Transnational Homosexuals in Communist Poland: CrossBorder Flows in Gay and Lesbian Magazines | Lukasz Szulc

Lukasz Szulc Imagem Studies in Etnicity and Nationalism2
Lukasz Szulc | Imagem: Studies in Etnicity and Nationalism

O termo Guerra Queer é empreendido pelos teóricos queer a fim de compreender as disputas políticas transnacionais sobre questões LGBTI+ que acabam interseccionando entendimentos diversos sobre cultura, tradição e direitos humanos (ALTMAN; SYMONS, 2016, p. 17).1 O termo guerra ilustra nesses debates as polarizações travadas entre regiões supostamente pró-direitos LGBTI+ e aquelas a priori homofóbicas e opositoras aos discursos sobre direitos humanos que contemplariam questões de diversidade de gênero e sexualidade. O caso russo – particularmente com as recentes legislações LGBTfóbicas – é ilustrativo para a concepção de Guerras Queer.2 O país vem se subscrevendo a uma concepção de contraponto aos modelos europeus ocidentais. Dentro dessa lógica discursiva, a Europa Ocidental tem sido projetada como um tipo de civilização degenerada, tendo suas expressões de homossexualidade, os feminismos e a legalização do casamento civil homossexual interpretados como sinais de destruição da família e da masculinidade – os quais, de acordo com tais posicionamentos, seriam sinais evidentes de fraqueza (RIABOV; RIABOVA, 2014, p. 29). O caso polonês seria um representante recente desses conflitos, em particular a partir da proclamação de “zonas livres de LGBT” por governos regionais e municipais entre 2019 e 2020 (ŻUK; PLUCINSKI; ŻUK, 2021). Portanto, as questões LGBTI+ alcançam cada vez mais protagonismo no cenário global político em torno das discussões sobre direitos humanos.

Entretanto, para se analisar as Guerras Queer é necessário partir da constatação de que tais discursos estão “pobremente embasados em diferenças ‘essenciais’- ‘naturais’ ou ‘tradicionais’ – entre regiões particulares” (SZULC, 2018, p. 224, tradução nossa). Nos casos aqui mencionados, a diferenciação é largamente embasada em noções essencialistas que observam uma presumida imposição ocidental de modos particulares de cultura e direitos humanos. Nesse sentido, a obra “Transnational Homosexuals in Communist Poland: Cross-Border Flows in Gay and Lesbian Magazines”,3 de Lukasz Szulc (2018), é uma relevante contribuição a fim de problematizar os essencialismos que embarcam as Guerras Queer e de sublinhar a potencialidade de um empreendimento que entrecruze uma visão transnacional e/ou global com as historiografias LGBTI+. Leia Mais

Las nuevas caras de la derecha | Enzo Traverso

Enzo Traverso Foto ULF AndersenGamma RaphoGettyO Globo 2
Enzo Traverso | Foto: ULF Andersen/Gamma-Rapho/Getty/O Globo

O que me levou a ler o livro de Enzo Traverso não foi apenas o título referente a esse dossiê de resenhas sobre “novas direitas”. O fato de ele ser um dos poucos historiadores de ofício a estudarem o fenômeno e de fazê-lo com ferramentas típicas de historiador – a categoria “regimes de historicidade” – foi o que pesou na escolha. Las nuevas caras de la derecha (2021) é a tradução argentina de Les nouveaux visages du fascisme (2017). O título em francês retrata com maior fidelidade o conteúdo desse livro do historiador italiano, atuante na Holanda, França e nos Estados Unidos da América (EUA): a narrativa do processo de transição do fascismo ao pós-fascismo, vivenciada por europeus e estadunidenses nos últimos vinte ou trinta anos, e comunicada imediatamente após atentados terroristas na França, como o massacre do Charlie Hebdo.

Las nuevas caras de la derecha 2O livro é um agregado de entrevistas concedidas ao antropólogo Régis Meyran, em Paris (2016), sobre temas correlatos, atravessados pelo conceito de “pós-fascismo”. O prólogo à edição castelhana, contudo, é inteiramente dedicado a outro conceito: “populismo”. As constantes referências à expressão durante as entrevistas e forte apelo dos estudiosos de Filosofia e História Política ao conceito (em sua visão, já enfraquecido academicamente) levaram-no, provavelmente, a dispender duas páginas para diferenciar populismo e “tendências regressivas solidamente arraigadas” na Europa e nos EUA no século XXI.

Na tipologia, curiosamente, Traverso o reintegra como categoria, quando afirma que o populismo argentino e peronista (nacionalista, messiânico, carismático, autoritário e idealizador do povo) difere dos “populismos reacionários” estadunidense (D. Trump) e francês (M. Le Pen e E. Macron). O primeiro distribui riqueza entre os pobres e os insere no sistema democrático. Os segundos são orientados pela entrega da nação “las fuerzas impersonales del mercado”. (p.21). O primeiro, acrescentamos, foi gestado no imediato pós-guerra em mundo bipolar. O segundo, reitera o autor, foi gestado na “era da globalização neoliberal”. O primeiro, por fim (como vários movimentos políticos do século XIX), pode continuar a ser designado “populismo”. O segundo, entretanto, deve ser tipificado como “pós-fascismo”.

O primeiro capítulo do livro – “¿Del fascismo al posfascismo” – é dedicado à definição dessa nova categoria. O que vemos nas duas primeiras décadas do século XX, segundo Traverso, não é um resíduo nem um prolongamento do fascismo, ou seja, não é o caso de se falar em “neofascismo”. Os fascismos clássicos (italiano ou alemão) eram antidemocráticos e os pós-fascismos (ao menos o de Le Pen) querem “transformar el sistema desde dentro” (p.27). Os fascismos clássicos eram estatistas, imperialistas e queriam criar uma “terceira via entre liberalismo e comunismo” e os pós-fascismos (ao menos o de Trump) são neoliberais. Os fascismos clássicos possuíam uma visão de mundo e um “modelo alternativo de sociedade”, enquanto os pós-fascismos (o de Trump é, novamente o exemplo) não tem programa ou se reduz a um “Make America Great Again”. Os fascismos clássicos estavam fundamentados em uma “ideologia forte” e o pós-fascismo, exemplificado por Macron, significa o “grau zero de ideologia”.

Com as sucessivas comparações, somos levados a definir o pós-fascismo a partir de traços ideológicos na esfera política, econômica e social: combate à democracia, defesa do livre mercado, ausência de projeto societário e de ideologia forte. Traverso, contudo, acrescenta uma marca diacrítica fundamental: “Lo que caracteriza al posfascismo es un régimen de historicidade específico – el comiezo del siglo XXI – que explica su contenido ideológico fluctuante, inestable, a menudo contradictorio, en el cual se mezclan filosofias políticas antinómicas.” (p.26).

A oralidade que marca o texto e a interrupção do entrevistador, provavelmente, o impede de detalhar esse novo “regime de historicidade”. Tomando como base o seu livro anterior (citado pelo apresentador, Régis Meyran), somos induzidos a compreendê-lo como um tempo sem futuro (horizonte de expectativas), algo que explicaria, inclusive, o caráter instável e contraditório das ideologias e as recorrentes antinomias em termos de “filosofia política” no interior dos movimentos e partidos. Esse auxílio, contudo, é insuficiente para relevar as contradições do próprio Traverso nas definições de pós-fascismos por meio de exemplos.

Afinal, se as antinomias são o caráter dos movimentos pós-fascistas, poderíamos rotulá-los como antidemocráticos? Se os fascismos italiano e alemão reuniam “corrientes diferentes, desde las vanguardias futuristas hasta los neoconservadores, de los militaristas más belicosos a los pacifistas muniquenses etc.” as antinomias deveriam continuar traço diferenciador dos movimentos e partidos do século XXI? Se as categorias “horizonte de expectativa” e “espaço de experiência” estão fundadas na ideia de continuidade passado/presente/futuro, porque afirmar peremptoriamente que as novas direitas do século XXI, exemplificadas na figura de Trump, não representariam uma continuidade histórica e nem uma herança com o fascismo histórico (mesmo que o sujeito citado não as reivindicasse conscientemente)?

O segundo capítulo – “Políticas identitarias” – expressa concepções de Traverso sobre o emprego da categoria “identidade”, acompanhada de suas críticas aos discursos identitários difundidos, principalmente, pela Frente Nacional (FN) e o “Partido de Indígenas de la República” (PIR). Sua ideia de identidade é remetida (entre outros referenciais) a P. Ricoeur – que lhe inspira na caracterização das identidades veiculadas pelos partidos de esquerda (ipseidade – identidade histórica) e de direita (mesmidade – identidade essencial). Em termos abstratos, Traverso elogia as políticas identitárias de esquerda que reivindicam o “reconhecimento”, ao passo que as de direita reivindicam a “exclusão”.

A esquerda radical (Traverso lamenta) nunca soube conciliar diferentes pautas identitárias, pondo o fator econômico (a classe) acima das identidades de raça, gênero e religião. Nesse sentido (ainda que de modo irônico, para Traverso), a nova direita representada pela FN, por exemplo, é mais eficiente, pois associa a defesa dos “blancos humildes”, manifestando, assim, a sua simpatia pela categoria interseccionalidade. Quanto às críticas às políticas de direita, estas não são nada genéricas. O laicismo, as identidades nacionais e étnicas difundidos pela FN são reacionárias (defensivas), ilógicas, antieconômicas e antissociais.

A melhor parte da discussão entabulada por Traverso, nesse capítulo segundo, está nas razões que ele aponta para esse reacionarismo. As políticas identitárias das novas direitas (que geram a exclusão de migrantes), o laicismo autoritário de Estado (que negam a cidadania plena aos ex-colonizados e que prometem o retorno à Europa anterior ao Euro) são produtos da própria República e do Colonialismo. Assim, não se pode acusar a FN de antirrepublicana, posto que as exclusões do tipo fazem parte da história da República francesa recente. Nesse trecho, quase que ouvimos Traverso declarar que não há (não houve) um germe ultradireitista. Foi a própria serpente (a República francesa) que pariu os identitarismos excludentes dos novos reacionarismos.

