Oriente y occidente en la antigüedad clássica | Juan Pablo Sánchez Hernández

Publicado bajo la colección Temas de Historia Antigua, coordinada por David Hernández de la Fuente, el libro se estructura en una introducción, tres partes, una selección de textos, cronología y bibliografía. Las partes en las que se divide se organizan cronológicamente, tomando como punto de partida el 510 a.C. y culminando en el 192 d.C. El recorrido entre eras ofrecido por el autor permite adentrarnos en tres etapas particulares y destacadas del mundo clásico; por un lado, la de la Grecia clásica y el enfrentamiento entre Oriente y Occidente, el primero identificado con el Imperio Aqueménida; la segunda, la relación durante la época helenística; y, finalmente, en época romana/alto imperial. Es decir, durante el ascenso al poder de los territorios vinculados con el mundo occidental construido en torno al Mediterráneo. Leia Mais

O polímata: uma história cultural – De Leonardo da Vinci a Susan Sontag | Peter Burke

Peter Burk O Polimata

O polímata: uma história cultural de Leonardo da Vinci a Susan Sontag foi publicado, simultaneamente, no ano de 2020, em língua inglesa pela Yale University Press e em língua portuguesa pela Editora Unesp. Mais recente livro do historiador inglês Peter Burke – professor da Universidade de Cambridge e considerado um dos intelectuais mais conceituados a respeito da Idade Moderna europeia e da história cultural –, traz uma narrativa cativante que se destaca pela “erudição e clareza”, como descreveu o jornalista João Pombo Barile (2021), e por “seu caráter pedagógico”, como sugeriu a professora e escritora Carlota Boto (2021).

O PolimataO livro trata da história cultural de pensadores/as que influenciaram, sobremaneira, seus períodos históricos e os subsequentes, por meio de saberes vastos e de uma prolífica atuação no trabalho da produção do conhecimento, a exemplo de Hipátia de Alexandria, Cristina de Pisano, Alberto, o Grande, Leonardo da Vinci, Francis Bacon, Blaise Pascal, Comenius, Marie de Gournay, Sóror Juana Inés de la Cruz, Gottfried Wilhelm Leibniz, Giambattista Vico, os irmãos Wilhelm e Alexander von Humboldt, Charles Darwin e, entre alguns mais recentes, Norbert Elias, Umberto Eco, Susan Sontag e Michel de Certeau. Burke traz relevo “sobre indivíduos e pequenos grupos interessados no quadro geral nos detalhes, muitas vezes dedicados à transferência ou ‘tradução’ de ideias e práticas de uma disciplina para outra” (p. 16). Em outras palavras, indivíduos e grupos que se empenharam em aprofundar seu olhar sobre assuntos mais específicos como a ampliar seu campo de visão por meio das relações e associações promovidas com outras disciplinas, matérias e intelectuais. Leia Mais

Doce Césares. La representación del poder desde el mundo antiguo hasta la actualidad | Mary Beard

Las últimas publicaciones de Mary Beard se caracterizan por contener un tema que es debatido en términos historiográficos y dejar planteados argumentos que requerirán de nuevas revisiones. Tal es el caso de su reciente libro Doce Césares, una aproximación marcadamente interdisciplinaria en que se encuentran la historia, la arqueología, la historia del arte, la numismática y la museografía. Todos esos contenidos aparecen relacionados en los diversos capítulos a lo largo de los muchos siglos contenidos entre la experiencia romana y la primera mitad del siglo XX, partiendo de las biografías de los doce primeros emperadores romanos descritos, a caballo entre los siglos I y II de nuestra era por Suetonio.

