Visões do tempo no medievo e a escrita da História/CLIO- Revista de Pesquisa Histórica/2022

No final do século XIX, ao criticar a linha de pensamento do positivismo, o filósofo Friedrich Nietzsche, em seu livro Aurora (1881), diz em seu aforismo de número 307: “Facta! Sim, facta ficta! [Fatos! Sim, fatos fictícios]. – Um historiador não se ocupa do que efetivamente ocorreu, mas dos supostos acontecimentos: pois apenas estes tiveram efeito. E, do mesmo modo, apenas dos supostos heróis. Seu tema, a assim chamada história universal (Weltgeschichte), são opiniões sobre supostas ações e os supostos motivos para elas, que novamente dão ensejo a opiniões e ações cuja realidade (Wirklichkeit) imediatamente se vaporiza e apenas como vapor tem efeito – uma contínua geração e fecundação de fantasmas, sobre as névoas profundas da realidade insondável. Os historiadores falam de coisas que jamais existiram, exceto na representação mental (Vorstellung)”1. Leia Mais

Usos do tempo, entre passado e porvir | Memória em Rede | 2021

El pasado es la única temporada que crece cada día. Desde el hoy solemos contemplarlo con un poco de angustia. Y nunca esta completo. La memoria se queda apenas con fragmentos, que no siempre son los más relevantes.

Mário Benedetti, Vivir adrede

Têm razão os cépticos quando afirmam que a história da humanidade é uma interminável sucessão de ocasiões perdidas. Felizmente, graças à inesgotável generosidade da imaginação, cá vamos suprimindo as faltas, preenchendo as lacunas o melhor que se pode, rompendo passagens em becos sem saída e que sem saída irão continuar, inventando chaves para abrir portas órfãs de fechadura ou que nunca a tiveram”

José Saramago, A viagem do Elefante

Neste dossiê interroga-se os usos do tempo no campo conturbado e confluente entre ciências sociais e humanas como a história, a antropologia, a arqueologia, a museologia, convocando igualmente a literatura e os estudos culturais. O objetivo central é uma abordagem dos usos do passado e da construção do futuro, que possa interrogar o crescendo dos estudos sobre a memória, o património e o anti-património, a relação com as fontes orais, os arquivos e os museus, ao mesmo tempo que se debate a teoria e os métodos, e se convocam saberes de fronteira de várias disciplinas. Leia Mais

Entrecruzamientos del tiempo/Historia y Grafía/2020

Este expediente da un salto del siglo XVI al XVIII. La periodización clásica de la historia nos diría que se trata de la primera modernidad. Pero los lectores verán que los ensayos nos demuestran que hay niveles evolutivos diferentes en cada periodo. No toda la sociedad evoluciona al mismo ritmo. Hay marcos de acción y representación que prevalecen más allá de lo que las periodizaciones nos dicen. Ya Le Goff nos hablaba de una larga Edad Media. Hoy diríamos que las rupturas o continuidades dependen del estrato de la sociedad que se estudia. En un mismo siglo se viven distintas épocas. Si la historiografía de los setenta insistió en las rupturas, la de los sesenta resaltó las continuidades. Me gustaría que los lectores vieran, en la lectura de este expediente, que las nociones de ruptura o continuidad, con respecto a la historia, no son realidades en sí. Afirmar una o la otra depende del tema que cada investigación problematiza. No hay rupturas ni continuidades, lo que hay son preguntas. Leia Mais

História, tempo e espaço / Caminhos da História / 2019

Prezadas (os) leitoras (es),

O dossiê desta edição da Revista Caminhos da História, do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes-MG), propõe analisar a temática “História, tempo e espaço”. Trata-se de um dossiê organizado pelos geógrafos Dr. Emerson Costa de Melo (Doutor em Geografia pela UERJ) e Dra. Aline da Fonseca Sá e Silveira (Doutora em Geografia pela UERJ e Professora do CEFET-RJ).

Os artigos do dossiê abordam temáticas caras à relação interdisciplinar entre os campos da Geografia e da História, principalmente quando se aproximam o espaço geográfico e o tempo histórico em abordagens e perspectivas que tornam centrais temas como região, territórios, margens e fronteiras, por exemplo. Neste sentido, os artigos aqui selecionados analisam os territórios e revisões de propriedade na práxis de colonização da Companhia de Jesus na Província do Paraguai entre os séculos XVII-XVIII; a economia de abastecimento e pequeno escravista do Vale do Macacu no século XVIII; a geografia social da morte nas práticas de sepultamento na cidade de São João Del-Rei, no século XIX. Questões de ordem técnica, teórica e metodológica também são enfatizadas em discussões sobre modelos metodológicos de espacialização dos registros paroquiais de terras e na relação entre a circularidade cultural e os agenciamentos territoriais.

Esta edição conta, também, com sua seção de artigos em fluxo contínuo. Apresentamos, de tal modo, estudos que apontam a relação “cor da pele / cidadania” nas Constituições da Venezuela (1811) e do Brasil (1824), reflexões sobre a figura do Pe. Diogo Antônio Feijó e o catolicismo como religião civil e, por último, as vivências entre boiadeiros e boiadas no Noroeste paulista.

A imagem que ilustra a capa da edição é uma pintura produzida pelo ítalo-brasileiro Alfredo Volpi (1896-1988), intitulada Paisagem com carro de boi, pertencente à Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Esperamos que todxs tenham uma excelente leitura!

Atenciosamente,

Ester Liberato Pereira,

Rafael Dias de Castro,

e Comissão Editorial


PEREIRA, Ester Liberato; CASTRO, Rafael Dias de. Editorial. Caminhos da História, Montes Claros, v. 24, n.2, jul / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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A Antiguidade, o Tempo, Nós e a História / Cantareira / 2015

“(…) a própria ideia de que o passado, enquanto tal, possa ser objeto de ciência é absurda” [2].

Ao escrever essa frase, Marc Bloch construía uma crítica à História tal como era escrita por Langlois e Seignobos, como uma sucessão de fatos ocorridos em tempos antanhos, a famosa histoire événementielle, focada nos grandes eventos e grandes figuras. Bloch concebe a História como a “ciência dos homens no tempo”, enfatizando o “continuum”, a “perpétua mudança”. Quando se debruçam sobre a Antiguidade, tema do presente dossiê, os historiadores buscam justamente o que há de continuidade e o que há de “perpétua mudança” no andejar dos homens nas estradas do tempo. E desse caminhar chegaram até nós as marcas fragmentárias de suas pegadas, suas representações: vestígios materiais de sua cultura ou, como diz Denise Jodelet, conhecimentos partilhados socialmente, que construíam uma noção de realidade comum para uma comunidade [3]. Nesse sentido, a própria História nasceu como representação [4]: Heródoto elabora seu relato sobre as Guerras Greco-Pérsicas a partir do que ouviu, ou seja, das ideias e noções sobre esse fenômeno que circulavam entre os gregos. Ao tornar público o resultado de sua pesquisa -eis o sentido da palavra iστορία na época- o primeiro historiador também criou uma visão da realidade. As representações construídas por Heródoto nos mostram o continuum de que Marc Bloch fala: as tensões entre Oriente e Ocidente, por exemplo, mais que nunca presentes na imprensa do século XXI.

Por falarmos em mídias, os antigos nunca realmente “saem de moda”. Vemos sua presença nos livros para jovens adultos como “Jogos Vorazes”, “Harry Potter”, “Percy Jackson”. Em filmes como “A Múmia”, “Tróia”, “Hércules” (em suas variadas versões) e “Fúria de Titãs”. Nas histórias em quadrinhos com “Asterix”. A série “Roma” foi um sucesso de crítica; em 2014 a vida do faraó Tutankamon foi romantizada na televisão em “O Rei Tut”, exibida neste ano no canal a cabo History Channel. O teatro grego, que exercia verdadeira função educacional na Grécia Antiga, não perdeu seu caráter catártico mesmo hoje: “Ajax”, de Sófocles, é encenada, em 2015, para que veteranos da Guerra do Iraque possam confrontar seus traumas e fantasmas [5]. Spike Lee se inspirou em Lisístrata, de Aristófanes, ao criar o enredo de seu filme “Chi-raq”, no qual perscruta as tensões existentes na Chicago contemporânea. Na época de seu lançamento, o filme “300”, de Zack Snyder, foi objeto de debate de vários classicistas: as relações entre espartanos e persas na película retratavam as hostilidades atuais entre Ocidente e Oriente. Os quadrinhos que o originaram se inspiraram, por sua vez, em outro filme: “300 de Esparta”, de 1962, cujos tons mostravam que a beligerância encenada pelos atores estava mais conectada à Guerra Fria que ao século VI a.C. A Antiguidade, tal como o teatro clássico fazia para os gregos, nos oferece um “espelho” pelo qual podemos enxergar a nós mesmos, contemporâneos, como o Outro. Ela nos obsequia o exercício da alteridade indispensável para compreendermos nosso próprio cotidiano e nossa identidade. Em outras palavras: os antigos ainda são estudados, representados e estão “na moda” porque são bons meios, diríamos, para a construção do pensamento crítico sobre nós, pessoas vivendo em 2015. Não apenas continuamos analisando as representações que eles nos legaram, mas construímos nossas próprias visões do que seria o mundo deles em filmes, séries, livros e etc. Atualmente, os estudos sobre as recepções da Antiguidade estão em expansão no mundo anglófono. Talvez a mesma atenção deva ser dada pelos pesquisadores brasileiros acerca das visões sobre a Antiguidade e como elas, de fato, se referem ao próprio contexto histórico em que são concebidas. Para citar mais um exemplo cinematográfico, o filme “Deuses do Egito”, dirigido por Alex Proyas, será lançado em 2016, mas já está sendo objeto de discussão. A maioria dos atores retratando as divindades egípcias são brancos e europeus, o que não condiz com as representações legadas pelos próprios antigos. Tal fato, claramente, diz muito mais sobre nossa própria sociedade e a falta de diversidade étnica na mídia contemporânea que sobre as crenças engendradas no Antigo Oriente Próximo há mais de 3.000 anos atrás.

