Maconha: os diversos aspectos, da história ao uso | Luciana Saddi e Maria de Lurdes de Souza Zemel

Maconha Foto Gustavo Carneiro
Maconha | Foto: Gustavo Carneiro/Grupo Folha

A obra “Maconha: os diversos aspectos, da história ao uso” (2021) é uma coletânea composta por 14 textos de divulgação científica, organizados por Luciana Saddi e Maria de Lourdes S. Zemel, ambas psicólogas com experiência no estudo da relação entre família e abuso de drogas, dentre elas, o alcoolismo. Diferente de seu predecessor (Fumo Negro: a criminalização da maconha no pós-abolição), “Maconha: os diversos aspectos, da história ao uso” chega em um momento social e histórico marcado por diversos processos de flexibilização dessa substância em todo continente americano, assim como pela adesão de parte da sociedade civil brasileira a esse debate. Essa mudança de conjuntura amplifica o seu potencial como objeto de informação a ser agregado a essas discussões.

Na condição de historiador, abordamos a obra a partir de dois aspectos que estão diretamente associados ao tema: a ousadia na escolha do tema, sua abrangência e direcionamento a um público não especializado, e a relação que o conjunto de textos constrói com a historicidade do tema. Também registramos o impacto das teses do livro. Embora não exista um momento de síntese, ponto negativo da obra, é possível concluir que o objeto não é a planta ou substância designada “maconha”, mas as formas com as quais nos relacionamos com ela (de ordem pessoal, familiar, comunitária ou institucional). Cabe apontar que determinados modos de lidar não são as melhores alternativas. Elas devem ser revisadas, principalmente as que retiram a autonomia dos indivíduos no tratar com essas substâncias, como é o caso da política de guerra às drogas, pouco eficiente e baseada em lógica coercitiva. Outra conclusão possível é a de que a comunicação e a informação se configuram como as melhores saídas para lidar com os problemas de abuso, implicando, inclusive, em questões-chave como a prevenção e a redução de danos.

A obra quer compartilhar informações científicas para além da bolha acadêmica. Nesse sentido, foi composto por textos objetivos com linguagem de fácil compreensão, educando por meio de conhecimento racionalmente constituído, orientando novas práticas sociais frente à maconha. Seus textos podem ser classificados em dois grupos. O primeiro toma como centralidade as relações que se desenvolvem entre os usuários e as suas comunidades de pertencimento, demonstrando os estigmas normalmente mobilizados  e as suas consequências. Assim é escrito o texto “As famílias e o uso de maconha”, de Silva Brasiliano. A autora propõe uma série de novas formas de agir que colocam o indivíduo e a sua subjetividade como alvo das comunicações, a fim de amplificar o diálogo entre os pais e seus filhos, evitando a sua marginalização a partir do lar. Não se trata de achar culpados, mas de estabelecer uma lógica de cuidados a partir do núcleo familiar.

Em “O uso da maconha por adolescentes: entre prazeres e riscos, 1o barato que sai caro!'”, Maria Fátima Olivier Sudbrack observa as relações estabelecidas entre os adolescentes e os grupos  integrados por eles como forma de compreender quadros de abuso de substâncias. A autora chama atenção para a necessidade voltar o olhar para os motivadores desse contato e de seus possíveis abusos, partindo de questões como a produção do desejo em torno da maconha, assim como necessidades de alívio rápido, característicos das estruturas do Capitalismo. A autora afirma que essas questões devem ser tratadas pelo viés da educação, a fim de constituir autonomia, levando aquele que faz uso a se posicionar frente aos seus comportamentos, e não pela via da criminalização. Leia Mais