La representación del poder es abordado en su primera sede, esto es, la Roma antigua, particularmente a partir de los años del gobierno de Julio César, el «primer romano cuyo retrato se acuñó sistemáticamente en las monedas» (p.67), dando así el pie para una actividad que desarrollarán los emperadores siguientes, destacando la numerosa producción que se llevó adelante en los tiempos de Augusto. No obstante de esta producción son muy pocas las que han llegado hasta nuestros días, y tampoco es que la imagen imperial contenida en ellas representen al gobernante con demasiada fidelidad. De nuevo los largos años de Augusto sirven para ilustrar el punto sobre el cual reparara Paul Zanker hace más de treinta años, cuando señaló que, en sus diversas imágenes, el emperador aparecía siempre joven, lo cual pone en duda la fidelidad de su representación, y marca, en cambio, la intencionada continuidad en el plano del mensaje político. Leia Mais

Stranieri. Figure dell’altro nella Grecia antica | Andrea Cozzo

Sei anni dopo la pubblicazione di Stranieri. Figure dell’altro nella Grecia antica, Andrea Cozzo pubblica una nuova edizione del suo lavoro di indagine sul tema dello straniero nell’area di civiltà greca, rinnovando così il suo contributo a una tematica particolarmente feconda delle scienze dell’antichità su cui ha avuto modo di offrire ulteriori riflessioni anche nel successivo Nel mezzo. Microfisica della mediazione nel mondo greco antico (Pisa 2014) e nel più recente Riso e sorriso. E altri saggi sulla nonviolenza nella Grecia arcaica (Sesto San Giovanni 2018).

Nel volume recensito l’Autore si propone di esplorare attraverso un’analisi sistematica delle fonti in quali modi si declinasse il rapporto tra Noi e gli Altri (per utilizzare le categorie di indagine di cui si serve egli stesso) entro l’area di civiltà greca, ma anche in quei contesti di confine e di convivenza fra gruppi sociali inscrivibili entro le due categorie appena citate, entrando così nel merito di «realtà politiche e culture dell’identità» (p. 8). Nel fare ciò viene coperto un arco temporale che da Omero arriva fino al IV sec. d.C., e quindi al periodo di incontro e scontro tra la tradizione pagana greco-romana e quella dei Padri della Chiesa; quest’ultimo tema è ulteriormente approfondito in un paragrafo pubblicato nella nuova edizione del volume (4.7. Come pensare le credenze religiose degli Altri? pp. 145-56). Leia Mais

A short history of European law: the last two and a half millennia | Tamar Herzog

Dentre os gêneros da literatura jurídica, manuais e textos introdutórios ocupam uma posição bastante singular: por se tratar de uma primeira leitura sobre determinado tema, eles não devem adotar uma complexidade que assuste o leitor iniciante, ao mesmo tempo que precisam se afastar de lugares comuns, de visões metodologicamente ultrapassadas e mesmo de conteúdo materialmente pouco aprofundado. Não é incomum se deparar com o argumento de que, como os manuais são uma leitura inicial, podem deixar pontos abertos (ou mesmo sem uma precisão integral em tudo o que se pretenda abordar) a serem preenchidos por estudos mais específicos, os quais só seriam feitos por quem necessitasse ou optasse pelo aprofundamento do conhecimento na área.

Ao adotarem essas estratégias, muitos autores de manuais apresentam textos deficientes que frequentemente refletem um déficit também na sua formação, o que se torna facilmente perceptível ao leitor mais atento. O resultado acaba materializando um ciclo vicioso, pois manuais fracos dificilmente inspirarão alunos a se tornarem pesquisadores na área. Por outro lado, manuais publicados por autores com uma formação sólida tendem a ter a qualidade necessária para o duplo objetivo de qualquer obra com essa natureza: servir como ponte para o aprofundamento da minoria que decidir se especializar e, para a maioria, fornecer subsídios mínimos para uma compreensão ampla e adequada das principais discussões da área específica. Leia Mais

