Da direita Moderna à Direita Tradicional | Cesar Ranqueta Júnior

Cesar Ranqueta Junior Imagem Unipampa 2
Cesar Ranqueta Júnior | Imagem: Unipampa

De autoria de Cesar Ranqueta Jr, o livro Da direita Moderna a Direita tradicional, publicado em 2019, tem duas ambições. A primeira delas é reconstituir historicamente o conceito de Direita, sistematizando argumentos e compilando autores que são ícones para sua fundamentação no mundo ocidental. A segunda é, a partir de uma análise dessa corrente de pensamento no Brasil, apresentar suas fragilidades, incongruências, antinomias e propor, a partir dessas análises, uma fundamentação teórica a ser seguida.

Da direita moderna a direita tradicionalO interesse do autor por essa questão tem como base uma dupla crítica que é por demais razoável em uma sociedade cada vez mais polarizada e marcada por uma naturalização de conceitos do campo da política. A primeira é a recusa aos autores filiados ao pensamento de direita, assim como às suas ideias nos círculos especializados de debate, implicando em seu desmerecimento. A segunda está na forma pela qual esses pensadores tendem a ser adjetivados: “fascistas” e “anacrônicos”. Para Ranqueta, esta última é uma clássica estratégia da esquerda em desmerecer seu maior rival ideológico. Para nós, trata-se de um problema de metodológica científica. Leia Mais

O que há de novo na “nova direita”? identarismo europeu, trumpismo e bolsonarismo | Marcos Paulo dos Reis Quadros

Marcos Paulo dos Reis Quadros Imagem Radio
Marcos Paulo dos Reis Quadros | Imagem: Radio Caxias

O que há de novo na nova direita, de Marcos Paulo dos Reis Quadros, resulta de uma investigação conduzida em seu estágio pós-doutoral, realizado na Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS), onde também cursou doutorado em Ciências sociais. O autor é professor e pró-reitor acadêmico do Centro Universitário Estácio Belo Horizonte (ESTÁCIO BH) e ministra cursos sobre “Direitas” e “Teoria Política” no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS. Seus três livros discutem federalismo, e a relação “soft power” e violência em favelas no Brasil e trajetórias das direitas no Brasil e em Portugal. No seu mais novo trabalho, como explicitam título e subtítulo, sua meta é avaliar “caracteres distintivos dessa nova direita na Europa (os partidos identitários) e no Brasil (o bolsonarismo), fazendo, ainda, considerações sobre o “trumpismo nos Estados Unidos” (p.19). Suas questões são desafiadoras. Elas tocam nas causas da ascensão da direita e exploram a vivência das direitas em quatro planos: “pilares ideológicos”, “plataformas político-eleitorais”; comportamento nos parlamentos e comportamento nos governos. Dada a quantidade de planos, é uma tarefa desafiadora que ele se propõe a cumprir em três capítulos.

O que ha de novo na nova direitaNo primeiro – “Sobre os sentidos das direitas” –, o autor defende a validade da díade esquerda/direita como demarcador ideológico. Seu critério é o de N. Bobbio, ou seja, a relação que as pessoas mantem com o valor da igualdade. Assim, se para a esquerda (representada instrumentalmente por J.-j. Rousseau), o ser humano é bom e aperfeiçoável, sendo legítimos a rebeldia e a mudança. Para a direita (representada instrumentalmente por T. Hobbes), o ser humano é mal e imperfeito naturalmente, sendo legítimos a conservação da herança e a ordem (T. Hobbes). A direita, como se vê, é constituída por um núcleo – conservação da herança – e por conceitos outros como “ordem”, “ceticismo” e “idade do ouro”, acrescidos de outros tantos em determinados contextos. Aliás, fiel a R. Rémon, o autor toma a descrição de direita como um tipo ideal, mas há limites: “Pode existir um conservadorismo de inclinações autoritárias e um conservadorismo de pendor liberal; jamais, sublinhe-se, um conservadorismo progressista.” (p.43). Leia Mais

La nueva izquierda en la historia reciente argentina. Debates conceptuales y análisis de experiencias | M. C. Tortti, M. González Canosa