Em tempos de discussão da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), cuja proposta retira do Ensino Médio os conteúdos de História Antiga e Medieval, cabe aos historiadores exporem suas pesquisas e demonstrarem como seus objetos dialogam com o seu tempo e sua sociedade. Também na “Apologia da História” Bloch cita o ditado árabe Sociais. “os homens parecem mais com seu tempo que com seus pais” [6]: os temas que interessam os historiadores da Antiguidade são os mesmos que inquietam aqueles que pesquisam temporalidades mais recentes, como podemos perceber pela leitura dos artigos que compõem nosso dossiê. Se historiadores devem ser como ogros, farejemos, pois, a carne humana!

Os primeiros artigos do dossiê tratam da História das Mulheres na Grécia Antiga. Talita Nunes Silva é a autora do texto “A mulher grega como ‘sacrificadora’: ‘transgressão’?”, no qual faz um apanhado das visões acerca da transgressão apresentadas por pensadores do Direito, da Psicanálise e das Ciências Sociais para discutir o uso desse conceito na atuação religiosa feminina através da personagem Clitmnestra tal como construída na trilogia Oréstia, de Ésquilo e também para pensar a possibilidade das mulheres terem agido como sacrificadoras nos ritos religiosos gregos. O artigo de Juliana Magalhães dos Santos, “Eros e a prostituição feminina ateniense no V Século a.C: aproximações e representações”, também reflete sobre a religiosidade helênica ao tratar o banquete (symposion) como ritual de cidadania e amizade. Eros é apresentado como potência geradora e elemento de união e equilíbrio social, necessário para a manutenção dos laços entre os cidadãos. A presença de prostitutas (hetairai) na celebração marca a heterotopia da casa ateniense como espaço religioso e espaço festivo. O âmbito privado tornava-se, no symposion, microcosmo do amor e da amizade que deveriam, segundo Platão em O Banquete, unir a cidade. “Entre ideologia e representação: novos olhares sobre as mulheres atenienses”, por sua vez, trata das divergências entre as representações na cerâmica ateniense e o conteúdo do discurso filosófico e político no que tange à visão sobre as mulheres dessa pólis. Dayanne Dockhorn Seger, a autora, ressalta que os registros literários procuravam evidenciar a reclusão feminina. Contudo, as representações na cerâmica ática mostram que as mulheres gozavam de mais liberdade que as fontes escritas e a historiografia tradicional nos fazem crer.

Luis Henrique Bonifácio Cordeiro e José Maria Gomes de Souza Neto elaboram em “Vingança e arrependimento como parte da concepção do ser trágico do período clássico ateniense na Electra de Eurípides” uma visão sobre o ser trágico ateniense a partir da análise das personagens da peça do título. Os autores defendem que as personagens trágicas estão em situações marcadas pela contradição e pelo questionamento. A tragédia coloca em cena o desequilíbrio da ordem cósmica (social, econômica, política e religiosa) e as personagens euridipianas em Electra apresentam em si relações dialéticas como destino / escolha pessoal, vingança / arrependimento, entre outras.

“Os gregos, os romanos e os celtas: contatos entre culturas e a representação do gaulês no De Bello Gallico de Júlio César”, cuja autoria é de Priscilla Adriane Ferreira de Almeida, aborda como os gauleses foram figurados na literatura greco-romana, buscando focar-se na representação dos gauleses construída na obra do estadista romano. Em De Bello Gallico, Júlio César trata de diferentes níveis civilizacionais dos bárbaros, ao que ele denomina de ferocitas. As condições climáticas do habitat gaulês faziam desse povo inferior aos romanos e, por estarem nas bordas do mundo, sua selvageria era perigosa à ordem representada por Roma. Apesar de serem fortes e corajosos, era preciso dominálos. Litiane Guimarães Mosca traz em seu texto “A construção da imagem de Otávio César Augusto como propaganda política: uma análise das Res Gestae Divi Augusti (séc. I d. C.)” uma discussão dos elementos presentes no Res Gestae que enaltecem a figura de Augusto e que permitem que identifiquemos esse documento como propaganda política. O artigo defende que o imperador utilizou as placas de bronze póstumas a fim de legar para a posteridade uma imagem positiva do governo e de si próprio. Assim, não apenas teria seus feitos reconhecidos, mas a legitimidade do poder de Tibério, seu sucessor, seria atestada.

Nelson de Paiva Bondiolli disserta em “Doados aos Humanos como um Segundo Sol: Uma abordagem póscolonial à História Natural de Plínio, O Velho” acerca das fronteiras e identidades do Império Romano durante o Principado, defendendo que a presença de estereótipos na obra de Plínio, o Velho, permite-nos perceber a construção da identidade romana em oposição ao “Outro”, qual seja, os povos que não comungam da cultura de Roma. As conquistas militares do Império solidificam a identidade romana, enquanto o Outro, bárbaro, é desumanizado. Ser romano, na História Natural é, assim, sinônimo de civilização. “Um estudo da recepção do epicurismo pela elite romana do século I AEC: alguns problemas e revisão crítica”, de Maria de Nazareth Eichler Sant’ Angelo, argumenta que a pesquisa sobre a recepção do epicurismo pela elite romana no primeiro século de nossa era é prejudicada pelo fato dos especialistas não perceberem essa corrente filosófica como parte da identidade da elite romana. Sant´Angelo afirma que os círculos literários romanos eram campos férteis para a circulação das ideias epicuristas, especialmente os banquetes aristocráticos. A prática da filosofia helenística não negava a religiosidade, aberta a influências estrangeiras. “Fontes e representações políticas sobre o polêmico imperador Nero”, de Ygor Klain Belchior, traz um diálogo entre as modernas interpretações historiográficas acerca do imperador romano e suas representações nas fontes clássicas. Enquanto a obra de Suetônio traça uma imagem ambígua sobre Nero, primeiro como um bom governante e depois como um sanguinário, Tácito descreve-o como um político “fantoche”, manipulado por sua mãe Agripina, por Sêneca e Burrus e, posteriormente, por Tigelino. O autor ressalta que as visões negativas sobre Nero que chegaram até nós são consequências das disputas pelo poder em Roma, especialmente após a ascensão da dinastia dos Flávios.

Sobre a religiosidade monoteísta na Antiguidade temos os textos de Vítor Luiz Silva de Almeida e Mariana de Matos Ponte Raimundo. Do primeiro autor é ““Dirigi-vos, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel”: A memória anti-samaritana na literatura neotestamentária”, artigo que perscruta os evangelhos bíblicos a fim de entender a representação negativa dos samaritanos neles contida. Narrativas como a parábola do bom samaritano e o conto dos dez leprosos salientam que não se esperava um comportamento moral ou de amor ao próximo por parte dos habitantes da Samaria. Longe de exaltar as virtudes dos samaritanos, essas historietas mostram as más ações dos judeus uns com os outros. Almeida aponta que os relatos do Novo Testamento, nesse sentido, apontam para divergências religiosas entre samaritanos e judeus, mostrando ainda uma visão de superioridade desse último grupo. Já “A consolidação da identidade cristã no século IV”, da segunda autora, tem como tese a ser defendida a ideia que a construção de uma identidade associada ao cristianismo foi resultado de interações e embates com outros grupos, como pagãos e judeus. As tensões dentro da própria comunidade cristã são ressaltadas, mostrando que a identidade surgida não significou ausência de contradições internas. Todavia, as tentativas de conciliação entre os diversos cristianismos existentes e a reorganização de elementos da cultura romana permitiram que a religião se consolidasse.

Finalizando os artigos do dossiê temos “Os inimigos dos romanos sob o imperium de Graciano no tratado De fide de Ambrósio, bispo de Milão (séc. IV d.C.)”, de Janira Feliciano Pohlmann, no qual desenvolve-se uma discussão sobre as maiores ameaças ao Império Romano e à cristandade no entender de Ambrósio, quais sejam: os bárbaros e os hereges, especialmente os arianos. Em seu relato, o religioso retrata o imperador Graciano como um governante escolhido por Deus, responsável pela guarda do povo cristão.

A resenha de Mateus Mello de Araújo Silva sobre o recém-lançado livro de Emma Bridges contribui para a divulgação de trabalhos bem recentes sobre as interações entre gregos e persas. De fato, os helenistas de língua inglesa nos últimos anos têm se dedicado à pesquisa dos governos autocráticos, especialmente das monarquias helenísticas e persas, renovando os estudos sobre Cultura Política na Antiguidade.

A entrevista realizada com Professor Doutor Alexandre Carneiro Cerqueira Lima (UFF) ressalta que o olhar do historiador, seja qual for a temporalidade que ele pesquisa, está sempre guiado por questões do seu próprio cotidiano. Segundo ele, suas vivências e sua identidade carioca influenciaram sobremaneira as temáticas de seus trabalhos sobre a Grécia Antiga. Questionado sobre as implicações da BNCC nos rumos da História Antiga no Brasil, o professor deixou claro que, em seu entender, as propostas não prejudicariam apenas o estudo desse eixo temporal, mas a própria ideia de que a História se trata de análises sobre as experiências humanas.

Na seção de artigos livres as temáticas são variadas, tratando desde o Medievo inglês ao Brasil contemporâneo. Os autores são de diferentes áreas das Ciências Humanas, mostrando a importância da Revista Cantareira como um periódico discente que agrega diversos pontos de vista teóricos e metodológicos.

Aos pareceristas que contribuíram com este número enfatizamos o nosso agradecimento. E a você desejamos uma leitura prazenteira!

Notas

  1. BLOCH, M. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p.52-53.
  2. JODELET, D. “Representações Sociais: um domínio em expansão” In: JODELET, D. (org.). As Representações Sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001, p.22.
  3. Ideia defendida por François Hartog. Ver: HARTOG, F. O Espelho de Heródoto: Ensaio sobre a Representação do Outro. Belo Horizonte: Editor UFMG, 2014, p.336-393.
  4. CLARK, Nick. “Harry Potter star Jason Isaacs joins ‘extraordinary’ project using Ancient Greek plays to help veterans”, 2015. Disponível em: . Acesso em 8 dez 2015.
  5. BLOCH, op.cit., p.60.

