil-organizado-por-esther-solano-gallego/>.

Los trotskistas bajo el terror nazi. Una historia de la IV Internacional durante la Segunda Guerra Mundial | Velia Luparello

El libro Los trotskistas bajo el terror nazi. Una historia de la IV Internacional durante la Segunda Guerra Mundial de Velia Luparello es un gran aporte en el descubrimiento de un período histórico poco investigado y una contribución al estudio del convulsionado origen del trotskismo. Ha compartido trabajos sobre esta misma temática junto a Daniel Gaido, investigador de la Universidad Nacional de Córdoba. La autora pudo recabar fuentes primarias, como los boletines internos que se encuentran en el International Institute of Social History (IISH) de Ámsterdam. Restauró así el debate sobre la cuestión nacional (desde 1940), entre las dos organizaciones más importantes de Francia: el Partido Obrero Internacionalista (POI) y el Comité Comunista Internacionalista (CCI), y los diálogos con secciones nacionales de Bélgica, Estados Unidos, Gran Bretaña, Italia y Grecia. El libro llega hasta el segundo congreso de la IV Internacional (1948), antes del cisma del “pablismo” (1951-1953). La importancia del trabajo es que compendia las estrategias del trotskismo internacional en un período de enormes desafíos históricos que puso a prueba a la IV Internacional.

Los trotskistas… se estructura en siete capítulos, desde los primeros esbozos programáticos del trotskismo internacional sobre la guerra, luego que quedara “huérfano” por el asesinato de Trotsky en 1940. Los trotskistas tratan de interpretar la “línea de militarización” de Trotsky presente en el “Manifiesto de Alarma” de mayo de 1940, y la defensa del “patriotismo de los oprimidos” del Programa de transición de 1938. Derivado de esto, el debate sobre la cuestión nacional es tratado en los dos primeros capítulos. Leia Mais

De Hollywood a Aracaju: antinazismo e cinema durante a Segunda Guerra Mundial | Andreza Santos Cruz Maynard

Andreza Maynard
Andreza Santos Cruz Maynard | Foto: Laís Cruz

De Hollywood a AracajuNas últimas décadas, temos visto crescer o número de trabalhos que se dedicam à relação entre a história e o cinema. O filme, para além do entretenimento e do teor artístico que carrega, tem sido encarado pelos historiadores como fonte, ferramenta para o ensino de história, representação de um fato histórico e agente da história. Podemos mencionar, ainda, os estudos que realizam um diálogo entre o filme e outros meios de comunicação em massa, como a imprensa.

Tais possibilidades, somadas às potencialidades apresentadas por essa interação, ajudam a explicar o crescente interesse dos historiadores pelo campo e, consequentemente, o aumento no número de publicações sobre a temática. Na historiografia brasileira, de forma mais específica, uma obra recém-lançada que se coloca como mais uma contribuição para os estudos nessa área é De Hollywood a Aracaju: antinazismo e cinemas durante a Segunda Guerra Mundial, da historiadora Andreza Santos Cruz Maynard. Leia Mais

O pacto entre Hollywood e o nazismo: como o cinema americano colaborou com a Alemanha de Hitler | Ben Urwand

É bem conhecida a produção de filmes antinazistas pelos estúdios de Hollywood no período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Marc Ferro identifica que enquanto no cinema da França ainda não havia um inimigo definido, se era o nazismo ou o comunismo, nos Estados Unidos a escolha já havia sido feita pelo combate ao nazismo antes mesmo de 1939, sendo este fenômeno mais claro no cinema do que no mundo da palavra escrita, no jornalismo ou na pesquisa.1 Assim, construiu-se uma memória da “resistência” do cinema norte-americano contra o totalitarismo, amplamente aceita e difundida ao longo do tempo.

Indo em uma direção contrária, o livro O pacto entre Hollywood e o nazismo: como o cinema americano colaborou com a Alemanha de Hitler, de Ben Urwand, originalmente de 2013, procura desmistificar a memória da “resistência” de Hollywood na chamada “Era de Ouro” do cinema, contra o nazismo. Urwand é doutor em História dos Estados Unidos pela Universidade da Califórnia, mestre em Cinema e Estudos de Comunicação pela Universidade de Chicago e junior fellow2 da Society of Fellows, da Universidade de Harvard. A ideia para o livro foi a partir de um comentário do roteirista e romancista Budd Schulberg sobre Louis B. Mayer, o chefe da MGM, de que este, na década de 1930, projetava filmes para o cônsul alemão em Los Angeles e cortava tudo aquilo que o cônsul objetasse. (p. 14). Leia Mais

Burning the Books / Richard Ovenden, The lost library / Dan Rabinowitz

OVENDEN Richard
Richard Ovenden – Foto: Library of Congress /

OVENDEN R Burning booksThe burning of books is a highly emotive subject. The Nazis’ bonfires of Jewish books and other ‘degenerate’ literature in 1933 horrify, and not only because they presaged the incinerators of the Holocaust. From the paradigmatic (and, we learn, probably apocryphal) conflagration of the ancient library of Alexandria, which consumed most of the corpus of Classical literature, to the torching of the Baghdad National Library following the invasion of Iraq in 2003, the destruction of books (and archives) seems to shock more than the loss of any other form of material culture. Why should this be? Although Richard Ovenden does not directly address the question in his excellent Burning the Books, the answer may lie both in the unparalleled capacity of books and archives to preserve the past—they constitute our collective memory—and in their limitless potential to generate new knowledge, Milton’s ‘potencie of life’. Perhaps, as Sappho’s enigmatic ‘you burn me’ fragment intimates, something of ourselves perishes in the destruction of books.

Burning the Books, which has justly garnered considerable critical and popular attention, eloquently and powerfully describes numerous attacks upon knowledge across four millennia, from the destruction of Ashurbanipal’s cuneiform library in 621 BCE to the ‘Windrush’ scandal of 2010 when Home Office officials were revealed to have destroyed records that would have proved migrants’ entitlement to British citizenship. While Burning the Books may not break new ground in the scholarship on libraries and book history—it largely draws upon existing literature—it is meticulously researched and referenced, compellingly argued, and likely to prove a landmark in the history of libraries and the preservation of knowledge.

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Resistência: memória da ocupação nazista na França e na Itália – ROLLEMBERG (HU)

ROLLEMBERG, D. Resistência: memória da ocupação nazista na França e na Itália. São Paulo: Alameda Editorial, 2016. 376 p. Resenha de: CODARIN, Higor. “Resistencialismo” e resistência: as tensões entre história e memória. História Unisinos 24(2):334-337, Maio/Agosto 2020.

A trajetória intelectual da historiadora Denise Rollemberg, professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), é indissociável das temáticas, das tensões e dos dilemas envolvendo o passado recente, em específico relacionado às experiências autoritárias ao redor do globo, ao longo do século XX. Em um primeiro momento, sua produção acadêmica edificou-se através de análises consistentes a respeito dos caminhos e descaminhos das esquerdas brasileiras diante da ditadura civil-militar, seja a partir da construção analítica a respeito da perspectiva de revolução difundida por essas esquerdas, ou pela vigorosa análise a respeito do exílio experimentado por esses militantes ao longo da ditadura.2 Contudo, a partir de então, a historiadora, influenciada por parte da historiografia francesa empenhada em renovar as análises a respeito da resistência à ocupação nazista e/ou em relação à construção social do regime instaurado em Vichy, das quais falaremos adiante, passa a centrar seus esforços em outros aspectos dos regimes autoritários, buscando iluminar sua compreensão através de duas linhas centrais: por um lado, de que modo esses regimes foram construídos socialmente e se mantiveram por longos anos? Por outro, e de modo mais importante para o objetivo desta resenha, como se relacionam memória e história na construção do conhecimento a respeito dessas experiências? Mais especificamente: de que modo a construção da memória coletiva sobre esses regimes buscou criar oposições binárias entre Estado e Sociedade, sedimentando a perspectiva de sociedades oprimidas, manipuladas e, sobretudo, resistentes a esses regimes? Confirmação dessa nova vereda analítica são as obras organizadas em conjunto com a também historiadora da UFF Samantha Quadrat – A construção social dos regimes autoritários (2010); História e memória das ditaduras do século XX (2015) – e Resistência: memória da ocupação nazista na França e na Itália (2016).

Neste que é seu mais recente livro, Rollemberg busca, como objetivo central, analisar o movimento de constante construção e desconstrução dos discursos memoriais a respeito das experiências de resistência francesa e italiana às ocupações nazistas que ocorreram durante a II Guerra Mundial. Dividido em cinco capítulos, Resistência parte de um consistente balanço historiográfico indicativo dos esforços e das dificuldades em conceituar o termo “resistência” (capítulo 1), para, em seguida, passar ao exercício analítico de sua ampla gama de fontes: os museus e memoriais franceses (capítulo 2), as cartas de despedida dos resistentes e reféns fuzilados (capítulo 3), que constroem a primeira parte do livro, dedicada à França, e, por fim, os museus e memoriais italianos (capítulo 4), com especial destaque à construção da memória e historiografia a respeito da trajetória da família Cervi, e do fuzilamento dos sete irmãos – os Sette Fratelli – integrantes da Resistência3 italiana (capítulo 5).

De modo inicial, é importante ressaltar, Rollemberg indica que as populações dos países ocupados “experimentaram comportamentos que variaram de país para país, ao longo do tempo, num amplo campo de possibilidades desde a colaboração mais aguerrida com os vencedores até a resistência mais combativa” (Rollemberg, 2016, p. 17). Nessa perspectiva, a autora, como cerne da argumentação que permeia todo o livro, busca desconstruir não apenas a visão maniqueísta entre Estado e Sociedade, conforme citamos anteriormente, mas também a visão que opõe, drasticamente, resistentes e colaboradores, como se resistir ou colaborar fossem as únicas possibilidades de atuação dentro desses contextos históricos. Para isso, inspira-se, essencialmente, no historiador Pierre Laborie, mais especificamente em seus conceitos de zona cinzenta e pensar-duplo, que realçam o amplo espaço de atuação entre os dois polos, marcado por contradições e ambivalências.4 Enveredando pela discussão conceitual, a autora busca explicitar que as experiências variadas de país para país deram origem, também, a conceituações diferentes. Assim, distingue as discussões historiográficas realizadas na França, Itália e Alemanha.

Sobre a França, campo com que Rollemberg tem maior familiaridade, a discussão é robusta. Demonstra, como prelúdio, que logo após o fim da ocupação, 1944, o termo resistência iniciou um processo de naturalização no seio da sociedade francesa, por intermédio da memória oficial que ia sendo desenvolvida pelo governo surgido do processo de libertação, comandado por Charles de Gaulle.

Criava-se, então, o mito da resistência, ou “resistencialismo”, no neologismo de Henry Rousso (2012). Ou seja, o mito de que a sociedade francesa havia, em sua totalidade, resistido aos alemães e ao governo instaurado em Vichy, sob o comando de Philippe Petain. Por muitos anos, o termo ficou sob o domínio dessa memória, estando fora dos objetivos e anseios dos historiadores. Realizando uma genealogia do conceito, a historiadora demonstra que a historiografia francesa se voltou à “resistência” apenas em 1962, com a tese de Henri Michel, que abre os debates acadêmicos a respeito do termo, ainda sob forte influência do processo de mitificação. Contudo, é com o livro de Robert Paxton, Vichy France (1972), que há uma guinada no debate. A revolução paxtoniana, como ficou conhecido o impacto da tese de Paxton, abriu novas temáticas e interpretações, pois deu início a uma corrente historiográfica indicativa de que o Estado de Vichy era produto da própria sociedade francesa e não uma marionete da Alemanha de Hitler. Iniciava-se, portanto, o processo historiográfico de problematização do mito da resistência.