Aqui, vemos como o autor põe grupos de esquerda e de direita sob o mesmo solo – que gera as mesmas distorções. Ele avança ainda mais na indicação de semelhanças quando afirma que as “direitas radicais”, os “expoentes liberais e conservadores” não mais buscam “legitimar uma política” por meio da “ideologia”, que “se improvisa a posteriori”. Chega a empregar a expressão “pós-moderna” para tipificar esse traço do nosso tempo. Mesmo que esteja entre aspas, essa expressão não cabe na passagem.

Se ele admite a legitimidade política não ideológica como consequência de uma relação pós-moderna dos humanos com o tempo, as continuidades de ideias e práticas das novas direitas com as ideias e práticas de direitas do século XIX e XX não mais se sustentam. Se, ao contrário, ele reitera a interpretação das novas direitas dentro dos quadros de um novo regime de historicidade, a condição “pós-moderna” não faz nenhum sentido no seu texto.

Além desse deslise teórico, Traverso revela um misto de idealismo em relação à ideia de partido político, em prejuízo, inclusive da sua abordagem historicista (realista) sobre as novas direitas. A vida partidária, mesmo em tempo anterior ao século XXI, é marcada por estratégias de sobrevivência que resultam em diferentes comportamentos, desde a manutenção de um programa, passando pela captura dos eleitores, até a manutenção do poder, quando à frente do Executivo.

No terceiro capítulo do livro – “Antissemitismo e islamofobia” –, as questões identitárias ganham ainda maior espaço. O entrevistador parece determinado a extrair de Traverso uma crítica às definições dos termos em pauta e uma comparação entre os dois fenômenos, tomando-os em seus elementos aparentemente similares: o antissemitismo na primeira metade do século XX e a islamofobia no início do século XXI. O autor resiste várias vezes a compreendê-los como fenômenos simétricos e, implicitamente, a considerá-los “ideologias”. É certo, julga ele , que as afinidades existem: para os antissemitas dos anos 30 do século passado, judeus e bolchevistas eram um “outro” ameaçador, enquanto para os islamofóbicos, os mulçumanos e os terroristas islâmicos são um novo outro inimigo; o antissemitismo estruturava os ideais nacionalistas do início do século XX, enquanto a islamofobia estrutura os nacionalismos europeus do início do século XXI.

Essas similitudes, contudo, são menos expressivas quando observadas caso a caso, com destaque para a experiência francesa. Para Traverso, a “judeofobia” é combatida pelo Estado francês que, por sua vez, legitima a islamofobia. Os judeus estão integrados econômica, social e culturalmente, enquanto africanos e asiáticos e seus descendentes, mesmo nascidos na França, experimentam uma cidadania de segunda categoria. Nos anos 60 do século passado, ao lado dos negros, judeus marcharam em luta contra o racismo e pelos direitos civis. Hoje, organizações civis que congregam judeus confundem o Estado de Israel e comunidade judaica, oprimindo palestinos em suas próprias terras: “La memoria del Holocausto se há convertido en una religión civil republicana, en tanto que la memoria de los crímenes coloniales sigue negada o acallada, como en el caso de las controvertidas leyes de 2005 sobre el ‘papel positivo’ de la colonización.” (p.88). A emergência da islamofobia contemporânea, conclui o autor, não pode ser reduzida ao racismo clássico dos séculos XIX e XX ou ao fator imigração. O colonialismo entranhado na República é o que explica (na certeira expressão de Meyran) o “racismo de pobre” em vigor na França.

Observem que não apresentei nenhum senão ao capítulo terceiro e o mesmo ocorre com o quarto capítulo – “¿Islamismo radical o islomofascismo? El Estado Islãmico a la luz de la historia del fascismo”. Nele, novamente, Meyran tenta extrair de Traverso uma posição sobre a potência heurística da categoria (“islamofascismo”) e, consequentemente, sobre a validade de tipificar o Estado Islâmico (EI) com expressão do fascismo. Ele  rechaça a proposição, embora reconheça semelhanças entre os fascismos italiano, alemão e francês e as ações do EI.

Elas estariam principalmente, nos contextos de emergência do primeiro e do segundo fenômeno (desestabilização da Europa pós Primeira Guerra Mundial e desestabilização de países árabes pós invasões soviéticas, estadunidenses e europeias no Iraque e Afeganistão, por exemplo) e no caráter conservador das suas revoluções (o emprego da tecnologia para propagandear uma sociedade “obscurantista”, baseada em um “passado imaginário”. As diferenças, contudo, superam as similaridades mais gerais, quando, segundo Traverso, o analista aborda os fenômenos diacronicamente e em suas particularidades.

hemos visto surgir fascismos en América Latina, es decir, fuera de Europa: ahora bien, estos se instalaron en el poder gracias al apoyo de los imperialismos, las grandes potencias. En Chile, uno de los peores regímenes fascistas latinoamericanos se instaló mediante un golpe de Estado organizado por la CIA. […] La fuerza del EI, al contrario, radica en el hecho de mostrarse ante los ojos de muchos musulmanes como un movimiento de lucha contra el Occidente opresor. Eso vuelve problemático definir este movimiento como fascista.

Henry Kissinger e Augusto Pinochet 1976 Imagem Ministerio de Relaciones Exteriores de ChileWikipedia

Henry Kissinger e Augusto Pinochet (1976) | Imagem: Ministerio de Relaciones Exteriores de Chile/Wikipédia

Fascismo é conceito histórico, não devendo ser usado como categoria analítica. Totalitarismo (de H. Arendt) é categoria analítica adequada ao exame do EI, mas limitada à sua natureza abstrata (de categoria), a exemplo da categoria nacionalismo. O nacionalismo fascista é cimentado pelo “culto ao sangue” (Itália) e “culto ao solo” (Alemanha) e o nacionalismo do EI é “universalista”; o fascismo (categoria ou conceito histórico?) do Chile foi apoiado pelo imperialismo estadunidense que combate agora as ações do EI; o fascismo da Itália e da Alemanha emergem como alternativa à democracia liberal, enquanto o EI emerge em território que nunca praticou a democracia; o fascismo da Itália e da Alemanha eram anticomunistas enquanto o EI nunca encontrou a resistência de “uma esquerda radical”.

Ao listar meia dezena de razões para não tipificar o EI como fascista, Traverso demonstra os perigos das conclusões sobre causas e consequências de fenômenos históricos com base apenas no emprego de categorias (sobre todo os tipos ideais). Ideologias são apenas uma variável. Não é a religião que explica o EI: “hay que estudiar l la relacion que existe entre Marx, el marxismo, la Revolución Rusa y el estalinismo […] resulta evidente que el EI no es la revelación del islan ni la única expresión posible del islam, pero si uma de sus expresiones […] la Inquisición no es la única expresión posible del cristianismo, !también existe la teologia de la Liberación”. (p.92) Traverso, por fim, deixa implícito que quando cientistas sociais e historiadores tomam a ideologia como causa eles enviesam os resultados. Quando estrategistas e políticos agem dessa forma, o prejuízo é em escala. Eles criam “espantalhos”, omitem o assentimento popular ao EI, o financiamento ocidental ao EI, a contribuição ocidental midiática à banalização da violência (adotada pelo EI), a instrumentalização das ideias de direitos humanos, liberalismo e democracia para exterminar os movimentos emancipatórios de povos africanos e asiáticos.

Nas conclusões do livro – “Imaginario político y surgimento del posfascismo” –, mais uma vez, o leitor perceberá a tensão entre o reiterar de uma tese (a falência das utopias do século XX, a exemplo do comunismo e do fascismo, dá vasão às investidas pós-fascistas, encarnadas pelas novas direitas e o terrorismo islâmico), a instabilidade da aplicação dos conceitos (o “modelo antropológico do neoliberalismo”, também referido como “idolatria do mercado”, é ou não uma ideologia dos últimos 20 anos?) e a atribuição de valor na causação das novas direitas (a extinção das ideologias do século XX, a precariedade socioeconômica de grandes segmentos populacionais, na Europa, Ásia e África ou os dois condicionantes simultaneamente?).

Da mesma forma, ainda na conclusão, Traverso consolidará,  sinteticamente, as principais ideias que se propôs a defender durante a entrevista: 1. Novas direitas (ou direitas radicais) e islamismos não são fascistas; 2. Novas direitas e islamismos são “sucedâneos” reacionários (passadistas e xenófobos) das utopias do século XX; 3. Movimentos sociais e partidos políticos de esquerda (com suas iniciativas, ironicamente, dispersas em um mundo globalizado) não são capazes, no curto prazo, de preencher esse vazio utópico; 4. “Religiões cívicas” como o republicanismo francês pós massacre Charlie Ebdo e memorialismo anti-holocausto, respectivamente, acrítico e vitimista, são incompetentes como freios às novas direitas. Sua percepção de futuro, contudo, é otimista: “no hay inexorabilidade alguna. Pueden myy biente aparecer en cualquer momento mentes creadoras, dotadas de una poderosa imaginación, y proponer una alternativa, outro modelo de sociedad.” (p.116).

No início desta resenha, anunciei a razão da minha escolha: queria observar o que caracterizaria o trabalho de um historiador de formação e ofício que estuda o fenômeno das “novas direitas”. A resposta serve como avaliação geral do livro. Em Las nuevas caras de la derecha o noviço de história é beneficiado, talvez, pelo gênero textual (marcado pelos diálogos entre Meyran e Traverso) que elimina a organização lógica de um texto e (se o noviço aceita participar como observador) em benefício da liberdade de suspender a leitura e refletir sobre o lido sem perder o fio da meada (já que as questões ou temas se encerram ao final de uma ou duas intervenções do entrevistador).