História da República Romana | Henrique Modanez Sant’Anna

Ao analisar a obra The Cambridge Ancient History: The Last Age of the Roman Republic, 146–43 B.C. (BOWMAN; CHAMPLIN; LINTOTT, 1992), uma das obras mais influentes sobre o período, e que lida apenas com os acontecimentos da segunda metade do período da República Romana (509 a.C. – 31 ou 27 a.C.), fica claro a qualquer leitor bem informado que ele estará diante de uma cadeia quase interminável de acontecimentos importantes que não só serão importantes para a compreensão do mundo romano, mas também para todas as reinterpretações históricas decorrentes destes eventos. Afinal, este período abrange acontecimentos diversos e muito complexos, como as guerras entre Roma e Cartago pela hegemonia mediterrânica, os processos de lutas sociais pela aquisição da cidadania pelas populações da Itália, a questão agrária defendida pelos irmãos Graco, a revolta de Espártaco, a expansão do Império romano e a consequente corrupção nos tribunais para controlar o envio de magistrados que iriam extorquir as províncias, Pompeu e os piratas no Oriente, César e a Gália no Ocidente, os triunviratos e, por fim, as guerras civis entre César e Pompeu, mas também aquelas que tiveram lugar com Otávio e Antônio, entre eles, mas também contra Brutus e Cássio, além da guerra contra o filho de Pompeu. Isso somente para enumerar alguns dos acontecimentos que possivelmente serão lembrados por qualquer curioso sobre o período que venha a ter contato com esse imenso compêndio. Leia Mais

O desafio biográfico: escrever uma vida | François Dosse

François Dosse (1950- ) a partir de 1989 questiona radicalmente suas próprias concepções de história. Após a queda do muro de Berlim (e, com ele, o “socialismo real” e parte dos horizontes de expectativa do Ocidente), mais a descoberta da obra de Ricoeur, passa a perceber, nas ciências humanas, o social e o político segundo uma perspectiva hermenêutica e pragmática. Elemento mais ou menos ativo da geração de 1968, afirma que esta parece ter encontrado as ferramentas para exprimir aquilo que considera o ponto comum entre os que trabalham pela renovação nas ciências humanas: a vontade de fazer “sentido” (sem teleologia), o resgate da historicidade (sem historicismo) e o gosto pelo agir (sem ativismo). O novo paradigma próprio das ciências humanas permite, assim, repensar um novo horizonte de expectativas (DOSSE, 2004: 11-61).

Atualmente, portanto, a disciplina histórica parece se ressentir da necessidade da recomposição do sentido. François Dosse, após o estudo do vazio deixado pela crise dos grandes paradigmas (marxismo e estruturalismo) e a crítica dos Annales em A História em Migalhas (1987), fala em uma “virada historiográfica”: refere-se a um voltar-se dos historiadores a pensar, em diálogo com a filosofia, os conceitos de que se utiliza em sua operação profissional. A guinada hermenêutica e pragmática defende “a emergência de um espaço teórico próprio aos historiadores, reconciliados com seu nome próprio e a definição da operação histórica pela centralidade do humano, do ator, da ação” (DOSSE, 2004: 48).

Entre 1994 e 1997, Dosse trabalhou na elaboração da biografia intelectual de Paul Ricoeur. Paul Ricoeur: les sens d’une vie (ainda não traduzida para o português) é uma biografia intelectual situada na contramão das biografias tradicionais. Não busca uma história total, nem pretende solucionar mistérios psicológicos que ajudariam a compreender melhor a obra do filósofo. Dosse procede, ao contrário, a uma pesquisa plural dos diversos modos de apropriação do sujeito biografado. Deixa de lado a tradicional oposição entre verdadeiro e falso por uma busca constante de contextualização e recuperação das redes de sociabilidade intelectual. Abstém-se de qualquer pretensão de esgotar o significado de seu relato de vida para narrá-lo no plural, atento à recepção do biografado e de sua obra, sempre diversa, de acordo com o momento considerado. A biografia de Ricoeur está afeita, portanto, à maneira pela qual o próprio filósofo entende a construção de uma identidade pessoal, que se deixa observar através da pluralidade (DOSSE, 2009).