Passeando com propriedade pelas contribuições de François Bédarida, Pierre Azéma, Pierre Laborie, Jacques Sémelin, François Marcot, Henry Rousso e Denis Peschanski, a historiadora apresenta, de forma nítida, reflexões a respeito da criação do mito de resistência como “necessidade social” (Rollemberg, 2016, p. 33) e, sobretudo, tentativas de conceituar o termo. Em uma diversidade de propostas de conceituação que, conforme diz a própria autora, engolfam-se, por vezes, em “excessivas filigranas e retórica” (Rollemberg, 2016, p. 37), vemos emergir a problemática fundamental do debate: resistência é apenas expressão coletiva, consciente, organizada e clandestina contra um invasor estrangeiro, como propõem alguns autores, ou também podem ser considerados resistentes as expressões individuais, cotidianas e anônimas, seja contra o regime alemão instaurado na zona ocupada ou contra o regime de Vichy? Cria-se, assim, um dilema, bem sintetizado por Jacques Sémelin: “ou bem se mergulha nas profundezas do social, mas sua especificidade [da resistência] tende a se diluir; ou bem se define exclusivamente através de suas [da resistência] estruturas e ações e ele se reduz à sua dimensão organizada” (Rollemberg, 2016, p. 32). Apesar de parecer intransponível, a historiadora apresenta um caminho possível para sua resolução, demonstrando a importância das propostas teóricas de Laborie para sua análise: A zona cinzenta, o pensar duplo, o homem duplo, segundo a perspectiva de Pierre Laborie que considera comportamentos ambivalentes nuançados entre resistir e colaborar, por outro lado, talvez seja a solução para o impasse levantado por Sémelin (Rollemberg, 2016, p. 148).

Seja como for, adotando-se ou não as posições de Laborie para resolver o impasse sintetizado por Sémelin, o exercício reflexivo que o desencadeou, segundo Rollemberg, demonstra, per se, a importância e a necessidade de reflexão a respeito do conceito de resistência, pois concei tuá-la “é mais lidar com as possibilidades e os limites das próprias definições, aproveitando as tensões e riquezas que são intrínsecas ao dilema observado por Sémelin, do que buscar resolvê-lo” (Rollemberg, 2016, p. 37).

Para o caso italiano, a discussão é menos densa. Segundo a autora, isso se deve ao fato de que para a historiografia italiana importa menos definir “o que foi e o que não foi resistir”, centrando os esforços, em contrapartida, no “papel de seus atores, principalmente das lideranças ou de militantes destacados” (Rollemberg, 2016, p. 47). Apesar da não importância da conceituação, a historiadora alerta que as contribuições historiográficas têm buscado desconstruir, também, o mito da resistência.

Por fim, finalizando o primeiro capítulo, está a reflexão a respeito do conceito de resistência proposto pela historiografia alemã. Rollemberg oferece destaque à definição proposta por Martin Broszat. Esta, ao contrário de utilizar o termo resistência (Widerstand), prefere utilizar Resistenz, cuja tradução é imunidade, termo devedor da biologia, que diz respeito a “reações espontâneas e naturais dos organismos vivos a micro-organismos como vírus e bactérias” (Rollemberg, 2016, p. 52). Assim, com essa nova definição, procurou-se jogar luz sobre a “resistência a partir de baixo”, como bem sintetizou Klaus-Jürgen Müller a respeito da definição proposta por Broszat.

Nos capítulos seguintes, sejam relacionados ao contexto francês ou italiano, notamos, com clareza, dois aspectos predominantes: por um lado, o esforço analítico da autora, buscando demonstrar e desenvolver as relações tensas e mutáveis entre história e memória, por intermédio, essencialmente, dos museus e memoriais como corpus documentais de análise. Por outro, o realce e a recorrência, ao longo de todo o texto, na importância de compreender as ações dos sujeitos que fizeram parte desse processo histórico a partir de suas ambivalências e contradições, buscando problematizar as visões romantizadas e heroicizadas construídas sobre esses indivíduos. Assim, a historiadora reforça a necessidade de compreendê-los sem operar distinções binárias e estéreis. Nas palavras da própria Rollemberg a respeito da criação de museus e homenagens aos resistentes:

A homenagem precisa incorporar a complexidade, as contradições, as ambivalências da realidade. A produção do conhecimento, resultado da incorporação das múltiplas dimensões dos acontecimentos e dos homens e mulheres neles envolvidos, submetidas à interpretação crítica, é a melhor homenagem que se possa fazer. A sacralização da memória afasta o herói de todos nós, condena-o ao desconhecimento, mesmo que inúmeros museus e memoriais sejam erguidos em seu nome (Rollemberg, 2016, p. 97).

Portanto, perseguindo essa trilha, Rollemberg empreende uma análise ampla acerca de 15 museus/memoriais ao redor da França, 130 cartas de resistentes ou reféns5 prestes a serem fuzilados e, por fim, analisa oito museus/memoriais italianos. É digno de nota demonstrar a metodologia empregada pela historiadora na construção dos museus/memoriais como corpus documentais para discussão das questões propostas na obra. Seguindo a senda proposta por Jacques Le Goff, a respeito do conceito documento/monumento6, a historiadora compreende a criação e, consequentemente, os próprios museus/memoriais através dessa dinâmica. Assim, a disposição dos museus/memoriais, os locais onde foram construídos, seus acervos, suas narrativas, dinâmicas e relações com o poder público são importantes ao olhar analítico da autora.

Todos os aspectos, constituintes da criação e perpetuação dos museus/memoriais, são vistos como esforços “das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si própria” (Rollemberg, 2016, p. 90). Outrossim, constatando que os museus/memoriais são criados com uma dupla-função, informativa e comemorativa, a historiadora compreende- os como espaços privilegiados de manifestação das tensões entre história e memória, analisando, assim, de que modo esses espaços incorporam ou recusam os avanços e novos temas propostos pela historiografia (Rollemberg, 2016, p. 90).

Sobre a França, vale ressaltar que a autora deslinda de que modo foi construído o “resistencialismo”. Apresenta a importância da memória nesse processo, a memória como construção social, como maneira de “lidar com a história, reconstruindo-a” (p. 84), formulada no período pós-ocupação, “comportando a lembrança, o esquecimento, o silêncio” (Rollemberg, 2016, p. 84), como aponta Beatriz Sarlo (2007), a memória como captura do passado pelo presente; o mito da resistência, o mito que explica a ausência, ao menos na grande maioria dos museus, de informações a respeito da colaboração dos franceses com os nazistas e com o regime de Vichy; o “resistencialismo” tornando ausente das narrativas dos museus “a zona cinzenta, o pensar duplo, a ambivalência” (Rollemberg, 2016, p. 142).

Com relação à Itália, deve-se atentar para a valiosa trilha percorrida pela historiadora ao confrontar a história e a memória do caso dos Sette Fratelli. Realizando uma genealogia da criação do mito, que remonta a dois textos de Italo Calvino publicados em 1953 (Rollemberg, 2016, p. 335), Rollemberg expõe as relações de legitimação dos mais diversos setores da sociedade italiana com a criação e manutenção de uma narrativa romantizada acerca dos sete irmãos fuzilados em 1943. Aponta não apenas para a necessidade do Partido Comunista Italiano (PCI) em vincular- se à história dos irmãos, mas, também, a necessidade do próprio governo italiano, simbolizado na recepção de Alcide Cervi, pai dos sete irmãos, pelo primeiro presidente eleito pós-ocupação, Luigi Enaudi, em 1954, no Palácio Quirinale, em Roma, além de diversas medalhas de honra que Alcide recebeu como representante dos filhos (Rollemberg, 2016, p. 318). A história dos irmãos resistentes e, consequentemente, da superação do sofrimento de um pai que teve a família devastada como símbolos da história italiana recriada pela memória, a Itália resistente, a exemplo dos sete irmãos, livre do nazifascismo, que buscava superar o sofrimento, como Aldo Cervi buscava superar a perda dos filhos.

Resistência, portanto, cumpre os objetivos a que se propõe, descortinando as relações problemáticas e, ao mesmo tempo, férteis entre história e memória em meio à construção da memória coletiva na França e na Itália a respeito das ocupações nazistas ao longo da II Guerra Mundial. Mais do que isso, o livro da historiadora é um interessante ponto de vista metodológico para os interessados em compreender as complicadas questões vinculadas à História do Tempo Presente.7 Se vivemos, como aponta o historiador François Hartog (2017), um regime de historicidade presentista, em que a Memória busca destronar a História de seu lugar privilegiado como intérprete hegemônica do passado, Resistência é uma contribuição fundamental à historiografia brasileira para aqueles que buscam fugir às armadilhas da Memória, que opera, na maioria das vezes, por intermédio de uma cultura binária de demonização ou sacralização de indivíduos e/ ou períodos históricos. Rollemberg, portanto, em seu novo caminho analítico, do qual Resistência é a reflexão mais profunda até o presente momento, apresenta os desafios dos historiadores que trilham as temáticas envolvendo experiências sociais traumáticas do passado recente. Ao buscar recolocar os personagens em seus respectivos contextos históricos, questionando as construções memoriais e realçando a importância de lançarmos luz às zonas cinzentas, contradições e ambivalências dos sujeitos históricos, a autora deixa-nos – aos historiadores – um sinal de alerta: o dever do historiador é compreender o passado, não o mitificar.

Referências

HARTOG, F. 2017. Crer em História. Belo Horizonte, Autêntica, 252 p.

LABORIE, P. 2010. 1940-1944: Os franceses do pensar-duplo. In: S.

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SARLO. B. 2007. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo, Companhia das Letras / Belo Horizonte, Editora da UFMG, 129 p.

2 Referimo-nos aqui, respectivamente, à sua dissertação de mestrado (A ideia de revolução: da luta armada ao fim do exílio (1961-1979)) e à tese de doutorado (Exílio. Entre raízes e radares), esta última publicada pela Editora Record (1999).

3 O termo Resistência, com letra maiúscula, consolidou-se na historiografia como modo de referir-se a posições e ações ligadas a organizações, partidos e movimentos (p. 175).

4 Para maior aprofundamento a respeito dos conceitos, cf. Laborie (2010).

5 “Reféns” denominam-se os indivíduos presos, seja na França ocupada ou na França de Vichy, em represália às ações da Resistência.

6 Para maiores detalhes, cf. Le Goff (2013).

Higor Codarin – Universidade Federal Fluminense. Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/n. 24210-201 Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Número do processo: E-26/201.860/2019. E-mail: [email protected].

Come si diventa nazisti. Storia di una piccola città – ALLEN (CN)

ALLEN, Williams S. Come si diventa nazisti. Storia di una piccola città. Torino: Einaudi, 2005. (Ristampa a cura di L. Gallino). Resenha de: ORI, Giada. Clio’92, 7 ago. 2019.

ll titolo del libro di Allen di primo acchito ci comunica gli elementi caratterizzanti del libro:

  • salta subito all’occhio che Allen vuole spiegarci il processo attraverso il quale i tedeschi di una piccola città diventarono seguaci del nazismo;
  • il periodo storico è ben delineato, si tratta del breve sessennio dal 1930 al 1935;
  • il territorio di cui parla il libro è molto delimitato, si tratta infatti di una piccola città da lui chiamata Thalburg (in realtà Nordheim nell’Hannover)

Allen tenta col suo libro di metterci in condizione di capire come sia stato possibile che un partito quasi inesistente, in poco tempo sia divenuto il primo e successivamente l’unico di tutto il territorio. Prende in considerazione una piccola città come studio di caso per rendere più comprensibile il mutamento avvenuto in quegli anni in tutta la Germania, dall’arrivo dei nazisti sino alla loro salita al potere.

Il libro di Allen presenta sia una introduzione di Luciano Gallino, sia una prefazione dell’autore. Nella prefazione l’autore ci spiega che ha preso in considerazione una città piccola della Germania per il semplice motivo che mai nessuno si era occupato di una situazione locale per parlare del nazismo, precisando che le città piccole hanno come caratteristica la scarsa riservatezza e molti pettegolezzi.

Afferma che la città di Thalburg aveva una buona dose di documenti da poter consultare e ci mette a parte che molti cittadini si lasciarono intervistare con la promessa dell’anonimato anche della città stessa (ecco spiegato, quindi, il motivo del perché la città di Thalburg è inesistente sulle cartine).

Dunque, una molteplicità di fonti — tra cui quelle di memoria — è messa a frutto dallo storico statunitense.