Georges Canguilhem: Vitalismo y Ciencias Humanas | Francisco Vázquez García

¿Puede un filósofo tener más de una vida? Esta eventualidad, por más que contradiga alguna de nuestras más elementales creencias prácticas cotidianas sobre el funcionamiento del mundo, no es una anomalía, sino una constante del campo filosófico nacional e internacional. Como ha sido ampliamente constatado por los trabajos más reconocidos de la sociología de la filosofía, como los de Louis Pinto o Randall Collins, algunos nombres, lejos de caer en el olvido, son objeto de recuperaciones simbólicas o de esfuerzos prolongados para ser integrados en el (limitado) “espacio de la atención” en filosofía, cobrando así una “nueva vida” y alimentando las disputas que constituyen el curso natural de la existencia del campo intelectual. Todo apunta a que, a juzgar por el número creciente de publicaciones francesas e internacionales que le conciernen, este fenómeno podría estar recientemente teniendo lugar en relación a un nombre probablemente menos reconocido de lo que se merece en el espacio filosófico internacional: el del filósofo francés Georges Canguilhem. Leia Mais

Cómo hacer cosas con Foucault. Instrucciones de uso | Canguilhem. Vitalismo y Ciencias Humanas | Francisco Vázquez García

Francisco Vazquez
Francisco Vázquez García | Foto: Universidad de Cádiz

Após a publicação, em 1987, do livro Estudios de historia de las ideasVol. 1, Locke, Hume e Canguilhem, escrito em coautoria com Ángel Manuel Lorenzo e José, L. Tasset, Georges Canguilhem (1904 – 1995) enviou a seguinte mensagem ao historiador espanhol Francisco Vázquez García: “Sua análise dos meus estudos de epistemologia me diz que você me leu com atenção e simpatia (…). Eu constatei com satisfação que você percebeu bem aquilo que meus trabalhos devem aos trabalhos, bem mais prestigiosos, de Bachelard e de Koyré. Não posso abandonar as lições que tirei dessas leituras.” (García, 2015). A seção do livro dedicada ao historiador francês recuperava o texto da monografia de licenciatura de Francisco, defendida três anos antes, na Universidad de Sevilla, sob o título La teoria de la historia de las ciencias de G. Canguilhem. Mais de trinta anos depois, García segue capaz de dizer coisas originais sobre a obra de Canguilhem – Georges Canguilhem: Vitalismo y Ciencias Humanas (2019) – e didatizar os usos da arqueo-genealogia de Foucault – Cómo hacer cosas con Foucault. Instrucciones de uso (2018), textos sobre os quais nos debruçamos a partir de agora.

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O Império do sentido: a humanização das Ciências Humanas | François Dosse

Há algum tempo a discussão acerca da atuação social dos pesquisadores de várias áreas do saber, mas principalmente das Ciências Humanas, tornou-se um tema vigente na França e também tem ganhado perspectiva no Brasil. Ao que tudo indica, o cenário se encontra polarizado entre os filósofos midiáticos e a comunidade atomizada dos pesquisadores em Ciências Humanas, estes, cada vez mais fechados em sua tecnicidade e incapazes de produzir para o grande público de maneira convidativa a participar do debate. Evidentemente, é necessário pontuar que o fazer científico ocorre de maneira distinta na França e no Brasil, e exportar o modelo do debate sem uma reflexão pode ocasionar erros. Mas é nesse sentido que a obra de François Dosse, O Império do sentido, se mostra atual por fornecer uma base para repensar o vínculo social dos pesquisadores na Cidade moderna. Reflexão essa que no Brasil ainda se encontra por fazer, ao menos com tamanha profundidade tal qual fez François Dosse em seu livro. Logo, a escolha por traduzir a obra em 2003 e reeditar a obra no recente ano de 2018 foi mais do que acertada. Mas se na primeira aparição a obra em terras tupiniquins se deu com o tom informativo, sua segunda traz o tom de aviso pois evidencia um cenário que pouco mudou em 15 anos, dentro de um período em que a discussão se tornou mais latente do que nunca e a atuação desses pesquisadores passou a ser uma demanda social. Leia Mais

Dictionnaire des concepts nomades en Sciences Humaines | Olivier Christin

Quisiéramos presentar de manera breve los que consideramos los aspectos más significativos de una obra que nos parece de gran importancia por su enfoque y por su concepción, y que creemos puede contener, además, indicaciones muy pertinentes para la práctica del análisis histórico y de las ciencias sociales —Sociología, Antropología y Ciencia Política de manera básica—, lo mismo que para ampliar el diálogo racional entre practicantes de esas disciplinas, y que por su enfoque puede significar un aporte en el proceso de formación académica universitaria en estos campos.

