Práticas de pesquisa em história | Tania Regina de Luca

Sabe-se que os ofícios dedicados à pesquisa apresentam diversas dificuldades em suas execuções, e o processo de formação do conhecimento histórico e suas investigações não seriam divergentes. Devido a essa adversidade, o grupo PET- História (Programa de Educação Tutorial) da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp, Campus de Franca, teve contato com reflexões elucidadoras por meio da obra Práticas de pesquisa em história (2020) dá Prof.ª. Drª. Tânia Regina de Luca, que além de seus estudos em metodologia da pesquisa histórica, debruça-se também sobre a História do Brasil Republicano, área na qual é Livre Docente desde 2009, na Faculdade de Ciências e Letras de Assis. Esta referida produção, a qual está contemplada em uma coletânea de textos da editora Contexto que estampa diversos temas da História, tem em seu cerne a intenção de demonstrar os métodos e procedimentos que constituem – de maneira extremamente didática devido aos exemplos presentes na obra – a produção histórica, com a finalidade de impulsionar esta missão disposta aos historiadores.

Já de início pode-se perceber a preocupação da autora ao ressaltar aspectos consagrados para a atual Academia a respeito da História e do discurso historiográfico, como a proposição da reescrita da história, apoiada nas reflexões feitas pela primeira geração da escola francesa dos Annales, principalmente a partir do historiador Marc Bloch (1886-1944). De acordo com De Luca, a História está completamente afastada de ser estática, noção longe da perspectiva de ser o passado sujeito a alterações, e sim interligada à mudança do conhecimento acerca dele, devido às interpretações e sentidos serem variáveis e dependerem da demanda do tempo presente do historiador, que claramente mudam de acordo com as gerações, conferindo assim a mutabilidade do discurso histográfico, também denominada historicidade. Esta ponderação é imprescindível para a prática em pesquisa de história, primordialmente aos discentes no início de suas considerações a respeito de temas para a pesquisa, por demonstrar que, apesar de se ter um grande acervo sobre a suas possíveis reflexões ou próximas a elas, a pertinência de seus projetos é intacta devido o tempo de escrita ser diferente e logo, seus pareceres a respeito do objeto são distintos dos demais. Leia Mais

Práticas de pesquisa em história | Tania Regina de Luca

Scenes de la vie des arrageois au XVIe siecle
Scènes de la vie des arrageois au XVIe siècle – Charles Hoffbauer  (Detalhe de capa de Práticas de pesquisa em História | Imagem: Domínio Público

Como iniciar uma pesquisa em História? Qual a diferença entre documento e fonte? O que é método? Qual enquadramento teórico-conceitual devemos utilizar na pesquisa? Como se define um recorte cronológico? E o recorte temático? Como chegar a um problema de pesquisa? Essas são algumas perguntas, entre muitas outras insondáveis, que todo(a) pesquisador(a) de História se faz no momento em que a realidade da pesquisa científica se avizinha. À tais dúvidas que assomam nossas mentes, e que constituem verdadeiros enigmas, a professora Tânia Regina de Luca procura responder em Práticas de Pesquisa em História.

O livro, cabe destacar, integra o projeto da Editora Contexto intitulado “História na Universidade”. O objetivo da coleção, que aborda períodos históricos que vão da Antiguidade à História Contemporânea, passando pela História da África e da Idade Média, entre outros, é divulgar pesquisas acadêmicas para um público amplo, ultrapassando os muros da universidade. Leia Mais

Práticas de pesquisa em história | Tania Regina de Luca

Tania de Luca 3
Tania Regina de Luca – 2016 | Foto: Memória do Pão de Santo Antônio

Tania Regina de Luca, professora do Departamento de História da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita, é conhecida historiadora da imprensa nacional e estrangeira. No livro Práticas de pesquisa em história (2020), parte da sua experiência de pesquisadora é compartilhada, “especialmente”, com “estudantes de graduação”. Trata-se de um clássico livro propedêutico de investigação histórica e de metodologia científica.

1 Praticas de Pesquisa em HistoriaO texto é estruturado em seis capítulos que exploram o fazer do historiador, a ideia de fonte histórica e os passos para a concretização de uma pesquisa acadêmica em história: recorte do objeto, seleção de fontes, construção do texto e do projeto de pesquisa. Segundo a autora, o objetivo da obra é “apresentar, de forma didática, procedimentos e métodos que distinguem a produção do conhecimento historiográfico e, desse modo, incentivá-lo a participar ativamente desse instigante desafio que é escrever História, elaborando e executando o seu próprio projeto de pesquisa.” (p.10-11). Leia Mais

Narrativas no eurocéntricas y su influencia en la enseñanza, investigación y producción histórica actual en los tiempos modernos y contemporáneos/Revista Escuela de Historia/2021

Tenemos el agrado de presentar la segunda entrega del dossier con los trabajos presentados a la mesa “Narrativas no eurocéntricas y su influencia en la enseñanza, investigación y producción histórica actual en los tiempos modernos y contemporáneos”, celebrada en el marco de las XI Jornadas de Historia Moderna y Contemporánea, organizadas por la Universidad Nacional de Sur en abril de 2021.

Si en el número anterior el hilo conductor que guio la selección fue la reflexión en torno a los encuentros iniciales entre europeos y no europeos que dieron lugar a relaciones de desigualdad, en esta ocasión el eje es la utilización de conceptos y categorías no eurocéntricas para analizar situaciones concretas vinculadas a la enseñanza y el abordaje de experiencias cuyos protagonistas son los sujetos tradicionalmente invisibilizados. Leia Mais

El hilo de Ariadna. Propuestas metodológicas para la investigación histórica | Claudia salomón Tarquini, Sandra R. Fernández, María de los Ángeles Lanzillotta e Paula I. Laguarda

En el marco de una conversación entre Pierre Bourdieu y Lutz Raphael propuesta por la revista Geschichte und Gesellschaft en octubre de 1989, el sociólogo francés lamentaba que los historiadores (sobre todo, los de la tradición annaliste) se esforzasen por escamotear los secretos de fabricación propios del oficio e hiciesen de su práctica – tanto en lo referido al uso de conceptos como al de sus técnicas y metodologías– una suerte de cifrado aristocrático. Con tal arcano, según Bourdieu, los historiadores no hacían más que disimular la distinción de sus métodos puesto que cualquier aprendizaje del oficio, lejos de toda posible democratización, sólo se podía adquirir con el tiempo. A esta misma situación de vacío aluden las editoras de El hilo de Ariadna cuando recuerdan con pesar la típica expresión “a investigar se aprende investigando” y para cuyo extremo empirismo el único consejo que suele ofrecerse a la hora de poner manos a la obra más bien parece un penoso subterfugio: “lo usual en estos casos”.

A diferencia de lo que ocurre con el resto de las ciencias sociales donde la profusión de manuales metodológicos nunca ha cesado, los de metodología histórica – otrora esenciales para consolidar la cientificidad de la disciplina entre fines del siglo XIX y la primera mitad del XX, aunque con piezas normativas demasiado obsesionadas con la búsqueda policial del error como las de Bernheim o de Langlois y Seignobos– fueron cayendo en un paulatino descrédito hasta desaparecer casi por completo del horizonte de producción de los historiadores. Si bien los niveles de especialización han imposibilitado todo conato por unificar criterios comunes entre áreas de investigación histórica cada vez más atomizadas –algo de lo que da cuenta la obra que reseñamos–, lo cierto es que cualquier remedo metodológico pasó a ser visto en historia como un pecado determinista, como una invasión de las huestes especulativas sobre la experiencia de los agentes o, en suma, como un facilismo pedagógico que sólo buscaba uniformizar la densidad de una noble y compleja tarea. Tan sólo persistieron como de soslayo algunos manuales –en el ámbito hispanoparlante, el tratado de Julio Aróstegui, citado con frecuencia en El hilo de Ariadna, es uno de ellos– mientras otros sobrevivieron a riesgo de permanecer anclados en campos muy específicos, pero siempre utilizados de forma recóndita como sospechosos insumos universitarios. Así pues, salvo por aquel período “metódico” (durante el cual sólo se avanzó sobre las técnicas, pero no sobre la teoría) y tras las posiciones antihegelianas (más aparentes que reales) de Ranke, tras las invectivas de Lucien Febvre contra la filosofía (en realidad, de la historia) o, inclusive, tras las querellas del marxismo británico de corte thompsoniano con su alegato de lo empírico y el work in progress como única opción para devenir historiador profesional, se fue configurando en nuestra disciplina un sentido común según el cual era posible y hasta deseable prescindir tanto de la formalización metodológica explícita (que sólo comienza cuando el aspirante a historiador emprende su tesis) como de la reflexividad teórica (que, por lo general, nunca se realiza) puesto que ambas, cual bestia bicéfala, parecían sólo dirigidas a prescribir la libertad de toda investigación. Leia Mais

Práticas de pesquisa em História | Tania Regina de Luca

Práticas de Pesquisa em História (2020), escrito pela Profª. Drª Tania Regina de Luca (UNESP), finaliza a coleção História na Universidade (2020), da Editora Contexto, que teve, em seu conselho, De Luca, Prof. Dr. Paulo Miceli (UNICAMP) e Profª. Drª. Raquel Glezer (USP). Mestre e Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo, professora de cursos de graduação e do programa de pós-graduação em História da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Assis, e, pela Contexto, “[…] é organizadora dos livros História da imprensa no Brasil e O historiador e suas fontes e coautora dos livros Nova História das mulheres no Brasil, Fontes históricas e História da cidadania” (DE LUCA, 2020, Orelha do livro), nesta obra, à convite da editora, De Luca busca responder: por onde começar uma nova pesquisa em História?

Voltada ao público de graduação, sem pretensão de ser, ou tornar-se, um receituário de História, a obra convida o leitor a

[…] percorrer um amplo panorama que tem por finalidade apresentar, de forma didática, procedimentos e métodos que distinguem a produção do conhecimento historiográfico e, desse modo, incentivá-lo a participar ativamente desse instigante desafio que é escrever História, elaborando e executando seu próprio projeto de pesquisa (DE LUCA, 2020, p. 11). Leia Mais

History in the age of abundance? How the web is transforming historical research | Ian Milligan

En History of the age of abundance? How the web is transforming historical research, Ian Milligan sostiene que enfrentamos un cambio de escala en el registro histórico que fue afectado, sobre todo, por la llegada de los repositorios nacidos digitales. En términos del autor, la edad de la abundancia o la era de la Big Data implican un acceso a los datos de una magnitud inabordable con los métodos tradicionales, pues actualmente son incluidas en la web los relatos de millones de personas que antaño quedaban por fuera de la historiografía. La preocupación de Milligan se encuentra en relación con sus trabajos previos sobre la historia canadiense y las fuentes digitales. En efecto, el libro presenta un estilo de escritura en la que predominan ejemplos de pesquisas que ponen de manifiesto los desafíos del trabajo histórico.

Los primeros dos capítulos de la obra están centrados en un problema fundante de los estudios históricos de Internet: la naturaleza moderna, dinámica y personalizada de la web elude inherentemente la preservación. En Exploding the Library, el primer capítulo, Milligan presenta de manera acotada, pero precisa, conceptos claves como Internet, web, hipertexto y lenguaje de marcado, siempre acompañados de una breve genealogía de los mismos. La web es definida como un conjunto de documentos conectados que pierde su efectividad si se la considera a partir de secciones pequeñas y aisladas, de allí la principal dificultad en su conservación. Según el autor, el trabajo con archivos web involucra el manejo de ciertos conocimientos técnicos ya que si no se archivan todas las páginas que se encuentran por detrás de los enlaces de un sitio, gran parte de la información se pierde. Lo mismo sucede con el lenguaje de marcado HTML que permite entender de qué manera se escriben las páginas web, ya que es aquello que codifica los recursos multimedia que se muestran en los navegadores. Sin embargo, esto no es ninguna novedad para la historia, dice Milligan, pues aprender a leer el código de marcado es similar a los estudiosos clásicos que aprenden griego o latín para comprender sus fuentes. Leia Mais

A pesquisa histórica em trabalho e educação – CIAVATTA; REIS (TES)

CIAVATTA, Maria; REIS, Ronaldo Rosas (Orgs.). A pesquisa histórica em trabalho e educação. Brasília: Liber Livro Editora, 2010, 200 p. Resenha de: DAMASCENO, Rosangela Aquino da Rosa. Revista Trabalho, Educação e Saúde, v.12, n.1, Rio de Janeiro, jan./abr. 2014.

A coletânea dos organizadores Maria Ciavatta e Ronaldo Rosas Reis apresenta estudos e pesquisas desenvolvidos no âmbito do Programa de Cooperação Acadêmica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Procad/Capes) que resultam de cinco pesquisas, duas teses e uma dissertação. Estruturado em duas partes – a primeira, “Trabalho e educação: interfaces com a história e a arte”, e a segunda, “Trabalho e educação: a indústria, seus processos e ideologias” -, o livro é permeado de registros sobre a produção da existência humana, mais especificamente no que tange à pesquisa histórica em trabalho-educação.

Conduzindo o olhar para os centros de memória, observa-se que eles se constituem para a preservação das múltiplas memórias e integram um espaço estimulador de reflexão do fazer histórico dos vários segmentos sociais. Em um entendimento mais aprofundado de cidadania, a memória torna-se processo de construção da identidade, porque contribui para a formação cultural, compreensão do real e análises da evolução de lutas sociais que se desenvolvem no tempo e no espaço.

A pesquisa “Arquivos da memória do trabalho e da educação: centros de memória e formação integrada para não apagar o futuro”, de Maria Ciavatta, expressa os resultados de uma pesquisa mais ampla, da qual foram selecionados os seguintes recortes: a historicidade do conceito de formação integrada nos debates político-pedagógicos; arquivos escolares e centros de memória sobre a escola e o trabalho; a memória fotográfica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis, unidade Rio de Janeiro (Cefetq), e o Centro de Memória do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (Cefet/RJ). Partindo dessas abordagens, a autora situa a história em sua relação espaço-tempo e defende a importância do registro na construção da identidade de grupos sociais. A questão da relação trabalho-educação é dissecada no espaço das escolas de ensino médio-técnico de forma contextualizada, com a proposta, sobretudo, de discussão e reflexão sobre o tema da formação integrada. Assim, a escola, em toda a sua complexidade, cenário de lutas ideológicas, se inscreve com todas as suas tensões e mediações como ‘lugar de memória’.

Nesse contexto, a falta de políticas e fomento para criação de espaços destinados à guarda de acervo e à preservação do patrimônio colabora de forma ostensiva para os apagamentos da memória institucional, o que o texto em diversos momentos flagra. O estudo aponta ainda a memória do trabalho e da educação como um tema pouco explorado. Ressalta também a pesquisa à luz das fotografias, realizada nos centros de memória do Cefetq e do Cefet/RJ, como uma fonte de pesquisa social que precisa constituir-se num movimento de intertextualidade com outras fontes. Em suas considerações finais, alerta: “o primeiro pressuposto da formação integrada é a existência de um projeto de sociedade” – e defende o centro de memória “como elemento aglutinador, gerador de coesão social”.