L’introduzione invece ci riassume in poche pagine il ruolo della NSDAP (Partito Nazionalsocialista dei Lavoratori Tedeschi) e dell’SPD (Partito Socialisti di Germania) nella città di Thalburg: di come NSDAP si sia fatto strada tra i cittadini privando l’SPD di moltissimi voti lavorando sulla preoccupazione che i cittadini avevano del comunismo, di come il partito nazista abbia manifestato contro il trattato di Versailles colpendo nel vivo i cittadini che non si erano ancora ripresi da quella umiliazione, come l’SPD non abbia fatto nulla per cercare di fermare l’avanzata del partito hitleriano nella città.

L’autore, a questo proposito, alla fine del libro, analizza i vari dati raccolti nelle sue ricerche organizzandoli in tabelle statistiche e in grafici, rendendo possibile, attraverso la loro lettura, la comprensione immediata delle situazioni e dei processi, anche senza aver prima letto l’intero libro.

Grafici e tabelle esplicano perfettamente i dati riguardanti la disoccupazione, le elezioni e le frequenze delle riunioni dei vari partiti a Thalburg negli anni che il libro prende in considerazione.

Allen non propone una periodizzazione ragionata dei sei anni analizzati. Ma all’interno del suo libro, la si può trovare schematizzata nell’indice. Dapprima suddivide i sei anni da lui presi in considerazione in due parti: dal gennaio 1930 al gennaio 1933, poi dal gennaio 1933 a quello del 1935. All’interno delle due parti i capitoli creano un’ulteriore periodizzazione suddivisa in stagioni.

Allen articola il libro in due parti: la morte della democrazia, dal gennaio 1930 al gennaio 1933, e introduzione alla dittatura, dal gennaio 1933 al gennaio 1935.

La prima parte inizia col darci alcune informazioni sulla città: dov’era collocata, più o meno, sulla cartina, com’era “fisicamente”, quali erano le sue condizioni durante la depressione, quale il grado di disoccupazione, quali i lavori svolti dagli abitanti, quale il ruolo delle industrie. Il terzo capitolo “entrano i nazisti”,  ci spiega come nel giro di pochissimi mesi, il partito NSDAP sia riuscito a diffondersi nella città in cui il partito SPD era già ben attecchito.

Da questo terzo capitolo, sino al nono, Allen ci mostra come lentamente il partito di Hitler si sia impadronito della città, sfruttando la disoccupazione dilagante, manifestando contro il trattato di Versailles, utilizzando i giornali per la loro propaganda, e facendo presente come l’SPD, iniziò a perdere voti, smettendo di lottare contro un partito antisemita, violento e rivoluzionario.

La seconda parte del libro inizia con le ultime elezioni in Germania nel 1933, anno in cui Hitler divenne cancelliere e l’NSDAP iniziò a lavorare per istaurare una dittatura.

La città da quel momento fu totalmente soggiogata al partito, con ormai pochissime persone, totalmente emarginate, che militavano ancora per l’SPD.

Il capitolo “il regime del terrore” è incentrato sul tentativo dei nazisti di evitare qualsiasi minima reazione da parte di coloro che non erano militanti di Hitler, facendo boicottare i loro negozi, proibendo le armi al privato, mettendo fuori legge il partito socialista e sciogliendo i sindacati. In questo capitolo si inizia a parlare del campo di concentramento di Dachau, in cui venivano mandati gli avversari politici, e di cui gli abitanti di Thalburg erano a conoscenza. Le accuse per cui si poteva venire arrestati erano assai labili, ma come veniva scritto anche sui giornali, quando i nazisti mettevano gli occhi su qualcuno, in un modo o in un altro, lo prendevano.

Lentamente la società di Thalburg, fino a quel momento ben organizzata, iniziò a disgregarsi. I circoli cittadini iniziarono ad essere controllati dai nazisti che non lasciarono più nulla di intentato per evitare che ideologie diverse dalle loro attecchissero all’interno della città.

Nel quindicesimo capitolo “gli aspetti positivi” Allen, per darci una visione complessiva del periodo, ci mostra l’altra faccia della medaglia, ovvero la positività del nazismo nella città. I nazisti, infatti, trovarono la soluzione alle difficoltà economiche che imperversavano a causa della depressione. I soldi nelle casse della città, e anche quelli stanziati da Hitler, permisero di far diminuire la disoccupazione già dal luglio 1933. Nel 1935 tutti i segni della depressione erano scomparsi.

Il capitolo “disgregazione della società”, tratta in primis della questione ebraica.

Allen ci spiega che a Thalburg gli ebrei erano una minoranza e che da una generazione all’altra il numero cresceva minimamente. Essi erano ben integrati nella società: difatti, gli ebrei non abitavano in un quartiere ebraico, svolgevano piccole attività commerciali e non risentivano molto dell’antisemitismo ereditato dal medioevo, poiché era poco sviluppato nella città.

Ma con la salita al potere dei nazisti la situazione cambiò: le quasi inesistenti frasi antisemite comparse nei discorsi precedenti al 1933 divennero realtà il 29 marzo di quell’anno. L’antisemitismo dei nazisti si manifestò non solo nei discorsi, ma anche con i fatti: nell’aprile di quell’anno infatti il boicottaggio degli ebrei diede il via al processo che solo dieci anni dopo terminò con le camere a gas. Questo primo attacco diede come risultato il disgregarsi del rapporto con i non ebrei dal punto di vista sociale.

Ma era, come si sa, solo il primo passo verso qualcosa di molto più ampio. Inizialmente si voleva solo evitare che i rapporti umani ostacolassero la dittatura e le idee che erano alla base di essa. Thalburg e gli ebrei non si accorsero in tempo del problema che avrebbe creato l’ideologia antisemita all’interno della città, anzi, gli ebrei li ritenevano, inizialmente, innocui.

Ma il boicottaggio fu una catastrofe per la piccola cittadina: tutti iniziarono a capire che gli ebrei erano dei reietti nel regime nazista, che erano da evitare per salvaguardare la propria incolumità, e lentamente furono messi tutti ai margini. Molti ebrei appartenevano a dei club, soprattutto i più facoltosi, come il banchiere Braun, fiducioso e tutto intenzionato a non andarsene dalla sua città, a nessun prezzo, allontanandosi dai club solo per evitare questioni spiacevoli, ma non perché credeva che quella situazione non sarebbe durata a lungo. Era un uomo fiducioso. Molto meno lo fu Gregor Rosenthal, che all’opposto del suo compaesano, si chiuse in se stesso e ruppe tutti i contatti sociali. Venne allontanato da tutte le congregazioni e il suo modo di fare inquietò così tanto i thalburghesi che crebbe in loro l’idea che fosse poco conveniente farsi vedere anche solo parlare con un ebreo. Non fu sicuramente l’unico con un tale comportamento, anzi, era molto più facile che gli ebrei si comportassero in modo schivo e quasi da invisibili che non da uomini di mondo come il banchiere. Non solo le relazioni sociali degli ebrei si rovinarono in questo periodo: in poco tempo, attraverso il controllo dei club, con la creazione di nuovi, con la fusione o lo scioglimento di altri, a causa delle tensioni e delle paure dovute alla sfiducia che tutti avevano verso il prossimo, sentimento che cresceva giorno dopo giorno, le relazioni divennero minime. Non ci si fidava più nemmeno dei proprio amici intimi, in poco tempo nessuno desiderava più riunirsi per scambiarsi opinioni o semplicemente chiacchierare, tutti temevano di dire qualcosa di sbagliato e di finire nei guai.

È molto interessante il modo con cui Allen costruisce la conoscenza di come ci si trasforma in sostenitori di un partito antidemocratico e razzista.

Egli presenta le situazioni e svolge i processi del loro mutamento perciò nel libro sono alternati blocchi testuali descrittici con quelli narrativi.

I primi due capitoli: l’ambiente  anatomia della città hanno lo scopo di farci conoscere lo stato di cose della cittadina di Thalburg nel 1930. In essi troviamo la descrizione fisica della città, del territorio regionale, della situazione demografica, del clima religioso, delle classi sociali e dei loro club.

Il capitolo sugli ebrei leggiamo prima la descrizione di  come essi vivevano prima dell’avvento dei nazisti e negli anni successivi alla loro vittoria elettorale, poi i narrativi ci raccontano i giorni del boicottaggio, come certi facoltosi ebrei reagirono alle leggi antisemite di fronte agli amici e alla società e di come i cittadini si comportarono verso di loro: amichevolmente alcuni, andandoli a cercare nei loro negozi e per la strada proprio per parlarci, i socialisti in testa, oppure approfittandosi di loro, facendo spese folli nei loro negozi senza mai pagare un soldo.

Allen conclude il suo libro facendo una carrellata dei fatti successivi al 1935: di come i nazisti iniziarono a manifestare le loro vere intenzioni sulle questioni religiose, di come già nel 1937 il ritmo dell’espansione economica rallentò, di come nessuno si oppose ai nazisti nel 1938 nella “notte dei cristalli”.

Durante il 1944 i bombardieri americani colpirono in  parte la città, ma in tutti i casi i cambiamenti furono rilevanti: molti profughi si trasferirono in quella cittadina per fuggire agli orrori della guerra, la popolazione aumentò esponenzialmente e all’arrivo degli alleati si sottomisero senza combattere. Nel 1950 la popolazione dell’inizio degli anni trenta era raddoppiata.

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I sommersi e i salvati – LEVI (Nv)

LEVI Primo e SANVITALE Francesca
Primo Levi con la scrittrice Francesca Sanvitale in occasione di un’edizione del Premio Streg. Foto dii sconosciuto – http://www.corriere.it/

LEVI P I sommersi e i salvatiLEVI, Primo. I sommersi e i salvati. 2015. Resenha de: MENGONI, Martina. Isommersi e i salvati. Prima edizione scolastica commentata dell’opera di Primo Levi. Resenha de: MENGONI, Martina; MORI, Roberta. Novecento.org – Didattica dela storia in rete, 25 giu. 2019.

ANALISI LETTERARIA E MEDIAZIONE DIDATTICA

Obiettivo principale del lavoro di editing è stato la ricerca di risposte didatticamente soddisfacenti alle molte esigenze poste da una materia delicata e complessa come quella affrontata da Levi: come aiutare gli studenti a comprendere tutti i riferimenti presenti nel testo senza appesantire la pagina con note troppo estese? Come favorire una lettura  attiva e partecipe? Come stimolare la riflessione sui concetti-chiave? Infine, e soprattutto: come far capire ai ragazzi che I sommersi e i salvati non è un testo “imbalsamato”,  ma è capace di interrogare senza sosta il lettore, mettere in scena davanti ai suoi occhi contraddizioni insolubili, scandagliare con lucidità gli anfratti più dolorosi della storia del Novecento senza consegnare verità apodittiche?

Nel concepire la fisionomia generale del volume e il commento al testo, preziosi suggerimenti indiretti sono venuti dalle scelte compiute dall’autore in occasione dell’edizione scolastica del 1973 di Se questo è un uomo[1], curata dallo stesso Primo Levi e accolta nella collana einaudiana “Letture per la scuola media”. In quel frangente, lo scrittore aveva messo a punto, oltre alle note, una serie di strumenti allo scopo di rendere  l’opera pienamente accessibile al pubblico degli studenti delle scuole medie: una Prefazione ai giovani; due carte geografiche che mostravano rispettivamente la disposizione dei campi di concentramento nei territori occupati dalla Germania e l’insieme dei sottocampi presenti nella regione di Auschwitz; una bibliografia essenziale nella quale erano consigliate opere di carattere generale sul nazionalsocialismo e sulla persecuzione degli ebrei, insieme a documenti e testimonianze. In un’Appendice  ̶ aggiunta all’edizione scolastica nel 1976  ̶ Levi aveva raccolto le domande più frequenti che gli venivano rivolte dagli studenti durante gli incontri nelle scuole, formulando per ciascuna risposte che ancora oggi costituiscono una indicazione di metodo per quanti vogliano accostarsi alla didattica della Shoah.