Los dos volúmenes de este Dictionnaire des concepts nomades1 que presentamos suman algo más de cuarenta entradas, cada una con su respectivo autor y una bibliografía final, de cerca de noventa páginas, de gran utilidad. El libro ha sido preparado sin improvisación ni premura, cuenta con una edición digna y se encuentra lejos de presentarse como “El” diccionario, por fuera del cual no habría salvación, sin que deje de ser la expresión de un preciso punto de vista. Leia Mais

Das Amazônias | UFAC | 2018

Das Amazonias

Das Amazônias – Revista Discente do Curso de História da Universidade Federal do Acre (Rio Branco, 2018-) é vinculada a área de História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre (CFCH/UFAC).

Tem por objetivo mobilizar e envolver pesquisadores, professores e estudantes de graduação e pós-graduação das áreas de Ciências Humanas, Educação e Linguagens, bem como manter relações com as experiências de professores da educação básica e de movimentos sociais das florestas e cidades amazônico-andinas.

As contribuições, na forma de artigos, entrevistas, resumos e resenhas, poderão ser livres ou vinculadas a dossiês temáticos organizados por profissionais dos cursos de História da UFAC e outras instituições.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 2674-5968 (Eletrônico)

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Jamaxi | UFAC/ANPUH-AC | 2017

JAMAXI

Jamaxi: Revista de História e Humanidades ([Rio Branco], 2017-) é um periódico eletrônico, semestral, editado sob a responsabilidade da área de História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre e da Associação Nacional de História – ANPUH/Seção Acre, sem fins lucrativos, com o objetivo de propiciar o intercâmbio, circulação e difusão de estudos e pesquisas nas áreas de História e Ciências Humanas e Sociais.

Tem como objetivo mobilizar e envolver pesquisadores, professores e estudantes de pós-graduação de universidades dessa macro região, bem como manter relações com as experiências de professores da educação básica e de movimentos sociais das florestas e cidades amazônico-andinas.

As contribuições, na forma de artigos, entrevistas, ensaios e resenhas, poderão ser livres ou vinculadas a dossiês temáticos organizados por profissionais dos cursos de História e outras instituições.

[Periodicidade semestral].

Acesso livre.

ISSN 2675-0724

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Pensamento Comunicacional Brasileiro: o legado das Ciências Humanas | José Marques de Melo e Guilherme Fernandes Moreira

Quem conhece o professor José Marques de Melo sabe de sua preocupação com o resgate da memória em torno do que foi produzido no âmbito das Ciências da Comunicação. Desde seu primeiro livro – “Comunicação Social: teoria e pesquisa” (Vozes, 1970) já podemos perceber sua preocupação em traçar amplas referências bibliográficas que podem ser utilizadas para aprofundar determinado assunto. Outra característica do professor, assumida já na década de 1960, é o compartilhamento de sua experiência com alunos. Neste livro de estreia, o professor apresenta resultados de pesquisas que foram desenvolvidos por alunos no âmbito do curso de Jornalismo da Cásper Líbero. E, nota-se, são temas ousados para a época. Como a importância da História em Quadrinhos e a recepção da telenovela. Os anos se passaram e essas características permaneceram. Não é difícil de encontrar obras do professor com grandes indicações bibliográficas e, uma análise mais atenta, revela que autores não oriundos do campo comunicacional também fazem parte desta lista. Leia Mais

Introdução às ciências humanas – tentativa de uma fundamentação para o estudo da sociedade e da história – DILTHEY (V)

DILTHEY, Wilhelm. Introdução às ciências humanas – tentativa de uma fundamentação para o estudo da sociedade e da história. Trad. de Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. Resenha de: MERTENS, Roberto Saraiva Kahlmeyer. Veritas, Porto Alegre v. 57 n. 3, p. 223-226, set./dez. 2012.