Ainda na primeira parte do livro, Jorge Gregório da Silva apresenta o artigo “A reconstrução dos caminhos da educação profissional em Manaus (1856-1877): refletindo sobre a criação da Casa dos Educandos Artífices”, no qual, sob a lente do materialismo histórico, busca desvelar as categorias recorrentes no discurso sobre trabalho e educação em Manaus. Partindo de um levantamento baseado em uma pesquisa documental e uma pesquisa bibliográfica, revela que a Casa dos Educandos Artífices alicerçou sua proposta pedagógica em um detalhado plano de organização didática e administrativa da educação escolar. Para esta publicação, o autor dividiu seu estudo em três seções: trabalho e capital: antecedentes históricos do projeto de educação profissional em Manaus; a criação da Casa dos Educandos Artífices de Manaus; os efeitos das categorias de análise no processo histórico de construção da educação profissional em Manaus (1856-1877). As reflexões sobre estas questões, notadamente, mobilizam uma argumentação que se alimenta no protagonismo do ideário marxista.

No artigo “Trabalho, arte e educação no Brasil – notas de pesquisa: sobre a dualidade no ensino de arte”, Ronaldo Rosas Reis coaduna as interfaces da arte com a história. Ao apresentar o contexto do trabalho desenvolvido, ressalta que há alguns anos pesquisa as relações sociais entre produção artística e o ensino de arte no Brasil. De forma analítica, introduz três notas sobre as investigações: nota explicativa, sobre o sistema de belas-artes; nota 1, sobre a Escola de Arte e de Ofícios numa sociedade ‘modernizada’; nota 2, sobre a arte no modernismo; e nota conclusiva, a razão dualista, a arte e o ensino artístico. O resultado, uma fecunda obra com significativa contribuição para os estudos sobre educação e arte e trabalho-educação, descortina oportunidades para outros estudos e mediações sobre o tema.

Encerrando a primeira parte do livro, Maria Inês do Rego Monteiro Bonfim apresenta o artigo “Trabalho docente na escola pública brasileira: as finalidades humanas em risco”, organizado em duas seções: o capitalismo e as especificidades do trabalho de ensinar; e o Estado brasileiro e o enfraquecimento do trabalhador docente. Com ênfase, defende a ideia de que o trabalho docente é determinado historicamente pelo modo de produção capitalista e denuncia, de forma contundente, a expropriação do trabalhador docente ante a dominação e o controle hegemônico, reiterando a importância de se pensar o trabalho docente da escola pública em sua articulação com a dinâmica social no capitalismo da atualidade.

A segunda parte do livro é protagonizada pela relação trabalho-educação, em temas ligados à indústria, seus processos e ideologias. Abre a cena o trabalho de Arminda Rachel Botelho Mourão, comprometido em subsidiar estudos que trazem para discussão a universidade tecnológica no contexto das políticas de ciência e tecnologia. Assim, “Tecnologia: um conceito construído historicamente”, estudo indispensável por seu caráter de atualidade e relevância do tema, é explicitado nas seções: a técnica: diferentes concepções (a técnica como instrumento de uso; a técnica como entidade autônoma; e a técnica como produto histórico); discutindo a tecnologia; e a construção de uma nova visão tecnológica.

O trabalho de Eliseu Vieira Moreira, “A teoria da qualidade total como política educacional do capitalismo”, está estruturado didaticamente em duas partes. A primeira – a teoria da qualidade total: um novo simulacro transplantado para a educação básica – busca “entender que a materialidade histórica da transplantação ideológica da qualidade total, do campo empresarial para o campo educacional, se deu em quatro focos diferentes”. A segunda – a qualidade como categoria de controle da educação – mostra as políticas implementadas pelo Banco Mundial e outros organismos, visando ao ajuste estrutural e sua manipulação nas relações de trabalho. Contrapondo-se à teoria da qualidade total, um projeto integralmente baseado na lógica do ideário neoliberal, o autor defende a ideia de uma qualidade na qual esteja inserida a qualidade de vida. Aportado em suas reflexões, filia-se claramente ao embate teórico, colocando-se frontalmente contra a transplantação da teoria da qualidade total no campo produtivo-empresarial para o campo das políticas educacionais. A pesquisa instiga a reflexão e a necessidade de se pensarem formas de intervenção e resistência ao modelo perverso e excludente ditado pelo ideário neoliberal.

Em “Crescimento econômico do capital, emprego e qualificação profissional no Amazonas”, Selma Suely Baçal de Oliveira debruça-se sobre a questão do desemprego, analisando as modificações impostas pelos atuais padrões do processo produtivo – competitividade e maior acumulação – presentes no conflito histórico entre capital e trabalho. O contexto da investigação desmembra-se nos temas metodologia e procedimentos; o debate teórico; o movimento do emprego/desemprego no estado do Amazonas no início do século XXI; e a indústria eletroeletrônica no Brasil e o contexto manauara. Com atenção aos processos metodológicos da pesquisa, promove um detalhado levantamento no qual analisa os indicadores de emprego e desemprego na Zona Franca de Manaus, no período de 2000 a 2003, com trabalhadores da categoria de eletroeletrônicos. Sua abordagem contempla a reflexão sobre as relações de trabalho e o contexto atual da disputa trabalho-capital. Alerta ainda para significativas mudanças no ‘mundo do trabalho’, em que destaco: a forte entrada do capital estrangeiro, o avanço tecnológico (automação da produção) e as perdas dos direitos sociais de cidadania conquistados pelo conjunto dos trabalhadores, cidadania essa preconizada pelo Estado em suas reformas.

A segunda parte do livro encerra-se com “Educação corporativa na indústria naval”, artigo de Antonio Fernando Vieira Ney. Notável por suas contribuições ao debate sobre educação corporativa, revela a manobra do capital para formar mão de obra do seu interesse. Para tal, lança seu olhar sobre a indústria naval e sobre como ocorre a divisão do trabalho nos estaleiros. Desdobra suas análises em questões como a conceituação de educação corporativa; a constituição da educação corporativa; as considerações sobre o trabalhador da indústria naval e a aplicação do tecnólogo na indústria naval. O autor elabora seu estudo com expressiva contribuição para pesquisadores da área trabalho-educação, trazendo à luz elementos que podem auxiliar na compreensão do interesse do capital em assumir a responsabilidade de formação profissional, abrindo um campo de possíveis reflexões e ações no espaço político.

Por fim, cabe o registro da percepção de uma costura ideológica e uma linha discursiva contra-hegemônica permeando as produções dos autores.

Rosangela Aquino da Rosa Damasceno – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]

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I sommersi e i salvati – LEVI (Nv)

LEVI Primo e SANVITALE Francesca
Primo Levi con la scrittrice Francesca Sanvitale in occasione di un’edizione del Premio Streg. Foto dii sconosciuto – http://www.corriere.it/

LEVI P I sommersi e i salvatiLEVI, Primo. I sommersi e i salvati. 2015. Resenha de: MENGONI, Martina. Isommersi e i salvati. Prima edizione scolastica commentata dell’opera di Primo Levi. Resenha de: MENGONI, Martina; MORI, Roberta. Novecento.org – Didattica dela storia in rete, 25 giu. 2019.

ANALISI LETTERARIA E MEDIAZIONE DIDATTICA

Obiettivo principale del lavoro di editing è stato la ricerca di risposte didatticamente soddisfacenti alle molte esigenze poste da una materia delicata e complessa come quella affrontata da Levi: come aiutare gli studenti a comprendere tutti i riferimenti presenti nel testo senza appesantire la pagina con note troppo estese? Come favorire una lettura  attiva e partecipe? Come stimolare la riflessione sui concetti-chiave? Infine, e soprattutto: come far capire ai ragazzi che I sommersi e i salvati non è un testo “imbalsamato”,  ma è capace di interrogare senza sosta il lettore, mettere in scena davanti ai suoi occhi contraddizioni insolubili, scandagliare con lucidità gli anfratti più dolorosi della storia del Novecento senza consegnare verità apodittiche?

Nel concepire la fisionomia generale del volume e il commento al testo, preziosi suggerimenti indiretti sono venuti dalle scelte compiute dall’autore in occasione dell’edizione scolastica del 1973 di Se questo è un uomo[1], curata dallo stesso Primo Levi e accolta nella collana einaudiana “Letture per la scuola media”. In quel frangente, lo scrittore aveva messo a punto, oltre alle note, una serie di strumenti allo scopo di rendere  l’opera pienamente accessibile al pubblico degli studenti delle scuole medie: una Prefazione ai giovani; due carte geografiche che mostravano rispettivamente la disposizione dei campi di concentramento nei territori occupati dalla Germania e l’insieme dei sottocampi presenti nella regione di Auschwitz; una bibliografia essenziale nella quale erano consigliate opere di carattere generale sul nazionalsocialismo e sulla persecuzione degli ebrei, insieme a documenti e testimonianze. In un’Appendice  ̶ aggiunta all’edizione scolastica nel 1976  ̶ Levi aveva raccolto le domande più frequenti che gli venivano rivolte dagli studenti durante gli incontri nelle scuole, formulando per ciascuna risposte che ancora oggi costituiscono una indicazione di metodo per quanti vogliano accostarsi alla didattica della Shoah.

L’ESEMPIO DI PRIMO LEVI: LE NOTE

Le note curate da Levi per l’edizione scolastica di Se questo è un uomo possono essere raggruppate in cinque diverse tipologie: note di traduzione delle espressioni in lingue straniere; note di spiegazione di termini tecnici desunti da lessici specialistici (medico, militare, scientifico, letterario, filosofico etc.) e dal gergo del campo; note storiche e geografiche; note che illustrano il funzionamento del Lager; note di auto-commento delle scelte lessicali e dei riferimenti intertestuali. Il programma di storia delle scuole medie degli anni Settanta si fermava alla prima guerra mondiale; l’apparato di note, la prefazione, la bibliografia dovevano quindi fornire ai giovani lettori sintetiche quanto indispensabili informazioni sulla geografia e sulla storia europee tra il 1918 e il 1945 aiutandoli nel contempo a comprendere le condizioni di vita all’interno di un Lager nazista.

L’EDIZIONE SCOLASTICA DE I SOMMERSI E I SALVATI

LE NOTE

Possono essere sussunte sotto sei diverse tipologie, alcune delle quali ricalcano quelle dell’edizione scolastica di Se questo è un uomo:

  1. note di traduzione dei termini stranieri;
  2. note di spiegazione di termini desunti da linguaggi specialistici e di vocaboli di derivazione colta e letteraria, oggi di uso raro (ad esempio “scherani”, “turpi”, “mendaci”, etc.);
  3. note storiche che coprono un arco cronologico che si estende dalla Prima Guerra Mondiale fino agli anni Ottanta del Novecento;
  4. note storico-biografiche che ricostruiscono nei tratti salienti la biografia dei tanti personaggi storici citati;
  5. note di spiegazione delle citazioni esplicite riconducibili alla cultura classica, ai testi biblici e alle fonti letterarie;
  6. note che chiariscono i diversi riferimenti culturali (libri, film, opere d’arte) cui l’autore ricorre per supportare alcuni passaggi argomentativi e per mettere in luce ulteriori sfaccettature del discorso.

Non sono state aggiunte al testo note di tipo critico-interpretativo per non sovrapporre la voce delle curatrici alla voce dello scrittore, e per non limitare le capacità interpretative degli studenti incanalandole in un’unica direzione.

L’INTRODUZIONE

Intende offrire agli studenti un resoconto accessibile delle ultime ricerche sulla genesi, la struttura, gli stili e l’impianto retorico de I sommersi e i salvati. L’ultimo libro di Levi è innanzitutto ricondotto alla sua prima gestazione, negli anni Sessanta, quando l’autore intratteneva uno rapporto vivo e diretto con i suoi lettori tedeschi. Al contempo, il libro non avrebbe visto la luce senza il dialogo ininterrotto con gli studenti delle scuole medie inferiori e superiori: “Sono stato in più di centotrenta scuole” scrive Levi nel 1979. Gli studenti sono dunque il destinatario ideale de I sommersi e i salvati; l’ultimo e forse il più importante lascito analitico di Primo Levi è per loro, ed è questa la chiave per comprendere le scelte retoriche e argomentative del libro: un testo che fonde l’impianto saggistico con l’andamento narrativo, ricco di “figure” memorabili e insieme inesauribili, che rilanciano gli interrogativi filosofici, morali e storici posti dall’autore; un libro dal carattere socratico, concepito come un tentativo di ripristinare la complessità di una vicenda storica, sociale, culturale: “una segnaletica di problemi”, come lo ha definito la storica Anna Bravo.

LA BIOGRAFIA E L’APPENDICE DI APPROFONDIMENTO

Abbiamo inoltre assunto l’idea, già presente nella curatela di Levi, che per aiutare il pubblico scolastico a orientarsi nella storia dello sterminio non sia sufficiente annotare tutti i termini che richiedono un supplemento di spiegazione, ma siano indispensabili supporti specifici: per questa ragione, oltre all’introduzione e all’apparato didattico, il volume comprende una sintetica biografia di Levi ed è completato da un’appendice di approfondimento sui campi di concentramento e di sterminio. Nell’appendice è stata inserita una delle due carte geografiche comparse nell’edizione scolastica del 1973 di Se questo è un uomo, nella quale  appaiono evidenziati i  Lager citati ne I sommersi e i salvati.

GLI ESERCIZI SUL TESTO

Agli esercizi presenti nel volume è affidata la funzione interpretativo-critica, non assolta da specifiche note al testo. Suddivisi per capitoli, sono pensati per mettere a fuoco i nodi fondamentali dell’argomentazione di ciascun tema, per proporre possibilità interpretative grazie alla giustapposizione con altri testi della tradizione letteraria e filosofica e per stimolare su di essi una riflessione attiva sotto forma di analisi lessicale e stilistica, di rielaborazione dei contenuti, di confronto intertestuale.

L’ANALISI LINGUISTICA

Gli esercizi di analisi testuale mirano  ad ampliare il bagaglio linguistico degli studenti attraverso la riflessione sulle scelte dell’autore e l’approfondimento dei lessici specialistici; sul versante stilistico sono proposte soprattutto analisi di figure retoriche notevoli (similitudini, metafore, ossimori etc.) grazie alle quali è possibile pervenire a una comprensione piena delle stratificazioni semantiche presenti nel testo. Tra gli esercizi linguistici ne segnaliamo uno relativo al capitolo Comunicare, che promuove una riflessione sul fenomeno della “violenza fatta al linguaggio” nella Germania hitleriana e in particolare sul Lagerjargon, il gergo degradato parlato nei campi al quale il filologo ebreo Victor Klemperer dedicò pagine imprescindibili nel suo studio sulla lingua del Terzo Reich intitolato LTI (Lingua Tertii Imperi)[2]. Si richiede agli studenti di fare un piccolo “esperimento Klemperer” usando come libro-serbatoio I sommersi e i salvati  e di costruire un glossario dei termini del Lagerjargon che potrà poi essere ampliato prendendo in esame anche altri testi, ad esempio Arcipelago Gulag[3] o lo stesso libro di Klemperer.