L’ESEMPIO DI PRIMO LEVI: LE NOTE

Le note curate da Levi per l’edizione scolastica di Se questo è un uomo possono essere raggruppate in cinque diverse tipologie: note di traduzione delle espressioni in lingue straniere; note di spiegazione di termini tecnici desunti da lessici specialistici (medico, militare, scientifico, letterario, filosofico etc.) e dal gergo del campo; note storiche e geografiche; note che illustrano il funzionamento del Lager; note di auto-commento delle scelte lessicali e dei riferimenti intertestuali. Il programma di storia delle scuole medie degli anni Settanta si fermava alla prima guerra mondiale; l’apparato di note, la prefazione, la bibliografia dovevano quindi fornire ai giovani lettori sintetiche quanto indispensabili informazioni sulla geografia e sulla storia europee tra il 1918 e il 1945 aiutandoli nel contempo a comprendere le condizioni di vita all’interno di un Lager nazista.

L’EDIZIONE SCOLASTICA DE I SOMMERSI E I SALVATI

LE NOTE

Possono essere sussunte sotto sei diverse tipologie, alcune delle quali ricalcano quelle dell’edizione scolastica di Se questo è un uomo:

  1. note di traduzione dei termini stranieri;
  2. note di spiegazione di termini desunti da linguaggi specialistici e di vocaboli di derivazione colta e letteraria, oggi di uso raro (ad esempio “scherani”, “turpi”, “mendaci”, etc.);
  3. note storiche che coprono un arco cronologico che si estende dalla Prima Guerra Mondiale fino agli anni Ottanta del Novecento;
  4. note storico-biografiche che ricostruiscono nei tratti salienti la biografia dei tanti personaggi storici citati;
  5. note di spiegazione delle citazioni esplicite riconducibili alla cultura classica, ai testi biblici e alle fonti letterarie;
  6. note che chiariscono i diversi riferimenti culturali (libri, film, opere d’arte) cui l’autore ricorre per supportare alcuni passaggi argomentativi e per mettere in luce ulteriori sfaccettature del discorso.

Non sono state aggiunte al testo note di tipo critico-interpretativo per non sovrapporre la voce delle curatrici alla voce dello scrittore, e per non limitare le capacità interpretative degli studenti incanalandole in un’unica direzione.

L’INTRODUZIONE

Intende offrire agli studenti un resoconto accessibile delle ultime ricerche sulla genesi, la struttura, gli stili e l’impianto retorico de I sommersi e i salvati. L’ultimo libro di Levi è innanzitutto ricondotto alla sua prima gestazione, negli anni Sessanta, quando l’autore intratteneva uno rapporto vivo e diretto con i suoi lettori tedeschi. Al contempo, il libro non avrebbe visto la luce senza il dialogo ininterrotto con gli studenti delle scuole medie inferiori e superiori: “Sono stato in più di centotrenta scuole” scrive Levi nel 1979. Gli studenti sono dunque il destinatario ideale de I sommersi e i salvati; l’ultimo e forse il più importante lascito analitico di Primo Levi è per loro, ed è questa la chiave per comprendere le scelte retoriche e argomentative del libro: un testo che fonde l’impianto saggistico con l’andamento narrativo, ricco di “figure” memorabili e insieme inesauribili, che rilanciano gli interrogativi filosofici, morali e storici posti dall’autore; un libro dal carattere socratico, concepito come un tentativo di ripristinare la complessità di una vicenda storica, sociale, culturale: “una segnaletica di problemi”, come lo ha definito la storica Anna Bravo.

LA BIOGRAFIA E L’APPENDICE DI APPROFONDIMENTO

Abbiamo inoltre assunto l’idea, già presente nella curatela di Levi, che per aiutare il pubblico scolastico a orientarsi nella storia dello sterminio non sia sufficiente annotare tutti i termini che richiedono un supplemento di spiegazione, ma siano indispensabili supporti specifici: per questa ragione, oltre all’introduzione e all’apparato didattico, il volume comprende una sintetica biografia di Levi ed è completato da un’appendice di approfondimento sui campi di concentramento e di sterminio. Nell’appendice è stata inserita una delle due carte geografiche comparse nell’edizione scolastica del 1973 di Se questo è un uomo, nella quale  appaiono evidenziati i  Lager citati ne I sommersi e i salvati.

GLI ESERCIZI SUL TESTO

Agli esercizi presenti nel volume è affidata la funzione interpretativo-critica, non assolta da specifiche note al testo. Suddivisi per capitoli, sono pensati per mettere a fuoco i nodi fondamentali dell’argomentazione di ciascun tema, per proporre possibilità interpretative grazie alla giustapposizione con altri testi della tradizione letteraria e filosofica e per stimolare su di essi una riflessione attiva sotto forma di analisi lessicale e stilistica, di rielaborazione dei contenuti, di confronto intertestuale.

L’ANALISI LINGUISTICA

Gli esercizi di analisi testuale mirano  ad ampliare il bagaglio linguistico degli studenti attraverso la riflessione sulle scelte dell’autore e l’approfondimento dei lessici specialistici; sul versante stilistico sono proposte soprattutto analisi di figure retoriche notevoli (similitudini, metafore, ossimori etc.) grazie alle quali è possibile pervenire a una comprensione piena delle stratificazioni semantiche presenti nel testo. Tra gli esercizi linguistici ne segnaliamo uno relativo al capitolo Comunicare, che promuove una riflessione sul fenomeno della “violenza fatta al linguaggio” nella Germania hitleriana e in particolare sul Lagerjargon, il gergo degradato parlato nei campi al quale il filologo ebreo Victor Klemperer dedicò pagine imprescindibili nel suo studio sulla lingua del Terzo Reich intitolato LTI (Lingua Tertii Imperi)[2]. Si richiede agli studenti di fare un piccolo “esperimento Klemperer” usando come libro-serbatoio I sommersi e i salvati  e di costruire un glossario dei termini del Lagerjargon che potrà poi essere ampliato prendendo in esame anche altri testi, ad esempio Arcipelago Gulag[3] o lo stesso libro di Klemperer.

LA RICERCA STORICA

Alcuni esercizi comportano invece da parte degli studenti lo svolgimento di una vera e propria attività di ricerca storica. È questo il caso di un esercizio del capitolo La memoria dell’offesa in cui si  propone di stilare una lista delle testimonianze scritte dai carnefici nazisti, distinguendo fra quelle pubblicate prima del 1986 e quelle pubblicate successivamente, e di due esercizi riferiti rispettivamente ai capitoli Intellettuale ad Auschwitz e Lettere di tedeschi. Il primo suggerisce di compiere una breve ricerca su tre intellettuali che, in misura diversa e con diversi gradi di colpa, si resero complici del Terzo Reich, quali Martin Heidegger, Johannes Stark e Micheal von Faulhaber; nel secondo si chiede di ricostruire la biografia di Albert Speer, “l’architetto di Hitler”.  Quando possibile, negli esercizi si consiglia di far seguire all’attività di ricerca, individuale o di gruppo, un momento di restituzione condivisa e di discussione in classe, affinché il confronto fra pari consolidi e fissi le conoscenze acquisite e alleni alla discussione.

CONFRONTI E COLLEGAMENTI

La  storia del Novecento non è l’unico ambito a cui approdano le consegne degli esercizi: infatti l’apertura interdisciplinare de I sommersi e i salvati permette di spaziare fra saperi diversi e di stabilire collegamenti per nulla scontati fra ambiti apparentemente lontani fra loro. Un gruppo di esercizi disseminati nei sette capitoli dell’opera mette in contatto I sommersi e i salvati  con testi di altri autori o con opere diverse dello stesso Levi; gli accostamenti interessano generi ed epoche differenti: ad esempio la riflessione sull’uomo come animale gregario nel capitolo La zona grigia offre il pretesto per un confronto con le nozioni di animale sociale, gregario e monadico contenute nella Politica di Aristotele[4], mentre in un esercizio riferito al capitolo Stereotipi il fulcro dell’attenzione si sposta sul rapporto fra reduci e racconto del passato attraverso l’analisi delle figure di Ulisse nell’Odissea e di Francesca da Rimini nella Divina commedia.

LA RIFLESSIONE SUL PRESENTE

Nello stesso capitolo è presente una proposta di attività in classe il cui obiettivo è quello di avvicinare le questioni dibattute nel libro al presente degli studenti. Si richiede infatti di compilare un elenco di domande che si vorrebbero rivolgere a Levi oggi e poi di discuterne in classe. In seguito i ragazzi sono invitati a leggere l’Appendice all’edizione scolastica di Se questo è un uomo del 1976 e a confrontare le domande formulate da loro e quelle poste dagli studenti degli anni Sessanta e Settanta.  L’esame comparato  delle due liste di domande consente di mettere a fuoco i tratti salienti della diversa ricezione degli stessi contenuti da parte di generazioni di lettori differenti e al tempo stesso di studiare, per mezzo di un esempio concreto,  l’evoluzione delle forme culturali che determinano sia le modalità di lettura e di rielaborazione individuale sia l’approccio didattico ai testi, trasmesso  dai docenti.

IL FASCICOLO PER L’INSEGNANTE

Al volume annotato de I sommersi e i salvati si accompagna un fascicolo omaggio riservato agli insegnanti. Il fascicolo si compone di tre sezioni: 1) una serie di percorsi di apprendimento cooperativo, cinque in tutto, su alcuni temi chiave del libro; 2) undici percorsi di analisi guidata di testi di Primo Levi, sul modello delle prove di tipologia A e B dell’esame di stato; 3) una ricognizione bibliografica e sitografica sulla figura di Primo Levi, sulla storia della Resistenza e della deportazione e sulla didattica della Shoah.

L’APPRENDIMENTO COOPERATIVO

Nella prima sezione sono proposti cinque percorsi di apprendimento cooperativo aventi ciascuno un tema che prende spunto da un capitolo de I sommersi e i salvati: tre sono incentrati sulla memoria, in tre differenti accezioni (memoria biologica, memoria collettiva, metafore della memoria); uno è dedicato alla zona grigia; l’altro allo stereotipo del prigioniero. Si è pensato a un lavoro a gruppi improntato su ricerca, azione e restituzione, da svolgersi direttamente sui testi, sulle immagini, sui video. I testi scelti spaziano dalla tradizione letteraria (Montale, Borges, Shakespeare, Dostoevskij), filosofica (Platone, Cicerone, Agostino, Bergson, Freud, Arendt), scientifica (Alexander Lurija) e storico-memorialistica (Massimo Mila, Luciana Nissim) con incursioni nel fumetto (Maus di Art Spiegelman, ma anche le vignette di prigionia di Ernesto Rossi) e nell’arte figurativa (il memoriale di Berlino, le Stolpensteine). Si propone anche la visione e la discussione di film e serie tv (Prison BreakBlack Mirror[5]) per riflettere sull’uso, stereotipato o originale, di alcuni dei temi scelti. I cinque percorsi si propongono come altrettanti itinerari interpretativi, costruiti però dagli studenti attraverso un rapporto attivo con il materiale testuale e audiovisivo.

Ciascun percorso è scandito in tre fasi: nella prima, la classe fruisce di un testo o di un video collettivamente; nella seconda fase, gli studenti sono divisi in gruppi, e ad ognuno è affidato un testo o un’immagine (o serie di immagini) da analizzare e approfondire. Nella fase finale, ciascun gruppo restituisce alla classe il proprio approfondimento, per innescare una discussione complessiva sul tema.

L’obiettivo è quello di far reagire alcuni brani di Levi – tratti dai Sommersi, ma anche da altre sue opere meno battute – con alcuni dei testi e degli autori più importanti della tradizione, ma anche di ibridarli con nuovi linguaggi contemporanei.