Esse expediente possibilita a percepção das várias tensões que atravessam o livro e que ensinam de modo mais realista como trabalha um historiador que se ocupa do referido tema, obviamente, aos que estão predispostos a aprender: a tensão sobre as escolhas de variáveis para a comparação (sobre o que serve e o que não serve para fazer analogias, se mais as semelhanças, se mais as diferenças) e as justificativas políticas empregadas para fazê-lo; a tensão sobre a adequabilidade e a eficácia do emprego do conceito histórico e da categoria analítica; a tensão da escolha entre se comportar como historiador tipicamente historicista (examinando múltiplas variáveis e construindo contextos prováveis a partir de múltiplos pontos de vista) e um cientista social (empregando modelos/tipos e fazendo generalizações sobre sujeitos concretos a partir de categorias/abstrações); a tensão de perceber a oportunidade para problematizar uma situação concreta, mediante antinomias ou explicações unilaterais, e de encontrar o melhor momento para reiterar a sua tese sobre os estados de coisas nos quais estamos envolvidos no início do século XXI (Estado Islâmico, Trump, Le Pen): fenômenos pós-fascistas resultam do fracasso das revoluções do século XX e da crise do capitalismo como fornecedores de horizontes de expectativas para populações alijadas da globalização e vitimadas pelo colonialismo.

Sumário de Las nuevas caras de la drecha

  • Prefacio a la edición castellana
  • 1. Prólogo
  • 2. ¿Del fascismo al posfascismo
  • 3. Políticas identitarias
  • 4. Antisemitismo e islamofobia
  • 5. ¿Islamismo radical o “islamofascismo”? El Estado Islámico a la luz
  • de la historia del fascismo
  • Conclusión. Imaginario político y surgimiento del posfascismo
  • Sobre el autor

Para citar esta resenha

TRAVERSO, Enzo. Las nuevas caras de la drecha. Buenos Aires: Titivillus, 2021. 234p. Resenha de: FREITAS, Itamar. As recentes direitas de um historiador. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n. esp. (Novas Direitas em discussão), ago. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/3237/>.

Menos Marx, Mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil | Camila Rocha

Camila Rocha Imagem Diplomatic 2
Camila Rocha | Imagem: Diplomatic

Menos Marx, mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil, de Camila Rocha, resulta da pesquisa de doutorado em Ciência Política, desenvolvida na Universidade de São Paulo/USP e defendida em 2018. A pesquisa ganhou os prêmios de Tese Destaque USP no âmbito das Ciências Humanas e melhor tese pela Associação Brasileira de Ciência Política. Em 2021, após adaptações na estrutura e na linguagem, com vistas a atingir a comunidade leitora não especializada, o trabalho foi publicado pela editora Todavia.

Menos Marx mais MisesA obra está organizada em introdução, três capítulos centrais, estes divididos em subcapítulos de número e extensão variável, e considerações finais. Nuclearmente no livro é o argumento de que a chamada “nova direita” brasileira constitui “contra-públicos” que se organizaram fora das estruturas tradicionais de poder; se afastariam da “velha direita” por serem críticos e não mostrarem-se tributários nem devedores da ditadura-civil militar; e resultarem de acomodações entre o ideário “ultraliberal”, no âmbito da economia, com perspectivas “conservadoras”, no campo das relações sociais, algo que o debate político corrente na mídia e imprensa tem tratado, por vezes, de maneira simplista e inadequada sob a expressão “pauta de costumes”. Leia Mais

Políticas Culturais dos Partidos Comunistas na América Latina | Adriana Petra

Adriana Pedra Imagem Infobae
Adriana Pedra | Imagem: Infobae

As políticas culturais dos Partidos Comunistas (PCs) da América Latina, especialmente as publicações impressas, constituem-se o centro das análises dos capítulos apresentados nesta obra. Destaca-se, no entanto, que as produções cinematográficas soviéticas e suas relações com o cinema hollywoodiano sobressaem-se como uma contribuição relevante do quinto capítulo para a historiografia chilena sobre o Partido Comunista do Chile (PCCh). Os capítulos demonstram que a militância política e a produção teórica caminharam juntas na região da América do Sul. Embora estivessem submetidas ao contexto da Guerra Fria (1947-1989) e aos laços com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) – e seu Partido Comunista (PC) –, a potência e originalidade dos projetos culturais dos comunistas latino-americanos superavam os limites do estalinismo1.

O primeiro capítulo Libros y folletos de la Internacional Comunista en América Latina. Algunos apuntes para su historia, do historiador chileno Manuel Loyola, trata das formas de difusão de publicações da Internacional Comunista (IC) para a América Latina. Apresenta e estabelece as bases de possíveis investigações futuras sobre a atividade publicística que caracterizou a proposta lectoral da IC para a região da América Latina. Leia Mais

Paths for Cuba. Reforming Communism in Comparative Perspective | Scott Morgenstern, Jorge Pérez-López, Jerome Branche

Paths for Cuba es un oportuno volumen editado que examina la Cuba actual desde la perspectiva de muchos campos diferentes, como la economía, las ciencias políticas, el derecho internacional, los estudios culturales, y la literatura latinoamericana. El objetivo principal del libro es analizar Cuba en el contexto actual de cambio y reforma. La metodología del texto es un marco comparativo que incluye países de Asia, Europa del Este, y América Latina. La tesis principal del libro es que “las reformas toman un camino no lineal, sin un final predeterminado en Cuba”. Los editores están de acuerdo en que el cambio y la reforma suceden en un “contexto interno y externo único”. La primera parte del libro se centra en la economía. El Capítulo 1 hace referencia al Consenso de Washington de 1989 y cómo reaccionó el gobierno cubano ante este proyecto. El capítulo se enfoca en el crecimiento económico y la necesidad de combatir la pobreza en la isla. En este capítulo se niega una amenaza militar existencial de un vecino poderoso, pasando por alto la constante amenaza del gobierno de los Estados Unidos al proyecto revolucionario. En esta lógica, es un estudio tecnocrático que no aborda los antecedentes históricos de la condición económica cubana. En un enfoque similar, el Capítulo 2 discute la posibilidad de que Cuba se convierta en un “jaguar caribeño”, sin ofrecer más que escenarios hipotéticos. El capítulo 3 analiza las relaciones entre Cuba y China, centrándose en la inversión extranjera en Cuba y las posibilidades de crecimiento económico. El Capítulo 4 explora, de manera bastante acrítica y poco reflexiva, las perspectivas de la transición al libre mercado, analizando las “reclamaciones de expropiación” contra Cuba por parte de empresas estadounidenses, argumentando que encontrar una solución a esa situación es indispensable para el futuro crecimiento económico de la isla. Este enfoque parece ser, cuando menos, poco realista e injusto, ya que el autor solo menciona los reclamos de Cuba contra el bloqueo económico estadounidense al final del capítulo. Además, los reclamos de Cuba aparecen como “políticos” pero no económicos. Como resultado, la primera parte del libro muestra un enfoque pro-estadounidense, sin empatía por la historia de la revolución. La segunda parte del libro se centra en la esfera política y las políticas estatales en el contexto revolucionario. Comienza con el capítulo 5 que analiza la dinámica del “accountability” en la Revolución Cubana. Estudiando cartas abiertas a Granma, el periódico del Partido Comunista, el autor explora la dinámica de “respuesta y sanción” para abordar la relación entre la legitimidad del régimen y la opinión pública en Cuba. El autor afirma que las cartas críticas aumentaron en número de 2008 a 2014 en un contexto de reformas económicas leves. Según él, estas cartas brindan información sobre la calidad de la gobernabilidad y las características únicas del contrato social en Cuba. Concluye que esas cartas publicadas en Granma cumplen la tarea de “desahogo”; es decir, no solo brindar información al pueblo cubano sino liberar tensiones sociales en la sociedad cubana. El capítulo 6, uno de los mejores capítulos del libro, se centra en el Partido Comunista de Cuba (PCCh), explorando la relación entre el partido y el Estado, problematizando la idea del PCCh como expresión de la soberanía popular. Además, este capítulo examina la idea del poder popular en la Asamblea Nacional, criticando el funcionamiento de ese organismo y argumentando que el PCCh es un partido revolucionario desligado de la historia, con objetivos de “preservar el comunismo” en lugar de construirlo. Por lo tanto, el autor concluye, el principal objetivo del partido es “resistir el cambio”, argumentando que el PCCh es en realidad una “fuerza conservadora” más que revolucionaria. Para el autor el problema es, de este modo, el leninismo, y no necesariamente el marxismo. El PCCh bajo el liderazgo de Raúl Castro, según el autor, eligió la reforma política en lugar de las reformas económicas. Los otros capítulos de la segunda parte siguen preguntas similares relacionadas con las reformas a través de perspectivas comparativas. El Capítulo 7 explora la transición y su relación con la democracia, partiendo de la premisa (problemática en si misma) de que “Cuba tiene una experiencia democrática limitada”, evidenciando una falta de voluntad para pensar la democracia desde perspectivas distintas a la liberal, y mostrando un enfoque tecnocrático para entender las ideas cubanas sobre la democracia. El autor destaca las “perspectivas negativas para Cuba”, argumentando de manera poco convincente y sin ninguna evidencia, que “la riqueza y las credenciales democráticas de la comunidad de exiliados cubanos en los Estados Unidos” son la única esperanza para la democracia cubana. El Capítulo 8, igualmente, explora la protección social cubana, argumentando que el “sistema cubano no tiene sostenibilidad financiera”, sugiriendo un sistema mixto para el futuro de Cuba. El capítulo 9 es un enfoque comparativo de América Latina que analiza la protección social y destaca la importancia política de los estados de bienestar. Este capítulo señala que el envejecimiento de la población cubana y el sector informal de la economía que afectan las bases fiscales de la protección social, deparan un futuro incierto para el sistema cubano. El Capítulo 10, por su parte, se centra más en Europa del Este que en Cuba, argumentando que existe una “fatiga democrática” en algunos de los antiguos países comunistas, con “un nivel muy bajo de satisfacción con la democracia”. Por lo tanto, el autor argumenta que hay un “declive de la democracia en los estados poscomunistas”. En el caso de Cuba, el autor afirma que el régimen podría convertirse en un gobierno parlamentario como resultado de una transición a la democracia liberal. La tercera parte del libro, “Ciudadanos y Sociedad”, ofrece algunos de los enfoques más interesantes provenientes de los estudios culturales y la literatura latinoamericana. El capítulo 11 analiza el “contrato racial” en Cuba, explorando la relación entre biopolítica y socialismo. El autor destaca la persistencia del racismo bajo el socialismo. El capítulo ofrece una crítica al universalismo y las fantasías totalizadoras en Cuba, abordando el papel de la “unidad nacional” en la persistencia de los estereotipos racistas y la desigualdad racial en la isla. El capítulo 12 aborda la violencia doméstica y la incapacidad del Estado para enfrentar el tema. El Capítulo 13, por otro lado, examina el papel del arte y el activismo en la esfera pública a través del interesante concepto de “artivismo”. Aunque este es uno de los capítulos más interesantes, el autor no elabora ninguno de los temas que se presentan al comienzo. En cambio, el autor se limita a repetir lo que dicen las fuentes, sin profundizar en el análisis. Como consecuencia, el capítulo carece de profundidad teórica y analítica. El libro termina con una conclusión escrita por los editores destacando la necesidad de un cambio en el sistema económico cubano, remarcando que la democracia no es inevitable y señalando el poder del “legado revolucionario” en el contexto cubano. La conclusión reitera el futuro impredecible y advierte sobre el rol de las emociones, valores, actitudes, y habilidades políticas en el futuro del país. Así, el libro ofrece una variedad de enfoques y temas, con algunos capítulos que muestran sesgos en contra del proyecto revolucionario, como los capítulos 4 y 7, probablemente los capítulos más débiles del libro, ya que ofrecen un análisis pobre, sin ninguna sensibilidad histórica. Otros capítulos, el 10 y el 12 por ejemplo, demuestran un análisis más reflexivo de la realidad cubana. Sin duda, los capítulos 5, 6, 11, escritos por Martin Dimitrov, Larry Catá Backer y Alan West-Durán respectivamente, son lo mejor que ofrece el libro, desarrollando sólidos análisis en perspectivas comparadas y contribuyendo al debate sobre el futuro de la isla. Así, el libro se presenta como una texto pertinente y provocador, con múltiples perspectivas para comprender Cuba y pensar su futuro. Con algunos capítulos más convincentes que otros, pero con cada uno de ellos motivando (directa o indirectamente) la reflexión crítica sobre los posibles escenarios venideros. Leia Mais