Durante décadas, em nosso país, os estudos das ciências humanas (especialmente as sociais) se serviram das leituras de Marx ou de autores marxistas para compor massa crítica. Repertório criado, é preciso dizer que, ainda hoje, muitas das pesquisas nessa área continuam a receber orientação do referido paradigma. Sem querer apreciar a validade ou a aplicabilidade dessas matrizes em nosso momento atual (e da necessidade ou não de uma gradativa substituição por um novo paradigma para as humanidades), apenas ponderamos que, talvez pelo seu longo período de vigência, ficou inibido o interesse de pesquisadores e das editoras por outros autores representantes das demais linhas de pensamento. Sanando este débito, vemos alguns nomes e títulos clássicos da filosofia e das ciências humanas sendo traduzidos e publicados recentemente para o português do Brasil, entre eles está Wilhelm Dilthey (1833-1911) e sua Introdução às ciências humanas (1883).

Uma avaliação empírica nos permite indicar que o autor é pouco conhecido fora das rodas acadêmicas e precariamente estudado mesmo no interior delas, de sorte que a presente obra pode oportunizar um contato com as ideias deste filósofo, hermeneuta, psicólogo, historiador e pedagogo, que foi um dos primeiros a lançar um olhar lúcido sobre a inadequação dos métodos que elas importaram das ditas ciências naturais.

Para Dilthey, a metodologia das ciências naturais exerceria um efeito negativo sobre as outras, isso porque, por valer-se de compreensões hipotéticas (ou ainda, “hipostasiadas”), as ciências naturais posicionariam os objetos das ciências humanas tal como fazem com os objetos da natureza, interpretando-os como dados em sua mera aparência e duração. Desse modo, as ciências naturais (positivas) exerceriam uma ação “abstrativa” sobre o conhecimento acerca do humano. Tal ação seria decorrente da lida hipotético-positiva das ciências naturais, e tal lida oferece o risco de descaracterização da experiência humana na pauta das ciências que dela se ocupa. Nos termos do pensamento diltheyano, a ação das ciências abstrativas retira os “objetos” das ciências humanas do horizonte que lhes é próprio, na medida em que decompõe, esfacela e destrói o referido horizonte (a isso o filósofo chama de “desvivificação”).

Com essa descrição, central na Introdução às ciências humanas, a crítica às ciências abstrativas disparada por Dilthey abriu terreno para uma enxurrada de análises e desdobramentos que, em sua época (décadas finais do século XIX e iniciais do XX), chegaram a alçar até mais notoriedade do que as premissas de seu primeiro propositor. Spengler, Scheler e Spranger são apenas alguns nomes que, seguindo as pegadas de Dilthey, reforçam a premissa de que as ciências do homem, da sociedade e da história precisariam assentar-se em um solo que lhes garantisse fundamentação adequada (uma vez que esse embasamento, como já vimos, não poderia ser fornecido pelas ciências naturais, mas, antes, seria dado na humanidade das ciências do espírito).

Mas, o que, nesta tarefa de embasamento, chamaríamos de ciências da realidade histórico-social? Em que terreno se poderia lançar os alicerces das ditas ciências humanas? Onde se poderiam fundamentar as ciências do espírito de modo às mesmas não padecerem da mencionada “desvivificação”? A resposta do filósofo dada em seu livro não poderia ser mais simples: no próprio espírito, no horizonte humano, horizonte que Dilthey especifica com o termo vivência. “O ponto de partida é a vivência”. Tal sentença será repetida à exaustão ao longo das quase quinhentas páginas da obra em apreço.

Tomando por consideração as vivências (a própria vida dos fenômenos, realidade absoluta que garante a correlação entre a consciência e seus objetos em um contexto efetivamente histórico), Dilthey se serve do método hermenêutico para, com ele, reconstituir o laço que as ciências humanas possuem com o humano. Assim, uma fundamentação das referidas ciências ocorreria ao passo em que, hermeneuticamente, se possibilitaria um compreender acerca de como o conhecimento humano se faz desde o horizonte próprio ao espírito, sem que os procedimentos explicativos (abstrativos) do positivismo nisso interfiram.