I CAPITOLI, I TEMI, I CONFRONTI

Il percorso dedicato alla zona grigia, ad esempio, assegna a sei gruppi di studenti sei temi presenti nell’omonimo capitolo de I sommersi e i salvati (l’isolamento e la mancanza di solidarietà, il contagio del male, la vicenda di Chaim Rumkowski, il decano del ghetto di Łódź, il giudizio morale sulla condotta dell’individuo, il male burocratico, il potere vicario) e li sviluppa arricchendo il punto di vista su di essi attraverso il confronto con voci provenienti dalla filosofia, dalla storia, dalla tradizione letteraria, dal fumetto. Gli studenti che si occupano della riflessione sull’isolamento e la mancanza di solidarietà approfondiscono un brano de Le origini del totalitarismo[6] di Hannah Arendt; il gruppo che affronta il discorso sul privilegio in Lager basa il suo ragionamento sugli input provenienti da una vignetta tratta da Maus[7] di Art Spiegelman e da un brano di un’intervista a Vladek Spiegelman, padre di Art; un estratto dell’intervista fatta dal regista Claude Lanzman a Benjamin Murmelstein[8], ultimo Decano del Consiglio degli Ebrei di Theresienstad, aiuta il gruppo che si occupa della figura di Chaim Rumkowski a osservare la storia del decano di Łódź da un’angolazione diversa rispetto a quella adottata da Levi; per indagare il problema del giudizio morale sulla condotta dell’individuo alcuni studenti si confrontano con la favola della vecchia e della cipollina tratta da I fratelli Karamazov[9] di  Fedor Dostoevskij, a cui Levi stesso fa riferimento nel suo libro; un brano de La banalità del male[10] di Hannah Arendt pone i ragazzi faccia a faccia con il concetto del male “burocratico”, quello perpetrato dai funzionari pronti a mettere la loro firma in calce a qualsiasi provvedimento emanato dallo Stato nazista; la forza di corruzione del potere, fenomeno presente in tutte le collettività umane, è esemplificata da alcuni versi dell’opera Misura per misura di William Shakespeare citati dallo stesso Levi.

Un altro esempio utile per comprendere lo sforzo di collocare il testo leviano al crocevia di linguaggi e discipline diverse è offerto dal percorso di apprendimento cooperativo sulla figura del prigioniero,  che forse più di altri si fa portatore manifesto dell’intento ambizioso che percorre l’intera edizione scolastica: gli studenti, opportunamente guidati, possono imparare attraverso la lettura delle opere di Levi a interpretare e a interrogare il presente e non soltanto il passato. Il percorso si ricollega ai contenuti del capitolo Stereotipi, in cui l’autore riflette sul fatto che, con il passare del tempo, i giovani che incontra nelle scuole non riescono più a immaginare le condizioni fisiche e psicologiche dei deportati, l’annientamento del corpo che andava di pari passo con quello del pensiero; a questa immagine di tragica impotenza, con la quale le generazioni nate negli anni Sessanta e Settanta non sanno più rapportarsi, si contrappone  il mito del prigioniero che “spezza le catene”, diffuso dalla letteratura e dal cinema.  Per il  percorso di apprendimento cooperativo è stato affiancato a un testo tratto da Oro – (Il sistema periodico[11]) in cui Levi racconta la sua prigionia in Valle d’Aosta – un brano tratto da Ricordi della casa dei morti[12] di Luciana Nissim Momigliano sulla “morte interiore” dei prigionieri; insieme ad essi, è proposto un estratto da Le loro prigioni[13] di Massimo Mila, in cui l’intellettuale antifascista racconta – con una certa disincantata ironia – il periodo di prigionia a Regina Coeli, la difficoltà nello scrivere lettere che eludessero la censura, la noia, la lettura, le conversazioni, l’avidità di notizie sul presente. Il testo è accompagnato da una vignetta di Ernesto Rossi, che con Mila condivideva la cella in quegli anni. A questi testi si aggiunge la proposta di analizzare e commentare un film che Levi cita nel capitolo, Io sono un evaso[14] (1932), accostandolo a un altro film sullo stesso filone, uscito negli anni settanta, Fuga da Alcatraz[15] (1979), e a una serie tv recente, Prison break[16] (2005-2017). In modo diverso tutti e tre alimentano lo stereotipo del prigioniero forte e padrone di sé, che riesce a liberarsi e a fuggire, spezzando i propri vincoli. La scelta di autori come Nissim e Mila, così come della vignetta di Rossi, ha come obiettivo quello di far incontrare gli studenti con autori che probabilmente non conoscono; la proposta di Prison break, serie tv piuttosto conosciuta dagli adolescenti nati negli anni Duemila, è dettata invece dall’esigenza di creare un ponte fra contenuti eterogenei per abituare gli studenti a riconoscere non solo gli stereotipi storici, ma anche le costruzioni simboliche e i miti letterari che popolano l’immaginario contemporaneo, e a compiere un esercizio di analisi e di lettura del presente.

I PERCORSI DI ANALISI TESTUALE

I brani scelti per i percorsi di analisi del testo sono tratti da Il sistema periodico (racconti Zinco, Potassio, Nichel, Fosforo, OroVanadio), da La chiave a stella, da  Racconti e saggi, dalla raccolta di poesie Ad ora incerta, dall’Appendice Se questo è un uomo. Si è voluto infatti presentare agli studenti un ritratto a tutto tondo dello scrittore, che valorizzasse le molteplici sfaccettature della sua opera e mettesse in discussione la vulgata che considera Primo Levi esclusivamente un testimone – anzi, il testimone per eccellenza – passando sotto silenzio la straordinaria ricchezza di un percorso umano e intellettuale ramificato in molte direzioni e, proprio per questo, fuori dagli schemi.

I TESTI E LA PROSPETTIVA INTERDISCIPLINARE

La maggior parte dei testi tratti da Il sistema periodico ci mostra un Levi poco più che ventenne alle prese con le amicizie, con lo studio della chimica, con le prime esperienze lavorative, con le scelte che segnarono il suo destino e quello della  sua generazione, sullo sfondo dell’Italia del fascismo e della Seconda Guerra Mondiale. Per il pubblico scolastico questo è, per certi versi, un Primo Levi inedito con il quale è possibile stabilire un rapporto di maggiore vicinanza e forse anche di identificazione.

Se si prova a passare brevemente in rassegna alcuni esempi fra quelli contenuti nella sezione, ci si accorge che anche nei percorsi è adottata una prospettiva interdisciplinare che fonde letteratura, storia del Novecento e storia del costume, studio del pensiero scientifico e  riflessione sull’attualità.  La sezione si apre con un brano del racconto Zinco  in cui Levi, studente di Chimica nell’anno accademico 1938-39, dall’osservazione del comportamento della materia che ha tra le mani in laboratorio, trae alcune considerazioni sui concetti di “purezza” e di “impurezza” ricollegandoli alla propaganda antisemita dell’Italia fascista. Dopo aver svolto un’analisi guidata del brano, lo studente è invitato a sviluppare i concetti di “impurezza” e “diversità” mettendoli in relazione con le conoscenze scientifiche attuali.

Due analisi testuali  hanno come fulcro il tema del lavoro, declinato da due punti di vista differenti: la riflessione sui sentimenti individuali che legano l’uomo al suo lavoro quotidiano, sollecitata dalla lettura del brano di Nichel che racconta del primo vero impiego di chimico trovato da Levi; il confronto storico fra gli antichi mestieri artigianali, assai diffusi fino alla metà del secolo scorso, e il lavoro nella società contemporanea, condotto a partire dalla figura del padre di Tino Faussone,  protagonista del capitolo “Battere la lastra” de La chiave a stella.

Un altro percorso propone l’analisi della poesia Partigia, nella quale lo scrittore nel tracciare un bilancio dell’esperienza resistenziale sua e della sua generazione allarga il discorso dalla sfera storico-politica a quella esistenziale e invita quanti hanno combattuto la lotta contro il nazifascismo a tener saldi i valori che li hanno ispirati in quella stagione ormai lontana.

I due percorsi di analisi sul modello della prova d’esame di tipologia B (analisi e produzione di un testo argomentativo) hanno come oggetto due brani dell’Appendice a Se questo è un uomo. I temi portati all’attenzione degli studenti sono le radici storiche dell’antisemitismo tedesco e i motivi per cui l’opinione pubblica tedesca non “volle sapere” quanto stava accadendo nei campi di prigionia e di sterminio.

BIBLIOGRAFIA E SITOGRAFIA SULLA FIGURA DI PRIMO LEVI, SULLA STORIA DELLA RESISTENZA E DELLA DEPORTAZIONE E SULLA DIDATTICA DELLA SHOAH

Nella parte dedicata a Levi si è preferito suggerire, anziché contributi critici in senso stretto, testi che offrissero un punto di vista originale sulla biografia intellettuale dell’autore e che potessero essere proposti agli studenti, come ad esempio il graphic novel Una stella tranquilla: ritratto sentimentale di Primo Levi[17], di Pietro Scarnera, e l’Album Primo Levi[18], curato dal Centro Studi Primo Levi. Oltre ai testi, sono descritti siti nei quali si trovano materiali e approfondimenti su Primo Levi, come il “Laboratorio Levi”[19] (su Raiplay), una serie di interviste rilasciate dallo scrittore ai microfoni della Rai. La sezione sulla storia della Resistenza e della deportazione elenca e descrive le risorse on line messe a disposizione dagli istituti, dagli enti e dalle associazioni, italiani e internazionali, che si occupano di questi due temi e, più in generale,  di storia del Novecento. L’ultima parte della bibliografia ricostruisce per grandi linee il dibattito sulla didattica della Shoah che si è sviluppato a partire dagli anni Novanta del Novecento. Mentre nelle altre due sezioni i contributi citati sono disposti in ordine alfabetico, nell’ultima parte si è optato per un elenco in ordine cronologico per permettere ai docenti di orientarsi fra le diverse fasi del dibattito. Una riflessione preliminare sulla didattica della Shoah da parte dei docenti di Lettere e di Storia appare oggi più che mai necessaria: la bibliografia vorrebbe quindi facilitare l’acquisizione di una formazione specifica in materia, la quale va di pari passo con un incremento della consapevolezza delle implicazioni educative, cognitive e metodologiche connesse all’adozione di un determinato approccio didattico. Avere l’opportunità di vagliare l’ampia gamma di posizioni assunte dagli studiosi e le tante proposte di attività didattiche sul tema significa già, per il docente, iniziare a compiere quelle scelte che sente più congeniali rispetto alla sua sensibilità, alle sue competenze  e agli obiettivi formativi, al fine di trasmettere non un semplice insieme di nozioni, bensì un bagaglio di conoscenze complesse.

Note

[1] Primo Levi, Se questo è un uomo, Torino, Einaudi 1973, collana “Letture per la scuola media”.

[2] Victor Klemperer, LTI. La lingua del Terzo Reich. Taccuino di un filologo [1946], Firenze, Giuntina, 1998.

[3] Aleksandr Solzenicyn, Arcipelago Gulag, 1918-1956: saggio di inchiesta narrativa [1973], Milano, Mondadori, 2013.

[4] Cfr., in particolare, Aristotele, Historia Animalium, I, 488a e Politica, I, 1253a.

[5] Black Mirror, serie TV, di Charlie Brooker, Regno Unito, 2011- in produzione, cinque stagioni.

[6] Hannah Arendt, Le origini del totalitarismo [1951], Torino, Einaudi, 2004.

[7] Art Spiegelman, Maus [1972-1991], Torino, Einaudi, 2010.

[8] Claude Lanzmann, L’ultimo degli ingiusti. Intervista con Benjamin Murmelstein, ultimo Decano del Consiglio degli Ebrei di Theresienstadt, Milano, Skira, 2014

[9] Fedor Dostoevskij, I fratelli Karamazov [1878-1880], a cura di Igor Sibaldi, voll. I-II, Milano, Mondadori, 1994.

[10] Hannah Arendt, La banalità del male: Eichmann a Gerusalemme [1963], Milano, Feltrinelli, 2008.

[11] Per tutte le opere di Primo Levi citate si rimanda alle Opere complete, a cura di Marco Belpoliti, voll. I-III, Torino, Einaudi, 2016-2018.

[12] Luciana Nissim Momigliano, Ricordi della casa dei morti [1946] in Ricordi della casa dei morti e altri scritti, a cura di Alessandra Chiappano, Firenze, Giuntina, 2008.