El libro que se reseña, dirigido por las Dras. María Cristina Tortti y Mora González Canosa, es el producto de una investigación colectiva realizada por un equipo de docentes, investigadores y becarios que integran el proyecto Los años de la nueva izquierda. Auge y cierre del ciclo de movilización (1955-1976), radicado en el Instituto de Investigaciones en Humanidades y Ciencias Sociales (IdIHCS) de la Universidad Nacional de La Plata. El trabajo se ubica dentro del campo de los estudios sobre la historia reciente y se concentra en el proceso de protesta y radicalización de diversos sectores políticos, sociales y culturales de la sociedad argentina. Principalmente, los trabajos abordan el período que inicia a partir del golpe de Estado que derrocó al gobierno peronista en 1955 y que finaliza con el último golpe cívico-militar de 1976. Leia Mais

Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória | Enzo Traverso

Enzo Traverso
Enzo Traverso | Foto: O Globo
Melancolia de esquerdaNa história oficial do marxismo, tornou-se comum a celebração dos triunfos conquistados das revoluções socialistas. Ressaltar a dimensão redentora dos seus êxitos, seja de personagens “heroicos” e ou de movimentos “gloriosos”, parecia assegurar a concretização de uma “etapa” previsível, ob­jetiva e petrificada na locomotiva linear do “progresso”.

Uma contrapartida dessa odisseia de vitórias repousa justamente no outro lado da moeda: o prisma das derrotas e seus efeitos políticos e epis­temológicos na história do socialismo e do marxismo. Eis aqui a proposta da coletânea de ensaios Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória, de Enzo Traverso (2018), originalmente publicado em francês, em 2016, com edições em inglês, alemão, espanhol e, finalmente, uma cuidadosa edição em português, organizada pela editora ítalo-brasileira Âyiné. Embora seja seu primeiro livro traduzido no Brasil, o autor construiu uma sólida agenda de pesquisa nas últimas três décadas e é considerado um dos maiores especia­listas em história política e intelectual contemporânea.

Professor da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, Traver­so reconhece a irredutível pluralidade de correntes políticas, tendências estéticas e intelectuais da “cultura de esquerda”, que mescla um conjun­to de experiências, ideias e sentimentos. Concentra seus esforços na tra­dição marxista, apontada como a “expressão dominante dos movimentos mais revolucionários no século XX” (TRAVERSO, 2018, p. 15), sem, com isso, reduzi-la a uma doutrina codificada em textos canônicos. Ao contrá­rio, Melancolia de esquerda apresenta análises sobre uma fascinante galeria de testemunhos (livros e cartas), teorias (políticas e filosóficas) e imagens (filmes, pinturas, cartazes de propaganda política). Esse recorte possibi­lita uma leitura inquietante, moldada pela riqueza de insights presentes no livro e pelos (novos) horizontes abertos em sua narrativa fluída que, com paixão e simplicidade, consegue despertar “iluminações profanas”. Leia Mais

Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória | Enzo Traverso

Na história oficial do marxismo, tornou-se comum a celebração dos triunfos conquistados das revoluções socialistas. Ressaltar a dimensão redentora dos seus êxitos, seja de personagens “heroicos” e ou de movimentos “gloriosos”, parecia assegurar a concretização de uma “etapa” previsível, objetiva e petrificada na locomotiva linear do “progresso”.

Uma contrapartida dessa odisseia de vitórias repousa justamente no outro lado da moeda: o prisma das derrotas e seus efeitos políticos e epistemológicos na história do socialismo e do marxismo. Eis aqui a proposta da coletânea de ensaios Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória, de Enzo Traverso (2018), originalmente publicado em francês, em 2016, com edições em inglês, alemão, espanhol e, finalmente, uma cuidadosa edição em português, organizada pela editora ítalo-brasileira Âyiné. Embora seja seu primeiro livro traduzido no Brasil, o autor construiu uma sólida agenda de pesquisa nas últimas três décadas e é considerado um dos maiores especialistas em história política e intelectual contemporânea. Leia Mais

Militantes de la izquierda latinoamericana en México, 1920-1934 | Sebastián Mir Rivera