Mariana Figueiredo Virgolino – outoranda em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora do NEREIDA / UFF. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


VIRGOLINO, Mariana Figueiredo. Apresentação. Revista Cantareira, Niterói- RJ, n. 22, jan-jul, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Historia conceptual, entre tiempo y espacio/Historia y Grafía/2015

Si gran parte del siglo xx tuvimos que hacernos conscientes de que el lenguaje era el esquema desde el cual percibíamos lo real, en la actualidad estamos concentrados en el espacio como configurador del mundo. Vivimos la transición del “giro lingüístico” al “giro espacial”. Mientras las semánticas tematizaban el flujo del tiempo, las topologías problematizan el espacio vivido. De la historia a la geografía, o, mejor dicho, a la geo-historia. Leia Mais

Ensino de História e Linguagem: discurso, narrativa e práticas de significação do tempo / História Hoje / 2015

As pesquisas no campo do ensino de História que hoje consideram os referenciais da historiografia e da teoria da História no diálogo com diversos outros campos de conhecimento têm crescido em quantidade e qualidade no Brasil. No entanto, em que pese o avanço teórico evidente e sua importante contribuição para a renovação do ensino dentro e fora da escola, poucos são os investigadores que têm se dedicado às questões concernentes à linguagem destacando, por um lado, a leitura e a escrita como práticas sociais, e, por outro, os gêneros discursivos em sua relação com o ensino e aprendizagem da História.

Destarte, o ensino de História é permeado e impactado pelas questões da Linguagem de forma singular, assemelhando-se e distinguindo-se da historiografia em seu sentido estrito. Nesse diálogo permanente, significantes como narrativa histórica tornam-se elementos centrais das empreitadas analíticas situadas em lugar de fronteira na busca por compreensão dos diferentes processos de significação do tempo presente que tomam lugar no espaço escolar. Articulados, tempo e narrativa, por sua qualidade discursiva compõem o processo de compreensão da existência temporal do ser humano, dado que o espaço do contar é um espaço de compreensão.

Movidas por essa preocupação, procuramos reunir neste dossiê estudos cujas preocupações recaem sobre os diálogos e tensões surgidos nos enfrentamentos e indagações pela aproximação de referenciais provenientes de dois campos: Ensino de História e Linguagem. Nesse sentido, ressaltam, em exercícios e propostas teórico-metodológicas, que a compreensão do tempo é produção linguística e que as operações discursivas envolvidas na narrativa implicam também um processo constitutivo da compreensão do mundo pelo homem, envolvendo, ainda, a constituição do próprio ser. A produção de sentido histórico no ensino de História está, dessa forma, impregnada pelo narrar o tempo e por seus desdobramentos pelos múltiplos e complexos espaços vividos.

Nesse marco analítico, propõe-se o adensamento de questões a princípio triviais e cotidianas da História escolar como os atos de ler o livro, copiar do quadro, escrever no caderno, responder provas, comprar e ler periódicos de divulgação de História e tantos outros aspectos que constituem este universo complexo, múltiplo, híbrido, ambivalente e polissêmico, que desperta muitos questionamentos e possibilidades investigativas.

A seção Dossiê é aberta pelo texto “Potencialidades das ‘narrativas de si’ em narrativas da história escolar”, de Ana Maria Monteiro e Mariana de Oliveira Amorim. As autoras apresentam as bases teórico-metodológicas de uma pesquisa em andamento que busca examinar as potencialidades das “narrativas de si” de professores, em sala de aula, para a construção do saber histórico escolar e, também, para a produção de identidades docentes.

Carmen Teresa Gabriel apresenta “Jogos do tempo e processos de identificação hegemonizados nos textos curriculares de História”, instaurando um diálogo com as teorizações do discurso e os estudos narrativos. Seu objetivo é explorar os jogos do tempo que articulam passado, presente e futuro nas narrativas identitárias hegemonizadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História (PCNs) que tem como leitor potencial o professor desta disciplina.

Patricia Bastos de Azevedo em “História Ensinada e Dialogismo: prática de letramento no 6º ano do Ensino Fundamental” empenha-se em compreender a produção de sentido em práticas de letramento na história ensinada que tomam lugar em uma sala de aula de história em uma escola estadual no Rio de Janeiro / Baixada Fluminense.

Marcelo Fronza convida-nos a ler o artigo “As narrativas históricas gráficas como expressão da aprendizagem histórica de jovens estudantes do ensino médio – perspectivas da educação histórica”. O autor enfoca aspectos da expressão da consciência histórica de jovens estudantes de ensino médio tomando como objeto de análise suas narrativas históricas gráficas. No texto, Fronza indaga-se se os conceitos de intersubjetividade e verdade, ligados à identidade histórica dos jovens, interferem na orientação de sentido no tempo.

Em “Práticas de escrita escolar no ensino de História: indícios de significação do tempo em manuscritos escolares”, Maria Lima analisa aspectos expressivos e contextuais de um manuscrito escolar de uma aluna de 6º ano, cuja produção é, socialmente, considerada insuficiente do ponto de vista de uma escrita convencional. A autora privilegia o enfoque dos aspectos expressivos e contextuais com a intenção de identificar as marcas que fortalecem a hipótese de que os sentidos ali instituídos remetem a movimentos de exclusão social apoiados em formações discursivas relacionadas a processos de silenciamento empreendidos por práticas que se utilizam da escrita e da História para doutrinar, mais do que para formar.

Maria Aparecida Leopoldino apresenta-nos o artigo “A leitura de textos literários no ensino de história escolar: entrelaçando percursos metodológicos para o trato com os conceitos de tempo e espaço”. A partir de uma abordagem focada no conceito de tempo e espaço em diálogo com literatura contextualizada no ensino de História nos anos iniciais de escolaridade, a autora realiza um exercício de leitura que se constitui em proposta teórico-metodológica que favorece a desnaturalização dos heróis e a crítica às datas comemorativas.

No artigo “Enseñanza de la Historia y enfoque narrativo”, Virginia Cuesta analisa narrativas históricas produzidas por crianças e jovens do “nível secundário” no contexto de aulas de História em que privilegiou o uso didático da empatia histórica. Sua análise é fundamentada no enfoque narrativo preconizado por Gerome Bruner, e nos aportes de Kieran Egan no concernente às relações entre o poder da imaginação no ensino e o pensamento narrativo. Mobiliza também referenciais da Crítica Literária para pensar o aspecto processual da produção de narrativas históricas pelos alunos, reforçando a ideia de que as práticas de ensino de História pressupõem um trabalho comprometido com a escrita.

Fechando o Dossiê, Ana Zavala aborda em seu texto “Pensar ‘teóricamente’ la práctica de la enseñanza de la Historia” o que significa falar em teorização da prática de ensino. Confronta, para isso, os dois modos de teorização, o acadêmico e o realizado pelos professores na sala de aula da Educação Básica. A autora nega a contradição entre teoria e prática, pensando sua complementaridade e potencialidades, destacando que há uma teoria guiando a prática concebida pelos próprios praticantes, sejam eles os professores, sejam os pesquisadores que investigam as práticas docentes.

Na seção Entrevista, convidamos você leitor a uma conversa instigante com o prof. Dr. Gonzalo de Amézola, docente da Universidade Nacional de La Plata (UNLP). O diálogo norteou-se, inicialmente, pelas reflexões em torno do que chamou de esquizohistoria, termo mobilizado no contexto de suas reflexões sobre as relações entre o conhecimento histórico acadêmico e o escolar em uma perspectiva histórica. Além disso, o prof. Amézola apresenta um panorama histórico do processo de constituição da disciplina escolar de História na Argentina, destacando como uma tradição de memorismo e nacionalismo, que marcam a prática docente naquele país até a atualidade, foi instaurada ao longo dos séculos XIX e XX na História ensinada, em uma perspectiva cada vez mais autoritária.

Na terceira seção, Falando de História Hoje, podemos ler o artigo intitulado “A teoria da história de Jörn Rüsen no Brasil e seus principais comentadores”, escrito por Wilian Carlos Cipriani Barom. Nesse artigo, pautando-se numa revisão da literatura produzida no Brasil, o autor busca identificar as principais contribuições da teoria de Rüsen para a história e seu ensino, de acordo com a opinião de pesquisadores e comentadores nacionais. Utiliza-se de uma amostragem de 34 artigos publicados em revistas e anais eletrônicos de eventos dedicados às áreas de História e Educação.

A quarta seção, E-storia, é composta por dois artigos. No primeiro, intitulado “Ensino de História e tecnologias digitais: trabalhando com oficinas pedagógicas”, Marcella Albaine Farias da Costa discorre sobre possibilidades de trabalho com / sobre tecnologias digitais a partir de sua própria experiência ao desenvolver atividades com oficinas pedagógicas. Reflete sobre as diferenças entre as estratégias propostas e uma atividade dita “tradicional”, defendendo o ponto de vista que as fixam enquanto espaço e tempo de formação e pesquisa

Em seguida, Joelci Mora Silva e Sônia da Cunha Urt, no texto “Professores de História e a internet nas escolas: concepções e caminhos”, discorrem sobre a inserção das redes sociais on-line no fazer docente assumindo como principais objetivos o estudo e a reflexão acerca dos caminhos do ensino de História em sua interlocução com o uso escolar da internet.

Na seção História Hoje na sala de aula somos instigados pelo artigo do professor Décio Gatti Júnior intitulado “Uma experiência de formação de professores em torno do conhecimento histórico-educacional na Universidade Federal de Uberlândia”. O texto traz uma reflexão sobre sua experiência de ensino da disciplina História da Educação em cursos de formação de professores entre 1994 e 2014. Destacando os esforços de construção de um programa disciplinar ajustado aos interesses dos alunos e que se conjugue aos propósitos formativos, o autor fornece subsídios para pensarmos a importância da permanência da disciplina nos cursos de licenciatura.