“Chile/ la Rusia de América”. La Revolución Bolchevique y el mundo obrero socialistacomunista chileno (1917-1927) | Santiago Aránguiz Pinto

Desde sus orígenes, la adscripción prosoviética de los partidos comunistas fue uno de los tantos aspectos constitutivos de su impronta. No solo los diferenció de otras organizaciones de izquierda, también fue delimitando el propio campo de los comunismos a lo largo del siglo XX. Tal como lo ha planteado Roberto Pittaluga, la Revolución Rusa motivó, para las izquierdas del mundo, actualizar el debate político e ideológico en torno a la emancipación1. De esta manera, terminó por expresar diversas formas de interpretar la realidad local, marcando así sus partiduras identitarias a principios de esta centuria2. En el caso del comunismo, este influjo fue correlativo a la proliferación de estos partidos y su proceso de constitución como un movimiento internacionalista. Por esta razón, su estudio ha sido una aproximación recurrente en la historiografía para abordar el origen de los partidos comunistas desde una perspectiva preocupada por su dimensión global.

En este campo, el libro “Chile, la Rusia de América” busca contribuir a los esfuerzos que, en los últimos años, han cuestionado las miradas reduccionistas respecto a las articulaciones que la Revolución Rusa y la Unión Soviética (URSS) coadyuvaron en los partidos comunistas3. En ese sentido, conceptos como “impacto” o “influencia” se han puesto en entredicho en la medida que proyectan una lógica de radiación que, en múltiples planos, expresaría la asimetría entre los partidos comunistas y la URSS. Al respecto, Gerardo Leibner nos recuerda que, más que tratarse de autoimposiciones provenientes desde el exterior, estas manifestaciones se entroncaban con experiencias y subjetividades enraizadas en el medio sociocultural nacional4. Así, desde distintas veredas historiográficas, se ha avanzado en complejizar la relación entre lo nacional y lo internacional en el comunismo, integrando en la mirada a los actores y actrices locales y sus contextos. De este modo, el concepto de “recepción” ha cobrado presencia en estos estudios al visibilizar dichos procesos creativos. A mi parecer, si bien el libro trata de inscribirse en este desarrollo, ofrece una mirada que, finalmente, reafirma la unidireccionalidad de estas interacciones, pese a cuestionarla en principio. Leia Mais

Clio nei socialismi reali. Il mestiere di storico nei regimi comunisti dell’Europa orientale | Stefano Santoro e Francesco Zavatti

Francesco Zavatti 3
Francesco Zavatti | Foto: Baldic Worlds

Il lavoro curato da Stefano Santoro e Francesco Zavatti affronta l’arduo compito di ricostruire e analizzare l’uso strumentale della storia e il conseguente rapporto degli storici con i regimi comunisti dell’Europa orientale. La materia è molto complessa poiché riguarda sia l’autonomia di giudizio e il coraggio degli intellettuali di difendere le proprie idee in regimi autoritari, sia gli effetti sui lavori prodotti dagli aspetti più concreti/quotidiani della loro vita e la condivisione da parte di molti di loro dell’ideologia dominante e dell’impostazione data alla ricerca storica.

Clio nei SocialismiL’opera si sviluppa lungo un arco di tempo compreso tra l’instaurazione, il consolidamento, la crisi e il crollo dei regimi comunisti e si inserisce nel ristretto campo di studi delle storiografie sul periodo e in quello più ampio della generale valutazione dell’impegno dello storico e della sua incidenza sulla realtà nella quale è inserito. L’ultimo aspetto rende potenzialmente fruibile il volume anche a un pubblico di non specialisti a conoscenza delle vicende successive al secondo conflitto mondiale e poco vicini alle problematiche storiografiche. Tre interventi di Alberto Basciani, Fabio Bettanin e Mark Sandle completano il volume nella sezione Bussole. Leia Mais