O conceito de vivência, a clássica distinção entre compreender e explicar, ao lado de outros pontos que compõem bases para as ciências particularidades da sociedade e da história, são apresentados satisfatoriamente por um Dilthey ocupado em oferecer uma visão de conjunto das ciências do espírito, na conexão com uma ciência fundante necessária. Esta primeira parte da obra, por definir conceitos e métodos; delimitar o lugar autônomo das ciências da realidade histórico-social frente às ciências naturais; fornecer visões gerais sobre as ciências particularidades da sociedade e da história e distinguir entre as duas classes de ciência, é considerada por Max Weber (outro seguidor de Dilthey) o primeiro estudo sério no qual se aborda o problema metodológico das chamadas ciências humanas.

A obra, entretanto, não se limita apenas a uma apresentação deconceitos e temáticas acerca de pontos que o filósofo julgava impres-cindíveis no campo das ciências. Intuindo (semelhantemente ao Hegel da Fenomenologia do espírito) que toda ciência depende das condições de nossa consciência, Dilthey dedica a segunda parte da obra à interpretação da constituição definitiva da ciência histórica e, por meio dela, das ciências humanas em geral. Realiza-se, assim, a tentativa de fundamentar o estudo da sociedade e da história (como o subtítulo da Introdução anuncia). O que se presencia neste momento é, então, a análise dos fatos constituintes do núcleo das ciências humanas e sua correspondência com a história; história, esta, apreendida como manifestação da vida sob o ponto de vista da humanidade.

Ao longo das quatro seções que compõem esta segunda parte do livro, vemos Dilthey buscar a restauração de elementos da base histórico-material que constitui o conhecimento humano; base, essa, que teria sido tanto negligenciada pelo projeto crítico do kantismo, quanto pelo idealismo radical hegeliano. Ao retomar essas bases históricas, Dilthey tenta esclarecer que as vivências da consciência, e as visões de mundo que elas constituem em cada época, acabam por traduzir as concreções do espírito objetivo em um tempo. Isso explica a extensa narrativa historiográfica contida no tópico intitulado Metafísica como base das ciências humanas: seu domínio e sua decadência, na segunda parte do livro. No referido momento, o filósofo descreve e analisa visões de mundo dos povos antigos e de seu pensamento místico, os povos europeus modernos e seu estágio metafísico, e a dissolução da posição metafísica ante a realidade. Fica patente, ali, a admirável erudição do autor que dedica, além de leituras refinadas de Platão e Aristóteles, dezenas de páginas à filosofia medieval árabe, ultrapassando em muito as expectativas do leitor com formação filosófica média que, geralmente, não costuma ir além de notícias sobre Avicena e Averróis (fato que justifica o entusiasmo de Eugenio Imaz, seu tradutor para a língua espanhola, que reputa sua cultura “prodigiosa”, “oceânica”). Aspecto que, por si só, já é suficiente para legitimar a publicação do livro.

Avaliada sob o ponto de vista da tradução, a edição brasileira apresenta uma versão elaborada de maneira atenta à tendência dos estudos mais atuais da obra de Dilthey. Desse modo, mesmo a tradução da expressão alemã Geisteswissenschaften por “ciências humanas” (que poderia ser contestada em favor da literal “ciências do espírito”) encontra precedente nas traduções de língua inglesa e endosso junto a comentaristas especializados, que se inclinam a acatar que “ciências humanas” traz melhor a conexão de sentido da realidade histórica e social do que a nomenclatura “ciências do espírito”, na qual a noção de “espírito” facilmente pode sugerir erroneamente uma independência de homens reais. Não fosse esse argumento suficiente, a escolha se mostra editorialmente plausível, uma vez que cria maior identidade com o público de alguns dos cursos universitários brasileiros, dos denominados cursos de ciências humanas.

Roberto Saraiva Kahlmeyer-Mertens – Doutor em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Estuda o autor alemão Martin Heidegger desde o ano de 1995, tendo interesse também pela filosofia clássica alemã. Autor de Heidegger & a Educação (Autêntica, 2008). E-mail: [email protected].

 

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A construção do mundo histórico nas ciências humanas – DILTHEY (FU)

DILTHEY, W. A construção do mundo histórico nas ciências humanas. São Paulo: Editora da UNESP, 2010. Resenha de: KAHLMEYER-MERTENS, Roberto S. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.12, n.3, p.287-289, set./dez., 2011.