LA RICERCA STORICA

Alcuni esercizi comportano invece da parte degli studenti lo svolgimento di una vera e propria attività di ricerca storica. È questo il caso di un esercizio del capitolo La memoria dell’offesa in cui si  propone di stilare una lista delle testimonianze scritte dai carnefici nazisti, distinguendo fra quelle pubblicate prima del 1986 e quelle pubblicate successivamente, e di due esercizi riferiti rispettivamente ai capitoli Intellettuale ad Auschwitz e Lettere di tedeschi. Il primo suggerisce di compiere una breve ricerca su tre intellettuali che, in misura diversa e con diversi gradi di colpa, si resero complici del Terzo Reich, quali Martin Heidegger, Johannes Stark e Micheal von Faulhaber; nel secondo si chiede di ricostruire la biografia di Albert Speer, “l’architetto di Hitler”.  Quando possibile, negli esercizi si consiglia di far seguire all’attività di ricerca, individuale o di gruppo, un momento di restituzione condivisa e di discussione in classe, affinché il confronto fra pari consolidi e fissi le conoscenze acquisite e alleni alla discussione.

CONFRONTI E COLLEGAMENTI

La  storia del Novecento non è l’unico ambito a cui approdano le consegne degli esercizi: infatti l’apertura interdisciplinare de I sommersi e i salvati permette di spaziare fra saperi diversi e di stabilire collegamenti per nulla scontati fra ambiti apparentemente lontani fra loro. Un gruppo di esercizi disseminati nei sette capitoli dell’opera mette in contatto I sommersi e i salvati  con testi di altri autori o con opere diverse dello stesso Levi; gli accostamenti interessano generi ed epoche differenti: ad esempio la riflessione sull’uomo come animale gregario nel capitolo La zona grigia offre il pretesto per un confronto con le nozioni di animale sociale, gregario e monadico contenute nella Politica di Aristotele[4], mentre in un esercizio riferito al capitolo Stereotipi il fulcro dell’attenzione si sposta sul rapporto fra reduci e racconto del passato attraverso l’analisi delle figure di Ulisse nell’Odissea e di Francesca da Rimini nella Divina commedia.

LA RIFLESSIONE SUL PRESENTE

Nello stesso capitolo è presente una proposta di attività in classe il cui obiettivo è quello di avvicinare le questioni dibattute nel libro al presente degli studenti. Si richiede infatti di compilare un elenco di domande che si vorrebbero rivolgere a Levi oggi e poi di discuterne in classe. In seguito i ragazzi sono invitati a leggere l’Appendice all’edizione scolastica di Se questo è un uomo del 1976 e a confrontare le domande formulate da loro e quelle poste dagli studenti degli anni Sessanta e Settanta.  L’esame comparato  delle due liste di domande consente di mettere a fuoco i tratti salienti della diversa ricezione degli stessi contenuti da parte di generazioni di lettori differenti e al tempo stesso di studiare, per mezzo di un esempio concreto,  l’evoluzione delle forme culturali che determinano sia le modalità di lettura e di rielaborazione individuale sia l’approccio didattico ai testi, trasmesso  dai docenti.

IL FASCICOLO PER L’INSEGNANTE

Al volume annotato de I sommersi e i salvati si accompagna un fascicolo omaggio riservato agli insegnanti. Il fascicolo si compone di tre sezioni: 1) una serie di percorsi di apprendimento cooperativo, cinque in tutto, su alcuni temi chiave del libro; 2) undici percorsi di analisi guidata di testi di Primo Levi, sul modello delle prove di tipologia A e B dell’esame di stato; 3) una ricognizione bibliografica e sitografica sulla figura di Primo Levi, sulla storia della Resistenza e della deportazione e sulla didattica della Shoah.

L’APPRENDIMENTO COOPERATIVO

Nella prima sezione sono proposti cinque percorsi di apprendimento cooperativo aventi ciascuno un tema che prende spunto da un capitolo de I sommersi e i salvati: tre sono incentrati sulla memoria, in tre differenti accezioni (memoria biologica, memoria collettiva, metafore della memoria); uno è dedicato alla zona grigia; l’altro allo stereotipo del prigioniero. Si è pensato a un lavoro a gruppi improntato su ricerca, azione e restituzione, da svolgersi direttamente sui testi, sulle immagini, sui video. I testi scelti spaziano dalla tradizione letteraria (Montale, Borges, Shakespeare, Dostoevskij), filosofica (Platone, Cicerone, Agostino, Bergson, Freud, Arendt), scientifica (Alexander Lurija) e storico-memorialistica (Massimo Mila, Luciana Nissim) con incursioni nel fumetto (Maus di Art Spiegelman, ma anche le vignette di prigionia di Ernesto Rossi) e nell’arte figurativa (il memoriale di Berlino, le Stolpensteine). Si propone anche la visione e la discussione di film e serie tv (Prison BreakBlack Mirror[5]) per riflettere sull’uso, stereotipato o originale, di alcuni dei temi scelti. I cinque percorsi si propongono come altrettanti itinerari interpretativi, costruiti però dagli studenti attraverso un rapporto attivo con il materiale testuale e audiovisivo.

Ciascun percorso è scandito in tre fasi: nella prima, la classe fruisce di un testo o di un video collettivamente; nella seconda fase, gli studenti sono divisi in gruppi, e ad ognuno è affidato un testo o un’immagine (o serie di immagini) da analizzare e approfondire. Nella fase finale, ciascun gruppo restituisce alla classe il proprio approfondimento, per innescare una discussione complessiva sul tema.

L’obiettivo è quello di far reagire alcuni brani di Levi – tratti dai Sommersi, ma anche da altre sue opere meno battute – con alcuni dei testi e degli autori più importanti della tradizione, ma anche di ibridarli con nuovi linguaggi contemporanei.

I CAPITOLI, I TEMI, I CONFRONTI

Il percorso dedicato alla zona grigia, ad esempio, assegna a sei gruppi di studenti sei temi presenti nell’omonimo capitolo de I sommersi e i salvati (l’isolamento e la mancanza di solidarietà, il contagio del male, la vicenda di Chaim Rumkowski, il decano del ghetto di Łódź, il giudizio morale sulla condotta dell’individuo, il male burocratico, il potere vicario) e li sviluppa arricchendo il punto di vista su di essi attraverso il confronto con voci provenienti dalla filosofia, dalla storia, dalla tradizione letteraria, dal fumetto. Gli studenti che si occupano della riflessione sull’isolamento e la mancanza di solidarietà approfondiscono un brano de Le origini del totalitarismo[6] di Hannah Arendt; il gruppo che affronta il discorso sul privilegio in Lager basa il suo ragionamento sugli input provenienti da una vignetta tratta da Maus[7] di Art Spiegelman e da un brano di un’intervista a Vladek Spiegelman, padre di Art; un estratto dell’intervista fatta dal regista Claude Lanzman a Benjamin Murmelstein[8], ultimo Decano del Consiglio degli Ebrei di Theresienstad, aiuta il gruppo che si occupa della figura di Chaim Rumkowski a osservare la storia del decano di Łódź da un’angolazione diversa rispetto a quella adottata da Levi; per indagare il problema del giudizio morale sulla condotta dell’individuo alcuni studenti si confrontano con la favola della vecchia e della cipollina tratta da I fratelli Karamazov[9] di  Fedor Dostoevskij, a cui Levi stesso fa riferimento nel suo libro; un brano de La banalità del male[10] di Hannah Arendt pone i ragazzi faccia a faccia con il concetto del male “burocratico”, quello perpetrato dai funzionari pronti a mettere la loro firma in calce a qualsiasi provvedimento emanato dallo Stato nazista; la forza di corruzione del potere, fenomeno presente in tutte le collettività umane, è esemplificata da alcuni versi dell’opera Misura per misura di William Shakespeare citati dallo stesso Levi.

Un altro esempio utile per comprendere lo sforzo di collocare il testo leviano al crocevia di linguaggi e discipline diverse è offerto dal percorso di apprendimento cooperativo sulla figura del prigioniero,  che forse più di altri si fa portatore manifesto dell’intento ambizioso che percorre l’intera edizione scolastica: gli studenti, opportunamente guidati, possono imparare attraverso la lettura delle opere di Levi a interpretare e a interrogare il presente e non soltanto il passato. Il percorso si ricollega ai contenuti del capitolo Stereotipi, in cui l’autore riflette sul fatto che, con il passare del tempo, i giovani che incontra nelle scuole non riescono più a immaginare le condizioni fisiche e psicologiche dei deportati, l’annientamento del corpo che andava di pari passo con quello del pensiero; a questa immagine di tragica impotenza, con la quale le generazioni nate negli anni Sessanta e Settanta non sanno più rapportarsi, si contrappone  il mito del prigioniero che “spezza le catene”, diffuso dalla letteratura e dal cinema.  Per il  percorso di apprendimento cooperativo è stato affiancato a un testo tratto da Oro – (Il sistema periodico[11]) in cui Levi racconta la sua prigionia in Valle d’Aosta – un brano tratto da Ricordi della casa dei morti[12] di Luciana Nissim Momigliano sulla “morte interiore” dei prigionieri; insieme ad essi, è proposto un estratto da Le loro prigioni[13] di Massimo Mila, in cui l’intellettuale antifascista racconta – con una certa disincantata ironia – il periodo di prigionia a Regina Coeli, la difficoltà nello scrivere lettere che eludessero la censura, la noia, la lettura, le conversazioni, l’avidità di notizie sul presente. Il testo è accompagnato da una vignetta di Ernesto Rossi, che con Mila condivideva la cella in quegli anni. A questi testi si aggiunge la proposta di analizzare e commentare un film che Levi cita nel capitolo, Io sono un evaso[14] (1932), accostandolo a un altro film sullo stesso filone, uscito negli anni settanta, Fuga da Alcatraz[15] (1979), e a una serie tv recente, Prison break[16] (2005-2017). In modo diverso tutti e tre alimentano lo stereotipo del prigioniero forte e padrone di sé, che riesce a liberarsi e a fuggire, spezzando i propri vincoli. La scelta di autori come Nissim e Mila, così come della vignetta di Rossi, ha come obiettivo quello di far incontrare gli studenti con autori che probabilmente non conoscono; la proposta di Prison break, serie tv piuttosto conosciuta dagli adolescenti nati negli anni Duemila, è dettata invece dall’esigenza di creare un ponte fra contenuti eterogenei per abituare gli studenti a riconoscere non solo gli stereotipi storici, ma anche le costruzioni simboliche e i miti letterari che popolano l’immaginario contemporaneo, e a compiere un esercizio di analisi e di lettura del presente.

I PERCORSI DI ANALISI TESTUALE

I brani scelti per i percorsi di analisi del testo sono tratti da Il sistema periodico (racconti Zinco, Potassio, Nichel, Fosforo, OroVanadio), da La chiave a stella, da  Racconti e saggi, dalla raccolta di poesie Ad ora incerta, dall’Appendice Se questo è un uomo. Si è voluto infatti presentare agli studenti un ritratto a tutto tondo dello scrittore, che valorizzasse le molteplici sfaccettature della sua opera e mettesse in discussione la vulgata che considera Primo Levi esclusivamente un testimone – anzi, il testimone per eccellenza – passando sotto silenzio la straordinaria ricchezza di un percorso umano e intellettuale ramificato in molte direzioni e, proprio per questo, fuori dagli schemi.

I TESTI E LA PROSPETTIVA INTERDISCIPLINARE

La maggior parte dei testi tratti da Il sistema periodico ci mostra un Levi poco più che ventenne alle prese con le amicizie, con lo studio della chimica, con le prime esperienze lavorative, con le scelte che segnarono il suo destino e quello della  sua generazione, sullo sfondo dell’Italia del fascismo e della Seconda Guerra Mondiale. Per il pubblico scolastico questo è, per certi versi, un Primo Levi inedito con il quale è possibile stabilire un rapporto di maggiore vicinanza e forse anche di identificazione.

Se si prova a passare brevemente in rassegna alcuni esempi fra quelli contenuti nella sezione, ci si accorge che anche nei percorsi è adottata una prospettiva interdisciplinare che fonde letteratura, storia del Novecento e storia del costume, studio del pensiero scientifico e  riflessione sull’attualità.  La sezione si apre con un brano del racconto Zinco  in cui Levi, studente di Chimica nell’anno accademico 1938-39, dall’osservazione del comportamento della materia che ha tra le mani in laboratorio, trae alcune considerazioni sui concetti di “purezza” e di “impurezza” ricollegandoli alla propaganda antisemita dell’Italia fascista. Dopo aver svolto un’analisi guidata del brano, lo studente è invitato a sviluppare i concetti di “impurezza” e “diversità” mettendoli in relazione con le conoscenze scientifiche attuali.

Due analisi testuali  hanno come fulcro il tema del lavoro, declinato da due punti di vista differenti: la riflessione sui sentimenti individuali che legano l’uomo al suo lavoro quotidiano, sollecitata dalla lettura del brano di Nichel che racconta del primo vero impiego di chimico trovato da Levi; il confronto storico fra gli antichi mestieri artigianali, assai diffusi fino alla metà del secolo scorso, e il lavoro nella società contemporanea, condotto a partire dalla figura del padre di Tino Faussone,  protagonista del capitolo “Battere la lastra” de La chiave a stella.

Un altro percorso propone l’analisi della poesia Partigia, nella quale lo scrittore nel tracciare un bilancio dell’esperienza resistenziale sua e della sua generazione allarga il discorso dalla sfera storico-politica a quella esistenziale e invita quanti hanno combattuto la lotta contro il nazifascismo a tener saldi i valori che li hanno ispirati in quella stagione ormai lontana.

I due percorsi di analisi sul modello della prova d’esame di tipologia B (analisi e produzione di un testo argomentativo) hanno come oggetto due brani dell’Appendice a Se questo è un uomo. I temi portati all’attenzione degli studenti sono le radici storiche dell’antisemitismo tedesco e i motivi per cui l’opinione pubblica tedesca non “volle sapere” quanto stava accadendo nei campi di prigionia e di sterminio.