Pandemia. COVID-19 e a reinvenção do comunismo | Slavoj Žižek

Nascido em 1949 em Liubliana na Eslovênia, Slavoj Žižek, é filósofo e psicanalista. Sua produção intelectual tem sido influenciada principalmente por obras de Karl Mark e Jacques Lacan, e pautada em crítica e reflexões originais sobre diversas áreas do conhecimento, com destaque para a cultura e política da pós-modernidade. Atua como professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Luibliana, bem como presidente da Sociedade de Psicanálise Teórica, de Liubliana. É diretor de relações internacionais do Instituto de Humanidades da Universidade Birkbeck, de Londres, Inglaterra. Autor de diversas obras com os títulos Bem-vindo ao deserto do Real! (2003), Às portas da revolução: escritos de Lênin de 1917 (2005), e O sujeito incômodo (2016). A obra objeto desta resenha constitui uma congregação de ensaios relacionados a pandemia da COVID-19, organizado em treze capítulos, o autor inicia seu texto com críticas a exposição que se fez sobre o surgimento do perigo, na época eminente, do novo Coronavirus, em comparação com outras epidemias anteriores. O autor faz alusão a última grande pandemia de influenza, a gripe espanhola, que entre 1918-1920 atingiu mais de 50 milhões de vítimas. Destaca, ainda, que na contemporaneidade a influenza ainda se faz presente e tem ceifado milhares de vidas todos os anos. Com essa breve contextualização do problema, o autor nos remete ao que ele considera a raiz da questão, que é a conectividade do nosso mundo, “quanto mais nosso mundo estiver conectado, mais um desastre local pode deflagrar um pavor global e, eventualmente, uma catástrofe” (Žižek, 2020, p. 13). Neste ponto o autor critica as medidas de isolamento e quarentena, que nos remetem a ideia de comunismo, ressaltando a importância de uma resposta global com ações coordenadas. Ainda nos capítulos iniciais, o autor destaca que em se tratando de uma pandemia, será necessário que os governos tomem medidas fortes que em muito se parecem ideias comunistas, como controlar a produção e a distribuição principalmente de alimentos, para evitar desabastecimento e consequentemente fome. Neste ponto, tendo em vista que esse ensaio foi escrito no começo da pandemia, observa-se que alguns países como Itália, França, Espanha, Inglaterra, China, Estados Unidos, dentre outros, já estão adotando plenamente esses esforços de controle, fugindo assim da lógica do capital. Verifica-se que se não houver esforço coletivo de cooperação e colaboração dos governos em combater os efeitos socioeconômicos da pandemia da COVID-19, deixando de lado a lógica exploratória e brutal do capital para pensar nas pessoas, em termos de sobrevivência, o mundo como o conhecemos necessitará ser reinventado devido a ampliação da desigualdade, pobreza e conflitos. Isto remete reflexões sobre um novo modelo socioeconômico para substituir o capitalismo, que desde a algum tempo já vem demonstrando ser insustentável, como tem reiterado as sucessivas crises econômicas que expõe a fragilidade do sistema capitalista. Neste sentido, retomando o título do livro desta resenha, constata-se que a proposta de reinvenção do comunismo, é a tentativa do autor em provocar reflexões sobre o futuro do capitalismo, congregando novos fatos e evidências a partir da eminência da COVID-19. Um desses fatos abordados na obra de Žižek são suas explicações acerca da reação das pessoas frente a pandemia. Para tanto, o autor busca na psicologia uma associação oportuna a partir do livro “Sobre a morte e o morrer”, publicado em 2008, de autoria da psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, que propõe cinco estágios de reação quando as pessoas são diagnosticadas com uma doença terminal, que são eles: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Ao relacionar a abordagem de Kübler-Ross (2008) com a pandemia, Žižek (2020, p. 24-27) discute esses cinco estágios destacando slogans que disseminados nas mídias e redes sociais como sobre a negação: “Não há nada grave ocorrendo, há apenas alguns indivíduos irresponsáveis disseminando pânico”; raiva: “Os culpados são os chineses sujos ou a ineficiência do Estado em lidar com esse tipo de crise”; negociação: “Ok, há algumas vítimas, mas a situação é menos grave que a SARS e ainda podemos limitar o estrago”; depressão: “Não nos enganemos mais, estamos todos perdidos” e, por ultimo a aceitação: “Ok, as pessoas vão continuar morrendo, mas a vida vai seguir, talvez haja alguns efeitos colaterais positivos”. O autor também destaca que a pandemia pode suscitar um vírus ideológico que nos motive a pensar além de Estado-nação e nos leve a refletir sobre novas formas de cooperação e solidariedade globais. Destaca ainda que, assim como a catástrofe de Chernobil na Rússia em 1986, que deflagrou o fim do comunismo soviético, especula-se que o coronavírus possa fragilizar ou até mesmo provocar ações para mudanças no governo comunista na China. Todavia, o autor admite que a COVID-19 pode nos estimular a reinventar o comunismo com base na confiança no povo e na ciência, mesmo com o negacionismo e a banalização desses temas por governantes nacionais de alguns países como o Brasil. A partir da narrativa de Fredric Jameson, conceituado crítico literário e teórico marxista, o autor fala do enredo utópico apresentado em filmes de catástrofes, onde uma ameaça como um asteroide ou uma pandemia põe em risco a vida (Žižek, 2020). Frente a isso, a humanidade é capaz de ensejar uma nova solidariedade global, colocando as diferenças em segundo plano e se unindo por uma causa comum, a busca de uma solução. O autor pondera que já estamos vivenciando um acontecimento como esses retratados nos filmes, mas que ainda estamos muito aquém de uma união global para uma solução solidária. O autor destaca que ainda precisamos repensar nossas prioridades, além da ameaça viral, vivenciamos outras catástrofes ou crises paralelas como as de natureza climática: seca, ondas de calor, tempestades massivas etc. Além disso, segundo o autor, há inúmeras notícias nas mídias de massa que se preocupam mais com o mercado e os efeitos da pandemia na economia do que em relação a outras questões, considerando as centenas de milhares de pessoas que já morreram e que ainda irão morrer. Nesse sentido, o autor menciona ser necessário repensar a economia para que as pessoas não se tornem extremamente dependentes do mercado da conectividade, como algum tipo de organização global capaz de controlar e regular a economia. Eis um dos ápices do livro de Žižek onde sustenta a noção de reinvenção do comunismo. Com base nos escritos de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, escritos da juventude, para descrever a atual situação, o autor destaca que, o que aprendemos com a história é que não aprendemos nada com a história (Žižek, 2020). Aplicando a atual situação, o autor, destaca que a epidemia não nos deixará mais sábios, mas sim confrontará os fundamentos de nossas vidas, causando dor, sofrimento e caos econômico possivelmente pior que a Grande Recessão de 1929 ou ainda em relação a outras pandemias. Žižek sustenta que não existe um retorno ao normal da vida cotidiana pré pandemia, mas sim que o novo ‘normal’ deverá ser construído sobre o que sobrar ou se mantiver de nossas antigas vidas antes da pandemia, evidenciando a necessidade de se repensar tudo. Nesse aspecto o autor propõe que a pandemia COVID-19 poderia revitalizar o comunismo, pois, segundo o autor, nesses momentos de pânico é necessário uma abordagem mais centralizada e articulada, como a adotada pelo Estado chinês, como seu regime comunista. O autor menciona que o uso do termo ‘comunismo’ ou reinvenção do comunismo em sua obra está associada a necessidade de resposta globais coordenadas a ameaça da atual pandemia. Destaca que, os governos precisam se unir, como se estivessem em guerra, neste caso, não contra uma nação inimiga, mas sim contra um inimigo comum e invisível: a COVID-19. Contudo, a maior preocupação do autor indicada na obra é a possibilidade da aplicação de medidas de sobrevivência orientadas pelos governos e com respaldo de especialistas. O autor destaca que isso não está longe de acontecer e pondera que se pode observar no tom dos pronunciamentos e discursos das autoridades a proposição de novos hábitos e rotinas de convivência com a pandemia. Ressalta-se que de forma subliminar estamos sendo convencidos a aceitação da lógica da sobrevivência. Isso implicaria em deixar de lado os cuidados com os fracos ou idosos e que sobreviva o mais apto. Ainda nesse contexto, o autor critica a atitude de alguns governantes, sobretudo o de Donald Trump que buscou reservar doses de vacinas, ainda em testes e experimentação, exclusivamente para os Estados Unidos. O autor argumenta que no contexto de pandemia, os governos se veem diante de escolhas radicais, em alguns casos pode haver conflitos e lutas pelo poder, em outros o incentivo é para proteger a economia a todo custo. Assim, o autor destaca que é necessário que se reflita acerca das ações dos governantes e da própria forma de agir do Estado. Como conclusão o autor pondera que se deve repensar a forma de se pensar política, de se pensar o Estado, de se pensar em nações, pondera a necessidade de solidariedade global. Destaca que, além do coronavírus, outras questões precisam de atenção, são ameaças eminente como as questões ambientais e assim por diante. Que se aproveite esse momento para se por em discussão questões pertinentes que se façam ajustes necessários não só para se conter o coronavírus, mas para a própria sobrevivência humana. Ao analisar a obra como um todo, observou-se mudança de posicionamentos do próprio autor no decorrer de seus escritos. Como se trata de ensaios escrito no início da pandemia do novo coronavírus, inicialmente o autor adota uma postura muito mais cética em relação a COVID-19 e se de fato seria uma ameaça real ou se tratava mais de uma paranoia exagerada pela mídia e pelos governos, o que fica bem evidente nos capítulos iniciais onde, critica duramente as ações tomadas por governantes quanto aos decretos de limitação de circulação das pessoas. No entanto, à medida que os capítulos avançam, o que corresponde ao próprio avanço da pandemia, nota-se uma mudança de postura quanto a pandemia e seus efeitos, bem como com as medidas tomadas para se conter o avanço do vírus. Tal comportamento explicitado pelos ensaios do autor, indica um pouco do que as pessoas sentiram e ainda sentem, mas que estão aprendendo e revendo, durante a pandemia, que ainda perdura. Em suma, é possível que todos que lerem a obra de Žižek, se identifiquem com algo tratado por este autor. Quanto a questão central da obra de Žižek, a reinvenção do comunismo, primeiramente se refere a uma crítica ao regime comunista chinês, que segundo o autor pode ser abalado e correr o risco de colapsar devido a forma como lidou com o início da catástrofe causada pelo novo coronavírus. No desenrolar de sua obra o autor destaca que essa reinvenção do comunismo, não necessariamente se refere a um novo regime politico econômico, mas a atitudes adotadas por governantes que em muito relembram ideais comunistas, em destaque a solidariedade, participação mais ativa e provedora do Estado em prover segurança, saúde e demais serviços básicos e, que em alguns casos, levou governos a estatizarem, mesmo que temporariamente, alguns setores da economia para garantir seu funcionamento. Em suma, a reinvenção do comunismo, trata-se de uma ideia de união e solidariedade global, como a apresentada em filmes apocalíticos, nos quais a humanidade se depara com um evento catastrófico que pode levar a extinção da raça humana, como a atual pandemia. Isso fomenta a união global, deixando de lado as diferenças e juntando esforços para a resolução dos problemas. Embora um tanto utópico a ideia de politicas públicas globais em prol da humanidade, o autor destaca que algumas coisas já tem sido feitas, como uma frente mundial contra a COVID-19, liderada pela Organização Mundial de Saúde – OMS e que as discussões nesse respeito se intensificaram cada vez mais com a ameaça do novo coronavírus. Por fim, esta obra é dirigida a todos que desejam se aprofundar em uma discussão filosófica sobre a organização político-econômica mundial, críticas as ações de combate a pandemia e reflexão sobre nossa natureza frente a uma pandemia e nossa forma de pensar nossa existência e repensar nossas ações como seres humanos. Leia Mais

Comunismo y clase obrera hasta los orígenes del peronismo | Hernán Camarero, Diego Ceruso

La publicación de un nuevo libro de la colección La Argentina Peronista reúne, de modo sintético y accesible, las principales tesis desarrolladas por Hernán Camarero y Diego Ceruso durante largos años, referidas a la experiencia histórica de las izquierdas y la clase trabajadora en la primera mitad del siglo XX argentino. Se trata de un trabajo en clave de difusión, centrado en el análisis del proceso de ascenso y ocaso de la influencia del Partido Comunista en la clase trabajadora, cuyo recorte se ubica entre el nacimiento de la organización y los orígenes del peronismo. Leia Mais

Forty Autumns: A Family’s Story of Courage and Survival on Both Sides of the Berlin Wall – WILNER (TH-JM)

WILNER, Nina. Forty Autumns: A Family’s Story of Courage and Survival on Both Sides of the Berlin Wall. New York: HarperCollins, 2016. 391p. Resenha de: SHIELDS, Trevor. Teaching History – A Journal of Methods, v.45, n.2, p.55-57, 2020.