Sem uma vasta tradição de recepção e crítica no Brasil (e proporcionalmente pouco estudado mesmo na Alemanha, seu país natal), Wilhelm Dilthey (1883-1911) é apontado como um dos mais influentes pensadores na transição do século XIX para o XX. Filho de um pastor calvinista e criado no caldo de cultura aquecido por nomes como Bopp, Humboldt, Ranke, Ritter e Savigny, Dilthey lança as bases para uma análise muito lúcida sobre as ciências positivas em sua época. Tal exame preparou o terreno para autores que, mais tarde, seriam protagonistas da crítica às ciências nas primeiras décadas do século XX (é o caso de Spengler, com seu Decadência do Ocidente).

A influência de Dilthey sobre os seus contemporâneos se explica dado sua obra, desde muito cedo, ter se dedicado a um único escopo: a fundamentação das ciências humanas, fato que lhe garantiu antecipação e maturidade. Atestamos a precocidade de tal filosofia, cientes de que sua intenção já aparece na pauta do autor desde a juventude mais tenra, quando, no ano de 1850, com apenas 17 anos, Dilthey já acenava à necessidade de um movimento que tornasse possível “a constituição definitiva da ciência histórica e, por meio dela, as ciências do espírito”. Projeto filosófico entabulado na juventude, é este mesmo que vemos desenvolvido, com várias feições e de maneira pouco sistemática, nos trabalhos das décadas de 1890-1900, até às vésperas da morte do autor.

Em seus primeiros trabalhos, Dilthey toma Kant e Hegel por interlocutores (o segundo como alvo de contestação) e, apropriando-se do método hermenêutico de Schleiermacher, desenvolve algo que poderíamos chamar de “crítica da razão histórica”. Como a denominação anuncia, Dilthey visa a estender a intuição do projeto crítico kantiano ao domínio da história, passo que dependeria da determinação do estatuto do homem na constituição das ciências históricas. Assim, Dilthey investe na fundamentação das ciências do homem, da sociedade e da história, sabendo que é o âmbito da vida (isto é, um espaço vivencial total) que garante as percepções de um mundo constituído. Num outro período mais adiantado de sua obra, apostando no projeto de uma psicologia analítico-descritiva, Dilthey pretende uma fundamentação psicológico-gnosiológica das ciências (como nomeia seu comentador Eugenio Imaz). Em ambos os casos, contudo, está presente a preocupação em mostrar que as ciências do espírito, ou as assim chamadas ciências humanas, precisam estar fundamentadas num solo humano, para que, a partir daí, seus fenômenos possam ser compreendidos segundo um mundo vivenciado, não sendo mais abstrativamente explicados pelas ciências naturais, positivas.

Trazendo elementos tanto da temática da razão histórica quanto da psicologia, o ensaio A construção do mundo histórico nas ciências humanas é um trabalho de maturidade do filósofo. Também nele, Dilthey se mostra preocupado em estabelecer uma relação saudável entre as ciências da realidade histórico-social e as da natureza de modo que a primeira receba fundamentação adequada; é isso que se constata quando, já no início do primeiro capítulo, o filósofo propõe: “Nós precisamos procurar o tipo de relação existente nas ciências humanas com o estado de fato da humanidade” (p. 22). Essa afirmativa pretende mostrar o quanto dependemos de uma apreensão do lugar do homem na própria constituição da vida histórica, esta que, por sua vez, se engendra imediatamente a partir da percepção de uma conjuntura histórica específica.

Entendendo que as vivências humanas se manifestam e articulam essa rede histórica complexa, edificando um todo de referências (sendo estas tanto materiais quanto psíquicas), Dilthey anuncia que o presente fato nos defronta “com o problema acerca de como a construção do mundo histórico no sujeito torna possível um saber sobre a realidade espiritual” (p. 167). Sem dúvida, o tema do mundo histórico encontra no homem base para ser problematizado, pois o homem é o ponto de conexão de um determinado tempo e das visões de mundo que pertencem ao mesmo. Deste modo, o homem (e as vivências constituintes do estado de fato de sua humanidade) é o ser sobre o qual se assentaria primordialmente a vida histórica da totalidade.