Na seção Resenha, Isabelle de Lacerda Nascentes e Sérgio Armando Diniz Guerra Filho apresentam-nos o livro Pesquisa em Ensino de História: entre desafios epistemológicos e apostas políticas, organizado por Ana Maria Monteiro, dentre outros autores. Ressaltam que o propósito central das discussões converge para o enfrentamento dos dilemas político-institucionais ligados ao reconhecimento e valorização do potencial da escola pública como lócus privilegiado de difusão e democratização de bens culturais, incluindo o conhecimento científico. Destacam ainda que os autores assumem um desafio epistemológico, articulando campos distintos e mobilizando discursos da historiografia, das teorias do currículo, da didática e da pedagogia que construam sentido e legitimidade para o ensino da disciplina de História.

Célia Santana Silva convida à leitura do livro Ensino de História: usos do passado, memória e mídia, organizado por Helenice Rocha, Marcelo Magalhães, Jaime Ribeiro e Alessandra Ciambarella. De acordo com ela, os autores apresentam reflexões sobre o uso social da História e suas interfaces entre o ensino de história e a circulação social da história nas diversas esferas de produção, além de considerações acerca dos usos do passado em diferentes mídias. Ressalta como os textos contribuem para a ampliação de diálogos e olhares com e para a história pública, ou seja, as histórias que são produzidas para e além dos muros da escola.

Na seção Artigos leremos três textos de caráter distinto.

Maria Aparecida da Silva Cabral é autora do artigo “O Currículo Mínimo, o Ensino de História e o Sistema Estadual de Avaliação no Estado do Rio de Janeiro: reflexões sobre os processos de ensino e aprendizagem na escola básica”. A autora analisa o processo de implementação, a partir de 2012, do Currículo Mínimo proposto pela Secretaria de Educação e Cultura estadual, enfocando o impacto dessa política educacional no cotidiano escolar, especificamente, nas aulas de História do Ensino Fundamental II.

Marta Ferreira, em “Os cadernos diários nos cotidianos do Ilè Aṣé Omi Larè Ìyá Sagbá”, convida-nos a conhecer as redes educativas construídas nesse terreiro de candomblé por meio da leitura dos ìtàn (histórias de òrìṣà) como narrativa histórica que dá sentido à religião, bem como dos cadernos / diários de crianças e adolescentes candomblecistas, que registram por escrito o aprendido nos cotidianos desse terreiro.

Por fim, o texto “Conexões entre escola e universidade: o Pibid e as estratégias de residência docente” assinado pelos professores da área de Ensino de História do Departamento de Ensino e Currículo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Fernando Seffner, Carla Beatriz Meinerz, Carmem Zeli de Vargas Gil, Caroline Pacievitch e Nilton Mullet Pereira. Os autores apresentam reflexões produzidas no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) desenvolvido com alunos do Curso de História da UFRGS.

Os debates tecidos neste volume não se fecham em si, mas abrem possibilidades outras, pois apresentam diferentes questões, algumas em seu processo embrionário e outras com uma trajetória mais consolidada. Nosso desafio, nesse sentido, é provocar no leitor um desassossego e um exercício de contrapalavra. Para isso, lançamos um convite aos graduandos, professores, pesquisadores e a comunidade mais ampla ao exercício de olhar com mais atenção ao comum e cotidiano e ao exótico e excepcional, pois trazemos uma incompletude e um inacabamento estruturante próprio desse processo de diálogo entre dois campos fecundos – ensino de História e Linguagem – que apresentam muitos desafios a serem enfrentados futuramente.

Maria Aparecida Lima dos Santos – Doutora em Educação. Docente do curso de Pedagogia, Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCHS), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Membro do Grupo de Pesquisas Oficinas da História, sediado na UERJ. Campo Grande, MS, Brasil. E-mail: maria.lima-santos@ufms.br.

Patrícia Bastos de Azevedo – Doutora em Educação. Professora da área de Ensino de História, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Nova Iguaçu, RJ, Brasil. E- mail: patriciabazev@gmail.com.

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Experiencias de tiempo en los siglos XVIII y XIX iberoamericanos. Un abordaje desde la historia conceptual / Almanack / 2015

Los estudios sobre las formas de experimentar, representar y conceptualizar el paso del tiempo, así como los cambiantes vínculos entre pasado, presente y futuro y el valor que se les otorga a cada una de estas dimensiones, ocupan un lugar cada vez más importante en la agenda de las ciencias humanas y sociales. Las preguntas que orientan a estas indagaciones obedecen tanto a innovaciones promovidas por disciplinas como la filosofía, la sociología, la antropología, la estética y la teoría de la historia, como a las mutaciones en las formas de experimentar la temporalidad que se están produciendo en los últimos años.1 Esto permite explicar el creciente uso de categorías metahistóricas o antropológicas que procuran examinar con un mismo lente a diversas sociedades del pasado y del presente, como “espacio de experiencia” y “horizonte de expectativas” tal como las concibió Reinhart Koselleck; o herramientas heurísticas como “régimen de historicidad”, que François Hartog forjó para dar cuenta de los momentos en los que se producen “crisis del tiempo” al ponerse en cuestión las relaciones entre pasado, presente y futuro”2.

El dossier presenta los primeros resultados de una indagación colectiva realizada por miembros del equipo sobre Historicidad que integra la red de investigación de historia conceptual Iberconceptos.3 Nuestro propósito es analizar desde una perspectiva conceptual las experiencias de tiempo en el mundo iberoamericano durante los siglos XVIII y XIX. Dado que se trata de una temática novedosa para la historiografía iberoamericana, quisiéramos realizar algunas precisiones sobre nuestro enfoque.4 La primera es que no se trata de una indagación filosófica o teórica sobre el tiempo, la temporalidad o la historicidad, por lo que no se partió de una definición a priori, sino que se procuró examinar empíricamente cómo conceptualizaron las experiencias de tiempo los actores del período. La segunda es que a diferencia de la tradicional historia de las ideas, e incluso de enfoques más atentos a los contextos y a la historicidad como la historia de los lenguajes políticos, no se centra en los grandes nombres del pensamiento político, filosófico y social. Es por ello, y por el carácter polisémico y controversial que tienen los conceptos, que buena parte del corpus está integrado por debates parlamentarios y por la prensa en los que se pusieron en juego y se disputaron sus significados. La tercera es que si bien en ese período se produjeron transformaciones decisivas de orden social, cultural, económico, científico y tecnológico, decidimos privilegiar los cambios políticos como mirador para explorar las experiencias de tiempo y su conceptualización. En ese sentido, los trabajos analizan cómo estas experiencias se entrelazaron con los principales fenómenos y procesos ocurridos en esa centuria: las reformas imperiales, las crisis de las monarquías, los procesos revolucionarios e independentistas y la emergencia de nuevas unidades políticas soberanas.

El dossier se inicia con un trabajo en el que Ana Isabel González Manso traza algunas coordenadas teóricas y metodológicas generales, para luego detenerse en el examen de los cambios producidos en España en las formas de percibir el tiempo desde fines del siglo XVIII, y sus consecuencias en el campo historiográfico y político en la siguiente centuria. A continuación, Victor Samuel Rivera, analiza la recepción que tuvo la Revolución Francesa en la ciudad de Lima entre 1794 y 1812, llamando la atención sobre una de las formas en las que se procesó la aceleración del tiempo a uno y otro lado del Atlántico: la apocalíptica. Fabio Wasserman propone, por su parte, un minucioso recorrido en el que indaga cómo las elites rioplatenses conceptualizaron esa nueva experiencia de tiempo inaugurada por la revolución y cómo se entrelazó con su vida política hasta la década de 1830. Esa misma década es analizada por Luisa Rauter Pereira en un trabajo sobre los debates parlamentarios en Brasil que muestra algunos cambios fundamentales en la forma en la que el tiempo fue vivido e interpretado en el marco de disputas por la organización política de la monarquía independiente. El trabajo de Christian Lynch continúa de cierto modo el análisis de Rauter, pues toma como objeto el discurso parlamentario de Bernardo Pereira de Vasconcelos, quien a finales de la década de 1830 planteaba la necesidad de regular el ritmo de los cambios, llegando a la conclusión de que el “Regresso” es el verdadero progreso. De ese modo distinguía al conservadurismo de la reacción ya que en modo alguno se trataba de un retorno al Antiguo Régimen tal como se proponía en Europa. El trabajo de Francisco Ortega, por su parte, desarrolla una indagación sobre el “tiempo precario de la república” en Nueva Granada-Colombia durante las primeras décadas del siglo XIX, haciendo foco en las propuestas realizadas por el político y escritor conservador José Eusebio Caro que reivindicaba al movimiento constante como un componente esencial de las sociedades modernas. El dossier se cierra con un estudio de Miguel Hernández sobre la prensa conservadora mexicana en dos coyunturas, la de las revoluciones europeas de 1848 y la del Imperio de Maximiliano. Su trabajo le permite concluir que los conservadores compartían una misma concepción del tiempo con los liberales, pero procuraban atenuar el ritmo y ofrecían otra mirada sobre el pasado.

Como ya advertimos, las formas de experimentar y de conceptualizar la temporalidad en los siglos XVIII y XIX iberoamericanos es una temática que recién está comenzando a explorarse, por lo que aún no estamos en condiciones de ofrecer un panorama general a modo de síntesis. Confiamos sin embargo en que la riqueza de los estudios presentados en este dossier lo constituye en un punto de partida valioso para poder profundizar en el análisis sobre las experiencias de tiempo en ese convulsionado período, así como también para interrogarnos por los cambios que se están operando en nuestro presente.