Em 2009, surge no cenário acadêmico brasileiro a tradução de Le Pari biographique: Écrire une vie, lançado na França em 2005. Publicado no Brasil pela Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP), com apoio do Ministério Francês das Relações Exteriores, por ocasião do ano da França no Brasil, O desafio biográfico é uma história do gênero biográfico, desde Plutarco até a inflexão do gênero a partir dos anos 1980, de acordo com a guinada hermenêutica e pragmática referida anteriormente.

Neste estudo da evolução das biografia, Dosse diferencia três modalidades de abordagem biográfica: a idade heroica, a idade modal e, por fim, a idade hermenêutica: “se conseguirmos detectar uma evolução cronológica entre essas três idades, veremos claramente que os três tipos de tratamento da biografia podem combinar-se e aparecer no curso de um mesmo período” (DOSSE, 2009: 13).

De início, destaca o caráter híbrido do gênero biográfico, tensionado entre o viés científico e a aspiração à verdade e o elemento ficcional e uso da imaginação histórica no suprimento de carências documentais:

A dificuldade de classificá-lo numa disciplina organizada, a pulverização entre tentações contraditórias – como a vocação romanesca, a ânsia de erudição, a insistência num discurso moral exemplar – fizeram dele um subgênero há muito sujeito ao opróbrio e a um déficit de reflexão (DOSSE, 2009: 13).

Outro problema recorrente envolvendo a biografia é que “a ânsia de dar sentido, de refletir a heterogeneidade e a contingência de uma vida para criar uma unidade significativa e coerente traz em si boa dose de engodo e ilusão” (DOSSE, 2009: 14). Trata-se da “ilusão biográfica”, sobre a qual alertava o sociólogo Pierre Bourdieu, para quem a narrativa biográfica pressupõe que a vida constitui um conjunto coerente e orientado que pode e deve ser apreendido como expressão unitária (BOURDIEU, 1996). A crítica radical de Bourdieu à ilusão biográfica, através da qual inclusive afiança o sujeito como entidade não-pertinente, certamente despertou inúmeras interrogações. Dosse, em resposta, vai além ao asseverar, com Roger Dadoun, a necessidade dessa ilusão e a questão da opacidade entre biógrafo e biografado (DOSSE, 2009). Em consequência da empatia com o tema, o biógrafo acaba possuído e modificado pela relação que estabelece com seu biografado. Ancorado em Ricoeur, Dosse afirma que “a escrita biográfica está bem próxima do movimento em direção ao outro e da alteração do eu rumo à construção de um Si transformado em outro” (DOSSE, 2009: 14). Para se evitar os riscos do descrédito, o biografado deve expor com frequência os elementos componentes do “contrato de leitura” com seus leitores. O pacto biográfico distingue o trabalho de pesquisa da ficção pela verificação dos métodos e critérios de cientificidade. De todo modo, enfatiza a tensão do gênero como desafio ao defini-lo como “gênero impuro”: “O domínio da escrita biográfica tornou-se hoje um terreno propício à experimentação para o historiador apto a avaliar o caráter ambivalente da epistemologia de sua disciplina, apanhada na tensão entre seu polo científico e seu polo ficcional” (DOSSE, 2009: 18).

Na Idade heroica da biografia (da Antiguidade à época moderna, de acordo com as divisões perpetradas por Dosse), ela prestou-se ao discurso das virtudes e, como tal, erigiu modelos moralizantes: “inscreve-se, nesse longo período, no respeito absoluto a uma tradição” (DOSSE, 2009: 123). Na Antiguidade, a tradição dos valores heroicos; após a cristianização, os valores religiosos. Ambos têm por modelo as vidas exemplares.