Além dos tópicos referentes às vivências, abordados em nossa breve síntese, Dilthey ainda introduz em seu livro (entre a primeira parte e os diversos adendos que esboçam uma segunda) a exposição dos conceitos de hermenêutica, expressão, compreensão, interpretação e visão de mundo, todos decisivos ao projeto de sua fundamentação das ciências históricas e sociais.

Produto de um conjunto de conferências apresentadas na Academia Prussiana de Ciências, a obra foi publicada em 1910, e é contemporânea a outros ensaios de temática afim, entre os quais destacamos Ideias sobre uma psicologia descritiva e analítica (1907-08) (recomendado como entrada para leitura do outro). Por ter ficado inacabada, apenas composta por textos provisórios e indicações para prosseguimentos futuros, a obra em apreço possui caráter fragmentário (o leitor se deparará com ideias em aberto, com frases inconclusas e com o uso recorrente da expressão “etc.”, indicando pontos que ainda dependeriam de maior desdobramento conceitual).

Enfocando aspectos editoriais da publicação, A construção do mundo histórico nas ciências humanas é bem editorada e possui a elegante encadernação em capa dura típica da Coleção Clássicos UNESP.

A tradução (que orienta os propósitos desta resenha), assinada por Marco Antônio Casanova, cumpre com excelência a tarefa de trazer a obra de Dilthey ao português, mostrando-se, inclusive, a par dos cânones mais atuais dos estudos sobre o filósofo. Um exemplo disso está na adoção do termo “ciências humanas” para traduzir a expressão alemã Geisteswissenschaften (em vez do tradicional “ciências do espírito”). Essa plausível opção encontra precedente nas traduções de língua inglesa e endosso junto a especialistas, entre eles o exegeta alemão Matthias Jung que, em seu Dilthey uma introdução, assevera:

A tradução para o conceito de “ciências do espírito”, “ciências humanas”, expressa melhor a conexão de sentido da realidade sócio-histórica do que sua correspondente alemã, na qual a noção de “espírito” facilmente pode ser mal entendida como algo independente da lida com homens reais. O projeto diltheyano das ciências humanas deve ser livremente entendido não com um fim em si mesmo, mas como pertencente à conexão ampla de sua busca pelas possibilidades científicas de acesso à experiência necessária ao mundo da vida, a relação sujeito-objeto (Jung, 1996, p.8-9).

Não bastasse esse argumento, a opção também parece editorialmente acertada, uma vez que cria maior identidade com o público de alguns dos cursos universitários brasileiros, dos denominados cursos de ciências humanas.

Dotada de dois breves, mas substanciais, aparatos críticos, uma nota do tradutor e outra dos editores, a edição brasileira faz a cortesia de fornecer dados biobibliográficos do filósofo, como, por exemplo, a posição e importância do referido trabalho no panorama da obra. Esses subsídios favorecem, em muito, o acesso do leitor brasileiro a elementos do pensamento de Wilhelm Dilthey.

Referências

JUNG, M. 1996. Dilthey zur Einführung. Junius, Hamburg, 219 p.

Roberto S. Kahlmeyer-Mertens – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

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[DR]

 

Khronos | USP | 2008

Kronos3

Khronos – Revista de História da Ciência (São Paulo, 2008-) é uma publicação semestral do CHC – Centro Interunidades de História da Ciência da Universidade de São Paulo (fundado em 1988) – voltada para a história e epistemologia das ciências naturais, ciências da vida, ciências humanas, técnicas e áreas correlatas.

A perspectiva é interdisciplinar e visa estimular as possibilidades interpretativas dos processos de conhecimento científico e técnico em seus contextos históricos.

São publicados resultados de pesquisas originais relativas a temas desde a Antiguidade até o século 21, inclusive.

Além destes, são bem vindos textos de memórias de cientistas ou de instituições, bem como traduções inéditas, resenhas, notícias de projetos de pesquisa e outros assuntos de interesse para historiadores.