BIBLIOGRAFIA E SITOGRAFIA SULLA FIGURA DI PRIMO LEVI, SULLA STORIA DELLA RESISTENZA E DELLA DEPORTAZIONE E SULLA DIDATTICA DELLA SHOAH

Nella parte dedicata a Levi si è preferito suggerire, anziché contributi critici in senso stretto, testi che offrissero un punto di vista originale sulla biografia intellettuale dell’autore e che potessero essere proposti agli studenti, come ad esempio il graphic novel Una stella tranquilla: ritratto sentimentale di Primo Levi[17], di Pietro Scarnera, e l’Album Primo Levi[18], curato dal Centro Studi Primo Levi. Oltre ai testi, sono descritti siti nei quali si trovano materiali e approfondimenti su Primo Levi, come il “Laboratorio Levi”[19] (su Raiplay), una serie di interviste rilasciate dallo scrittore ai microfoni della Rai. La sezione sulla storia della Resistenza e della deportazione elenca e descrive le risorse on line messe a disposizione dagli istituti, dagli enti e dalle associazioni, italiani e internazionali, che si occupano di questi due temi e, più in generale,  di storia del Novecento. L’ultima parte della bibliografia ricostruisce per grandi linee il dibattito sulla didattica della Shoah che si è sviluppato a partire dagli anni Novanta del Novecento. Mentre nelle altre due sezioni i contributi citati sono disposti in ordine alfabetico, nell’ultima parte si è optato per un elenco in ordine cronologico per permettere ai docenti di orientarsi fra le diverse fasi del dibattito. Una riflessione preliminare sulla didattica della Shoah da parte dei docenti di Lettere e di Storia appare oggi più che mai necessaria: la bibliografia vorrebbe quindi facilitare l’acquisizione di una formazione specifica in materia, la quale va di pari passo con un incremento della consapevolezza delle implicazioni educative, cognitive e metodologiche connesse all’adozione di un determinato approccio didattico. Avere l’opportunità di vagliare l’ampia gamma di posizioni assunte dagli studiosi e le tante proposte di attività didattiche sul tema significa già, per il docente, iniziare a compiere quelle scelte che sente più congeniali rispetto alla sua sensibilità, alle sue competenze  e agli obiettivi formativi, al fine di trasmettere non un semplice insieme di nozioni, bensì un bagaglio di conoscenze complesse.

Note

[1] Primo Levi, Se questo è un uomo, Torino, Einaudi 1973, collana “Letture per la scuola media”.

[2] Victor Klemperer, LTI. La lingua del Terzo Reich. Taccuino di un filologo [1946], Firenze, Giuntina, 1998.

[3] Aleksandr Solzenicyn, Arcipelago Gulag, 1918-1956: saggio di inchiesta narrativa [1973], Milano, Mondadori, 2013.

[4] Cfr., in particolare, Aristotele, Historia Animalium, I, 488a e Politica, I, 1253a.

[5] Black Mirror, serie TV, di Charlie Brooker, Regno Unito, 2011- in produzione, cinque stagioni.

[6] Hannah Arendt, Le origini del totalitarismo [1951], Torino, Einaudi, 2004.

[7] Art Spiegelman, Maus [1972-1991], Torino, Einaudi, 2010.

[8] Claude Lanzmann, L’ultimo degli ingiusti. Intervista con Benjamin Murmelstein, ultimo Decano del Consiglio degli Ebrei di Theresienstadt, Milano, Skira, 2014

[9] Fedor Dostoevskij, I fratelli Karamazov [1878-1880], a cura di Igor Sibaldi, voll. I-II, Milano, Mondadori, 1994.

[10] Hannah Arendt, La banalità del male: Eichmann a Gerusalemme [1963], Milano, Feltrinelli, 2008.

[11] Per tutte le opere di Primo Levi citate si rimanda alle Opere complete, a cura di Marco Belpoliti, voll. I-III, Torino, Einaudi, 2016-2018.

[12] Luciana Nissim Momigliano, Ricordi della casa dei morti [1946] in Ricordi della casa dei morti e altri scritti, a cura di Alessandra Chiappano, Firenze, Giuntina, 2008.

[13] Massimo Mila, Le loro prigioni. Da Regina Coeli a Ventotene, «Il Ponte», V, 3, marzo 1949; ora in Scritti civili, a cura di Alberto Cavaglion, Milano, Il Saggiatore, 2011.

[14] Io sono un evaso, film, regia di Mervyn Le Roy, USA 1932.

[15] Fuga da Alcatraz, film, regia di Don Siegel, USA 1979.

[16] Prison Break, serie TV, di Paul Scheuring, USA 2005-2017,cinque stagioni.

[17] Pietro Scarnera, Una stella tranquilla: ritratto sentimentale di Primo Levi, Bologna, Comma22, 2013.

[18] Album Primo Levi, a cura di Roberta Mori e Domenico Scarpa, Torino, Einaudi, 2017.

[19] Cfr. https://www.raiplay.it/programmi/laboratoriolevi/   (URL consultato il 18/06/2019)

Martina Mengoni e Roberta Mori

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História & distopia: a imaginação histórica no alvorecer do século 21 – BENTIVOGLIO (RTF)

BENTIVOGLIO, Júlio César. História & distopia: a imaginação histórica no alvorecer do século 21. Serra: Milfontes, 2017. Resenha de: DILLMANN, Mauro. Fazer histórico-pós-moderno como atividade ética e filosófica diante de múltiplos passados. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 12, n. 1, jan.-jul., 2019.

Professor de Teoria da História na Universidade Federal do Espírito Santo, Júlio César Bentivoglio é autor do enxuto porém significativo livro “História & distopia”, publicado pela editora Milfontes, em 2017 (108 páginas). Nele o historiador aponta para as mudanças pelas quais a investigação do passado e os modos de entender e narrar a história sofreram ao longo do século XX, uma vez que tais tarefas (não apenas realizadas pelos historiadores) se depararam, nas últimas décadas, a uma abertura a muitos passados (possíveis, incontroláveis, diferentes) socialmente considerados. Esse reconhecimento teórico, filosófico e social da multiplicidade de leituras do passado abalou as certezas do conhecimento histórico e seus estatutos de verdade carregados desde o final do século XIX (p. 13). Bentivoglio defende que entre o final do século XX e início do XXI houve a emergência de uma “nova” imaginação histórica, de concepção pós-moderna e distópica. A história abandonaria o singular, a utopia, o passado totalizante, otimista, desejado e pacífico, tratando-se, a partir de então, de “histórias” elaboradas com pessimismo, preocupação, ceticismo, de passados incertos, indesejados, estilhaçados. Esta discussão sobre as novas concepções e possibilidades de produção de história se insere no debate contemporâneo da teoria da história, sendo que outros historiadores brasileiros também têm dedicado especial atenção ao tema.2 Embora dialogue relativamente pouco com a historiografia brasileira, Júlio Bentivoglio se aproxima bastante dessas reflexões, ao procurar problematizar um novo conceito de história e as apreensões contraditórias do passado no presente.

Situado nessa perspectiva que busca encarar a tradição disciplinar, o autor tem o mérito de trazer à discussão os entendimentos da história distópica. Por distopia, entende “um deslugar”, “um lugar e sua negação”, um “lugar em deslocamento” (p. 17), um “mau lugar”, “a desfiguração da própria possibilidade da utopia” (p. 85). Assim, o entendimento de passado, para os historiadores, seria múltiplo, e não um ponto fixo e pronto a ser localizado e recuperado. Nesse caso, destacam-se os diferentes modos de entender os passados, as discordâncias, as interpretações, os questionamentos, as tensões, as diversas narrativas, os variados discursos, os sentidos forjados, as capacidades de produção, as projeções. A história, as estórias e qualquer modalidade de consciência histórica seriam, portanto, distópicas.

Nesta reflexão, Bentivoglio destaca o principal elemento em pauta, que, por sinal, já é tema recorrente entre os historiadores: a concepção de história e o estatuto de verdade histórica. Trata-se de pensar a mudança de uma concepção de história pautada na “verdade”, no “correto”, na “certeza”, no massificado, no homogêneo, no singular para uma história pautada na suspeição da verdade, no “relativo a…”, nas possibilidades, nas incertezas, nas reconstruções, nas tensões, na multiplicidade, na heterogeneidade, na diferença.

Amparado em Hayden White e Frank Ankersmit, entre outros pensadores do século XX, Bentivoglio argumenta que o passado fixo, que ocupa um único lugar, um lugar de verdade, foi, já há algum tempo, questionado, reconhecendo-se a existência de passados possíveis a partir das possibilidades de imaginação. Passou-se de uma ideia de passado possível de ser esgotado para passados incompletos e imprecisos, acionados em espectros, a partir dos quais os historiadores tentam ordenar em narrativa. O autor traz como exemplo as narrativas construídas para explicar o passado recente brasileiro, especialmente a destituição da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, ora encarado como golpe, ora como impeachment numa disputa por esgotar, fixar ou representar esse passado (p. 19). Bentivoglio aponta claramente que “a narrativa jamais é um veículo neutro”, sendo necessário reconhecer a intenção do historiador-autor, que não esgota nem o passado nem o contexto construído, mas os inventa na tentativa de controlar e buscar consenso (p. 22). E essas invenções das histórias (note-se o plural) ocorrem no presente e dialogam com as formações discursivas vigentes, caracterizadas – entre outros aspectos – pelas disputas de sentido (p. 57). Assim, as narrativas históricas devem ser entendidas considerando o “universo do historiador”, o “seu estado de espírito”, a “sua urdidura do enredo”, as “suas ferramentas analíticas”, o “seu quadro teórico” (p. 91), suas posturas éticas e seus usos políticos.3 Além disso, na dinâmica da criação narrativa atual, Bentivoglio atenta para um aspecto importante na produção e difusão dos conhecimentos históricos “inventados”: o de que importa “menos saber se o historiador é marxista ou historicista e mais se suas análises são pertinentes ou eficazes” (p. 58).

A questão que se coloca atualmente na historiografia brasileira parece ser a de que os historiadores insistem na manutenção de suas ficções científicas utópicas que distopicamente controlam os passados possíveis reduzindo-os a lugares fixados por interpretações mais consagradas, ao passo que as narrativas distópicas que defendem passados alternativos são menos numerosas e bastante combatidas. Em contrapartida, a sociedade manifesta, visivelmente níveis significativos de ceticismo em relação ao passado típicos do presentismo. Ou seja, no Brasil, o realismo histórico resiste na universidade, mas não é convicção na sociedade. Diante desse quadro, nas narrativas construídas sobre o passado, científicas ou não, presencia-se, cada vez mais a descrença nas utopias (p. 58).

Nessa relação com o tempo marcada pela valorização do presente (o presentismo) e pela ânsia de passados, a narrativa dita histórica passa a ser reconstruída constantemente,4 dependendo dos interesses e das atribuições de significados por parte de indivíduos, grupos ou sociedades. Assim, espera-se uma narrativa que dê conta de explicar e compreender o passado e o presente de determinados contextos sob variadas argumentos: ou pela necessidade de entendimento do passado que não passa, ou pelo dever de memória, ou pela intencionalidade de justiça, ou pela reparação histórica, ou ainda pela possibilidade de aprender com erros e acertos no melhor estilo mestra da vida.

Para Bentivoglio, o predomínio do estranhamento entre passado e presente e a restrição de projetos eficazes de futuro possibilitaram “a abertura radical do passado, que hoje se apresenta como uma caixa de Pandora aos historiadores” (p. 56). Sobre os historiadores pairam desconfianças sociais, notadamente diante da ausência de consensos, e sobre a história, de modo geral, paira alguma descrença.5 Por conseguinte, as narrativas do passado não fornecem uma apresentação positiva de futuro – não todo e qualquer futuro, mas o futuro que pertence ao regime moderno de historicidade, enquanto locomotiva da história, como destacou Hartog6 – ao contrário, indicam perspectivas temerárias, céticas, incômodas e duvidosas (p. 82),7 embora a capacidade de produzir futuros (e de compreendê-los) tenha se multiplicado.8 De igual modo, Hartog9 já teria refletido sobre o sentido da história, enfatizando que “crer em história” não implica, necessariamente, “crer que ela tem um sentido”, ao passo que o fazer história pode se acomodar tanto à crença quanto à descrença. Então, se a história perdeu a capacidade de fornecer “guias para a ação transformadora”,10 é pertinente a constatação de Bentivoglio de que “as carências de sentido histórico têm sido preenchidas por curiosidades mais prementes do cotidiano” (p. 85).11 Encarando esses dilemas pós-modernos, Bentivoglio defende não apenas a história como ciência, mas também como arte. Aponta para o caráter narrativo (ficcional) da história, mas sem abandono dos ideais científicos e dos elementos de realismo que conferem reconhecimento social para os passados possíveis. São, para o autor, os limites éticos da ciência (histórica) e o entendimento de que fazer história é uma atividade filosófica, que permitem a construção de uma análise do passado despretensiosa em relação à “revelação” do “passado verdadeiro”. Amparado em Hayden White, o autor afirma que “toda história já é, em si, relativista; mesmo que seus autores não se proclamem relativistas” (p. 78-79). Assim, o conceito de história tradicional não daria conta das expectativas atuais na teoria da história, apontando, talvez de modo um pouco apressado, para “quatro pecados” da história moderna: reducionismo, funcionalismo, essencialismo e universalismo (p. 84).

A história hoje, numa perspectiva pós-moderna, traria expectativas muito mais difusas, relacionais e complexas. E a crítica à essa história distópica estaria na fragmentação temática e no risco do relativismo, este último, na verdade, localizado “nas discordâncias entre como se produz a história e o modo como ela é pensada” (p. 49). Ou o passado seria acionado em sua suposta integridade, ou seria construído em seu deslocamento, muito mais a partir da “cabeça dos historiadores” (p. 49). O autor defende que os historiadores, hoje, não podem deixar de considerar “como os fatos são retratados por meio da narrativa” e ainda que, nas suas estratégias narrativas, considerem os diferentes passados e seus deslocamentos (p. 79).

A história defendida por Júlio Bentivoglio é aquela que se constrói com pertinência, eficácia, afetividade e ética, incorporando o que chama de “fruição”, pois potencializaria “experiências subjetivas com o passado” (p. 88). A ética seria a tônica principal a limitar quaisquer “liberdades expressivas dos historiadores” (p. 91) na articulação das suas narrativas.

Em síntese, História & distopia é um livro inteligente, bem escrito, carregado de metáforas que permitem refletir, do início ao fim, sobre as possibilidades da escrita da história e da produção (não apenas por parte dos historiadores) de narrativas e sentidos para ela na contemporaneidade.12 Destaco a interessante relação estabelecida com a obra literária Frankenstein para comparativa e metaforicamente se referir às transfigurações do passado realizadas por narrativas históricas produzidas com imaginações distópicas. Embora algumas ideias sejam constantemente reforçadas ao longo do texto, a obra não perde seu tom primoroso e sua qualidade teórica de reflexão sobre o fazer histórico, podendo interessar a todos os historiadores e historiadoras – dos iniciantes aos mais experientes –, independente dos domínios específicos em seus campos de pesquisa.13

2 O historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior vem realizando, há tempos, inúmeras problematizações tanto sobre a crise da história como metanarrativa quanto sobre a conformação dos objetivos do saber histórico, entre os quais despontaria como fundamental a formação de subjetividades menos reacionárias às transformações de toda ordem (ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. História: a arte de inventar o passado. Bauru: Edusc, 2007). Um outro exemplo, mais recente, é do historiador Rodrigo Turin que tratou de pensar a crise da forma, do lugar, da identidade da história e a condição para elaboração de uma “nova imaginação disciplinar” (TURIN, Rodrigo. Entre o passado disciplinar e os passados práticos: figurações do historiador na crise das humanidades. Tempo, Niterói, vol. 24, n. 2, p. 186-205, maio/ago. 2018).