Plutarco foi um dos maiores nomes do gênero biográfico da antiguidade clássica. Pelo modelo de seu trabalho foi que o gênero biográfico iniciou a sedimentação de sua especificidade. “O objetivo capital do projeto de Plutarco é revelar os traços de destaque de um caráter psicológico em sua ambivalência e complexidade, inaugurando assim o gênero da vida exemplar com tons moralizantes” (DOSSE, 2009: 127). No medievo, a hagiografia – gênero literário que privilegia as encarnações humanas do sagrado e ambiciona torná-las exemplares para o resto da humanidade – toma o lugar na direção das “vidas exemplares”. “A reforma gregoriana acompanhou uma mudança radical na natureza dessas hagiografias, que se transformaram para os clérigos em exemplos de vida, em modelos a imitar” (DOSSE, 2009: 144).

No século XIX, a biografia é vista como subgênero, um modo de escrita da história relegado ao plano auxiliar: “Se o século XIX aparece às vezes como a idade de ouro da biografia, isso acontece porque nos esquecemos de que ele é, acima de tudo, o século da história” (DOSSE, 2009: 171-2). Entre os séculos XIX e XX, a biografia sofre então um “demorado eclipse, porque o mergulho da história nas águas das ciências sociais, graças à escola dos Annales, […] contribuiu para a radicalização de seu desaparecimento em proveito das lógicas massificantes e quantificáveis” (DOSSE, 2009: 181).

Esse longo eclipse Dosse define como o tempo da Biografia modal. Neste segundo tempo da escrita biográfica (a que corresponde um momento histórico e uma forma de abordagem), pretende-se deslocar o foco de interesse da singularidade do indivíduo biografado para enxergá-lo como ilustração da coletividade. O contexto prevalece e o indivíduo é seu mero reflexo. Ou seja, “a biografia modal visa, por meio de uma figura específica, ao tipo idealizado que ela encarna” (DOSSE, 2009: 195). Um bom exemplo são as obras de Lucien Febvre sobre Rabelais e Lutero. “Quando Lucien Febvre escreve sobre Rabelais, não é tanto a singularidade deste último que o interessa, mas, sim, o aparelhamento mental de sua época” (DOSSE, 2009: 215).

Na Idade hermenêutica, dos tempos mais recentes e terceiro tempo da história do gênero biográfico, François Dosse ainda opera uma divisão: a unidade dominada pelo singular e a pluralidade das identidades. Na idade hermenêutica, de reflexividade, há uma verdadeira retomada do gênero biográfico e até mesmo uma febre editorial no mercado de biografias. Diversos estudiosos, de historiadores a antropólogos, após a queda dos paradigmas estruturantes, rompem com os interditos que cercavam a biografia, ao se lançarem às questões do sujeito e da subjetividade. Nas palavras de Dosse, “A intrusão do biográfico nas ciências sociais sacode alguns postulados “científicos” […], pois os relatos se situam num espaço entre a escrita e a leitura literárias ou entre escrita e leituras científicas” (DOSSE, 2009: 242). Insatisfeitos diante das realizações biográficas próximas dos tipos ideais ou animadas pela vontade de demonstrar alguma coisa a priori, os historiadores e demais cientistas sociais sentiramse atraídos, nos anos 1970/80, pelas teses da microstoria, que preconizou uma abordagem bem diversa. É o que Dosse chama de ideia do “excepcional normal”: “Em vez de partir do indivíduo médio ou típico de uma categoria socioprofissional, a microstoria […] ocupa-se de estudos de caso, de microcosmos, valorizando as situações-limite de crise” (DOSSE, 2009: 254).

Atualmente, na era da reflexividade hermenêutica, o campo de estudos biográficos tornou-se privilegiado como campo de experimentação para o historiador: “Os estudos atuais se caracterizam pela variação do enfoque analítico […]. O quadro unitário da biografia foi desfeito, o espelho se quebrou para deixar aflorar mais facilmente […] a pluralidade das identidades, o plural dos sentidos da vida” (DOSSE, 2009: 344). A heterocronia complexa sugerida pelas relações entre história e psicanálise questiona a todo momento as noções lineares tradicionais de sucessividade e sequencialidade e, assim, ajuda a evitar as ilusões biográficas. A linearidade da biografia tradicional é questionada, portanto, e até mesmo suas balisas temporais clássicas, a vida biológica e o ciclo de nascimento e morte. Há condicionamentos que se impõem ao indivíduo antes de nascer, bem como há metamorfoses do sentido de sua vida após seu desaparecimento.