[13] Massimo Mila, Le loro prigioni. Da Regina Coeli a Ventotene, «Il Ponte», V, 3, marzo 1949; ora in Scritti civili, a cura di Alberto Cavaglion, Milano, Il Saggiatore, 2011.

[14] Io sono un evaso, film, regia di Mervyn Le Roy, USA 1932.

[15] Fuga da Alcatraz, film, regia di Don Siegel, USA 1979.

[16] Prison Break, serie TV, di Paul Scheuring, USA 2005-2017,cinque stagioni.

[17] Pietro Scarnera, Una stella tranquilla: ritratto sentimentale di Primo Levi, Bologna, Comma22, 2013.

[18] Album Primo Levi, a cura di Roberta Mori e Domenico Scarpa, Torino, Einaudi, 2017.

[19] Cfr. https://www.raiplay.it/programmi/laboratoriolevi/   (URL consultato il 18/06/2019)

Martina Mengoni e Roberta Mori

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Crer e destruir: os intelectuais na máquina de guerra da SS nazista – INGRÃO (RTA)

INGRAO, Christian. Crer e destruir: os intelectuais na máquina de guerra da SS nazista. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. Resenha de: BECHER, Franciele. Por uma antropologia das emoções do nazismo. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.21, p.482‐487, maio/ago., 2017.

A proposta de fazer uma “história das emoções” do nazismo pode parecer, em um primeiro momento, desconfortável. E isso ocorre, sobretudo, porque a representação mais recorrente do nacional‐socialismo sempre liga os seus atores a ações brutais, cegas e fanáticas. A imagem cristalizada do nazismo enquanto um caso de violência definitiva muitas vezes leva os historiadores a definirem categorias conceituais imprecisas ou genéricas, já adaptadas ao discurso que normalmente é utilizado no estudo dos regimes autoritários.

O livro de Christian Ingrao, historiador francês ligado ao Centre national de la recherche scientifique (CNRS) e antigo diretor do Institut d’Histoire du Temps Présent (IHTP), procura traçar os itinerários profissionais e militantes de cerca de 80 intelectuais e acadêmicos que fizeram suas carreiras em órgãos de repressão ligados à Ordem Negra, a SS, ao Serviço de Segurança (SD), ou ao Gabinete Central de Segurança do Reich (RSHA).

Em comum, todos os sujeitos analisados têm a participação nas missões de repressão, combate e ocupação do Leste europeu, seja nas campanhas da Polônia ou da União Soviética, ao longo da Segunda Guerra Mundial. Muitos deles estiveram implicados diretamente nas matanças efetuadas pelas forças‐tarefa dos Einsatzgruppen, e nas medidas implantadas na organização do genocídio de milhões de judeus e outras vítimas eslavas.

Através dos pressupostos teóricos da antropologia social das emoções e da história cultural, e utilizando uma vasta gama de fontes e arquivos, que inclui narrativas de vida dos akademiker, suas trajetórias profissionais, documentações dos órgãos dos quais faziam parte e seus depoimentos nos julgamentos do pós‐guerra, o autor consegue traçar um panorama competente sobre as representações de mundo desses intelectuais.

Fugindo de uma análise funcionalista das instituições e de sua incidência sobre os comportamentos, Ingrao tece o esboço sobre a forma como esses sujeitos conseguiram aliar seu rigor científico às exigências da militância nazista, criando grades de leitura do mundo e discursos de legitimação que deram suporte aos massacres e ao genocídio.

Fruto da tese de doutorado do autor, escrita entre 1997 e 2001, na Universidade de Amiens (« Les intellectuels du service de renseignement de la S.S, 1900‐1945 »), o livro toma como ponto de partida a apreensão do nazismo enquanto um sistema de crenças que combina práticas e discursos frutos de políticas públicas e institucionais, mas que também são percorridos por uma gama de emoções que vão da angústia à utopia, passando pelo ódio, crueldade e desespero, e que não podem ser apreendidas dentro dos paradigmas clássicos da política e da sociologia. Ingrao procura compreender em que medida as experiências vividas por esses intelectuais foram capazes de modelar seu sistema de representações, criando eixos de consentimento que os levariam, no futuro, a legitimar a violência extrema.

Partindo da herança de historiadores da Primeira Guerra Mundial, sobretudo do seu orientador de tese, Stéphane Audoin‐Rouzeau, que trabalhou com as experiências infantis ligadas ao conflito, o autor procura apreender a militância nazista desses intelectuais como uma reação à experiência matricial de 1914‐1918, cuja coerência entre discursos e práticas se encarnou em suas trajetórias e carreiras. Em suma, procura compreender como esses homens fizeram para crer e, por consequência, destruir. Sujeito de pesquisa inquietante, sobretudo porque confronta o fato de que setores da alta excelência acadêmica alemã atuaram diretamente em um dos mais atrozes regimes autoritários, servindo‐se, inclusive, das Ciências Humanas e, em particular, da História, como legitimadoras desses processos.

O livro é organizado em três partes: na primeira delas, Ingrao traz três capítulos sobre a experiência matricial da Primeira Guerra Mundial, e de como toda a cultura do “mundo de inimigos” e da crença no papel defensivo da Alemanha no conflito, mesmo que silenciada pelos akademiker, influenciou suas trajetórias e seus imaginários. Além disso, estabelece um panorama das instituições e dos saberes acadêmicos e militantes construídos pelos futuros oficiais entre os anos 1920 e 1930, quando turbulentas disputas políticas influenciaram nos seus sentimentos de angústia, e interferiram em suas escolhas e ambições científicas e, claro, nos seus engajamentos políticos dos anos seguintes.

Formando‐se como advogados, economistas, geógrafos, historiadores ou linguistas no pós‐guerra, muitos deles com formações universitárias multidisciplinares com alto desempenho acadêmico, esses jovens, vindos em sua maior parte das classes médias alemãs, encontraram na SS um organismo elitista que se distanciava das “hordas” do partido de massa, ou da atuação pragmática das tropas de assalto (SA). Através de diversos ritmos e itinerários de militância, entraram no jogo dos mecanismos institucionais da burocracia nazista, contribuindo para sua justificação científica e ideológica e, ao mesmo tempo, reforçando suas próprias leituras de mundo, profundamente marcadas por suas experiências de vida.

A segunda parte do livro, consagrada à internalização das crenças, à adesão ao nazismo e ao engajamento intelectual e ideológico dos jovens acadêmicos, analisa as fundamentações do dogma nacional‐socialista em sua profunda inspiração de refundação da Alemanha no aspecto sociobiológico e racial. Estudando a grade da leitura sociológica dos discursos dos intelectuais SS, Ingrao demonstra como a ideologia racial incidiu na própria reformulação da história alemã, transformando‐a em uma série de lutas, confrontos e combates identitários, todos marcados pelo selo da etnicidade.

Problematiza como a História e outras disciplinas se tornaram ciências combatentes de legitimação das crenças nazistas, justificando a guerra que estava por vir como um último combate pela salvação providencial do Império Alemão.

Ingrao foge constantemente da armadilha fácil de usar conceitos genéricos e imprecisos como o do “oportunismo” da ascensão hierárquica dentro da estrutura do Reich. Demonstra, no caso dos intelectuais SS, que havia inclusive uma tentativa institucional de frear esses interesses para proteger o ativismo e a militância. O processo de politização dos saberes dos akademiker aconteceu paralelamente à sua própria construção, e foi fortalecido com a criação de instituições como o SD e o RSHA, quando puderam aliar seu rigor científico às exigências da militância, imprimindo suas marcas nos serviços em que atuaram e participando de forma determinante na organização da repressão.

Por fim, na terceira parte da obra, Ingrao volta seus olhos à experiência de guerra no Leste europeu, onde as crenças e o fervor nazista foram empregados na legitimação da violência extrema e do genocídio. Os últimos cinco capítulos dão conta do imaginário construído em torno do novo “mundo de inimigos” eslavos, analisando a ritualística da violência, e as estratégias empregadas para colocar em prática os massacres. Além disso, finaliza avaliando as posturas dos intelectuais SS frente à derrota iminente, assim como suas estratégias de negação e reelaboração da memória nos julgamentos do pós‐guerra.

Para os nazistas, o “Leste” simbolizava uma tábula rasa na qual a germanidade poderia se modelar, ocupando o espaço de povos vistos como bárbaros e inferiores.

Dentro da retórica do “sangue e solo”, a experiência de guerra inaugurada com a invasão da Polônia em 1939, e intensificada com o ataque à União Soviética em 1941, se transformou em uma luta total contra o inimigo “judeu‐bolchevique”. O “imaginário de cruzada”, uma mescla entre fervor, utopia e guerra, forneceu a moldura justificativa para a violência que os soldados deveriam empregar, dentro de um discurso ansiogênico que instilava os comportamentos coletivos à matança.

Nesse contexto, a prática genocida se tornou uma condição da germanização, o fim último da utopia milenarista do nazismo. Representado como uma ação defensiva (pois era legítimo se defender dos agentes de destruição da germanidade, argumento semelhante ao usado pelas elites alemãs para justificar o conflito de 1914.), e visto sob a ótica da deploração (matar é um trabalho asqueroso, mas necessário), o genocídio ocorreu em meio a um investimento afetivo real dos intelectuais SS. A leitura nazista dos acontecimentos, elaborada, interiorizada e difundida pelos akademiker, constituiu então o cerne do mecanismo de radicalização e de consentimento aos massacres.

Por trás dos imperativos de produtividade e exaustividade que foram usados para colocar em prática os assassinatos em massa, estavam preocupações com um imaginário asséptico que pouparia psicologicamente os atores do massacre, limitando o seu efeito desestruturante e traumático. O estabelecimento de hierarquias na matança, e o próprio gestual da violência, refletiam o sistema cultural em que essas práticas foram forjadas.

Angústia, deploração, repulsa, ódio e gozo se confundiram nos discursos e atitudes dos que atuaram no Leste, experiência que funcionava como um “rito iniciático” para que os oficiais provassem seu grau de interiorização da crença nazista. Porém, apesar da dimensão traumática exteriorizada nos comportamentos de vários oficiais, nunca houve ruptura com o consentimento à matança, e isso se deu em função do acompanhamento do discursivo legitimador, da sistematização dos gestos e dos processos de adaptação empregados.

Face à derrota iminente, os intelectuais SS apresentaram diversas estratégias de escape, em uma distorção crescente entre os comportamentos e a realidade do front, mesmo que possam ser detectados indícios da escalada de suas angústias. Após 1945, boa parte dos akademiker passou por tribunais e comissões de “desnazificação”, em que procuraram realizar uma gestão da memória de guerra e da sua militância, usando diferentes estratégias de negação dos seus crimes ao longo dos julgamentos. A própria tese da “obediência incondicional” dentro da hierarquia nazista, utilizada pelos historiadores durante muito tempo para analisar os comportamentos dos atores do genocídio, é decodificada enquanto um desses artifícios de despistamento utilizados intencionalmente pelos intelectuais julgados.

Publicado originalmente em 2010, pela Arthème Fayard, sob o título Croire et détruire. Les intellectuels dans la machine de guerre SS, a obra de Christian Ingrao demonstra que a interiorização do sistema de crenças nazista era muito mais um caso de fervor do que de cálculo político e militante. Mesmo que o livro não seja de fácil leitura (em função, sobretudo, da temática delicada, mas também em razão de certos aspectos da tradução brasileira), o autor guia habilmente o leitor pela intrincada burocracia dos órgãos nazistas, tecendo uma narrativa que foge de armadilhas conceituais psicologizantes ou abstratas. Apoiado por uma extensa bibliografia sobre o assunto em várias línguas, e por indicações de fontes impressas e de fundos arquivísticos, sua obra traz possibilidades teóricas de problematizar os diferentes níveis de instrumentalização dos saberes, o papel dos intelectuais, da educação e, particularmente, da ciência histórica na legitimação da violência e dos regimes políticos autoritários.

Franciele Becher – Mestra em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Brasil. [email protected].