3 Veja-se o ensaio de Caroline Bauer e Fernando Nicolazzi, que apontam com perspicácia para os usos públicos e políticos da história. Eles consideram que hoje há um deslocamento da antiga questão sobre a “serventia” da história para os modos e as formas pelas quais a história é “usada” (BAUER, Caroline; NICOLAZZI, Fernando. O historiador e o falsário. Usos públicos do passado e alguns marcos da cultura histórica contemporânea. Varia História, Belo Horizonte, v. 32, n. 60, p. 807-835, set/dez. 2016, p. 819). Sobre ética, responsabilidade e função do historiador, veja-se também DUMOULIN, Olivier. O papel social do historiador: da cátedra ao tribunal. Trad. Fernando Scheibe. Belo Horizonte: Autêntica, 2017, p. 19-22 e TURIN, Rodrigo. Entre o passado disciplinar e os passados práticos, Op. Cit., p. 192.

4 Nesse sentido, veja-se HARTOG, François. Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do tempo. Trad. Andréa Sou de Menezes et. al. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 140; ROUSSO, Henri. A última catástrofe. A história, o presente, o contemporâneo. Trad. Fernando Coelho e Fabrício Coelho. Rio de Janeiro: FGV, 2016, p. 30.

5 Conforme HARTOG, François. Crer em História. Trad. Camila Dias. Belo Horizonte: Autêntica, 2017, p. 15-16.

6 Ibidem, p. 223.

7 HARTOG, François. Regimes de Historicidade, Op. Cit., p. 17-41.

8 Veja-se HARTOG, François. Crer em História, Op. Cit., p. 25; e também PEREIRA, Mateus; ARAÚJO, Valdei. Reconfigurações do tempo histórico: presentismo, atualismo e solidão na modernidade digital. Revista UFMG, Belo Horizonte, v. 23, n. 1 e 2, p. 270-297, jan./dez., 2016, p. 280-286.

9 HARTOG, François. Crer em História, Op. Cit., p. 23.

10 A analítica de Hartog (Crer em História, Op. Cit., p. 224) é inspirada em Marcel Gauchet.

11 A disciplina história, nesse sentido, tem perdido alguma legitimidade social e, segundo Turin, tem sido constrangida a justificar sua existência, sua inserção social, já que seu lugar institucional e “seu papel pedagógico são colocados em questão” (TURIN, Rodrigo. Entre o passado disciplinar e os passados práticos, Op. Cit., p. 196-197).

12 Um desses sentidos, curiosamente, tem sido o de recuperar consensos e lugares para a história. Guldi e Armitage destacaram: “Em qualquer momento de divergência política, a síntese histórica pode ajudar a recriar um consenso onde o consenso foi perdido” (GULDI, Jo; ARMITAGE, David. Manifesto pela história. Trad. Modesto Florenzano. Belo Horizonte: Autêntica, 2018, p. 183). Já Hartog (Crer em História, Op. Cit., p. 231), embora um tanto lastimoso pela decomposição do regime moderno de historicidade, defende a “capacidade de nossas sociedades” em “articular de novo as categorias do passado, do presente e do futuro, sem que venha a se instaurar o monopólio ou a tirania de nenhuma delas”. Entre os sentidos práticos e os sentidos disciplinares, a história parece estar à procura de uma nova inserção no presente, como destacou Rodrigo Turin ao se questionar sobre a capacidade das novas demandas sociopolíticas implicarem o “esvaiamento dos critérios internos” e “disciplinares legados pela tradição” (TURIN, Rodrigo. Entre o passado disciplinar e os passados práticos, Op. Cit., p. 192).

13 Tal afirmativa ganha relevância se considerarmos que estudos sobre a condição da história ainda seriam motivo de desprezo por parte da comunidade historiadora brasileira, mesmo que tenham sido crescentes as pesquisas sobre teoria da história e história da historiografia. Foi o historiador Temístocles Cezar, em recente publicação, quem destacou que “a regra geral” é “a despreocupação com os modos de pensar a prática do fazer do historiador” (CEZAR, Temístocles. Ser historiador no século XIX: o caso Varnhagen. Belo Horizonte: Autêntica, 2018, p. 178).

Mauro Dillmann – Endereço profissional: Rua Alberto Rosa, 154, Pelotas – RS. E-mail: [email protected]. Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pelotas. Instituto de Ciências Humanas – UFPEL.

Textquellen im Geschichtsunterricht. Konzepte – Gattungen – Methoden – SAUER (ZG)

SAUER, Michael. Textquellen im Geschichtsunterricht. Konzepte – Gattungen – Methoden. Seelze : Klett, Kallmeyer , 2018. Resenha de: KUCHLER, Christian. Zeitschrift für Geschichtsdidaktik, Berlin, v.18, p. 218-220, 2019.

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Geschichte im Internet – DANKER; SCHWABE (ZG)

DANKER, Uwe; SCHWABE, Astrid. Geschichte im Internet. Stuttgart : Verlag W. Kohlhammer, 2017. Resenha de: HODEL, Jan. Zeitschrift für Geschichtsdidaktik, Berlin, v.18, p. 201-202, 2019.

Acesso somente pelo link original

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Ensino de História: usos do passado, memória e mídia – ROCHA (RHH)

ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; RIBEIRO, Jaime; CIAMBARELLA, Alessandra (Org.). Ensino de História: usos do passado, memória e mídia. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2014. 280p. Resenha de: SILVA, Célia Santana. As noções de usos do passado e de cultura histórica como instrumental analítico para a prática e a pesquisa no Ensino de História. Revista História Hoje, v. 4, nº 8, p. 322-327 – 2015.

Os temas relacionados ao Ensino de História trazem reflexões que buscam enfrentar os desafios colocados atualmente pelas diversas demandas, temáticas e possibilidades para a história escolar. Qual história ensinar? Como equilibrar uma história que tem no seu projeto inicial um objetivo nacional com os interesses e expectativas dos sujeitos individuais e coletivos? São desafios que levam os pesquisadores a refletir sobre o uso social da história e suas interfaces entre o Ensino de História e a circulação social da história em diferentes esferas de produção, além de possibilitar considerações acerca dos usos do passado em variadas mídias. Isso significa também a ampliação de diálogos e olhares com e para a história pública, ou seja, as histórias que são produzidas para e além dos muros da escola.

O livro Ensino de História: usos do passado, memória e mídia é uma coletânea de artigos organizada em três partes, e resulta de uma iniciativa de pesquisadores que compõem e/ou dialogam com o Grupo de Pesquisa “Oficinas de História”.1 Organizado por Marcelo Magalhães, Helenice Rocha, Jayme Fernandes Ribeiro e Alessandra Ciambarella, o livro conta ainda com pesquisadores – Temístocles Cezar, Maria Lima, Angela de Castro Gomes, Aléxia Pádua Franco, Flávia Eloisa Caimi, Júnia Sales Pereira, Eucidio Pimenta Arruda e Rodrigo Bonaldo – vinculados a outras instituições universitárias, especialmente dos eixos Sul e Sudeste: Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, respectivamente (UFU, UFMG, UFF, UniRio, UFRGS e UPF).

São pesquisadores que alinham suas perspectivas com o intuito de discutir as interfaces entre Ensino de História e a circulação social da história por meio das diferentes mídias e usos do passado, identificando a complexidade da relação passado-presente no fazer histórico. Eles convidam os leitores para algumas reflexões que repercutem desde o campo epistemológico da história até questões relacionadas ao enfrentamento que os historiadores estabelecem no contexto das discussões atuais sobre os usos do passado. Partindo de temas vigentes os/as autores/as que assinam os artigos do livro apresentam questões direcionadas para se pensar o Ensino de História como prática social e propõem discussões importantes para a formação do profissional de história que investiga o ensino e seus desdobramentos como objeto da pesquisa histórica.

Informa-se que o principal objetivo do livro é promover um “diálogo produtivo entre discussões da historiografia e do ensino de história, elaborando de forma reflexiva as fronteiras entre campos de pesquisa e reafirmando as relações constitutivas entre o mundo acadêmico e o escolar no ensino de história”.

Para esses autores, devem-se ampliar as perspectivas do Ensino de História, considerado aqui como uma manifestação da história pública.

Dividido em três partes: “Diálogos entre a História e seu Ensino”, “Usos do Passado: a história escolar” e “Usos do passado: a divulgação histórica”, o livro apresenta 11 artigos que podem ser lidos individualmente, mas que também se complementam, pois tratam de temas em que o leitor pode exercitar interpretações diversas. Essa divisão se faz necessária para estabelecer diálogos, ampliar as discussões, e “superar os últimos cantões de encastelamento de uma história elitizada” no sentido de dar a conhecer a noção de história pública, que incorpore seus diversos públicos. A primeira parte apresenta alguns conceitos bastante atuais e mobilizados nas pesquisas sobre Ensino de História, tais como memória e mídia, regimes de historicidade e consciência histórica.

Na segunda parte o enfoque recai sobre as estratégias didáticas no Ensino de História e seus desdobramentos, as mudanças que ocorreram como resultado das políticas de avaliação dos livros didáticos de história. Por último, propõe-se discutir como as mídias estão presentes e se relacionam com o Ensino de História, tornando-se textos ou resultantes de produtos culturais diversos. São partes que dialogam mesmo sendo independentes, e percebe-se que as noções apresentadas em cada parte do livro atravessam toda a obra.

Instigando professores, pesquisadores, estudantes e diversos públicos da história à busca por temas diferenciados e adensando discussões antes não iniciadas ou mesmo tratadas com superficialidade, o livro possibilita, com uma escrita firme e consistente nos vários artigos, novos olhares para o Ensino de História. Fazendo uso de uma bibliografia atual e diversificada, percebe-se uma disposição dinâmica e arrojada em apresentar um livro irmanado com as pesquisas históricas do tempo presente. Partindo dessa premissa, nota-se como estão ocorrendo alguns dos muitos usos do passado no espaço escolar, como as diversas memórias estão sendo mobilizadas e como as várias mídias se constituem como estratégias para esses usos do passado e são entendidas como instrumentos utilizados para o Ensino de História no ambiente escolar.

Os artigos que compõem a parte “Diálogos entre a História e seu Ensino” versam sobre os tempos históricos, os regimes de historicidade, mas também analisam como os elementos do passado se fazem presentes na sala de aula mediante produtos culturais disponíveis no mundo social. São textos que demonstram uma densidade teórica e uma boa incursão historiográfica empenhada em contextualizar e problematizar alguns conceitos a partir da cultura histórica.

O Ensino de História vem se renovando, e os historiadores mostram essa renovação por múltiplos olhares. Na abordagem de “O sentido de ensinar história nos regimes antigo e moderno de historicidade”, Temístocles Cezar utiliza o conceito de regime de historicidade para apresentar as relações entre o passado, o presente e o futuro, destacando a necessidade de reflexões sobre o atual regime de historicidade no sentido de evidenciar o presente como fator determinante dentro da experiência histórica, configurando o que Hartog chama de presentismo. Helenice Rocha, em “A presença do passado na aula de História”, convida a observar como elementos do passado se fazem presentes na sala de aula, e como os professores fazem uso dos produtos culturais que tratam do passado e estão à disposição no mundo social.

Finalizando as discussões dessa primeira parte da coletânea, Maria Lima apresenta algumas reflexões que propiciam novos argumentos para uma discussão atual e pertinente no campo do Ensino de História, que é a aprendizagem histórica, explicada pela autora quando ela sinaliza que é preciso didatizar os conhecimentos, tornar ensinável o que os aprendizes trazem, perceber que antes de ser aluno é preciso ver um sujeito com aprendizagens e saberes. Apresentando diferentes autores que sob perspectivas epistemológicas diferentes sistematizaram os conceitos de consciência histórica, cultura histórica e educação histórica, bem como os seus usos, o artigo se torna uma nova referência para quem busca estudar e debater os sentidos do ensino da história.

No texto, a autora tece considerações afirmando o mérito positivo das pesquisas e dos grupos analisados por ela, que vêm apresentando e desenvolvendo instrumentos para se pensar as possibilidades de reflexão sobre os jovens e crianças e suas relações com os saberes históricos. Certamente o sentido do Ensino de História não está dado, mas busca-se o melhor caminho a seguir. A consciência histórica e a educação histórica certamente acenam como uma possibilidade a ser seguida.

Na segunda parte, “Usos do passado: A História Escolar”, o enfoque recai sobre a literatura escolar e as estratégias didáticas no Ensino de História e seus desdobramentos. As discussões versam sobre a instrução pública no Brasil republicano, livros didáticos e PNLD. São quatro artigos instigantes que atendem às novas demandas do Ensino de História. Ângela de Castro Gomes envereda por uma pesquisa repleta de possibilidades para pensar tanto culturas políticas quanto cultura escolar, apresentando resultados empíricos dos livros que foram utilizados na Instrução Pública no início do século XX em alguns estados do Brasil republicano, especificamente Minas Gerais e São Paulo.

Analisando correspondências trocadas por Ana de Castro Osório com intelectuais, jornalistas e republicanos brasileiros, além de familiares, presenteia os leitores com informações preciosas sobre as redes de sociabilidade que ocorriam no Brasil República e também instiga-nos a perceber os meandros da formação de uma dada “identidade nacional”, pois o material analisado em sua pesquisa versa sobre a nacionalidade exaltada no Brasil nos primeiros anos do século XX, bem como as relações luso-brasileira durante os anos 1910-1920.

Flávia Eloisa Caimi traz encruzilhada, fronteiras e “sobrepeso de informações” e propõe uma discussão sobre as mudanças e demandas educativas e sociais a partir dos valores da geração Homo Zappiens. Mobiliza os conceitos de obesidade informativa2 e presentismo como chaves de leitura para entender como as sociedades contemporâneas adotam a tecnologia e desenvolvem novas estratégias de aprendizagem, de relacionamento e de convívio social. A autora analisa as possibilidades formativas implícitas à utilização de suportes de informação consideradas fontes para o estudo da história escolar, bem como suas contradições e seus limites, que desafiam professores e pesquisadores a uma mobilização constante sobre o aprender e ensinar história no tempo presente.