Notas

1. CHARLE, Christophe. Discordance des temps. Brève histoire de la modernité. París: Armand Colin, 2011; GUMBRECHT, Hans Ulrich. Lento presente. Sintomatología del Nuevo tiempo histórico. Madrid: escolar y mayo, 2010; KOSELLECK, Reinhart. Estratos do Tempo.Estudos sobre História. Rio de Janeiro: Contraponto : Editora PUC Rio, 2014; LORENZ, Chris; BEVERNAGE, Berber (eds.). Breaking up Time.Negotiating the Borders between Present, Past and Future. Gotinga: Vandenhoeck & Ruprecht, 2013; ROSA, Hartmut. Social Acceleration:A New Theory of Modernity (New Directions in Critical Theory). New York: Columbia University Press, 2013.

2.KOSELLECK, Reinhart. Futuro pasado.Para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona: Paidós, 1993; HARTOG, François. Régimes d´historicité.Présentisme et expériences du temps. Paris: Éditions du Seuil, 2003.

3. El proyecto en http: / / www.iberconceptos.net / grupos / grupo-historicidad. Éstos y otros trabajos del grupo fueron presentados y discutidos en el Colóquio Internacional Experiencias de Tempo nos Século XVIII y XIXrealizado en la Universidade de São Paulo en abril de 2014.

4. Esta afirmación no implica desconocer la existencia de aportes significativos sobre los cambios en las concepciones de la temporalidad producidos en Iberoamérica durante ese período, comenzando por los realizados en el marco del proyecto Iberconceptos como el análisis del concepto Historiacoordinado por Guillermo Zermeño para el primer tomo del DiccionarioIberconceptos(http: / / www.iberconceptos.net / wp-content / uploads / 2012 / 10 / DPSMI-I-bloque-HISTORIA.pdf) o una publicación reciente del director general del proyecto, FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier. Cabalgando el corcel del diablo. Conceptos políticos y aceleración histórica en las revoluciones hispánicas. In:_______; CAPELLÁN DE MIGUEL, Gonzalo (eds.). Conceptos políticos, tiempo e historia. Santander: Universidad de Cantabria McGraw-Hill Interamericana de España, 2013. También resultan de gran valor algunos trabajos que utilizan otros enfoques, como los estudios sobre lenguajes políticos realizados por E. Palti, o los estudios sobre historia cultural como el trabajo de V. Goldgel sobre prensa, literatura y moda: PALTI, Elías. El tiempo de la política. El siglo XIX reconsiderado.Buenos Aires: Siglo XXI, 2007; GOLDGEL, Victor. Cuando lo nuevo conquistó América. Prensa, moda y literatura en el siglo XIX. Buenos Aires: Siglo XXI, 2013. Cabe señalar por último la destacada producción sobre Teoría e Historia de la Historiografía realizada en Brasil, como el trabajo de ARAUJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira (1813-1845). São Paulo: Hucitec, 2008.

Fabio Wasserman – Instituto Ravignani – Conicet. E-mail: fwasserm@gmail.com

João Paulo Pimenta – Universidade de São Paulo. E-mail: jgarrido@usp.br


PIMENTA, João Paulo; WASSERMAN, Fabio. Apresentação. Almanack, Guarulhos, n.10, maio / agosto, 2015. Acessar publicação original [DR]

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As imagens no tempo e os tempos na imagem / História – Questões & Debates / 2014

As imagens no tempo e os tempos da imagem A onipresença da imagem na sociedade contemporânea, veiculada em distintos suportes tecnológicos e com múltiplas finalidades, tem estimulado o debate entre os estudiosos de diferentes áreas do conhecimento. Até há pouco tempo a imagem encontrava-se, praticamente, restrita ao domínio da disciplina de História da Arte e dos aportes da Estética, aos seus estudos formais e estilísticos. Na atualidade, a imagem tem propiciado a constituição de novos campos de pesquisa, atrelados à Antropologia, à Comunicação e aos novos paradigmas científicos.

A História da Arte enfrenta um processo de revisão de conceitos, teorias e métodos norteadores e tem sido desafiada a repensar os processos de instauração das imagens, suas montagens e desmontagens, suas memórias e temporalidades, além de seus processos de exibição, circulação e legitimação. A História também passa por mudanças ao valorizar e depositar maior confiança nas potencialidades da imagem como fonte de estudo do passado, mas consciente de que não basta perguntar somente que história ela documenta e de que história ela é contemporânea, mas que “memória ela sedimenta”,[1] que temporalidades ela evidencia.

Os estudos de imagens cristãs medievais [2] colaboraram para o melhor entendimento histórico e antropológico. Nesses foi observada a sua eficácia espiritual e política para a formação do imaginário individual e coletivo, exercida pelos rituais, bem como outros usos e funções. Esses estudos possibilitaram ainda verificar o imago, como fundamento de uma Antropologia Cristã, que rejeitou a imitação da imagem antiga pagã para promover a transcendência. As cores e as formas se constituíram como indícios simbólicos de uma realidade invisível e da Encarnação. Ao mesmo tempo em que a imagem exercia eficácia espiritual e controle social, ela poderia simbolizar a posse de territórios, como o Vaticano, representar cidades, criar locais de peregrinação, dentre outras funções. Os historiadores puderam observar o poder da imagem e a presença de memórias e temporalidades distintas, de fantasmas, apesar da aversão cristã ao antigo mundo pagão.

Estudos recentes evidenciam que diante da imagem os tempos coexistem e revelam a sua complexidade, seus diferentes estratos se cruzam e se contradizem. Algumas imagens, como, por exemplo, as do fotojornalismo, revelam as memórias das tragédias e de acontecimentos de muçulmanos com reminiscências da iconografia cristã. O algeriano Hocine Zaourar apresenta na “Madona de Benthala” (1997) múltiplas memórias, desde as Pietás medievais, do Renascimento e, sobretudo, barrocas da religião cristã para manifestar o sofrimento da mulher no massacre de Benthala. Essas imagens, como outras, são montagens de diferentes memórias, estratos de tempos e lugares que se realizam pela via da contradição e que geram outras imagens em distintos suportes.[3] As migrações simbólicas e as sobrevivências culturais, na longa duração, e em imagens de diferentes suportes técnicos, foram verificadas, no início do século XX, nos estudos de Aby Warburg relativos ao Renascimento florentino.[4]

Cinema, fotografia, publicidade, artes revelam as sobrevivências, os anacronismos e os reencontros de temporalidades contraditórias e descontínuas que compõem as imagens nas suas montagens, ao apresentarem a tessitura de resíduos, traços e vestígios de tempos distintos, de nossa memória inconsciente. O tempo não significa necessariamente o passado, mas a memória, porque ela decanta o passado, o humaniza e configura o tempo. A memória é psíquica no seu processo e é anacrônica nos seus efeitos de montagem, pois ela conecta o inconsciente.[5]

O dossiê ora apresentado aborda as relações entre a história e a imagem a partir desse recorte que privilegia o tempo humanizado e configurado em memória, ou seja, edificado pelo processo da montagem que resulta em narrativas audiovisuais, coleções de fotografias, ações performáticas, charges, exposições e obras de arte.

Ao mesmo tempo, vale lembrar que a noção de imagem contém um duplo âmbito, ou seja, a reminiscência (mental e mnemônica) e o produto físico (gravura, pintura, fotografia).[6] Assim, toda a imagem também pode ser pensada enquanto um produto posto em circulação na sociedade, elaborado a partir de encargos e diretrizes [7] concernentes à sua época de produção, comercializado, colecionado, exibido, consumido e ressignificado por um determinado público. As imagens impregnam sentidos e valores que se constroem justamente nessa dinâmica social, em que toda a produção e o consumo estético estão profundamente imbricados às formas de relacionamento social e político que se estabelecem nos mais variados contextos culturais. Tanto os produtos visuais que tensionam os nossos esquemas de interpretação da realidade e os nossos padrões de gosto quanto os que os reforçam fazem parte do nosso modo de dar sentido ao mundo em que vivemos. Apresentam particularidades próprias e conformam campos estritos de estudo (as artes visuais, o cinema, o design, a publicidade), mas, ao mesmo tempo, se articulam sutilmente a outros âmbitos da cultura, assumindo importante participação tanto nas “permanências” quanto nas “rupturas” que se processam na sociedade ao longo do tempo.

Desse modo, ao reunir pesquisadores cujos estudos recentes se debruçam sobre a questão das imagens no tempo e dos tempos da imagem em suas mais variadas significações, pretendemos, com este dossiê, explorar a diversidade de enfoques, além de fomentar o debate acerca da relevância e da complexidade dos estudos atuais acerca do tema. Os artigos ora apresentados enfocam, por ângulos variados, algumas questões relevantes sobre memórias, temporalidade e circulação social das imagens que podem ser descritas, grosso modo, a partir de quatro eixos.

O primeiro diz respeito à abordagem dos arquivos e museus como espaço de acondicionamento de artefatos visuais (fotografias, impressos, móveis entalhados, obras de arte e seus registros documentais). Diz Raul Antelo, em seu artigo, que no museu reside “o espectro de uma destinação”, descrevendo-o como “câmara de reclusão e confinamento da imagem”. Tais espaços de reclusão são tomados como ponto de partida pelos autores dos artigos para pensar a dimensão temporal dos mesmos – desde a preservação e o “congelamento” da história, passando pelas ideias de imobilização do tempo, até a construção de memórias e a ressignificação de esquemas iconográficos que se repetem ao longo dos séculos. Este eixo perpassa os textos de Angela Brandão, Solange Lima e Vicente Sánchez-Biosca, que se debruçam sobre arquivos bem específicos, mas também o de Artur Freitas, que focaliza um caso de obra artística efêmera e de caráter notadamente anti-institucional, mas realizado dentro do espaço oficial de um museu.