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O sentido da luta contra o africanismo eurocentrista – OBENGA (CTP)

BITTENCOURT, Silvia. A cozinha venenosa. Um jornal contra Hitler. São Paulo: Três Estrelas, 2013. Resenha de: AGUIAR, Fábio Fiore. Münchener Post: o Periódico que Combateu o Nazismo. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n. 16, p. 80-82, maio/julho 2014.

Este livro de Silvia Bittencourt abre caminho para uma reflexão sobre a resistência alemã na imprensa contra o regime nazista. O livro trata do periódico Münchener Post, que durante as décadas de 20 e 30 do século XX combateu Hitler e seus correligionários durante a ascensão do regime nazista.

A autora conheceu o Münchener Post por meio do livro do jornalista Ron Rosenbaum, intitulado Para entender Hitler. Ela afirma que nesta obra, Rosenbaum faz um desafio para que algum alemão narre à história daqueles homens do Post. Ela aceita o desafio. Jornalista brasileira, mas morando a mais de 20 anos na Alemanha, Silvia Bittencourt realiza uma grande pesquisa nos arquivos do Münchener Post, e o resultado é o agradável livro A Cozinha Venenosa.

Em sua introdução, a autora chama atenção para o fato de ser uma história desconhecida, nunca relatada na história do jornalismo, sendo seu livro uma obra pioneira sobre os anos de resistência do Münchener Post ao regime nazista. A autora mostra que “a maioria dos netos e bisnetos dos redatores, colaboradores e advogados do jornal sabe muito pouco da atividade audaciosa, arriscada e persistente de seus avôs e bisavôsII”. Tal fato torna a pesquisa de Bittencourt ainda mais importante, pois muda a memória ou lacuna de esquecimento que se tinha sobre a resistência alemã em relação à ascensão nazista.

As décadas de 1920 e 1930 foram marcadas pela instabilidade política do pós-guerra, sendo uma época de radicalizações políticas, terreno em que Hitler e o NSDAP (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães) encontrariam espaço para difundir suas ideias de ódio e seu antissemitismo. No entanto, ao contrário do que se sabia até o lançamento deste livro, o partido nazista encontraria forte resistência na imprensa, pela parte do jornal de esquerda, vinculado ao partido social-democrata, o Münchener Post.

Era um jornal local, circulava na cidade de Munique, tendo uma tiragem modesta. No início da década de 1920, chegou em sua melhor fase, “a rodar tiragens de 60 mil exemplares, com 12 páginas diárias. O Crash de 1929, entretanto, pôs tudo a perderIII”. O jornal foi empastelado, destruído pelos nazistas por duas vezes, na última, em 1933, após a tomada de poder pelos nazistas foi fechado de vez.

O Post foi o primeiro jornal a alertar sobre o perigo do discurso antissemita de Hitler e do NSDAP, e logo o elegeu como principal adversário político a ser derrotado. O Post estava ligado ao partido social-democrata, representando em suas páginas a luta e as bandeiras do partido. Da mesma forma, contudo, o partido nazista também utilizava a imprensa para divulgar seu programa de governo, através do periódico Völkischer Beobachter. Quando a SA (tropa de assalto nazista) destruiu a sede do Münchener Post, o jornal de Hitler noticiava: “A cozinha venenosa na Altheimer Eck foi demolidaIV”. Cabe dizer que o jornalismo deste tempo se difere em muito do praticado atualmente, que mesmo sendo influenciado por patrocinadores, não serve como plataforma política de um partido, ou ao menos não deveria.

Adolf Hitler se referia ao Münchener Post como Münchener Pest, ou “a cozinha venenosa”. “Cozinhar, no jargão da imprensa, é reescrever um texto já publicado. No caso do Post, Hitler dizia que o jornal preparava seus textos com venenoV”. E o Post era realmente sensacionalista, em uma época de extremos o mais importante é vencer o inimigo, os meios para isso não precisam ser os mais corretos. Assim, o Post publicava matérias sem realmente ter certeza de sua fonte de informação, de maneira sensacionalista o importante era flechar o golpe. Um caso citado por Bittencourt foi o ataque do Münchener Post a sexualidade do comandante da SA Ernst Röhm. Era de conhecimento geral que o líder das tropas de assalto nazista era homossexual, contudo não se haviam provas. No entanto chegaram às mãos do Münchener Post cartas que provavam a homossexualidade de Röhm. O Post se viu em um dilema, “era oficialmente a favor da descriminalização do homossexualismo. Para os jornalistas da Altheimer Eck, no entanto, a tentação de atingir uma das figuras mais próximas de Hitler falou mais alto do que o dilema moralVI”.

Após a tomada de poder pelos nazistas o Münchener Post foi destruído, e seus editores presos. Alguns conseguiram fugir da Alemanha e o regime nazista finalmente detinha exclusividade na divulgação de notícias. De acordo com Bittencourt, “até o final de 1936, entre quinhentas e seiscentas publicações desapareceram no país, fechadas pela horda nazistaVII”.

O livro traz um conjunto de fotografias da época e uma coletânea de algumas matérias publicadas pelo Post. Apresenta boa escrita, certamente uma leitura interessante e agradável.

O debate sobre a imprensa durante a Segunda Guerra é de interesse geral, assim como a obra de Silvia Bittencourt. Sua pesquisa pode clarear nosso presente, trazendo ao público uma história que ficou desconhecida, mas que sobremaneira não deveria. Atualmente não há no antigo prédio do Münchener Post uma placa ou homenagem aos jornalistas daquele jornal. O livro de Silvia Bittencourt vem fazer justiça àqueles homens que lutaram contra o regime nazista, um monumento em homenagem aos jornalistas do Münchener Post. É o tipo de história que vale a pena ser contada, que move o presente, e não só faz justiça aos jornalistas deste periódico, como acrescenta linhas de resistência à história alemã contra o regime nazista. “Quem passeia hoje pela Altheimer Eck, distraído, está desfrutando da herança deixada por aqueles homens, que nunca perderam a esperança na construção de uma Alemanha livre e pacífica”.8

Notas

2 BITTENCOURT, Silvia. A cozinha venenosa. Um jornal contra Hitler. São Paulo: Três Estrelas, 2013, pp. 9.

3 Ibidem, p. 16.

4 Ibidem, p. 144.

5 Ibidem, p. 13.

6 Ibidem, p. 232.

7 Ibidem, p. 238.

8 Ibidem, p. 308.

Referência

BITTENCOURT, Silvia. A cozinha venenosa. Um jornal contra Hitler. São Paulo: Três Estrelas, 2013.

Fábio Fiore de AguiarMestrando em História pela UEL. Bolsista da CAPES.

Acesso à publicação original

Il larger di San Sabba. Dall’occupazione nazista al processo di Trieste – MATTA (Nv)

MATTA, Tristano. Il larger di San Sabba. Dall’occupazione nazista al processo di Trieste. Trieste: BEIT, IRSML FVG, 2012. 64p. Resenha de: TODERO, Fabio. Novecento.org – Didattica dela storia in rete, n.1, dicembre, 2013.

La recente pubblicazione di alcuni testi, la realizzazione di video-documentari e di mostre – la più recente delle quali, ancora aperta, è dedicata al processo ai crimini della Risiera di San Sabba – suggeriscono come si sia diffuso un rinnovato interesse per il lager della Risera di San Sabba, interesse testimoniato anche da un ininterrotto flusso di visitatori.

Tale fenomeno va in parte ascritto anche al nuovo interesse manifestatosi per la cosiddetta «storia del confine orientale», frutto a sua volta dell’istituzione del Giorno del ricordo, ciò che ha fatto sì che assai spesso – se non addirittura di norma – la visita alla Foiba di Basovizza si accompagni a quella a un luogo di memoria come la Risiera. È evidente che tale approccio rischia di ingenerare confusione tra ordini di problemi diversi – benché sussistano evidentemente alcuni punti di contatto, a partire dalla cornice territoriale dei fatti cui si richiamano e dall’utilizzo della violenza –, mentre sullo sfondo rimane il nodo fondamentale di riuscire a mantenere alto il senso critico e il richiamo alla problematicità degli eventi. Oltre tutto, non è superfluo sottolineare come l’immagine di Trieste propria di molti visitatori – e in particolare di molti insegnanti, qui in visita di formazione o in viaggio con le proprie classi – sia spesso quella un po’ edulcorata della città mitteleuropea, cosmopolita, multietnica, una città di cultura da sempre caratterizzata da spirito di tolleranza e di accoglienza nei confronti delle sue numerose diversità e alterità; “scoprire” la Risiera svela invece un volto per lo più inatteso di queste terre, evidentemente ancora troppo poco noto: quello della città occupata ma anche amministrata dai nazisti; quello di un diffuso e assai volonteroso collaborazionismo (uso non casualmente questo aggettivo), un sistema ramificato sul quale si è soffermato anni addietro Galliano Fogar, cui il testo in oggetto è stato dedicato dall’autore. Una scelta, quest’ultima, non casuale che denuncia tra l’altro come questo lavoro sia animato da un profondo senso di impegno civile che Tristano Matta ha negli anni saputo declinare sia attraverso la sua attività di storico particolarmente rigoroso e puntuale, che attraverso quella di insegnante; due attività non disgiunte tra oro frutto delle quali fu, anni addietro, un importante volume dedicato ai luoghi della memoria (mi riferisco a Un percorso della memoria: guida ai luoghi della violenza nazista e fascista in Italia, a cura di Tristano Matta, Istituto regionale per la storia del movimento di liberazione nel Friuli-Venezia Giulia, Electa, Trieste-Milano 1996). Scrive l’autore di questo suo Il Lager di San Sabba. Dall’occupazione nazista al processo di Trieste: «Il presente volumetto si propone di rispondere all’esigenza di fornire a questo sempre più numeroso pubblico [di visitatori; N.d.R.] – e più in generale di lettori – un nuovo strumento agile e sintetico che contribuisca ad inquadrare la storia del Lager triestino nel suo contesto, sia per quanto concerne il periodo del suo funzionamento durante l’occupazione nazista del Litorale Adriatico, sia per quanto attiene al tema […] del difficile percorso che la memoria di quella violenza ha seguito nel dopoguerra fino allo svolgimento del processo del 1976». (p. 3).

Il termine «volumetto» deriva evidentemente dalle dimensioni del testo, ma non intende ridurne l’importanza che a queste è invece inversamente proporzionale, Esso ospita due saggi, preceduti da una nota introduttiva dell’autore, ovvero L’occupazione nazista e l’istituzione del campo di detenzione di polizia di San Sabba a Trieste (1943-1945), già apparso in un volume collettaneo: Il nazista di Trieste. Vita e crimini di Odilo Globocnik, l’uomo che inventò Treblinka (Beit, Trieste 2011); Il difficile cammino della memoria e della giustizia (1946-1976), già apparso in C. Di Sante, I campi di concentramento in Italia (F. Angeli, Milano 2001). Rigore storiografico e intento divulgativo sono in effetti la cifra di questo lavoro che ne fanno, tra l’altro, un utile strumento didattico a disposizione di insegnanti che troppo spesso delegano lo svolgimento di un tema, magari esaurendolo in un incontro, una visita appunto, l’estemporanea proiezione di qualche film, dimenticando che una didattica efficace si basa sulla costruzione di robusti percorsi, e innanzitutto sulla preparazione dell’insegnante stesso sui nodi fondamentali della storia novecentesca, se guardiamo al caso in questione.

Di qui, allora, l’utilità di un lavoro come questo che offre a insegnanti e visitatori, nonché appassionati e curiosi di storia, un quadro tanto agile quanto esauriente delle vicende relative all’OZAK, alla Risiera di San Sabba, alla memoria difficile del Campo e del biennio 1943-1945, nonché infine all’importante processo di Trieste, tanto più importante perché anche qui si ebbe – su scala locale – un fenomeno analogo a quello descritto da Annette Viewiorka in L’era del testimone, con un’esplosione di testimonianze che furono tanto utili sul piano giudiziario (al di là dell’esito limitato di quel processo) quanto fondamentale in sede di ricostruzione storiografica.