Na terceira e última parte do livro, “Usos do Passado: A Divulgação Histórica”, os quatro artigos trazem um panorama das discussões anteriores, com temáticas, que atravessam todo o livro. De modo geral, as mídias que apresentam a história com base em contextos, textos e produtos culturais são analisadas aqui como possibilidades de entender as problemáticas e os vários desafios lançados ao Ensino de História. O artigo de Alessandra Ciambarella, por exemplo, potencializa questões que permeiam cultura histórica, tempo presente e memória, quando traz à baila a complexa relação entre mídia audiovisual (cinema, TV) na elaboração e enunciação de discursos históricos, reconstruindo e reelaborando determinadas memórias, imagens e discursos em detrimento de outros. Ganham destaque o direito à memória, os usos do passado e as mídias que com seus diversos produtos sociais e culturais mobilizam o tempo presente e se impõem como possibilidades de fontes para o processo de aprendizagem histórica. Os textos sinalizam que as fronteiras entre escola e sociedade estão cada vez mais largas, pois questões como essa ultrapassam o universo escolar e são pautadas num debate público. Ou seja, os movimentos sociais e a escola dialogam e propõem novas perspectivas de interpretação para o Ensino de História e, assim, rompem com o eurocentrismo curricular que sempre norteou e orientou a sociedade brasileira.

O livro aqui resenhado contribui de forma significativa para o campo do Ensino de História, pois além de apresentar múltiplas investigações acerca dos usos do passado, considerando a cultura histórica como elemento articulador, possibilita perceber a circulação social da história e seu ensino em diferentes esferas de produção. Com questões centrais que problematizam a história pública no ambiente tanto escolar quanto acadêmico, a presente produção torna- -se leitura obrigatória para um público que pensa e reflete sobre a forte presença dessa história nos diferentes espaços de produção do conhecimento.

Certamente um livro com densidade teórica, questões instigantes e atuais, informações embasadas teoricamente se faz convidativo e garante uma rica leitura, que por certo permitirá engrossar os possíveis e irrecusáveis debates postos no campo do Ensino de História.

Notas

1 Trata-se de grupo interinstitucional que reúne pesquisadores vinculados a diferentes instituições universitárias do Rio de Janeiro e de outros estados, os quais se dedicam a pesquisa na área de Ensino de História.

2 Apropriação da expressão cunhada em: POZO, Juan Ignácio. Aprendizes e mestres: a nova cultura de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002.

Célia Santana Silva – Doutoranda em História, PPGH, Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc); Departamento de Ciências e Tecnologia, campus XVIII da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Eunápolis, BA, Brasil. [email protected].

Recherche historique et enseignement secondaire (DH)

Recherche historique et enseignement secondaire. Annales. Histoire, sciences sociales, vol. 70, n° 1, 2015, p. 141-214. Resenha de: BUGNARD, Pierre-Philippe. Didactica Historica – Revue Suisse pour l’Enseignement de l’Histoire, Neuchâtel, v.1, p.201, 2015.

Exceptionnellement, les Annales consacrent la deuxième partie de leur numéro de janvier-mars 2015 aux rapports qu’entretiennent la recherche historique et l’histoire enseignée en France, à partir du débat organisé par la revue aux Rendez-vous de l’histoire de Blois 2013 sur « Les Annales et l’enseignement ». Des rapports devenus sans doute plus aisés et plus consensuels à partir de la création des instituts universitaires de formation des maîtres (IUFM), à la fin des années 1980, jusqu’aux réformes récentes de la formation des enseignants, avec en 2013 la création des écoles supérieures du professorat et de l’éducation (ESPE). Un équilibre s’est ainsi établi entre les pôles que forment la science historique et sa pédagogie, conformément à une évolution signalée comme analogue en Europe et au-delà.

Une série d’articles stimulante, ouverte aux expériences concrètes conduites par des praticiens em collège et en lycée, entre en tension ou en harmonie avec la didactique, l’historiographie et l’épistémologie de l’histoire. Il est notamment souligné, en introduction, que l’intérêt pour la recherche manifesté dans les établissements pourrait permettre à l’histoire scolaire de « sortir de l’orniere » la confinant entre attentes politiques antinomiques et dédain des chercheurs: elle peut dans ces conditions « etre pensee autrement que comme une forme degradee d’histoire “savante” » (nous renvoyons ici à l’article de Laurence De Cock).

Le dossier des Annales est sans doute le plus important consacré à l’histoire enseignée depuis le numéro spécial « Difficile enseignement de l’histoire » de la revue Le Debat (vol. 175, no 3, 2013), mentionné dans l’introduction, ou la grande note de synthèse « La didactique de l’histoire » de Nicole Lautier et Nicole Allieu-Mary dans la Revue francaise de pedagogie (no 162, 2008, p. 95-131).

Table

Anheim Étienne, Girault Bénédicte, L’histoire, entre enseignement et recherche

Barbier Virginie, L’histoire-géographie en classe. La construction d’un savoir par l’apprentissage d’un savoir-faire

Berthon-Dumurgier Alexandre, Apprentissages historiques et métier d’historien. Un parcours de compétences

El Kaaouachi Hayat, La recherche en histoire dans la formation continue des enseignants

De Cock Laurence, L’histoire scolaire, une matière indisciplinée

Delacroix Christian, Un tournant pédagogique dans la formation des enseignants. Le cas du Capes d’histoire-géographie

Girault Bénédicte, De la didactique à l’épistémologie de l’histoire: une réflexivité partagée

Pierre-Philippe Bugnard – Université de Fribourg.

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Novos Domínios da História | Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas

Este texto procura apontar algumas discussões do livro “Novos Domínios da História”, organizado pelos historiadores Ciro Flamarion e Ronaldo Vainfas. A coletânea foi lançada em 2012 e procura oferecer ao leitor as tendências contemporâneas do campo epistemológico da História e de como os historiadores estão enveredando por caminhos, às vezes, divergentes, outras vezes de encontros. Na verdade a obra é uma complementação de “Domínios da História”, publicado em 1997 que se tornou referência nas discussões sobre Teoria e Metodologia da História e nas Áreas de Ciências Humanas e Sociais.

A coletânea apresenta um conjunto de 16 capítulos que podem ser lidos separadamente ou não, o fato é que se complementam e são temas em que o leitor pode exercitar uma interpretação transversal e interdisciplinar. Com isso, os autores levam-nos a examinar as dimensões conceituais da Área de História e os campos movediços que alguns títulos apresentam incitam-nos a refletir sobre a pesquisa e a forma que interpretamos as fontes e os sujeitos que selecionamos a perscrutar. Leia Mais

Teoria da História (v.2) Reconstrução do passado: os princípios da pesquisa histórica | Jörn Rüsen

RÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado. Teoria da história II: os princípios da pesquisa histórica. Tradução de Asta-Rose Alcaide. Brasília: UnB, 2007, 188 p. Resenha de: ARRAIS, Cristiano de Alencar. Métodos e perspectivas na teoria da história de Jörn Rüsen. História da Historiografia. Ouro Preto, n. 05, p.218-222, setembro 2010.

Fruto de um projeto de pesquisa que demandou aproximadamente uma década de reflexões sobre os fundamentos, limites e possibilidades do conhecimento histórico, Reconstrução do passado é parte constituinte da trilogia de Jorn Rüsen sobre teoria da história que teve sua publicação original iniciada em 1983 com Razão histórica e finalizada em 1989, com a publicação de História viva. O conjunto desses três livros constitui-se numa das mais importantes contribuições desse historiador e filósofo da história que, desde a década de 1960, com a publicação de sua tese de doutoramento sobre J. G. Droysen, vem militando no campo da teoria da história e da história da historiografia.

Como observou Rocha (2008), a relação sistêmica entre os volumes faz com que a importância de cada um deles deva ser pensada, num primeiro momento, de maneira mais ampla. Essa relação está explícita na tentativa do autor de cobrir os principais elementos constituidores da história como ciência, tomando como referência a estrutura experimental desenvolvida por Droysen (2009) – uma autojustificativa sobre o significado da teoria da história e sua função para a constituição do saber histórico, uma reflexão sobre os fundamentos do método histórico, desenvolvidos a partir dos conceitos de metódica e sistemática, e um exame da função tópica do saber histórico.

Evidentemente que essa referência sintética não dá conta do vigoroso empreendimento de apropriação desenvolvido pela trilogia. A utilização do termo apropriação não é injustificada, na medida em que, para além dessa dívida intelectual com a obra de Droysen, pode-se perceber também a utilização de um dispositivo heurístico que comanda as reflexões produzidas nos três volumes.

Se como nos próprios termos de J. Rüsen, a teoria da história é uma metateoria (um pensar sobre o pensamento histórico), nada mais coerente que esse tipo de reflexão nortear também o seu próprio projeto filosófico. Nesse sentido, o primeiro volume é dedicado a questões relativas aos interesses (as carências de orientação na mudança temporal), o segundo volume, aos métodos (as regras da pesquisa empírica) e às perspectivas de interpretação (modos de explicação, perspectivas e categorias de análise) e o terceiro e último volume às formas (de representação do passado, associado à historiografia) e às funções (a didática como instrumento capaz de direcionar o agir humano).

Essa retomada das reflexões produzidas ainda no século XIX também pode ser em parte percebida, por exemplo, em Memória, história e esquecimento, de Paul Ricoeur, na medida em que este autor estrutura seu projeto filosófico segundo uma tríade sustentada por uma proposta fenomenológica para a relação entre história e memória (a história como herdeira erudita da memória), epistemológica (a metódica, sistemática e tópica, identificadas, respectivamente, com a fase documental, explicativa e de representância) e hermenêutica (uma crítica à pretensão da história como saber absoluto, uma ontologia da condição histórica e uma fusão de horizontes, no sentido gadameriano) (RICOEUR 2008). Mas no caso da trilogia de Rüsen, existe uma dimensão pragmática que procura associar o produto da pesquisa em sua forma expositiva – a historiografia – às necessidades de socialização humana, visto que a mesma se torna instrumento formador da identidade histórica.

Dentro desse grande projeto de análise é que se situa, portanto, Reconstrução do passado. Em que pese a mudança de tradutor, que acarretou uma sensível modificação na forma do texto e afetou a inteligibilidade de algumas passagens – demandando ao leitor uma atenção redobrada às suas torções e à linguagem adotada neste volume – considero importante destacar três temas que demonstram a vitalidade dessa obra específica.

Primeiro, a inversão da relação entre metódica e sistemática, visto que nos tradicionais manuais dedicados à teoria e metodologia da história, a parte dedicada à “teoria” tem apenas valor provisório e acessório. Na proposta do autor, a regulação metódica depende das determinações prévias sobre o que deve ser elaborado como “história”, ou seja, existe uma dependência explícita entre os métodos empregados na pesquisa e os pontos de vista que o pesquisador aplica à matéria. Assim, “O conhecimento histórico não é construído apenas com informações das fontes, mas as informações das fontes só são incorporadas nas conexões que dão o sentido à história com a ajuda do modelo de interpretação, que por sua vez não é encontrado nas fontes” (RÜSEN 2007, p. 25).

Daí porque, partindo da crítica ao uso análogo que certas filosofias da história fazem de suas teorias, com as ciências da natureza – uma aproximação que parte, por um lado, de uma suposição equivocada de que só é racional uma explicação que recorra a leis, e que trata um determinado tipo de racionalidade como o único existente, como percebeu Perelman (2004), e por outro, de uma preocupação de tornar a história tecnicamente útil, sem levar em consideração que essa pragmática no interior das ciências humanas não deve ser julgada a partir de critérios técnicos, mas existenciais – o autor analisa duas formas de explicação na história: a nomológica e a intencional, apontando suas limitações. O intuito, neste caso, seria determinar uma forma mediana do procedimento explicativo na ciência da história. A superação desses dois modelos seria encontrada na explicação narrativa associada às considerações desenvolvidas por Danto (1965). Entretanto, há que se ressaltar que elas pouco avançam sobre as teses de Ricoeur (1994) ou White (1995), denotando, portanto, uma necessidade de atualização dessa discussão, tão importante à época da publicação de Reconstrução do passado.

Um segundo importante elemento a ser destacado na obra está associado ao tratamento dado às filosofias da história, no âmbito de uma teoria da história, ou seja, a solução encontrada pelo autor para o problema da possibilidade de uma teoria da história que incorpore a noção de totalidade para a ciência da história. Neste caso, a primeira tarefa empreendida é a de destruir o edifício teleológico das filosofias da história de tipo especulativo, seja com um argumento formal (a história “não pode deixar de ser concebida como universal sem deixar de ser história, isto é, estruturada narrativamente” [RÜSEN 2007, p. 58]), seja sob o ponto de vista material (a crítica de uma concepção de humanidade derivada de uma dimensão biológica, sem levar em consideração suas implicações para o mundo histórico). Tais questões, segundo o juízo do autor, implicam a inviabilidade de um tipo de teoria da história que possa ser considerada sob o ponto de vista absoluto, total e fora do próprio processo que narra.

Isso não implica, entretanto, um alinhamento a um ponto de vista que imponha uma concepção de experiência histórica marcada pela diversidade e pela diferença. Como opção a essas duas alternativas, Rüsen propõe uma antropologia histórica teórica que, formalmente, apresente a mudança como cognoscível por meio de seus conceitos elementares. Nesse sistema de categorias históricas, o tempo seria caracterizado como história, de maneira a ser apreendido pela pesquisa. É importante notar que se trata aqui de uma distensão da concepção kantiana de tempo como categoria a priori, na medida em que o tempo da natureza torna-se humano. Além disso, materialmente, uma antropologia histórica teórica explicaria os fatores que são determinantes nesse processo, dimensionando um “sistema de suposições quanto às razões da mudança temporal do homem e do mundo” (RÜSEN 2007, p. 67) e construindo um quadro de referências das interpretações históricas, além de funcionar como instrumento de reconhecimento de uma identidade coletiva.

Dessa forma a noção de totalidade poderia ser recuperada por meio do conceito de humanidade (agora uma concepção normativa que procura responder às perguntas sobre como o homem realiza sua historicidade), cujo sentido seria gerado pela própria mobilidade temporal do agir e sofrer humanos. A proposta do autor, entretanto, carece de um desenvolvimento maior, na medida em que não analisa a forma como essa proposta se realizaria historiograficamente, assim como suas consequências para interpretações da experiência temporal baseadas em sistemas de categorias que tematizam a própria mudança.

Por último, o autor efetua um reposicionamento do conceito de heurística no âmbito da metodologia histórica nesse momento de redefinição das fronteiras da ciência da história. A julgar pela forma como a heurística é geralmente tratada na maioria das obras dedicadas a este tema, este parece ser um aspecto menor, meramente técnico, de catalogação e tipologização das fontes. Na direção contrária dessa perspectiva, Rüsen entende a heurística como o momento em que o saber teórico toma a forma de questionamentos claros e abertos à experiência, ao mesmo tempo em que produz uma estimativa metodologicamente regulada do que as fontes podem dizer (de modo a superar a limitação dos campos de experiência já apreendidos e direcioná-las ao historicamente estranho). É, além disso, o momento de exame e classificação das informações das fontes relevantes para responder às questões levantadas (visto que a relevância de uma fonte depende das perguntas históricas elaboradas) e da ampliação do conteúdo informativo das mesmas. Nesse sentido, o autor proporciona à heurística um status até então esquecido, afinal “uma hipótese é heuristicamente fecunda se corresponder às carências de orientação das quais, em última análise, se originou” (RÜSEN 2007, p. 119).