A “biografia intelectual” visa ao estudo dos escritores, filósofos e homens de letras em geral: “por definição, o homem de ideias se deixa ler por suas publicações, não por seu cotidiano” (DOSSE, 2009: 361). Dosse salienta a importância da vida e obra serem retomadas em conjunto, porém, em seus respectivos recortes. Uma via original de abordagem do sujeito biografado não se reduz à via clássica da contextualização, mas é a busca da coerência de seu gesto singular. Defende o que o vínculo entre o existir e o pensar deve ser retomado a esta nova luz. A biografia intelectual se caracteriza pelo aspecto de abertura a interpretações distintas e inesgotáveis: considerando que o significado de uma vida nunca é unívoco, ela aponta a importância da recepção do sujeito biografado no tempo e pelos seus pares e leitores. François Dosse assevera ser impossível saturar o sentido de uma vida, que pode – e mesmo deve – ser constantemente reescrita.

A história, como a biografia, é constantemente reescrita, reinterpretada; não admite um conhecimento imediato, total, definitivo sobre o passado. Isso pela especificidade própria de seu objeto de conhecimento: as sociedades humanas e os homens em um processo temporal. O próprio conhecimento histórico constantemente se transforma, acompanhando as mudanças da história e da disciplina histórica. Não há, portanto, um passado fixo a ser extenuado pela história. As experiências e expectativas futuras alteram a compreensão do passado. Para Reinhardt Koselleck, conhecer um determinado contexto histórico é saber como, nele, se relacionaram as dimensões temporais do passado e do futuro (KOSELLECK, 2006). Na expressão de Dosse, “um diálogo sobre o passado aberto para o futuro, a ponto de se falar cada vez mais de futuro do passado” (DOSSE, 2009: 410).

Aberto ao devir, o regime de historicidade não se pretende mais fechado sobre si mesmo. O caso das pesquisas biográficas e as questões levantadas por Dosse no seu Desafio biográfico colocam em xeque as pretensões totalizantes de escrita da história, mesmo sobre a escrita da vida de um único indivíduo. A abordagem hermenêutica, reflexiva/interpretativa, opõe obstáculos aos determinismos e causalidades rigorosas. Humanizando-se, as ciências humanas despem-se de resquícios do modelo das ciências naturais. Destarte, o trabalho de François Dosse sobre o gênero biográfico é, também, uma verdadeira exposição e problematização dos aspectos mais recentes e complexos em que se confrontam as ciências humanas e a teoria da história. Em diálogo aberto com a filosofia, a história volta-se para o humano, ao sujeito e à ação. No seu centro, a noção de sentido (existencial).

Referências

AVELAR, A. S. A biografia como escrita da história: possibilidades, limites e tensões. Dimensões, Vitória, v.24, p. 157-72, 2010.

BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. M. (Orgs.) Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 183-191.

DOSSE, F. Ensaio de Ego-História: percurso de uma pesquisa. In: DOSSE, F. História e Ciências Sociais. Bauru, SP: EDUSC, 2004, p. 11-61.

KOSELLECK, R. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: PUC/Contraponto, 2006.