On June 26, 1963, President John F. Kennedy, on a visit to West Berlin, eloquently lamented, “The [Berlin] Wall is…an offense not only against history but an offense against humanity, separating families, dividing husbands and wives and brothers and sisters, and dividing a people who wish to join together.” All too often, the humanity of those impacted by the events of the Cold War gets lost in the background of the larger narrative of communism versus democracy—the Soviet Union versus the United States. Nina Willner’s work, Forty Autumns: A Family’s Story of Courage and Survival on Both Sides of the Berlin Wall (2016), successfully and vividly injects much needed humanity into the Cold War.

Written as primarily a family memoir, Forty Autumns tells the story of just one of the families divided by the Berlin Wall. Willner’s book chronicles the life of her mother, Hanna, and grandparents, Erna and Karl (Willner regularly only refers to Erna and Karl as Oma and Opa, or Grandma and Grandpa.) The book, which is divided into roughly four sections, begins with several maps of Europe during the Cold War. From there, one of the greatest features of the book appears, a family and historical chronology as Willner pairs the events of the Cold War physically right alongside their impact on her family. Seeing the history of the Cold War linked to the impacts of particular historical events on real people makes the vivid narrative of Forty Autumns difficult to put down. In 1946 the Soviets occupied East Germany and imposed Soviet law. That same year, Opa, who fought for the Germans during WWII, was forced to begin teaching Soviet doctrine to his many students in East Germany.

The Cold War had more physically terrifying consequences on the people of East Germany than being forced to learn and love communism. Not wanting to take any chances of people inciting dissent, many East Germans were thrown into prison with little idea why they had been arrested. The Hoheneck Castle, which was known around the world for its Gothic and Renaissance architecture, was converted to house women. In eloquent yet terrifying prose, Willner paints the picture: “There, skin to skin, in total darkness, with no room to sit, they were made to stand in knee-deep freezing water for days on end in dank, poorly ventilated chambers until they simply passed out” (72). The inhumanity of what happened at Hoheneck Castle, although known to historians, is often missing from more traditional narratives. Since Forty Autumns was written in such an accessible way, more people today will understand the realities of life behind the Iron Curtain.

Willner’s book could be used in the classroom in a variety of ways. The most obvious, though, would be to use the story of her family to both introduce and to potentially teach the entirety of the Cold War. This would be particularly doable since Willner interjected the major events of the Cold War throughout the many pages of Forty Autumns. On the family level, for example, East German authorities harassed Opa at the same time the Warsaw Pact was being formed and dissent was being silenced. Forty Autumns definitely brings to life the impact of many Cold War developments on both individuals and Germany as a whole.

While not all of Millner’s family lived to see Germany reunified in 1990, all the individuals discussed helped make true a few of President Ronald Reagan’s words: “What is right will always triumph” (324). Although much of Forty Autumns detailed the horrors of life under communism in East Germany, it ended on a positive note, with Willner’s extended family reuniting in a united Germany in 2013. Anyone interested in learning more about the Cold War or about one family’s brave attempt at enduring the unthinkable should give Forty Autumns a read. Beyond that, in a more contemporary moment where construction of a wall is regularly discussed as a way to make life better for so many, the history within Forty Autumns should be seen as a foreboding tale.

Trevor Shields – Minooka High School.

Acessar publicação original

[IF]

Textbooks as Propaganda: Poland under Communist Rule: 1944-1989 – WOJDON (IJRHD)

WOJDON, Joanna. Textbooks as Propaganda: Poland under Communist Rule: 1944-1989. Routledge, 2018. Resenha de: VAJDA, Barnabas. International Journal of Research on History Didactics, n.40, p.265-260, 2019.

How did a Communist political system, the Polish one, deal with primary school textbooks? How did it try to influence teaching and learning through Marxist political messages? How did it deliberately distort the content of all school textbooks in order to make an impact on the minds and thinking of future generations? Joanna Wojdon’s Textbooks as Propaganda. Poland under Communist Rule, 1944- 1989 gives us a thorough and detailed explanation which goes well beyond Poland’s historical experience. Even if her starting point is that ‘schools were supposed to install communist ideology and a positive attitude toward the Soviet Union’ (p. 140), in fact, I am convinced that the lessons we can learn from this book stretch far beyond the post-Communist countries.

Certainly, we have already known many things. In fact, there is no need to prove that communist regimes wanted schools to indoctrinate young people even from the very first grades. And Joanna Wojdon’s book gives us a substantial amount of proof that neither the Polish nor other Eastern European communist regimes even tried to hide their intentions. On the contrary, they openly declared their ideological goals. She rightly touches upon a general rule as an overall context for communist textbooks: ‘The term “doing a textbook” was coined to characterize the flow of many lessons’, i.e.

to follow the book step by step, and she reaches an extremely important conclusion that ‘textbooks, not curricula, were what teachers and pupils actually “did”’ (p. 1).

It has also long been known that Eastern European communist school systems used to have a significant amount of teaching content in textbooks inserted purely for political reasons. Anybody with just the slightest experience form those pre-1989 years could remember the achievements of the Soviet natural sciences and especially space research, the presentation of workers’ achievements of those times – and not only in history textbooks! And this is one of the features that places Joanna Wojdon’s book on the top of our bookshelves, i.e. ‘She explores the ways in which propaganda was incorporated into each school subject, including mathematics, science, physics, chemistry, biology, geography, history, Polish language instructions, foreign language instructions, art education, music, civic education, defense training, physical education, and practical technical training.’ (p. i) Joanna Wojdon has rightly chosen primary textbooks as the source and subject of her research since she reconstructs the universal message of the communist regime aimed at ‘the youngest citizens’ who as the youngest readers are vulnerable and ‘therefore more susceptible to propaganda messages’ (p. 2). The author who is an Associate Professor of History at the University of Wroclaw, Poland, and who follows in the steps of her earlier book The World of Reading Primers: The Image of Reality in Reading Instruction Textbooks of the Soviet Bloc’(2015), nicely explores the most significant ideological strategy of the times, the all-present and omnipotent workers’ perspective which used to be the foundation of mass-oriented communist indoctrination. This one-sided world view, where the imaginative ‘worker’ was the alpha and the omega of all arguments, produced for instance ‘in the history of the Roman Empire the reason for its collapse was reduced to, the characteristics of its social classes and the rebellions of its slaves’ (p. 111).

Since Joanna Wojdon has researched almost all Polish textbooks of the selected time period (from 1944 to 1989), we can be curious to know if there was a special ideological stress in history textbooks? There certainly was. I regard as extremely fascinating how the author explores the great variety of distortions and biases in the books surveyed. Completely distorted topics such as ‘the imperialist First World War’ (p. 111) and the fact that WW I was dealt with from the universal perspective of the constant struggle of the working class rather than from the Polish national(ist) view, perfectly fits into a general pattern typical of most Eastern European communist textbooks. It is no surprise that in these textbooks, often written from the Soviet point of view (p. 118), little attention was paid to Polish national(istic) ideology (p. 114). More precisely, the nationalist layer in the textbooks was intentionally selective. One only needs to look at the fact that while on the one hand the Polish textbook omitted any trends of Russification, on the other hand they massively stress Germanization. But the most interesting discovery by Joanna Wojdon is the constant appearance of pictures of the enemy in communist Poland. It was ‘the Christian church as general, and Jesuits in particular, as exploiters of the workers’ society’ and as stubborn representatives of ‘retrograde conservativism’ (p. 115).

To measure the quality of propaganda is not an easy task, and to research the specific means and methods of propaganda in school textbooks is a huge scientific challenge. Many propaganda tricks are hidden in the language. Selective language (and branding) for national affiliation of some historical personalities was typical. It concerned for instance Charles Darwin as a ‘famous English biologist’, Dmitri Mendeleev as a ‘great Russian chemist’, and Wilhelm C. Roentgen who was left without a nationality (p. 117).

It is even more difficult to spot and identify latent language structures, i.e. deliberate omissions, or as I call them, the ‘structures of silence’. Let us be no naive, language tricks happened on purpose, deliberately and in a systematic way (p. 140). In Polish textbooks researched by Joanna Wojdon there are many well-known omissions, such as the system of Gulags or the Katyn massacre, eastern borders of Poland, as well as dozens of other ‘sensitive’ issues. As the author puts is: ‘The textbooks’ narratives […] did leave out certain historical facts, figures, processes and phenomena’ (p. 108). The same tendency to deliberate omission is true for the imagological apparatus. As a result one would rarely see church buildings as illustrations is many Eastern European textbooks. And I think that all these ‘structures of silence’ contribute to the general amnesia and harmful silence about social and historical problems.

Probably the greatest challenge for any researcher identifying the ideological burden in a history textbook is of a semiotic character, as the author puts it, ‘propaganda motives, topics and techniques intertwined in the text’ (p. 119). In other words, spotting covert messages, and especially those which are hidden not in the text but in the didactical apparatus (questions, tasks, photo captions, etc.) of the textbooks, that make both descriptive text and didactical apparatus almost cognitively indigestible. In this field Joanna Wojdon rightly states that in methodological terms, Polish communist ‘textbooks made clear judgements on everything from the past, and left children with no doubts or ambiguity’ (p. 109). It may sound weird but it is my own experience that the Marxist ideological burden was palpable in the text, nevertheless it is very, very difficult to prove it scientifically. And yet, it was a pre-calculated effect which contradicted the true nature of history as a science because for professional history ‘either – or’ situations, disquieting questions and constant doubts are fundamental. What can we say about a school textbook which entirely switches off critical thinking or multiperspectivity over people and their deeds in the past, and compels a one-sided worldview? No contradictory opinions were allowed (p. 143) in order to change societal opinion en masse, and in order to attempt to change cognitive structures from where divergent thinking is excluded (p. 143).