Há que se ressaltar também o esforço do autor em abordar as operações substanciais da pesquisa, ou seja, a forma como o conteúdo experiencial do passado, projetado nas fontes, pode ser apreendido. Entre a abordagem analítica e a abordagem hermenêutica existiria a abordagem dialética, com uma função análoga ao modelo narrativo de explicação histórica, desenvolvido no primeiro capítulo da obra. Muito embora a pretensão dialética esteja explícita, a tentativa de aproximação dos dois modelos denota uma clara submissão da analítica à hermenêutica. Nesse sentido, não se realiza exatamente um movimento dialético, mas uma incorporação de contextos de causalidade e de processos estruturais e sistêmicas do agir humano aos processos reconstrutivos de sentido desse agir. Assim, embora mascarado, o privilégio dado por Rüsen continua associado pela tradição hermenêutica da qual é um legítimo representante.

Finalmente, a ênfase dada pelo autor aos problemas lógicos e conceituais que envolvem os princípios da pesquisa histórica revela uma marca própria e inovadora que permeia todos os três livros que compõem suas reflexões para o campo da teoria da história. Ao invés de um conhecimento enciclopédico e de catalogação, típico dos mais populares manuais, Reconstrução do passado é um convite ao aprofundamento sobre os fundamentos da ciência da história e dos fatores que articulam o pensamento histórico com vistas à sua racionalização. Nesse sentido e na medida em que supera uma concepção eunuca do exercício teórico na pesquisa histórica, Rüsen denota a face mediadora da teoria da história, expondo sua capacidade de articular a abstração conceitual com as determinações empíricas do processo de constituição do saber históricocientífico.

Referências

DANTO, A. Analytical philosophy of history. London: Cambridge University Press, 1965.

DROYSEN, J. G. Manual de teoria da história. São Paulo: Vozes, 2009.

PERELMAN, C. Retóricas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Unicamp, 2008.

_______. Tempo e narrativa – V. 1. Campinas: Papirus, 1994.

ROCHA, S. M. Resenha do livro História viva. In História da historiografia, n° 1. 2008. Disponível em http://www.ichs.ufop.br/rhh/index.php/revista/ article/view/29/26. Acesso em 25 de julho de 2010.

WHITE, H. Meta-história: a imaginação histórica no século XIX. São Paulo: Edusp, 1995.

Cristiano Alencar Arrais Professor Adjunto Universidade Federal de Goiás (UFG) [email protected] Rua 1044, 129/903, Ed. Imperial – Setor Pedro Ludovico Goiânia – GO 74825-110 Brasil Palavras-chave Teoria da história; Sistemática; Metodologia.

Canada Revisited 8: Confederation, The Development of Western Canada, A Changing Society – ARNOLD et al (CSS)

ARNOLD, Phyllis A.; CLARK, Penney; WESTERLUND, Ken. Canada Revisited 8: Confederation, The Development of Western Canada, A Changing Society. Arnold Publishing: Edmonton, 2000. 392p. DEIR, Elspeth; FIELDING, John; ADAMS, George; BRUNE, Nick; GRANT, Brune; GRANT, Peter; ABRAM, Stephanie Smith; WHITE, Carol. Canada: The Story of a Developing Nation. Toronto: McGraw-Hill Ryerson, 2000. 376p. Resenha de: GLASSFORD, Larry A.. Canadian Social Studies, v.38, n.2, p., 2004.

What is the purpose of a history textbook in 2003? Is it yesterday’s learning tool, the pedagogical equivalent of spats and buggy whips – hopelessly out of fashion, and no longer very useful? Has the computer, with its CDs, DVDs and program software, plus the Internet with its virtually limitless websites and e-mail possibilities, rendered book learning obsolete? Only if teachers and students lack flexibility and imagination. Having access to an attractive, informative and challenging print resource does not exclude any of the electronic learning possibilities. The two are compatible, even complementary. If the roles were reversed, computers were the traditional technology, and books had just been invented, imagine the excitement. For that matter, imagine the advertising: So durable, so compact, so interactive, so cost-effective, so easy to use. Put one of these new lightweight ‘books’ in your child’s hands, and watch the learning curve rise. Beg, borrow or buy one NOW. Use books every day! Little more than a decade ago, history textbooks aimed at the senior elementary/junior high school market were still largely dependent upon traditional print communication – black-ink words on a white page – to convey a mass of factual information to students. Accompanying illustrations, be they photographs, diagrams, charts or cartoons, were usually black and white, too. Authors considered themselves lucky to be allotted one accent colour – blue, say, or red – to add a bit of variety, and serve as a means to emphasize key points. Such books were essentially narrative texts, with periodic breaks for the usual questions of recall or comprehension, perhaps supplemented by a few suggested learning activities of a higher order.

Nowadays, history textbooks for this age bracket have a dramatically different look. Bigger, bolder, and brighter, they are awash in colour. Marginal notations, boxed vignettes, captioned illustrations and full-colour charts augment, perhaps even interrupt, the flow of the central narrative, which is purposely kept short with frequent headings and sub-headings. It is as though the original designers of USA Today have been at work, creating a new kind of textbook for students who do not particularly like to read. The end result is a visually appealing book, though, and one that invites pupil browsing.

The two textbooks covered in this review are similar in many ways. While Arnold Publishing was a pioneer in Canada of the more visually oriented textbook, the Ontario publishers such as McGraw-Hill Ryerson soon caught on, and there is now little to distinguish the two on this score. Both of these books are clearly aimed at the Ontario Grade 8 history course, which covers Canadian history from the 1860s to the 1910s. To be absolutely clear to potential buyers, the Arnold book deliberately lists the three prescribed topics from the Ontario guidelines in its sub-title, namely Confederation, The Development of Western Canada, and A Changing Society. The McGraw-Hill Ryerson book, by contrast, is content to make those three topics the basis of the three main units prominently listed in its Table of Contents. Both books have received approval from the Ontario Ministry for this grade and course.

Following the lead of the Ontario curriculum document, the two books focus on comprehension of material over rote recall, and provide frequent suggestions for learning activities by which the students will demonstrate their mastery of the content. For the topic of Confederation, the McGraw-Hill Ryerson text suggests that students design a poster either supporting or opposing Confederation (p. 97). Under the same topic, the Arnold text invites students to create a series of diary entries that might have been written by John A. Macdonald (p. 115). In each case, the learning task would require students to take information provided by the textbook and communicate it in a new way.

Similarly, the two textbooks overtly provide opportunities for students to practise and acquire key skills in the areas of inquiry research, critical thinking and communication. For example, as part of a chapter on the National Policy, 1878-1896, the Arnold book presents a series of questions by which students can critically analyse a political cartoon (pp. 244-5). In the McGraw-Hill Ryerson book, a pioneer’s account of settling in Manitoba in the 1870s is presented, with suggestions for ways to test its authenticity by examining other available evidence (p. 187). Each publisher offers further support materials and activity ideas for teachers in an auxiliary resource package (sold separately).

The Ontario history curriculum shies away from overt expectations in the values domain. However, it is clear that both author teams have understood the need for equity in terms of both gender balance and attention to visible minorities. While males outnumber females in the Indexes of both books by a sizeable margin, a clear effort has nevertheless been made to depict women as well as men in the numerous illustrations. The extension of full legal and political rights to women is highlighted in both books as part of the changing society at the turn of the twentieth century. Attention to various aspects of social and cultural history also provides valid opportunities to focus on the contributions of female Canadians. Aboriginal Canadians warrant significant coverage in both texts, as well, particularly in the chapters devoted to the development of Western Canada. Other visible minorities – Asian Canadians and African Canadians – are periodically mentioned, along with supporting photographs. Furthermore each of the books invites students to imagine situations from more than one perspective, thus encouraging both empathy and tolerance.

It is easier to describe how the two books are similar than to point out how they differ, although there are some minor contrasts in how a chapter is laid out. In each case, the authors provide a highly visual opener, previewing what the student will encounter in the pages to follow, along with a listing of key phrases. A combination of short narrative bursts, punctuated by colour headings and frequent illustrations – photos, cartoons, maps, charts, historic posters – constitute the body of each chapter. Boxed items provide supplementary information, such as a thumbnail biography of a related historical personality, invariably accompanied by a photograph or other visual material. In the Arnold book, the periodic questions of comprehension spaced throughout the chapter are grouped under the heading, For Your Notebook, whereas in the McGraw-Hill Ryerson text, the corresponding heading is The Story So Far. The kinds of questions provided appear to be similar, however, as do the more substantive tasks offered at the end of each chapter. The McGraw-Hill Ryerson book does provide a one-paragraph summary at chapter’s end; the Arnold text moves right into its series of learning activities.

Here are a few general differences to guide a curriculum committee’s choice between these two fine print resources. The Arnold book leans a little more to bright colours in its presentation, though the ratio of print to visual is close to 60:40 in both cases. The McGraw-Hill Ryerson book seems to follow the suggested content of the Ontario curriculum a little closer, although an alert teacher would have no trouble matching chapters to expectations using either resource. The references to related Internet websites are more frequent in the McGraw-Hill Ryerson text, and more likely to be used by students. An appendix on learning skills in the Arnold book is more comprehensive than the scattered items entitled Research Is Happening Here in the McGraw-Hill Ryerson book. The ongoing visual timelines in the latter book are very helpful; the frequent appearance of colour maps in the former serve a similar purpose in illustrating changes over time. At the risk of gross simplification, it seems that the Arnold book might work better with students who have not yet developed any real liking for history. The McGraw-Hill Ryerson book, by contrast, might be a better fit for students already turned on to the subject, and ready for a little more challenge.

Has the trend to a more student-friendly textbook, replete with colourful visual content, and broken up into the print equivalent of short sound bites, been a positive one? One well-known critic of progressive educators does not believe so. J.L. Granatstein, in Who Killed Canadian History?, has bemoaned the fact that a certain textbook familiar to him had been noticeably glitzed up in appearance but watered down in language and detail between its first and third editions (p. 39). Granatstein is determinedly old school, in that he continues to insist that factual content is important, and chronology is vital. Not for him a present-minded issues approach that begins and ends with the present. Nevertheless, the two books featured in this review have managed to retain a fair amount of factual information, have not abandoned their chronological integrity, and yet have managed to integrate a skills-based approach that trains students in how to do history, all the while presenting the course material in a lively and challenging fashion. This is no small achievement, and both author teams deserve credit for blending the traditional and progressive approaches to history so skilfully.

Assuming the curriculum guidelines stay the same, what should the authors and publishers be doing for the next edition of these books? For starters, they should continue to look for ways to dovetail the print-oriented textbook with burgeoning Internet resources. Specific website references that are integrated into the flow of the textbook will promote meaningful investigation, and discourage aimless fishing trips on the web. Secondly, the skills components can be more overtly and systematically woven through the content of the textbooks, possibly arranged in such a way that simple skills from previous years can be practised again, then developed into more complex ones as the students move through the book. Thirdly, more thought can be given to the values potential of history, in particular the opportunities for values clarification and values analysis exercises. Admittedly, the Ontario curriculum guidelines for this grade are largely silent on values, so the authors have had to tread carefully here. Finally, new discoveries and interpretations from academic historians must continually be woven into the fabric of the text, so that the students, and their teachers, are exposed to the best and most recent syntheses of our country’s history. Otherwise, a text can easily become outdated.

That there will be a need for new editions of these textbooks, I have no doubt. Just as print newspapers have survived the arrival of the radio, then television, and now the Internet, so print textbooks will continue to play a useful, albeit modified, role in the schools of the future. These two books under review represent the current state of the art in textbook technology, and properly updated, should continue to inform, stimulate and challenge Canadian students, well into the future.

References
Granatstein, J.L. (1998). Who Killed Canadian History? Toronto: HarperCollins.

Larry A. Glassford – Faculty of Education. University of Windsor. Windsor, Ontario.

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Fragmentos da História Intelectual: entre questionamentos e perspectivas – SILVA (VH)

SILVA, Helenice Rodrigues da. Fragmentos da História Intelectual: entre questionamentos e perspectivas. Campinas: Papirus, 2002. Resenha de: LOPES, Marcos Antônio. O mapa de um labirinto: a História Intelectual, seus problemas, seus métodos e incertezas. Varia História, Belo Horizonte, v.18, n.28, p. 225-229, dez., 2002.

Em Fragmentos da História Intelectual Helenice Rodrigues da Silva apresenta ao leitor brasileiro campos temáticos e domínios teóricos em relação aos quais ainda não há “fronteiras” bem definidas. Como campo de pesquisa relativamente recente na França, as temáticas e os métodos de abordagem da História Intelectual ainda estão por ser fixadas. Segundo a autora, isto faz da História Intelectual um campo de estudos marcado pela indeterminação dos objetos e à procura de uma verdadeira identidade.

Gênero historiográfico forte na Inglaterra e nos Estados Unidos, países nos quais a expressão História Intelectual possui sentidos muitos diferentes, a variante francesa apresenta diferenciais que a particularizam, tornando-a um “desvio” fecundo e revelador de aspectos novos que as obras de pensamento podem propiciar. Mesmo que aguarde por uma definição de seus estatutos e pela conquista de seus direitos de cidade, a História Intelectual francesa, a julgar por este livro, não se afigura como um passo em falso, como uma disciplina que se desloca em terreno movediço.

Os oito textos densos e instigantes reunidos sob a marca despretensiosa de “fragmentos” demonstram que o gênero pode não possuir as suas cartas de nobreza, principalmente quando comparado à grande tradição de outros ramos da pesquisa histórica no país de Michelet. Mas esses “fragmentos” de Helenice Rodrigues demonstram, com um excesso espantoso de evidências, que a História Intelectual francesa já conseguiu definir traços bem pronunciados de identidade. Neste sentido, ela não pode ser confundida com a Intelectual History norte-americana de Martin Jay e de Dominique LaCapra como também não pode ser aproximada, sem reservas, da História Intelectual inglesa praticada pelo círculo de Cambridge, apesar de alguns elementos compartilhados com esta última vertente.

Certamente, ao fazer alianças teóricas ou ao recusá-las, nota-se que a História Intelectual francesa já entrou em seus anos de maioridade. Sem dúvida, os temas, os problemas e os métodos da História intelectual aparecem, neste livro, formulados com muito vigor e sofisticação. Não há nada que lembre uma narrativa empírica ao acaso das evidências. Pelo contrário, a autora vai tecendo a sua complexa tapeçaria matizando-a com um aparato teórico que impressiona. Assim é que, por “fragmentos da história intelectual” devemos compreender, muito antes, um conjunto multifacetado de nuanças do que um agrupamento de objetos dispersos.