O segundo eixo tangencia o suposto caráter “documental” da imagem técnica (fotografia e cinema) e sua capacidade de “capturar” o instante, um fragmento do tempo, cristalizando-o em imagens, fazendo-nos ver nelas elementos que muitas vezes nos escapam ao olho nu e construindo sentidos sociais. Ao mesmo tempo, essas imagens transformam-se, como diz Sánchez-Biosca, em “fantasmas de outros tempos que nos observam”. O artigo de Josep Català também pontua essa “função maravilhosa e surpreendente que permite congelar o presente e convertê-lo, imediatamente, em memória visual” – fato que deslumbrou uma fase da modernidade que se empenhava em “converter o mundo num acúmulo de fatos pesáveis e mensuráveis, portanto, arquiváveis”. Mas também outros sentidos menos ligados à vontade classificatória do mundo se constroem em torno dessa função de “congelamento do tempo” atribuída às fotografias. Apontando para uma prática social e cotidiana das fotografias de família, Solange Lima diz, em seu artigo, que as práticas de colecionismo de álbuns fotográficos podem ser entendidas enquanto “performances de caráter afetivo e emocional a serviço da rememoração”. Artur Freitas tem como objeto de estudo um vídeo que é o único registro de uma obra “efêmera” que, sem tal registro, já não seria visualizável. E Ana Maria Mauad aponta para o âmbito social da circulação de fotografias documentais na mídia e a construção de sentidos em torno das mesmas, avaliando a dimensão temporal da fotografia enquanto uma “experiência vivencial”.

Um terceiro eixo que perpassa os artigos deste dossiê diz respeito à montagem das imagens e suas memórias ou tempos diferentes, que se articulam à circulação de símbolos e suas sobrevivências na longa duração. No artigo de Sánchez-Biosca, isso se faz ver pela descrição dos usos das mesmas imagens filmográficas em variados contextos e narrativas. Ignácio Del Valle Dávila, por sua vez, analisa dois filmes históricos em que “passado e presente se inter-relacionam num jogo de espelhos”. E, nas reflexões desenvolvidas por Català, ele menciona os espaços “metatemporais” que agrupam as distintas temporalidades das imagens que eles mesmos contêm, ou seja, que consistem em espécies de painéis, no sentido warburgiano, permitindo visualizar um “fluxo temporal que une as imagens de diferentes épocas”. Essa dimensão, no que se refere à sobrevivência das imagens em tempos diferentes, é observável também nos textos de Ana Maria Mauad e de Angela Brandão, quando as duas autoras buscam enfatizar certos “diagramas”, schemas ou matrizes iconográficas que são desenvolvidos culturalmente e que podem ser reconhecidos em imagens de contextos temporais bem distintos. Enfim, como escreveu Raul Antelo no início de seu artigo, “a história é montagem de temporalidades diversas” que obedecem à ilusão do “já-vivido”.

E ainda um quarto eixo perceptível nos artigos é o enfoque sobre os diferentes usos históricos (temporais, portanto) das imagens, com finalidades políticas, cívicas ou didáticas. Esse eixo pode ser exemplificado tanto pela construção das imagens de personagens políticos quanto pelas missões cívicas, políticas e didáticas atribuídas ao cinema e às artes em certas políticas culturais, questões claramente apontadas nos artigos por Ignácio Del Valle Dávila, Eduardo Morettin e Rodrigo Tavares. Entretanto, outra forma de uso político da imagem – ou de ações visuais – pode ter como finalidade a provocação e a contestação em relação aos valores estéticos e políticos vigentes, como o caso tratado no artigo de Artur Freitas, que aponta para o caráter efêmero e impalpável de certas obras como forma de reação ao anseio pela “permanência”.

Tais eixos, é importante frisar, não estão presentes com exclusividade em um ou outro texto. Estão, por assim dizer, mesclados e respingados nos diversos ângulos e objetos escolhidos pelos autores para elaboração de seus artigos. Vale, portanto, situar brevemente o leitor quanto ao conteúdo dos artigos que compõem este dossiê.

No texto de abertura, Josep M. Català Domènech mobiliza o conceito de “espaço-tempo” e apresenta-o como um dispositivo hermenêutico para se pensar a realidade, especialmente quando associado ao fenômeno cinematográfico e seus desdobramentos. Afirma que o pensamento histórico ainda não se adaptou às novas formas de pensar o tempo advindas com a invenção do cinema e com as teorias físicas desenvolvidas por Einstein e Minkowski (autor do conceito de espaço-tempo). Afirma que a história se ocupa muito pouco dos problemas do tempo, ainda que o considere a sua matéria-prima. Segundo Català, atualmente é preciso considerar uma nova dimensão do tempo recentemente detectada, que corresponde à fase em que o tempo está “sendo visualizado”. Portanto, para compreender as dimensões deste fenômeno, se faz necessário buscar entender quais relações o tempo estabelece com a visualidade. Sua questão, no artigo, é refletir sobre o tipo de história que surge do “tempo visualizado”, ou seja, do que se entende por tempo na era das imagens. Desde meados do século XIX vivemos um regime das “imagens instáveis”, que aparecem na caricatura, na fotografia e até na literatura, e Català se pergunta se temos compreendido o que essa nova formação das imagens significa na história da representação visual. Para ele, o movimento aparece como a essência do tempo, já que se mostra como fator de transformação da percepção (e não como representação naturalista que supre uma carência da imagem fixa). Assim, o espaço-tempo visualizado, seja através do cinema ou das novas imagens de interface, se converte em nova ferramenta mental.

Em seguida, o artigo de Raul Antelo traz uma reflexão sobre os textos publicados pelo poeta e fotógrafo Sylvio da Cunha na coluna “Letras e Artes” do jornal carioca A Manhã ao longo de 1947 e 1948. Segundo Antelo, Sylvio Cunha teria elaborado “a primeira teoria da fotografia no Brasil”, ou, talvez mais do que isso, uma “antropologia do sensível”, por meio das ideias que se aproximam às de Walter Benjamin. Ao definir poesia, Cunha fala de “fotografias da memória” ou “imagens do pensamento”. Ao falar sobre as origens da fotografia e as resistências a ela no século XIX, o poeta fala das sombras e das superstições em torno da “imagem refletida” e dos fantasmas (imagens-eidolom) que atravessam os séculos. “Os fotógrafos de 1850 eram manipuladores de sombras”, dizia. E buscava definir uma estética para essa linguagem, identificando, entre os seus atributos, o aparecimento da quarta dimensão – o tempo – “no momento transitório e cambiante, uma face da eternidade que é possível contemplar livremente”. Ao definir o cinema, Cunha o descrevia como “uma fotografia em estado de sonho”. Observa-se, assim, uma articulação entre os dois textos – espaço- -tempo de Català / fotografia como essa linguagem que contém o “tempo” como um de seus atributos.

Na sequência, o artigo de Vicente Sánchez-Biosca pode ser encarado como um estudo pontual sobre um conjunto de imagens que traduzem essa ideia de “tempo visualizado” ou, noutras palavras, permitem que fragmentos de um tempo passado sejam vistos por nós como verdadeiros fantasmas de um pesadelo histórico: as filmagens feitas no Gueto de Varsóvia ao longo dos meses de abril e junho de 1942, pouco antes das deportações dos judeus daquele Gueto para os campos de extermínio. Trata-se de um material que traz em si as marcas das condições do tempo e do lugar em que foi gestado e que se desvia, hoje, de sua possível função propagandística original (uma vez que foi produzido por cinematografistas a serviço do governo alemão), tornando-se ambíguo e, portanto, mais rico enquanto arquivo visual. Sánchez- -Biosca se propõe a analisar usos documentais desse material de arquivo bruto ao longo do tempo: os modos como foi montado, sonorizado, trucado, explorado, pontuando que essas intervenções revelam aspectos das tendências hegemônicas de cada período histórico, tanto no âmbito estético quanto no ideológico. Aborda as estratégias de reapropriação deste material e de seus diferentes usos que fazem significar coisas distintas. Desse modo, o autor discute os processos de montagem da imagem e suas memórias ou tempos diferentes, apontando para sua sobrevivência na longa duração.

O artigo de Ana Maria Mauad também contém essa ideia de montagem e da sobrevivência da imagem em tempos diferentes, bem como discute a questão biográfica das imagens e seus significados culturais. Para tanto, toma como ponto de partida uma fotografia produzida pelo francês Marc Riboud, em 1967, que mostra uma moça com uma flor diante de soldados armados. Defende que a fotografia é “espécie de condensação de tempos que já não existem, mas permanecem estáticos na superfície fotográfica, como se previssem o futuro”. Mobiliza o conceito de foto-ícone, associando-o ao estudo da cultura pública na democracia americana moderna, para então propor outra perspectiva para se operar com esse conceito, apoiando-se na noção de que todas as imagens possuem uma biografia, e de que “não existe uma história por detrás das imagens, mas imagens que fazem história”. Para refletir sobre a fotografia de Riboud, toma como eixo a presença da flor como signo de paz, remontando à presença da flor nas representações da Anunciação na renascença italiana e projetando suas significações às imagens das movimentações de rua no Brasil de 2013. Aponta para essa trajetória de imagens no tempo para afirmar, pautada em Hans Belting, que “as imagens ganham corpo por meio de práticas sociais, em que sujeitos incorporam as imagens tanto como ideia e representação quanto como objetos, marcas corporais e gestos”.

O artigo de Angela Brandão dá sequência ao dossiê e tem como ponto de partida um objeto pertencente ao Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Mariana, qual seja, um trono episcopal atribuído a Antônio Francisco Lisboa (datado de aproximadamente 1790), entalhado com um esquema decorativo composto por três figuras angelicais. A partir deste objeto, a autora estabelece uma reflexão em que busca identificar as “matrizes visuais destes elementos simbólico-decorativos: os querubins e os anjos portadores de mensagens”. Ao articular a presença das figuras entalhadas no referido trono com uma narrativa que envolve a descrição de crianças, meninos seminus, anjos e Cupidos como personagens dos cortejos realizados para a chegada do primeiro bispo de Mariana, em 1748, Brandão propõe uma interpretação sobre a transposição das figuras aladas da arte Antiga – especialmente de Eros, por meio do neoplatonismo – para o Renascimento, transposição herdada pela arte barroca e rococó, num processo que “passava pelo deslocamento da linguagem e de repertório escultórico do barroco romano do século XVII para o universo das esculturas para Mafra, em Portugal do século XVIII e, daí, em direção à arte no Brasil do Setecentos”. Assim sendo, a partir do estudo das figuras de anjos presentes nos entalhes do mobiliário brasileiro do século XVIII, ressalta esquemas iconográficos que sobrevivem ao tempo e que se ressignificam em diferentes contextos histórico-culturais.