Raphael Guilherme de Carvalho – Mestrando em História Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]


DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. Trad. Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. Resenha de: CARVALHO, Raphael Guilherme de. Contraponto. Teresina, v.1, n.1, p.129-134, jan./dez. 2011. Acessar publicação original [DR]

Pequena história dos historiadores | Philippe Tétart

Toda sociedade tem História, mas nem toda sociedade deixa testemunhos e/ou escreve sua história. Na verdade, embora a expressão ‘história vivida’, a existência das sociedades e dos homens no tempo, seja comum a todas as civilizações conhecidas (ou não), a ‘história conhecimento’, ou mais precisamente, a interpretação daquele agir humano, refere-se apenas àquelas que tiveram a preocupação (política ou cultural) de deixar a posteridade o registro escrito de suas ações, sob a forma fragmentária de documentos (oficiais ou não), ou ainda de interpretações. Evidentemente, desde “tempos imemoriais, a questão da história dos homens e de sua sociedade se coloca” (TÉTART, 2000, p. 7). Mais ainda, para aquelas onde a cultura escrita preponderou sobre a tradição oral. No entanto, a importância de quem deixa o testemunho, sob a forma documental, ou mais caracteristicamente, por meio de uma interpretação (na figura subjetiva do historiador), segundo François Hartog em seu livro O espelho de Heródoto, só teria, de fato, se iniciado na Grécia, no século V antes de Cristo, principalmente com as Histórias de Heródoto, que buscaria “construir um saber fundado nos depoimentos escritos e orais, a fim de reconstituir a cadeia dos acontecimentos históricos e de designar suas causas naturais próximas ou distantes. Inaugura assim a tradição da história factual detalhada – particularmente das guerras” (TÉTART, 2000, p 13), conforme constatará Philippe Tétart. A própria palavra ‘história’, segundo Jacque Le Goff em seu livro História e memória, tal como aparece em todas as línguas românicas ou em inglês, viria do grego antigo historie, em dialeto jônico, que derivaria da raiz indo-européia wid-, weid-, que quer dizer ‘ver’. Daí, segundo ele, o sânscrito vettas, testemunha, e o grego histor, ‘aquele que vê’, seria também ‘aquele que sabe’. E esse é, para ele, o significado que a palavra ‘história’ tinha na obra de Heródoto, de procurar, de informar, de investigar (e, por extensão, de deixar testemunhado aquilo que ‘viu’ ou ‘ouviu’). Leia Mais

Os 100 Livros que mais influenciaram a humanidade: a história do pensamento dos tempos antigos à atualidade | Martin Seymour-Smith

Este livro é um bom exemplo de uma excelente idéia mal executada. Não me refiro a inadequações editoriais meramente, como o Sefiroth impropriamente impresso no comentário acerca dos Anais de Tácito (p. 152), que, suponho, não é um texto cabalístico (o Sefiroth aparece depois novamente, mas em lugar adequado, na p. 206), mas erros do autor na tentativa de executar a idéia proposta pela editora. Não se pode questionar a validade da idéia. Eu mesmo muitas vezes tive a iniciativa de listar os livros mais importantes de alguma área ou sobre algum assunto. Importa, no entanto, avaliar a execução da idéia, e é aí que os problemas começam a surgir.

Seymour-Smith privilegia obras da tradição filosófica, em detrimento de outras áreas como a literatura e as ciências humanas. Seu livro chega às vezes a se parecer com um compêndio de filosofia qualquer, até porque o autor, cometendo um erro grave, “força a barra” e considera, por exemplo, as obras completas de Aristóteles como um único livro, e depois faz o mesmo em relação a Leibniz. Assim, a dificuldade de escolher as cem obras mais influentes se esvazia inteiramente, e caminha-se em direção da escolha dos cem autores mais influentes, o que é outro projeto, bem mais comum e mais fácil, diga-se de passagem. Leia Mais

Figuras do Pensável – As Encruzilhadas do Labirinto VI | Cornelius Castoriadis

CASTORIADIS, Cornelius. Figuras do Pensável – As Encruzilhadas do Labirinto VI. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. Resenha de: REZENDE, Antônio Paulo. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.21, n.1, p.327-331, jan./dez. 2003.

Acesso apenas pelo link original [DR]