Entretanto, riqueza temática e sofisticação teórica podem apresentar um peso excessivo, cobrando preço elevado ao leitor. Curto mas denso, rápido porém complexo, o livro de Helenice Rodrigues é uma panorâmica na qual se justapõem, por uma opção autoral lúcida e muito apropriada, o movimento das idéias e a dinâmica da história efetiva francesa em cinco décadas de embates dos intelectuais entre si e em meio às lutas de seu tempo. À diversificação temática do livro, que devemos compreender por riqueza de nuanças, alia-se a simplicidade e a elegância da escrita da autora. Certamente que a sua editora poderia ter se esmerado um pouco mais na revisão dos originais, pois as sucessões de gralhas ao longo do texto hão de provocar algum desconforto nos leitores que apreciam conteúdo e forma. A ausência de hifenização, as grafias incorretas dos nomes de autores e uma série de pequenos problemas de tradução, como é o caso do livro do filósofo francês Julien Benda — A traição dos clérigos, quando o mais razoável seria A traição dos letrados ou mesmo A traição dos intelectuais — poderiam ter merecido uma maior atenção.

Em seu texto, a autora dá mostras de se esforçar em não elidir a trajetória dos intelectuais do mundo histórico e das circunstâncias sobre as quais viveram e atuaram. Ao destacar a importância da produção, da recepção dos textos e das intervenções públicas dos intelectuais franceses, ela revela toda a sua preocupação em distinguir a História Intelectual de uma história de sistemas formais de pensamento, esta última desenraizada da vida social e sem conexões com a realidade às vezes cruel e selvagem da história efetiva do mundo contemporâneo. Este é particularmente o caso dos capítulos sobre Hannah Arendt e Jean-Paul Sartre, em que a barbárie do nazismo e a opressão do colonialismo revelam a face negra da civilizada Europa.

Esta orientação teórica, ou antes, esta opção de foco, definida com ênfase no ensaio de abertura “História Intelectual: condições de possibilidades e espaços possíveis” pode parecer um esforço preventivo elementar, mas na prática não o é. Ora, quando movimentadas pelos historiadores, muitas vezes, as idéias tendem a ganhar uma força centrífuga que, em geral, guiam-nas para áreas de escape sem base consistente de apoio. São as derrapagens comuns dos historiadores que acabam centrando suas abordagens em circuitos analíticos que se esgotam no próprio sistema de idéias e na arte pedregosa de sua interpretação. É o que se tem denominado por internalismo, com um fraco impulso para a integração do texto ao mundo histórico que o gerou e uma quase total carência de indagações pertinentes à pesquisa histórica.

Creio que a autora tenciona deixar uma mensagem não completamente explicitada: o mundo da pesquisa histórica está cheio de boas intenções para estabelecer a perfeita síntese entre teoria e objeto. Isto pode significar que as tais boas intenções criteriosamente expostas em páginas e páginas em que o plano teórico certo e seguro é celebrado como instrumento eficaz de conexão das idéias com a realidade histórica que as gerou, nem sempre é seguido à risca por aqueles que as costumam enunciar. Desse modo, a História Intelectual pode fazer com que as idéias desfilem nuas por um longo tempo, quando despidas de sua armadura natural, ou seja, quando separadas de seu contexto. E por contexto não devemos compreender apenas o chamado circuito da tradição interpretativa dos textos, mas preocuparmos com os problemas reais do mundo histórico do autor. Além disso, é preciso cercar as análises dos textos de uma teoria da ação.

Sem dúvida, este esforço de enraizamento, de contextualização, pode ser uma virtude real da História Intelectual francesa. E tanto mais ainda se a compararmos às tendências pós-estruturalistas, em que o apego à análise textual é a nota forte. Tudo é texto, ou melhor, discurso, parece ser o principal argumento dessa história de extração internalista. Ora, hoje há consenso de que a História é um tipo específico de discurso. Mas um tipo específico de discurso sobre o quê? Ora, sempre houve ou existirá uma realidade fora do texto que requer a parcela mais substancial da atenção dos historiadores. Cabe distinguir, então, que se um documento histórico, de qualquer natureza, deve ser apreendido pelo historiador como algo que nunca representa a verdade — é apenas uma representação de realidades contingentes e, portanto, um “monumento” da capacidade de representação humana — o discurso define algo como a “alma” do texto: uma matéria opaca que apenas tornar-se-á legível pelo esforço da operação interpretativa. Como afirma Ricoeur, o estruturalismo tende a estudar a linguagem poupando o sujeito, a ação, os eventos. A História Intelectual, segundo a defesa de Helenice Rodrigues, investe na capacidade do locutor, na força ilocucionária dos discursos, na capacidade do sujeito em situar-se como ator no mundo, como um agente ativo que se opõe a interlocutores reais, como um coeficiente de força que quer atingir um alvo em sua existência histórica concreta.

Outro mérito destes Fragmentos… é que, além de retratar a complexidade do universo de relações dos intelectuais em meio aos escombros do pós-guerra e dos dilemas das três décadas gloriosas da retomada econômica da França (1945-75), o livro é também uma bem fundamentada exposição de teoria e metodologia da história. Nesse sentido, constitui-se num elenco de abordagens de autores que, apesar de não serem historiadores de ofício, prestaram um grande contributo ao desenvolvimento da história-disciplina: Bourdieu, Elias, Cassirer, etc.

Surpreendente pelas tramas e tensões que revela ao leitor, e, sobretudo, pela novidade e originalidade das análises, é preciso confessar a sensação de perplexidade diante de um conjunto temático tão rico e, consequentemente, tão difícil de devassar. Sempre explorando temas candentes da história francesa contemporânea, questões geradoras de intensos debates e grandes mobilizações sociais (reflexos do nazismo, a revolta de 68, a independência da Argélia, a divisão identitária da Revolução Francesa), Helenice Rodrigues se aproxima bastante de uma história social das idéias, ao destacar as correntes intelectuais que influenciaram e contribuíram para dar “forma” às representações coletivas dos franceses na segunda metade do século XX.

Inegavelmente, há um grande esforço em levar a bom termo uma História Intelectual empenhada em demonstrar a gênese e a difusão das idéias e da influência exercida por alguns intelectuais em determinadas conjunturas. A autora demonstra como os acontecimentos políticos, econômicos, sociais e culturais foram influenciados pelo movimento das idéias (e vice-versa), por certos “climas” intelectuais que lhes antecedem no tempo e que, em certa medida, lhes preparam o terreno. Mas, não tendo a intenção de enfocar as idéias sob o ângulo de uma história dos intelectuais, a autora não explora qual foi a real força transformadora do intelectual interventor (caso de Sartre) que brande a pena como uma espada afiada. E não demonstra, por exemplo, como as idéias de Sartre agiram como uma espécie de “doutrina preparatória” (caso da guerra de independência da Argélia) que, combinadas à linhagem de marxismo adotada pelo intelectual engajado, atuaram como uma força desagregadora do autoritarismo e da opressão colonial.

Em a Traição dos intelectuais, o filósofo francês Julien Benda demonstrou como estas doutrinas preparatórias atingem um potencial de transformação a partir do momento em que os vulgarizadores de idéias entram em cena. É o que Benda chamou por “expressão derivada” da obra intelectual, que os intelectuais engajados “digerem”, reformulam e difundem. A título de ilustração, trata-se, por exemplo, do uso pragmático que o leninismo e mais tarde o stalinismo fizeram da obra de Marx, deformando algumas de suas idéias originais para melhor empregá-las no processo de convencimento de seus adeptos. As idéias, assim reapropriadas, e, em certa medida, transformadas em sua natureza original por uma confraria de discípulos, se difundem entre as massas, podendo levar a transformações. Mas aqui vale a regra de que não se pode esperar do autor o que ele não prometeu levar a cabo. Identificar todos os nós de uma rede, para usarmos um termo tomado de empréstimo a Foucault, talvez seja mesmo extrapolar os limites impostos à problemática da obra: “questionamentos e perspectivas”.

Em síntese, os problemas formulados por esta História Intelectual, da forma como a pratica Helenice Rodrigues, são todos legítimos e pertinentes de pesquisa e de reflexão. O único equívoco será mesmo o de continuar dissertando sobre o livro, de cuja energia galvanizadora extraímos estas tortas linhas. Insistir nisto é algo assim como fazer a autêntica obra do “escavador de precipícios”, para recordarmos a irônica expressão que Voltaire gostava de empregar ao caracterizar os personagens mais equivocados de seus textos históricos e de seus contos filosóficos.

Marcos Antônio Lopes – Departamento de Ciências Sociais/Universidade Estadual de Londrina.

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A Pesquisa em História / Maria P. Vieira, Maria R. Peixoto e Yara A. Khoury

A História caracteriza-se pela longa luta do homem para compreender o meio em que vive e aluar sobre ele. A época atual tem evidenciado uma maior valorização da consciência dos fatos históricos. Deste modo, todas as manifestações humanas, quer de cunho literário ou provenientes da herança de uma memória coletiva, contém informações que devem ser estudadas e pesquisadas. Enfim, tudo o que o homem produz, ou produziu, torna-se objeto de reflexão e questionamento para o historiador.

É neste sentido que o livro encaminha a discussão sobre o papel dos documentos e da experiência humana dentro dos ramos da pesquisa, dando ênfase às etapas a serem seguidas no trabalho de um pesquisador. Nota-se, com isso, a preocupação das autoras em definir o papel do historiador frente aos fatos históricos: desde a descoberta cuidadosa e exaustiva das fontes, até à crítica da documentação, problematização e incorporação das mesmas à interpretação da história, Este livro propicia uma leitura bastante instrutiva aos profissionais que atuam na área de ensino e, principalmente, aos iniciantes na carreira acadêmica, interessados no campo da pesquisa como complemento à sua formação. Assim, apesar de sintética, a obra apresenta um conteúdo permeado por exemplos que ilustram o assunto e facilitam o entendimento do tema proposto.

Dentro da perspectiva e finalidade da obra, um primeiro ponto que despertou nosso interesse diz respeito à utilização das fontes históricas como objeto de estudo do historiador. Segundo as autoras, “…os registros da experiência humana não estão só nesses arquivos, museus e centros, mas por toda parte, ao alcance de todos”, (p. 28, grifos nossos). Gostaríamos de evidenciar, neste contexto, que esta frase engloba toda a postura inovadora em relação ao documento histórico, permitindo ultrapassar a concepção estreita de que as fontes históricas restringem-se ao texto escrito. Subentende-se, então, com este argumento, que principalmente o pesquisador brasileiro, cujo acesso a documentos oficiais quase sempre enfrenta dificuldades, pode beneficiar-se de outros registros (literatura, cinema, música, etc.) como fontes ou “materiais de suporte” para o desenvolvimento de sua pesquisa.

Porém, sentimos na obra a falta de maiores referências e indicações sobre as pesquisas realizadas fora dos centros acadêmicos. Também não houve, por parle das autoras, a preocupação em esclarecer de que modo atuam os historiadores que se dedicam à pesquisa em centros de documentação não oficial. Afinal, em nosso país, os vestígios da Historiografia vinculada aos antigos Institutos Históricos ainda não desapareceram inteiramente.

Outro ponto, com relação à pesquisa, que a nosso ver ficou sem esclarecimentos corresponde à atuação das instituições financiadoras de pesquisa, como a FAPESP e o CNPq, e todo o difícil processo pelo qual passa o pesquisador iniciante para conseguir uma bolsa de estudos. Na realidade além de métodos, o historiador necessita de condições, tanto no plano subjetivo quanto econômico, para desenvolver seu projeto de pesquisa.

Não podemos deixar de ressaltar uma sugestiva contribuição a nível de metodologia: a orientação, dada pelas autoras, a respeito dos cuidados que o pesquisador deve tomar com uma série de problemas (de ordem metodológica e prática) que se colocam durante a elaboração de sua pesquisa. Ressaltamos, aqui, a importância deste aspecto para o sucesso de uma pesquisa, pois a deficiência técnica, a insuficiência metódica e teórica, e até mesmo o ensino universitário podem ser responsáveis pela debilidade deste trabalho.

Também, através dos exemplos fornecidos pela experiência das autoras, destacamos um aspecto muito bem abordado, que é a reflexão sobre a interação do historiador com o meio social em que vive. No horizonte desta ótica, fica-nos explícito o importante papel da subjetividade e da influência do ambiente histórico e social na seleção dos fatos pelo historiador.

Finalmente, em último aspecto a destacar é a importância desta obra, não somente dentro da área de pesquisa, mas também na área educacional.

Sob este prisma, a leitura deste livro traz, sem dúvida, grande contribuição para professores de 1º e graus, pois uma inquietação que ainda paira sobre as cabeças de muitos profissionais é a de estimular os alunos a se interessarem pela História. Desta forma, passando por discussões sobre os objetivos da História enquanto ciência e, conseqüentemente, sobre o historiador e seu papel social, as autoras debatem a pesquisa e fazem um balanço bem objetivo da prática do historiador e das concepções de ciência nelas embutidas. Com isso, contribuem para uma atualização dos professores nos rumos da historiografia.

As autoras propõem, também, que a análise seja guiada pela percepção de que a História é uma “experiência vivida integral e socialmente”, dentro de um “campo de possibilidades”, e não um conhecimento pronto e acabado, sobre fatos sujeitados pelos métodos de pesquisa e interpretação. Assim, o livro induz à reflexão conjunta de alunos e professores e aponta direções para resgatar a unidade entre ensino e pesquisa. E esse pode ser um bom caminho para responder ao desafio de “fazer com que os alunos se interessem pela história”.

Desta maneira, contendo análises úteis sobre o processo de pesquisa (dentro de uma perspectiva de reflexão e indagação), esta obra apresenta um amplo painel dos espaços de estudo do historiador. Não é apenas mais um manual ou um receituário de informações, mas um livro informativo, cuja consulta torna-se necessária para os que desejarem enveredar pelos caminhos do ensino da disciplina e da pesquisa histórica.

Luciana S. Melo – Pós-graduando em História Social no Departamento de História /USP.


VIEIRA, Maria do Pilar; PEIXOTO, Maria do Rosário; KHOURY, Yara Aun. A Pesquisa em História. São Paulo, Ática, 1989. (Princípios – 159). Resenha de: MELO, Luciana S. História, São Paulo, n. 123-124, p. 143-219, ago/jul., 1990/1991. Acessar publicação original. [IF]

A Pesquisa em História / Maria P. Vieira, Maria R. Peixoto e Yara A. Khoury

VIEIRA, Maria do Pilar; PEIXOTO, Maria do Rosário; KHOURY, Yara Aun. A pesquisa em História. São Paulo: Ática, 1987. Resenha de: SILVA, Marcos Antônio da. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.9, n.19, n.15, p.259-263, set.1989/fev.1990.

Acesso apenas pelo link original

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