Since the time period selected by Joanna Wojdon is the era of the Cold War, it is worth asking how did these textbooks handle the superpower rivalry? To what extent did Polish communist textbooks present anti-Western orientation or indoctrination? What about anti- Americanism? As the author states, ‘The world as presented in geography textbooks was thus bipolar, black and white. It was an arena of battle between capitalism and socialism’ (p. 78), and there is no doubt that ridiculous comparisons between the USA and the USSR were present: ‘What monstrous amounts of pollution New York, Chicago and Los Angeles must produce each year!’ versus ‘On the wide and clean streets of Moscow there is much traffic at all hours of the day’ (p. 76). And this leads us to a contemporary question regarding current East-West cultural tensions. Was the Communist ideology in the textbooks intentionally anti-Western? If it was, has it contributed to the tensions that can be observed between current Western and Eastern Europe? Joanna Wojdon’s book is a very valuable contribution to general and international textbook research, reaching well beyond the Polish experience. In fact, she gives us a clear list of typology of the specific means of ideological indoctrination: Marxism, socialism, enemies of the system, presentist interpretations, politechnization, etc. (These are Joanna Wojdon’s expressions from pages 109-110.) I would be curious to know if these are common Eastern European patterns? There are surely subtle similarities that strongly offer themselves for international comparative textbook research. There is evidently much to offer for Eastern European readers, especially for those who are engaged in comparative analysis of history textbooks. Giving just one example: On the level of phraseology, for instance, in Poland the abbreviations ‘Before Christ’ and ‘Anno Domini’ were replaced with ‘before our era’ and ‘of our era’. The same kind of de-Christianized terminology in communist Czechoslovakia used ‘before’ and ‘after our time’. Joanna Wojdon’s typology is surely a useful ‘toolbox’ for coming-soon textbook researchers. Clearly the author is well aware of less of those textbooks research involving Tatyana Tsyrlina-Spady & Alan Stoskopf (2017), Milan Olejník (2017), Karina Korostelina (2009), Ibolya Nagy Szamborovszkyné (2013a, 2013b) and others, who have produced very valuable books and papers on textbook propaganda in the Soviet Union and its political orbit.

Joanna Wojdon’s book ends with a short and poignant Conclusion (p. 140-148) in which she raises one of the most neglected section of textbook research, i.e. ‘the question of the effectiveness of textbook propaganda is most problematic’ (p. 145). For many pupils textbooks are ‘boring’; formal schooling is not omnipotent; and education has never been only limited to schools. What’s more, we know that quite a lot of contemporary teachers did refuse to follow senseless ‘ideological rules’ (p. 147), and this kind of disobedience has had a rather strong impact on many pupils – as it is shown in some rare interview based research materials. If one considers the deep and general social apathy in Soviet bloc countries in the 1970s and 1980s (p. 145) (definitively in Czechoslovakia and Hungary), the failure of overwhelming indoctrination at schools seems to be quite clear.

There might be no doubt that the communist school textbook system, with its no-choice and competition-free textbook regime, all around Eastern Europe, was an integral part of a carefully designed social engineering system. Similar propaganda content and similar patterns ‘can be observed in other countries of the Soviet Bloc’ (p.

143) which leads us to a very contemporary problem: How should we consider those European countries where the state is the major (sometimes exclusive) sponsor of school textbooks; where there is a limited (if not entirely closed) textbook market; and where the teachers’ choice is limited to the one and only available textbook? And I think Joanna Wojdon knows this exactly. For in places she winks at us when she writes that ‘school history is notorious for being used as a tool of indoctrination, not only in Poland and not only under Communism’ (p. 108).

At least one extremely illuminating message of Joanna Wojdon’s book is clear: Democratic school systems have to maintain the power of schools (in fact, teachers) to choose their textbooks because this is the only real and significant professional force in and around schools that can compensate for any ideological push that may occur from time to time.

References

Korostelina, K. (2009) ‘Defining National Identities – The Role of History Education in Russia and Ukraine’, Lecture at Woodrow Wilson Institute, Washington, D.C., 9.02.2009.

Olejník, M. (2017) Establishment of communist regime in Czechoslovakia and an impact upon its education system, Košice: Centrum spoločenských a psychologických vied SAV, Spoočenskovedný ústav Košice.

Szamborovszkyné Nagy, I. (2013a) Oktatáspoitika és történelemtanítás a Szovjetunióban és Ukrajnában. I. rész, Szovjetunió 1945-1991 [Education policy and history teaching in the Soviet Union and Ukraine. Part 1., The Soviet Union 1945-1991], Ungvár: Líra Poligráfcentrum.

Szamborovszkyné, Nagy, I. (2013b) Oktatáspoitika és történelemtanítás a Szovjetunióban és Ukrajnában. II. rész, Ukrajna 1990-2010 [Education policy and history teaching in the Soviet Union and Ukraine. Part 2, Ukraine 1990-2010], Ungvár: Líra Poligráfcentrum.

Tsyrlina-Spady, T. & Stoskopf, A. (2017) ‘Russian History Textbooks in the Putin Era: Heroic Leaders Demand Loyal Citizens’, in: J. Zajda, T. Tsyrlina- Spady & M. Lovornet (eds) Globalisation and Historiography of National Leaders: Globalisation, Comparative Education and Policy Research, Dordrecht: Springer, 15-33.

Barnabas Vajda

Acessar publicação original

[IF]

 

Relatos do Medo: A ameaça comunista em Pernambuco (Garanhuns – 1958-1964) | Erinaldo Vicente Cavalcante

O ano de 2014 marca o cinquentenário do golpe civil-militar que instaurou um regime ditatorial no Brasil que se estendeu por vinte e um anos. A ditadura militar instalada no Brasil, bem como seus efeitos, ainda hoje é motivo de debates e discussões que estão longe do esgotamento. A título de exemplo do vigor desses debates podemos citar a promulgação de Comissões da Verdade que, em âmbito municipal, estadual ou federal, têm se dedicado a investigação dos abusos cometidos pelos militares durante o período em que comandaram a política no Brasil.

Tão importante quanto investigar seus efeitos é entender como foi sendo urdido um momento propício para a tomada do poder pelos militares. Questionar, por exemplo, que fatores concorreram para que o golpe civil-militar fosse bem sucedido? Como se criou uma atmosfera própria para o seu sucesso? É na perspectiva de investigar como foram surgindo fatores que contribuíram para a derrubada de um governo constitucional e, ao mesmo tempo, forneceram a sustentação para que fosse estabelecido um regime ditatorial militar que podemos inserir o livro Relatos do Medo: A ameaça comunista em Pernambuco [Garanhuns – 1958-1964], do historiador Erinaldo Cavalcanti. Leia Mais

Intelectuais e Comunismo no Brasil: 1920-1950 | Cândido Moreira Rodrigues

Seguindo o fluxo multidisciplinar na investigação de discursos, práticas, representações, imagens, memórias e esquecimentos, cinco professores – da Universidade Federal de Mato Grosso, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Universidade Estadual de Londrina e Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho – condensaram suas reflexões sobre ações, pensamentos e relações de intelectuais com o comunismo na primeira metade do século XX.

O capítulo inicial, a cargo de Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus, aborda o comportamento anticomunista de Gustavo Barroso. Bacharel, parlamentar, secretário de Estado e presidente da Academia Brasileira de Letras, Barroso liga-se, na década de 1930, à Ação Integralista Brasileira (AIB), nem sempre se submetendo às diretrizes de seus principais líderes. Leia Mais

Bloodlands: Europe between Hitler and Stalin – SYNDER (LH)

SYNDER, Timothy. Bloodlands: Europe between Hitler and Stalin. New York: Basis Books, 2010. 524 p. Resenha de: LOI, Stefano. Ler História, n.62, p. 206-210, 2012.

1 Uma parte importante da historiografia contemporânea é constituída pelos estudos que se debruçam sobre o confronto político e bélico entre as ideologias – e os Estados construídos em volta delas – que marcaram profundamente a vida europeia da primeira metade do século XX, nomeadamente o comunismo na sua realização russa e as ideologias de extrema-direita como o fascismo e, especialmente, o nacional-socialismo alemão. A obra de Timothy Snyder inscreve-se nesta corrente historiográfica, pois tenta oferecer novas perspetivas sobre as consequências que a aplicação das ideologias políticas acima referidas teve na população que as experienciou e que viveu o confronto bélico entre os países moldados por estas ideologias, ou seja, a União Soviética e a Alemanha. Daí a ambivalência do título da obra do historiador americano: as Bloodlands não foram só as zonas das batalhas europeias da II Guerra Mundial, numa Europa dominada pelas figuras de Hitler e Estaline. Elas foram, de uma forma mais vasta, o espaço geográfico compreendido entre o rio Oder e a Roménia, no Oeste, e Leningrado e Estalinegrado, no Leste, onde os Estados nazi e comunista colocaram em prática os princípios ideológicos do comunismo e do nacional-socialismo. Foram, depois, o lugar físico onde se confrontaram militarmente a União Soviética e a Alemanha durante a II Guerra Mundial. As «Terras Sangrentas» são, portanto, os lugares politica e militarmente disputados por Hitler e Estaline, ou seja, a Europa, numa declinação política do confronto entre o ditador austríaco e o ditador georgiano, com destaque no Leste europeu, em particular, na vertente sobretudo ideológica e militar deste confronto, um espaço mais limitado no coração da Europa Oriental.