Solange Lima, inspirada num artigo de Elizabeth Edwards, discute as práticas museológicas colecionistas, tomando como ponto de partida um armário (ou repositório) de doações feitas ao Museu Paulista, o A41, cujo conteúdo é composto primordialmente de fotografias de família produzidas em diferentes períodos e para diferentes circuitos das esferas pública e privada. A autora enfatiza, no artigo, as permanências nos enquadramentos e suportes materiais observáveis na produção dessas imagens do tipo “retrato” em diferentes momentos históricos e que se mantêm para além da diversidade de suas funções (afetivas, cívicas, religiosas, históricas e celebrativas). Além disso, Lima debruça-se sobre o processo ativo de musealização desses documentos iconográficos capazes, segundo ela, “de iluminar práticas cotidianas de uma sociedade calcada no regime escópico”. Assim, ao partir de “um conjunto formado pela prática de coleta museológica”, questiona em que medida esses objetos visuais podem ser considerados de interesse para tratar da visualidade da sociedade contemporânea e, ao mesmo tempo, pondera sobre os efeitos sociais provocados pelas políticas de coleta de acervos dos museus. Com tais questões a lhe guiar, e a partir de diferentes exemplos extraídos da sua prática profissional, a autora reflete sobre o tempo das imagens na vida cotidiana e como parte de acervos museológicos.

Já Artur Freitas, partindo da relação conflituosa entre a temporalidade das artes performáticas e a espacialidade dos museus de arte, analisa o caráter ritualístico da obra Situações Mínimas, realizada pelo artista plástico Artur Barrio em 1972. A análise é feita a partir do filme homônimo que documenta o ritual. A obra de Barrio é considerada, no texto, como “uma forma de profanação das condições institucionais inerentes a um museu de arte” e vista como um caso capaz de ajudar na compreensão dos embates entre vanguarda e museu, num contexto em que um Museu de Arte contemporânea (MAC) acabara de ser criado na cidade de Curitiba. Definindo o museu enquanto “frigorífico da história”, o autor diz que o MAC, ainda que defensor de uma “museologia progressista”, tinha que lidar com a precariedade financeira e com as contradições entre as regras especificamente expositivas de uma instituição museológica e o caráter anti-institucional da proposição “sacrílega” feita por Barrio, artista mais afinado aos “gestos insubordinados das vanguardas contraculturais” e que usa “da temporalidade e do próprio corpo enquanto dispositivos poéticos”.

Como parte de um projeto mais amplo que investiga as representações cinematográficas da independência sob regimes autoritários na América Latina, o artigo de Ignácio Dell Valle Dávila privilegia a análise dos dois filmes históricos mais representativos da produção cinematográfica cubana dos anos 1960-70 (Lucia, de Humberto Solás, e La primera carga al machete, de Manuel Octavio Gómez), refletindo sobre os usos históricos do cinema enquanto parte de um projeto político de edificação da memória nacional. Por meio da análise fílmica, o autor observa como o Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC) associou as guerras de independência com a revolução cubana, dentro de uma política cultural que privilegiava a produção de um cinema histórico que abordava o processo de independência como uma etapa no processo de luta pela liberdade nacional. Tais realizações cinematográficas estavam afinadas ao estabelecido pela lei de fundação do ICAIC, em 1959, segundo a qual a história cubana seria um dos principais temas do cinema da Ilha. O autor busca, ao mesmo tempo, avaliar as estratégias narrativas e estéticas que os dois cineastas desenvolveram em seus filmes e que lhes permitiram satisfazer as diretrizes dessa política cultural oficial sem renunciar às suas inquietudes criativas.

O artigo de Eduardo Morettin reflete sobre a participação do cinema na Exposition Coloniale Internationale et des Pays d’Outre-Mer, que ocorreu na cidade de Vincennes, vizinha a Paris, entre maio e novembro de 1931, pensando os usos históricos do cinema como projeto cívico articulado à ideia de nação. A exposição era dedicada a celebrar o império colonial constituído pela França desde o XIX. Dentro de uma perspectiva de valorização do Império Colonial, o autor afirma que o cinema teve papel decisivo na construção e no reforço de um imaginário voltado à afirmação da França como nação condutora da civilização e busca situar historicamente tanto a exposição quanto o cinema. Segundo ele, sabia-se que o potencial do cinema era equivalente ou até maior do que uma exposição universal, pois o cinema já era percebido como um dos principais vetores de intervenção no campo político.

Por fim, Rodrigo Tavares analisa os desenhos retratando o político paulista Ademar de Barros que foram publicados nos jornais comunistas Hoje e Novos Rumos. Seu intuito é compreender como as imagens foram utilizadas na construção da figura do político de acordo com os interesses do Partido Comunista Brasileiro (PCB), no período entre 1947 e 1964. O autor discute, dessa forma, os usos históricos da charge na mídia impressa, enquanto projeto de construção e de difamação de um mesmo personagem político, em momentos distintos da sua relação com o Partido Comunista.

Agradecemos aos colegas que colaboraram com o presente dossiê e possibilitaram ampliar os estudos e reflexões teóricas sobre a imagem e o tempo e o tempo na imagem no campo da história e áreas afins.

Notas

1. DIDI-HUBERMAN, Georges. La condition des images. Entretien avec Frédéric Lambert et François Niney. In: LAMBERT, F. L’éxpérience des images. Paris: INA Éditions, p. 95.

2. BELTING, Hans. Das Bild und Publikum im Mittelater. Berlim: Gebr. Mann Verlag, 1981. L’image et son public au moyen-âge. Paris: Gerard Monfort, 1998. Bild und Kult. Munique: Verlag C. H. Beck o H.G., 2004. Semelhança e presença. A história da imagem antes da era da arte. Rio de Janeiro: ARS URBE, 2010. SCHMITT, Jean-Claude. Le corps des images. Essais sur la culture visuelle au Moyen-Âge. Paris: Gallimard, 2002. O corpo das imagens. Ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. Bauru, São Paulo, 2007.

3. DIDI-HUBERMAN, Georges. Image, événement, durée. In: CARERI, Giovanni et al. Paris: Éditions de EHESS, 2009. Nesse texto, o autor apresenta a obra do artista contemporâneo Pascal Convert (1999-2004) efetuada a partir da fotografia de Georges Merillon (1990) sobre a previsão de catástrofe em Kosovo. O autor analisa o movimento das imagens sob outros suportes e diferentes temporalidades, além de salientar que o fotojornalismo provoca reflexões no público, a respeito das tragédias, e aciona novo olhar no artista.

4. WARBURG, A. A renovação da antiguidade pagã. Contribuições científico-culturais para a história do Renascimento europeu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.

5. DIDI- HUBERMAN, Georges. Devant le temps. Paris: Éditions Minuit, 2000. p. 83-95.

6. Hans Belting diferencia tais âmbitos usando os termos em inglês image e picture. Ver: BELTING, Hans. Por uma antropologia da imagem. Concinnitas, n. 8, p. 66, jul. 2005.

7. Os conceitos de encargos e diretrizes são extraídos de Michael Baxandall e referem-se a: 1) encargos: a encomenda, a motivação para a edificação de um determinado artefato visual; 2) diretrizes: as diversas condições (estéticas, sociais, tecnológicas, ideológicas) envolvidas na realização do produto e que interferem nas suas finalidades e também na sua forma final. Ver: BAXANDALL, Michael. Padrões de intenção: a explicação histórica dos quadros. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Maria Lúcia Bastos Kern

Rosane Kaminski

(Organizadoras)


KERN, Maria Lúcia Bastos; KAMINSKI, Rosane. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.61, n.2, jul./dez., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Espaço e tempo e suas representações entre celtas e germanos / Brathair / 2012

O presente dossiê abre um novo ciclo na existência da Revista Brathair, que culmina na indexação do periódico junto à Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), bem como no estabelecimento de novas parecerias.

Contando com a colaboração de pesquisadores nacionais e internacionais, o presente dossiê apresenta Tempo e Espaço como categorias principais de análise, conforme assevera Markus Schroer em entrevista para este dossiê: “O tempo e da mesma forma o espaço não são fatos sempre encontrados na realidade, mas sim categorias, com cujo auxílio se pode ordenar o ambiente natural e social” (p. 199). Desta forma, os artigos aqui apresentados versarão sobre as representações dessas categorias entre celtas e germanos.

Iniciando esse dossiê, apresentamos o artigo do doutor em História Social Vinicius Cesar Dreger de Araujo, que discute as representações do espaço geográfico no mapa mundi de Ebensdorf. Já abordando o eixo temático tempo, do doutor em História Social Marcus Baccega foca a discussão acerca das concepção de tempo terrestre e sua relação com a atemporalidade da versão alemã da Demanda do Santo Graal (Die Suche nach dem Gral). Abordando as duas categorias de análise propostas por este dossiê, temos a contribuição da doutoranda romena Liliana Emilia Dumitriu, a qual se baseia no conceito vangennepiano de rito de passagem, mais especificamente o de liminalidade, para analisar e comparar as obras de Wolfram von Eschenbach (Parzival) e Richard Wagner (Parsifal).

A Privatdozentin1 Andrea Grafetstätter apresenta ao público brasileiro a obra Kudrun através da perspectiva da topografia do tempo e espaço. A doutoranda em História Comparada, Maria de Nazareth Corrêa Accioli Lobato, por sua vez, discorre sobre a sacralização do espaço na obra de Beda. Baseando sua análise na obra Lanzelet, de Ulrich von Zatzikhoven, Kai Lorenz, doutor em Germanística, apresenta a discussão acerca do espaço na literatura arturiana.