Fabio Todero

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El genocidio como práctica social. Entre el nazismo y la experiencia argentina – FEIERSTEIN (Ph)

FEIERSTEIN, D. El genocidio como práctica social. Entre el nazismo y la experiencia argentina. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2008. Resenha de: MARTÍNEZ, Horacio Luján.  Philósophos, Goiânia, v.14, n. 1, p.211-218, jan./jun., 2009.

O autor deste estimulante e também inquietante livro é Daniel Feierstein, professor da disciplina “Análisis de las prácticas sociales genocidas”, na Faculdade de Ciências Sociais da Universidad de Buenos Aires, e diretor do Centro de Estudios sobre Genocidio e do Mestrado em Diversidad Cultural na Universidad de Tres de Febrero.  O livro procura compreender o genocidio como o “aniquilamento de coletivos humanos”: um modo específico de destruição e reorganização das relações sociais. Isto é, trata-se de observar esses processos de aniquilamento não como uma exceção na história contemporânea, mas como uma tecnologia de poder peculiar.  O conceito de “tecnologia de poder” é entendido aqui como uma forma peculiar de estruturar – seja através da criação, destruição ou reorganização – as relações sociais em uma sociedade determinada, os modos em que os grupos se vinculam entre si e consigo mesmos e os através dos quais constroem sua própria identidade, a identidade de seus semelhantes e a alteridade dos outros. Isso não implicará, como veremos, em dizer que o genocídio é somente um modo de reorganização de relações sociais, nem que esta somente opere através de práticas sociais genocidas.  Pode-se dizer que há consenso entre os historiadores acerca de que o termo “genocídio” surge como um neologismo criado pelo jurista Raphael Lemkin. Dito neologismo se estrutura com o sufixo latino cidio (aniquilamento) e o prefixo grego genos, que tem dado muito mais lugar à discussão, uma vez que não parece fácil decidir se remete a uma origem tribal comum, à comunhão de características genéticas (raciais) ou às simples características comuns compartilhadas por um grupo. Esses dois últimos significados se acham presentes no termo grego genos e em seu herdeiro latino gens, ligado aos clãs familiares.  O trabalho de Feierstein pretende esboçar a possibilidade de que o genocídio – pelo menos na sua forma mais ou menos recente – constitui uma prática social característica da modernidade (de uma modernidade que poderia ter os seus antecedentes ao final do século XV – 1492, talvez –, mas cuja aparição definitivamente moderna se centra nos séculos XIX e XX). Assim, não se trata somente do “aniquilamento de populações”, mas do modo peculiar com que isso é levado a cabo. Os tipos de legitimação a partir dos quais se logra consenso e obediência, as consequências que produz – a morte ou a sobrevivência – nos grupos vitimizados e também as consequências nos mesmos perpetradores e testemunhas, que veem modificadas suas relações sociais a partir da emergência dessa prática.

A ideia de conceber o genocídio como uma prática social evita aquelas perspectivas que tendem a coisificar os processos genocidas, equiparando-os a fenômenos climáticos naturais (ou que formariam parte de certa natureza do homem) e que seriam algo assim como um “exabrupto” nessa natureza. Uma prática social implica um processo levado a cabo por seres humanos e requer modos de treinamento, aperfeiçoamento, legitimação e consenso que diferem de sua prática automática ou espontânea.  Uma prática social genocida, então, é tanto aquela que tende e/ou colabora no desenvolvimento do genocídio como aquela que o realiza simbolicamente através de modelos de representação ou narração dessa experiência. Essa ideia permite conceber o genocídio como um processo que se inicia muito antes do aniquilamento e que se encerra muito depois, mesmo que as ideias de início e conclusão sejam relativas a uma prática social.  O conceito de genocídio, embora apareça pela primeira vez no nível legal na Convenção para a Prevenção e a Sanção do Delito de Genocídio aprovada pelas Nações Unidas em dezembro de 1948, tem sua história iniciada no direito internacional um par de anos antes, com a resolução 96 (I) das Nações Unidas, pela qual se convocava os Estados membros a reunir-se para definir esse novo tipo penal, como consequência direta dos assassinatos massivos levados a cabo pelo nazismo. Essa resolução declara que:

El genocidio es la negación del derecho a la existencia de grupos humanos enteros, como el homicidio es la negación del derecho a la vida de seres humanos individuales; tal negación del derecho a la existencia conmueve la conciencia humana, causa grandes pérdidas a la humanidad en la forma de contribuciones culturales y de otro tipo representadas por esos grupos humanos y es contraria a la ley moral y  al espíritu y los objetivos de las Naciones Unidas. Muchos crímenes de genocidio han ocurrido al ser destruidos completamente o en par-te grupos raciales, religiosos, políticos y otros. El castigo del crimen de genocidio es cuestión de preocupación internacional. (FEIERS-TEIN, 2008, p.38)

Cabe destacar que o genocídio de grupos políticos se encontrava presente nessa resolução, e o que resulta ainda mais importante, se definia o crime em analogia com o homicídio, estabelecendo as características do fato pela tipologia da ação (morte coletiva frente à morte individual) e não pelas características da vítima. Essas características são citadas apenas para dar um exemplo: raciais, religiosas, políticas e outras, onde o termo “outras” completa a tipificação ao estabelecer que não é a identidade da vítima a que especifica o delito, senão as características da ação material cometida.  Porém, no marco das discussões às que deu lugar o tratamento desse projeto, foi o próprio Raphael Lemkin quem expôs suas dúvidas acerca da inclusão dos grupos políticos entre aqueles que deviam ser protegidos pela Convenção, dado que se afirmava que esses grupos “carecem da persistência, firmeza ou permanência que outros grupos oferecem”. Muitos dos próprios estados que assinavam a Convenção disseram que a inclusão dos grupos políticos poderia pôr em risco a aceitação desta por parte de grande quantidade de estados, porque estes não queriam envolver a comunidade internacional nas suas lutas políticas internas. Outras posições sustentaram que a inclusão dos grupos políticos abriria portas para a proteção de outros grupos, como os econômicos e profissionais.  Apesar das propostas prévias postularem o contrário, os grupos políticos foram finalmente excluídos da definição na sua última versão, na qual culminou a passagem de uma primeira definição “extensiva” a uma cada vez mais restritiva. Por outra parte, a restrição estabelecida finalmente na Convenção resultou arbitrária, ao incluir-se dentro dos “grupos protegidos” a quem possui uma “ideologia religiosa”, mas não a quem compartilha uma “ideologia política”, quando – salienta Feierstein – ambos constituem, para além de suas importantes diferenças, dois sistemas de crenças.  Assim, chegamos à definição de genocídio:

1) se chamará genocídio pré-estatal toda prática social genocida vinculada à destruição de um grupo humano, realizada antes da existência dos Estados-nação modernos.  Genocídio moderno:

2) Genocídio constituinte: se refere à aniquilação cujo objetivo é a conformação de um Estado-Nação, o qual requer o aniquilamento de todas aquelas frações excluídas do pacto estatal, tanto as populações originárias como núcleos políticos opositores ao novo pacto estatal.

3) Genocídio colonialista: é o que envolve a aniquilação de populações autóctones, basicamente como necessidade de utilização dos recursos naturais dos territórios que ocupam e/ou como estratégia de subordinação da população originária, seja para tolerar a espoliação ou para utilizá-los como mão de obra.

4) Genocídio pós-colonial: se refere especificamente ao aniquilamento da população produto da repressão às lutas de liberação nacional.

5) Genocídio reorganizador: remete à aniquilação, cujo objetivo é a transformação das relações sociais hegemônicas ao interior de um Estado-Nação preexistente.

Este último tipo – o genocídio reorganizador – logra agir especificamente sobre as relações sociais no contexto de uma sociedade existente, com o objetivo de clausular aquelas relações que geram fricção ou mediações ao exercício do poder – contestatárias, críticas, solidárias – e substituí-las por uma relação unidirecional com o poder, através do procedimento da delação e da desconfiança. A ruptura das “relações de reciprocidade” entre os seres humanos constitui o objetivo central desta modalidade genocida que opera “reorganizando” a sociedade, estruturando outro tipo de vínculos hegemônicos.  As mortes do genocídio reorganizador cobram, por isso, o seu caráter de meios e já não de fins. O desaparecimento daqueles que encarnam determinadas relações sociais é condição necessária, mas não suficiente, para a clausura de tais relações. Na verdade, o processo se encontra dirigido ao conjunto social. O terror, nesta modalidade genocida, não opera tão somente sobre as vítimas, mas, fundamentalmente, sobre o conjunto social, buscando desterrar e clausular determinadas relações sociais e, ao mesmo tempo, fundar outras.  Nesse sentido, o nazismo traz uma nova modalidade na prática do genocídio: “Ya no sólo el surgimiento de un nuevo Estado, ya no sólo una política colonialista, sino que ahora el genocidio se estructura como un modo de transformar un Estado preexistente” (FEIERSTEIN, 2008, p.99-100). O nazismo tinha um arquétipo da vítima ideal, que  não era somente o judeu, mas o “judeu bolchevique”. Desse modo, se combatia o comunismo – o que favoreceu a conivência de tantos países no começo do Terceiro Reich – mas esse comunismo tinha caraterísticas raciais, isto é, originárias, radicais e inassimiláveis. O aparelho retórico do nazismo, que se apoiava no biológico, tornava a dissidência política um caso patológico. É esse modelo degenerativo que repete o terrorismo de Estado na Argentina da ditadura de 1976-1983. Tanto a “judeidade” na Alemanha dos anos 30 e 40 quanto o caráter “subversivo” na Argentina da década de setenta atentavam contra um modo de vida considerado tradicional e, pior, irreversível. Não é difícil pensar que o roubo sistemático de filhos de militantes desaparecidos, levado a cabo na Argentina por famílias militares, teve a cínica justificativa de uma salvação da criança por uma “reversão” da semente subversiva.

A comparação dos dois casos, o alemão e o argentino, realizada pelo autor, superou o que se chamou de a “unicidade” (uniqueness) do genocídio nazista. Esse caráter único outorgado ao holocausto, ou shoá, somente isolou essa experiência, declarando-a quase que ontologicamente irreproduzível.

Nos dois casos comparados, tão importante quanto a aniquilação material do inimigo é sua aniquilação simbólica. É isso o que representa a negação da shoá. O que nunca deveu ser – a existência do “judeu bolchevique” –, nunca foi. Portanto, as câmeras de gás nunca existiram.

Na Argentina, o processo de negação se encarna na demonização absoluta dos que participaram da repressão. Tornar ao outro um monstro, torná-lo o “Outro absoluto”, o afasta da vida cotidiana. Mais uma vez, como no caso da  “unicidade” do genocídio nazista, o que aconteceu foi o delírio sádico de alguns poucos, contra a vontade e a credulidade geral. O que coroa esse mecanismo de negação é a “angelização” da vítima: assim, o desaparecido na Argentina “não tinha feito nada”. Ao massacre absoluto só corresponde a inocência absoluta. Feierstein chama a atenção para o fato de que, desse modo, o genocídio cumpre seu objetivo: a negação simbólica das práticas de resistência políticas (FEIERSTEIN, 2008, p.129).

As leituras de Hanna Arendt e Michel Foucault ecoam claramente no livro. A noção de um poder produtivo com uma ideologia do terror como argumento de coesão e coerção social não é algo tão estranho para nós nestes tempos chamados de “terrorismo globalizado”.

Sabemos que os números e a política sempre mantiveram uma relação perversa da qual a estatística é seu filho bobo. Talvez seja importante pensar que, considerando o genocídio uma prática que procura a reorganização de uma sociedade, aquilo torna algo um massacre premeditado não é o número de suas vítimas, senão as características destas.

Isto é importante sobretudo no Brasil, onde todo debate sobre desaparecimento e tortura na última ditadura é rapidamente abafado com a magra escusa, que mal esconde uma ameaça, de que nos países vizinhos foi muito pior

Referências

FEIERSTEIN, D. El genocidio como práctica social. Entre el nazismo y la experiencia argentina. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2008. 405p.

Horacio Luján Martínez – Professor-adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Cascavel, Paraná. E-mail:  [email protected]

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