2 O objetivo principal da obra de Snyder é a descrição dos eventos que marcaram as «Terras Sangrentas» entre 1933 e 1945, período em que, com a evolução política em sentido ditatorial da Alemanha hitleriana, a interação política entre Alemanha e União Soviética marcou o início de uma nova fase da vida europeia. O mesmo autor sugere uma cronologia da dúzia de anos que analisa: a primeira fase, entre 1933 e 1939 é marcada por uma mais acentuada atividade de repressão por parte do regime soviético, com destaque para a grande carestia na Ucrânia entre 1932 e 1934 e a Grande Purga de 1936-1938; a segunda fase, entre 1939 e 1941, é a fase da aliança entre as duas ditaduras através do Pacto Molotov-Ribbentrop, fase caracterizada por uma ação militar ofensiva e repressiva comparável entre as duas potências; enfim, uma terceira fase, entre 1941 e 1945, na qual é a Alemanha nacional-socialista a causar o maior número de mortos e na qual se enquadra o drama da Shoah. Ainda mais, o campo de investigação do historiador americano limita-se à violência desencadeada nas Bloodlands no período acima referido, excluindo as vítimas dos combates entre os exércitos alemão e russo começados com a invasão da Polónia pela Wehrmacht e acabados em maio de 1945, com o cerco de Berlim pelo Exército Vermelho. Snyder quantifica os holocaustos contra a população civil e os judeus nas Bloodlands em cerca de 14 milhões de mortos.

3 A ampla obra de Snyder estrutura-se num prefácio, introdução, onze capítulos e conclusão. O objetivo do prefácio é enquadrar a obra, explicando o que são as Bloodlands, o que lá aconteceu, quando aconteceu, e introduzir os «protagonistas» da obra: Estaline, Hitler e as vítimas do furor ideológico dos ditadores. A introdução e os onze capítulos do livro constituem uma ampla descrição dos eventos que marcaram a história das «Terras sangrentas» entre a tomada do poder por parte de Hitler até à queda de Berlim, em 1945, com algumas referências à situação política na Europa oriental entre o final da I Guerra Mundial e 1933 – o período em que se criaram os pressupostos políticos e sociais para o desenvolvimento do estalinismo e do nacional-socialismo – e alguns aspetos da política interna soviética entre a queda de Berlim em 1945 e a morte de Estaline em 1953. Do ponto de vista de escrita histórica, ao corpo central da obra de Snyder faltam muitos aspetos de problematização dos acontecimentos, sendo a narração orientada quase exclusivamente para a descrição sic et simpliciter dos holocaustos que foram perpetrados nas regiões da Europa Oriental. Deste ponto de vista, os objetivos de síntese e descrição que o autor estabeleceu são cabalmente cumpridos através da análise minuciosa de um amplíssimo conjunto de fontes primárias e secundárias que exploram os testemunhos diretos dos massacres e obras de síntese sobre os principais acontecimentos daqueles anos. A capacidade de síntese de Snyder emerge da sua habilidade em criar um fio condutor entre política, economia, ideologia e imanência dos acontecimentos bélicos que contribuíram para a criação das «Terras sangrentas».

4 Como já foi referido, o problema principal na introdução e no corpo central da obra é a falta da problematização dos factos históricos. A escrita do autor segue os princípios da historiografia descritiva, adotando uma estrutura dos capítulos recorrente, resumível na tríade dos números – quantos mortos houve na fração temporal examinada –, descrição dos factos e apresentação dos testemunhos através das suas próprias palavras. A problematização dos acontecimentos, as razões dos eventos e o cruzamento com o devir histórico estão ausentes da maior parte da obra, embora se coloquem questões interessantes que, todavia, não foram aprofundadas: é o caso das ligações entre o tratamento dos judeus e dos prisoneiros de guerra soviéticos por parte das autoridades nacional-socialistas consoante a dicotomia necessidade de alimentos / necessidade de mão de obra; a avaliação das várias «soluções finais» previstas por Hitler e seus colaboradores perante a «ameaça judaica»; a ligação entre os massacres e os momentos de crise na União Soviética e na Alemanha nacional-socialista; o papel desempenhado pelos outros países beligerantes no que diz respeito aos massacres contra as populações civis e os judeus no período da aliança entre Alemanha e União Soviética, bem como nas fases finais da guerra.

5 A falta de problematização histórica no corpo central do livro virá a ser recuperada nas conclusões, provavelmente a parte mais fecunda de toda a obra. Aí o historiador americano, para além de um resumo das cifras de mortos no período analisado, tenta problematizar os acontecimentos e explicar mais em profundidade as razões que o levaram a escrever o livro. Entre os problemas historiográficos mais interessantes que o autor refere vale a pena citar a ideia dos massacres como resposta natural de ambas as ditaduras perante uma «falha», ou seja, um resultado não alcançado ou um desvio dos planos estabelecidos que, por causa da rigidez das ideologias, não podia ser pensado (unthinkability nas palavras de Snyder) e que, desta forma, era considerado como uma conspiração de alguém contra a ordem estabelecida e contra a tentativa de desenvolvimento destas sociedades. Para além desta «teoria dos massacres», Snyder propõe nas conclusões uma interessante comparação articulada entre os sistemas político-ideológicos nacional-socialista e comunista, referindo-se também aos estudos de Hannah Arendt e de Vasily Grossman. Segundo Snyder para reconhecer as diferenças entre os dois sistemas é necessário reconhecer os pontos em comum. Por fim, Snyder explica melhor os meios que os nazistas – sobretudo as Waffen-SS – usaram para perpetrar os massacres contra os judeus e os prisoneiros de guerra, especialmente entre 1941 e 1945, tentando assim quebrar um conhecimento aproximativo dos acontecimentos, dos meios e das razões que levaram aos massacres nos campos de concentração e nos locais da morte (killing sites) de milhões de pessoas, conhecimento esse que se encontra difundido na maioria do público não académico interessado pela história da II Guerra Mundial.

6 Provavelmente a perspetiva mais interessante do livro encontra-se nas últimas páginas das conclusões, onde se referem os objetivos mais profundos que levaram o autor a escrever a obra. O assunto sobre o qual o autor se interroga diz respeito ao uso dos números na narração histórica. O historiador americano expressa claramente e inteligentemente que os números, como no caso das vítimas dos massacres da II Guerra Mundial, servem essencialmente para sustentar uma política, uma ideologia ou uma propaganda direcionada para um objetivo claro e, por esta razão, é necessário ponderar muito o uso das cifras no trabalho historiográfico, particularmente no caso de acontecimentos históricos recentes. Essa utilização dos números ainda hoje exalta os ânimos da sociedade, como no caso da Shoah ou dos holocaustos da época de Estaline. O autor considera ainda que a tarefa do historiador é ligar os números à memória e não fornecer dados brutos que, implicitamente, podem ser usados por propagandistas para apoiarem as suas teses, tornando-se por isso factos políticos e já não elementos de análise histórica, como de facto já acontece, por exemplo, com os revisionistas da Shoah. O objetivo principal da obra de Snyder é, assim, criar ligações entre os números e as memórias de quem viveu aqueles momentos trágicos da história que não é só a história das Bloodlands mas também a história europeia e a história de cada indivíduo. Por esta razão, não se deveria pensar nos catorze milhões de mortos nas Bloodlands como um enorme número de mortos, porque os grandes números levam necessariamente ao anonimato; o objetivo de Snyder é pensar neste enorme número de mortos como catorze milhões vezes um, pois cada pessoa leva um fragmento singular de uma memória do passado que deve tornar-se história e consciência compartilhada. As palavras de Snyder, neste sentido, são emblemáticas: os regimes nazi e comunista tornaram as pessoas em números e é nossa tarefa, como humanistas, transformar novamente os números em pessoas, caso contrário Hitler e Estaline não modificaram somente o nosso mundo mas também a nossa humanidade1.

7 O objetivo há pouco descrito foi cumprido admiravelmente pelo historiador americano e justifica as amplas partes da sua obra dedicadas aos testemunhos diretos dos massacres perpetrados nas «Terras sangrentas». Pelo contrário, é o mesmo amplo uso de fontes diretas que contribui de forma significativa para a construção de uma narrativa que tem o claro objetivo de impressionar o leitor, de causar uma reação emotiva e suscitar comoção, quando não mesmo horror. Sendo a cadência do corpo central do livro muito descritiva, a construção da narrativa desempenha um papel fundamental nos equilíbrios da obra; é como se o autor tivesse tentado moldar a configuração dos vilões aos protagonistas da história, Hitler e Estaline, corroborando esta tentativa com as vozes das testemunhas, para que um leitor não especialista de história se sentisse familiarizado nas descrições, ou para que, pelo menos, estas coubessem bem na típica dicotomia «bem/mal», sempre muito apreciada pelo grande público. Os primeiros capítulos do livro, de facto, podem parecer uma obra de Robert Conquest2 sem que se vislumbre algum novo equacionar de problemas ou aprofundamento historiográfico. É opinião de quem escreve que não foi por acaso que esta obra, sem dúvida nenhuma interessante e bem escrita, não foi publicada por uma University Press americana, mas sim por uma editora comercial e se tornou um bestseller em quatro países. A construção narrativa de Snyder desvalorizou parcialmente uma obra otimamente estruturada do ponto de vista bibliográfico e que, apesar de tudo, propõe algumas sugestões e problemas historiográficos de claro interesse para a comunidade académica.

8 Retomando afirmações anteriores, provavelmente o problema principal da obra de Snyder é a falta de uma maior problematização dos eventos descritos e uma narrativa que resulta às vezes parcial. Contudo, estas características não devem desvalorizar a força da obra do historiador americano e o enorme trabalho de pesquisa, de avaliação das fontes documentais e a ampla bibliografia em que se alicerça a obra. Em particular, o objetivo que o autor propõe sobre a utilização dos números na narrativa histórica e a problematização do papel dos humanistas perante tragédias como a da Shoah, para além das descrições precisas e pormenorizadas dos factos que aconteceram, tornam Bloodlands uma obra de grande interesse sobre a história contemporânea da Europa Oriental.

Notas

1 Snyder, Timothy, Bloodlands: Europe between Hitler and Stalin, New York, Basis Books, 2010, p. 383.

2 Refiro-me aqui a Conquest, Robert, The Harvest of Sorrow: Soviet Collectivization and the Terror Fa (…)

Stefano Loi – Doutorando em História Moderna e Contemporânea e membro do CEHC, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. A sua área de pesquisa é a história militar dos séculos XIX e XX. E-mail: [email protected]

Consultar publicação original