[Periodicidade semestral].

Acesso livre.

ISSN 2447-2158

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Intellèctus | UERJ | 2002

Intellectus2

A revista Intellèctus (Rio de Janeiro, 2002-) é originária das atividades dos Grpesq/CNPq Intelectuais e Poder no Mundo Ibero-Americano e Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais, Sociedade e Política, sediados, respectivamente, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e na Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Destina-se à publicação de pesquisas originais, estudos de historiografia e reflexões teórico-metodológicas relativas à História dos Intelectuais e à História Intelectual, bem como à divulgação de análises sobre a produção cultural dos países que compõem o universo da “Latinidade”. Volta-se, assim, às diversas interfaces envolvidas nessa temática nas Ciências Humanas e Sociais.

Periodicidade semestral.

Aceso livre

ISSN 1676-7640

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Percursos | UDESC | 2000

Percursos UDESC

A Revista PerCursos (Florianópolis, 2000) é um periódico interdisciplinar aberto a diferentes campos de conhecimento, mas fortemente referenciado nas Ciências Humanas e nas Ciências Sociais Aplicadas.

Neste sentido, privilegia temas transversais aos debates e reflexões presentes contemporaneamente entre antropólogos, educadores, geógrafos, historiadores, sociólogos, profissionais da informação e planejamento. Os Percursos são diversos e a revista se propõe a discutir os caminhos da reflexão teórica e das práticas disciplinares, a partir de contribuições originais de pesquisadores/as sensíveis ao papel da produção do conhecimento na compreensão das inquietações da sociedade contemporânea.

A revista foi criada em 2000, e está vinculada ao Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAED) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Periodicidade quadrimestral

Acesso livre

ISSN 1984-7246

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Nietzsche | UFSB/Unifesp | 1996

Nietzsche3

Fundados em 1996 por Scarlett Marton, os Cadernos Nietzsche são lançados desde então regularmente nos meses de maio e setembro. Publicação do GEN – Grupo de Estudos Nietzsche, os Cadernos contam difundir para um publico de filosofia ou das ciências humanas em geral trabalhos de especialistas estrangeiros e brasileiros, dos mais experientes a doutorandos ou mestrandos.

Espaço aberto para o confronto de interpretações, os Cadernos Nietzsche pretendem veicular artigos que se dedicam a explorar as ideias do filósofo ou desvendar a trama dos seus conceitos, escritos que se consagram à influência por ele exercida ou à repercussão de sua obra, estudos que comparam o tratamento por ele dado a alguns temas com os de outros autores, textos que se detêm na análise de problemas específicos ou no exame de questões precisas, trabalhos que se empenham em avaliar enquanto um todo a atualidade do pensamento nietzschiano.

O título abreviado do periódico é Cad. nietzsche, que deve ser usado em bibliografias, notas de rodapé, referências e legendas bibliográficas.

Periodicidade quadrimestral

Todo o conteúdo do periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons do tipo atribuição BY-NC.

ISSN 1413-7755 (Impresso)

ISSN 2316 8242 (Online)

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Locus | UFJF | 1995

Locus Revista de Historia

A Locus – Revista de História (Juiz de Fora, 1995-) é um periódico [do  Departamento e do PPG em História da UFJF] com publicação semestral, baseada nos princípios do livre acesso. O foco primário da revista é área de História, estando aberta também para contribuições relevantes de outras áreas das Ciências Humanas. A revista publica artigos inéditos, contando com ampla abrangência cronológica. Textos focados em questões teóricas e/ou metodológicas também têm espaço no periódico.

A revista tem a missão de promover o enriquecimento do debate acadêmico, além de servir como meio de divulgação a um público mais amplo. Pauta-se pela avaliação anônima e criteriosa para atingir tal objetivo, garantindo a maior neutralidade possível dos pareceres e a seleção de textos de qualidade sobre a temática. Dessa forma, não restringe teórica ou metodologicamente as propostas, garantindo isonomia nas apreciações.

Periodicidade Semestral.

Acesso livre

ISSN 1413-3024 (Impresso)

ISSN 2594-8296 (Online)

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