O artigo da doutoranda Marion Poilvez lida com a relação espaço, exílio e liminalidade, discutindo tais conceitos através da interpretação de diversas sagas islandesas. Encerrando a sessão de artigos, Paulo Duarte Silva, doutorando em História Comparada, centra sua pesquisa na análise do conceito de tempo / temporalidade durante a Primeira Idade Média, mas especificamente o calendário litúrgico.

À sessão de artigos, seguem-se a resenha Contribuições para a elucidação da etnogênese saxônia de Vinicius Cesar Dreger de Araujo e a tradução d’A Batalha de Maldon realizada pelo doutor em História Social Elton O. S. Medeiros.

Para finalizar o nosso dossiê, apresentamos uma entrevista sobre os ‘Estudos de Espaço’ (Spatial studies) e a ‘Virada Espacial’ (Spatial turn) com o especialista alemão em Sociologia do Espaço, Prof. Dr.2 Markus Schroer da Universidade de Marburg.

Os organizadores deste dossiê agradecem a colaboração dos articulistas, sem a qual a presente edição seria inviável. Desejamos a todos os pesquisadores e demais interessados uma excelente leitura e conclamamos a todos que possuem contribuições na área de estudos celtas e germânicos e visem o estabelecimento de diálogos acadêmicos frutíferos a enviarem suas propostas para as próximas edições.

Notas

1 Privatdozent designa um título acadêmico alemão conferido a doutores que completaram sua livredocência, mas que ainda não possuem uma cátedra própria dentro do sistema universitário.

2 Prof. Dr. É um título acadêmico conferido a doutores que apresentaram suas habilitações e possuem uma cátedra. O correspondente no Brasil seria o cargo de Professor Titular.

Álvaro Alfredo Bragança Júnior – Professor Doutor (UFRJ)

Daniele Gallindo Gonçalves Silva – Professora Doutora


BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo; SILVA, Daniele Gallindo Gonçalves. Editorial. Brathair, São Luís, v.12, n.1, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Tempo e História | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2011

Tempo. Continuidade, descontinuidade, instante, duração, acontecimento, estrutura, anacronismo. São tantos os temas e problemáticas suscitados pela ideia de tempo que não seria possível, entre historiadores, deixar de tratar de um tema tão vasto e, simultaneamente, tão instigante.

Embora os historiadores não sejam os únicos autorizados a problematizar o tempo, pode-se afirmar que, entre os vários instrumentos e noções utilizados em seu trabalho, o tempo é o responsável pelo tom próprio das inquietações de um historiador em suas incessantes investigações. Em outras palavras, a maneira pela qual o historiador entende o tempo está intimamente relacionada ao modo como ele realiza sua pesquisa e constrói sua própria textualidade. Leia Mais

História, tempo e memória / Estudos Ibero-Americanos / 2006

Colocamos à disposição dos leitores um número especial de Estudos Ibero-Americanos que trata de História, tempo e memória. Esses temas representam um domínio de estudos muito vasto em que se interceptam diferentes caminhos de análise, isto é, situa-se no cruzamento de diversas vias da pesquisa histórica. A história das idéias, como uma via de pesquisa, permite observar a ressonância da propagação das idéias sobre o tempo e a memória na cultura ocidental. Embora as perguntas sobre essas questões se constituam como complexidades perenes, a forma de respondê-las vem se modificando sem, no entanto, haver respostas conclusivas, o que permite novas pesquisas. Ao “aproximar” o passado e o presente, as experiências existentes no âmbito acadêmico possibilitaram realizar, no Programa de Pós-Graduação em História, um ciclo de conferências sobre História, tempo e memória objetivando ampliar a discussão que embora povoe desde um passado bastante distante os debates, o mesmo se presentifica e se torna cada vez mais importante para os historiadores.

Os artigos reunidos neste volume cruzam diversas perspectivas, apresentam olhares vários, propõem maneiras diferentes de analisar e de compreender o encontro entre o texto e seus autores. Fernando Catroga, através da história dos conceitos, propõe investigar a idéia de História como mestra da vida, desde os seus primórdios com Cícero – historia magistra vitae – até o mundo contemporâneo, quando a História passa por uma crise de sentido, crise que legitima a pergunta pela História como mestra da vida. Wolfgang Heuer relata a utilização da memória pela História e nos remete à questão da confiabilidade, e, com isso, “ao voto de confiança” (Ricoeur) à testemunha. Em contraste com as formas usuais de tentar impedir ou impor a memória, o interesse público contemporâneo por depoimentos pessoais tem levado a vários casos de falsificação da memória, entre os quais o mais famoso é a história de “Wilkomirski”. O artigo se dedica às formas atuais de auto-vitimização, procurando entender por que a maioria dos historiadores falhou em reconhecer a falsificação, por que mentir traz mais vantagens do que dizer a verdade, e qual a função do julgamento crítico como pré-requisito para a confiabilidade. Marion Brepohl de Magalhães apresenta uma proposta de refletir sobre o papel da memória e da História em nossa cultura contemporânea, através de uma aproximação ao pensamento de Hannah Arendt e de Walter Benjamin. Salo de Carvalho avalia as práticas punitivas como mnemotécnicas, aproximando a perspectiva filosófica de Nietzsche e a teoria agnóstica da pena. A hipótese desenvolvida na investigação é de que a ritualização e institucionalização dos castigos, através dos primitivos procedimentos penais, atuam como mecanismos de manutenção da memória dos delitos, da “culpa moral” e do “sentimento de dever”. Carlos Henrique Armani traz um estudo ao pensamento de alguns intelectuais que viveram durante a Primeira Guerra Mundial e testemunharam um período histórico profundamente conturbado pela violência e morte – a experiência da temporalidade. Marçal de Menezes Paredes focaliza a polêmica entre dois intelectuais que marcaram a cena cultural luso-brasileira: Silvio Romero e Teófilo Braga. O estudo da intensidade, abrangência e extensão dessa polêmica possibilita o delineamento dos termos nos quais se davam as trocas, debates e críticas culturais entre Brasil e Portugal no final do século XIX, além de possibilitar uma reflexão sobre a dimensão escalar da nação como critério histórico utilizado na compreensão de interfaces culturais, imagens que funcionam como instrumentos taxonômicos de memórias nacionais.

Ruth M. Chittó Gauer – Organizadora

GAUER, Ruth M. Chittó. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, Edição Especial, v.32, n. 2, 2006. Acessar publicação original [DR]

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Relações internacionais / Estudos Ibero-Americanos / 2008

SILVEIRA Helder Gordim da (Org d), RECKZIEGEL Ana Luiza Setti (Org d), SVARTMANN Eduardo Munhoz (Org d), Relações internacionais / Estudos Ibero-Americanos / 2008, Relações Internacionais (d), Estudos Ibero-Americanos (EId)

Apresentamos neste número de Estudos Ibero-Americanos um dossiê reunindo artigos de autores brasileiros, uruguaios e argentinos acerca das relações internacionais e políticas externas destes países nos contextos hemisférico e global.

Os artigos privilegiam os campos econômico, político e estratégico daquelas relações, vistas em cenários bilaterais e multilaterais, envolvendo, direta ou indiretamente, a inserção da sub-região sul-americana na sociedade internacional, em diferentes conjunturas históricas nos séculos XIX e XX, e considerando o papel desempenhado pelos centros hegemônicos britânico e norte-americano naquelas conjunturas.

As temáticas variam de abordagens teóricas e conceituais gerais a análises de aspectos históricos específicos, os quais, entretanto, nunca deixam de ser notavelmente elucidativos ao representarem a concretização de tendências históricas conjunturais e mesmo estruturais da inserção internacional do Brasil, da Argentina, do Uruguai e dos demais países da sub-região.

Desejamos a todos uma excelente leitura.

Helder Gordim da Silveira

Ana Luiza Setti Reckziegel

Eduardo Munhoz Svartmann

Organizadores desta edição


SILVEIRA, Helder Gordim da; RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; SVARTMANN, Eduardo Munhoz. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v.34, n. 1, jun., 2008. Acessar publicação original [DR]

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Tempo e Narrativa / História Oral / 2003

Este número é o primeiro publicado pela Diretoria da Associação Brasileira de História Oral, presidida pela Professora Verena Alberti, eleita em maio de 2002, durante o VI Encontro Nacional de História Oral, realizado em São Paulo. Vários trabalhos apresentados nessa ocasião integram este volume.

O dossiê Tempo e Narrativa expressa bem as tendências atuais dos estudos sobre oralidade, veiculadas nos pronunciamentos de Lucilia de Almeida Neves Delgado, Lourdes Roca, Richard Cándida Smith e Robert Perks.

O tema da violência, abordado por vários autores, desenrola-se em torno de uma concepção de Brasil como um território em formação, com espaços de exclusão, onde é exercida a mais feroz dominação por grupos políticos e econômicos, contaminando o conjunto das relações sociais. Nessa perspectiva desenvolvem-se os artigos de Dácia Ibiapina da Silva e Rodrigo Patto Sá Motta, que tratam das memórias de vítimas da repressão política sob a ditadura militar e, em contraponto, a análise de José Miguel Arias Neto sobre a entrevista concedida em 1968 por João Cândido, personagem da Revolta dos Marinheiros de 1910.

Igualmente presentes estão pesquisas sobre as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais para ter acesso à propriedade da terra: David José Caume investiga problemas pertinentes aos assentamentos enquanto Maria Christina Siqueira de Souza Campos e Paulo Henrique Lunardelo exploram as contingências da vida de imigrantes portugueses no labor agrícola.

O desafio representado pela interpretação das fontes audiovisuais é enfrentado na resenha que Cássia Denise Gonçalves fez sobre livro de Boris Kossoy.

Comitê editorial

São Paulo, maio de 2003


Palavras do Comitê Editorial. História Oral. Rio de Janeiro, v.6, p. 2003. Acessar publicação original [DR]

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