Una multiplicidad de historias se traman de manera sugerente en el primer libro del historiador Sebastián Rivera Mir. Volumen amplio y denso, constata el trabajo minucioso de quien se apuntala como una referencia obligada en el campo de la historia social y cultural. Esta primera obra, de hecho, presenta a un autor que conjuga la obsesión por la precisión con la claridad de la exposición. Libro erudito, de exposición fluida, presenta, sin embargo, un conjunto de anudamientos que difícilmente encontraremos en otros trabajos, pues en el se condensa tanto la historia política como los vaivenes de quienes vivieron la situación del exilio, ambas dimensiones enmarcadas en el conjunto de transformaciones sociales que ocurrían en el México posrevolucionario. Estas perspectivas se encuentran cruzadas, dando como resultado un escenario donde habitan por igual el anti-imperialismo, el comunismo y variadas formas del latinoamericanismo. Leia Mais

Direita e Esquerda: Razões e significados de uma distinção política | Norberto Bobbio

Não se passou muito tempo desde quando podíamos ouvir a pergunta: “Mas ainda existe a direita?”. Após a queda dos regimes comunistas, ouve-se aflorar com a mesma malícia a pergunta inversa: “Mas ainda existe a esquerda?” (p.63)

A discussão sobre o significado de direita e esquerda é algo muito presente em nossa contemporaneidade, sobretudo para brasileiros que vivem um momento de polarização política. Contudo, esta temática pode ser observada em tempos precedentes, a fim de identificar um alinhamento político e identificar os sujeitos com uns ou outros princípios. A epígrafe, a qual abre este trabalho expressa uma dúvida quanto a continuidade da existência da direita e da esquerda em diferentes períodos históricos, além de colocar a díade direita-esquerda sobre o escrutínio que visa identificar se os dois opostos realmente “não tem mais nenhuma razão para ser utilizada”2. É diante deste quadro que a obra de Norberto Bobbio se inscreve, ratificando o compromisso com a tentativa de estabelecer uma diferenciação entre direita e esquerda. Leia Mais

Soviets en Buenos Aires: La izquierda de la Argentina ante la revolución rusa | Roberto Pittaluga

La editorial Prometeo nos presenta, de la mano de Roberto Pittaluga, un interesante libro sobre la izquierda en la Argentina en las primeras décadas del siglo XX y la recepción que hizo un amplio universo político, social y cultural de la revolución rusa. El libro es el fruto de la tesis de doctorado de Roberto Pittaluga, quien se desempeña como profesor en la Universidad de Buenos Aires, como así también en la Universidad Nacional de General Sarmiento y la Universidad Nacional de la Pampa, y se ha especializado en los campos de la Memoria e Historia, la Historia Oral y la Historia Reciente.

El libro se propone examinar las fuentes documentales desde un criterio contrapuesto al predominante en la historiografía de las izquierdas, en el cual fuerzas como el anarquismo, el socialismo o y el comunismo son tratadas de forma separada para posteriormente establecer comparaciones entre sí. Por el contrario, Pittaluga se propone una línea de investigación con una serie de problemáticas sobre las que las fuentes documentales expresan tensiones, evidencian ambigüedades y permiten trabajar los significados de sus derivaciones. La izquierda ante la revolución -nos dice el autor- es como la izquierda ante sí misma, como palabra, es decir, como compromiso con la palabra. Es ella ante su origen, ante su emergencia y su potencia y la revolución rusa actualiza esa promesa emancipadora en tanto discurso e interpelación de su potencialidad. Leia Mais

Depois da revolução/a televisão: cineastas de esquerda no jornalismo televisivo dos anos 1970 | Igor Sacramento

Uma mídia instigante sob análise, um tema polêmico posto à luz do dia também e um escritor com domínio sobre a prosa. Igor Sacramento dá as tintas do que vêm a seguir logo nos primeiros parágrafos do seu livro: ‘Aqui, então, o que importa são as diferentes pressões e determinações que permitiram o ingresso daqueles cineastas na TV Globo e que também estiveram presentes no cotidiano do trabalho deles e nos documentários que dirigiram’, escreve o autor na Introdução de ‘Depois da revolução, a televisão: cineastas de esquerda no jornalismo televisivo dos anos 1970’, publicado pela Pedro & João Editores (2011, 258 páginas). Leia Mais

A transformação da esquerda latino-americana: um estudo comparado do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil e do Partido Socialista (PSCh) no Chile | R. F. de Carvalho e Silva

A partir do final da década de 1970, diversos partidos e movimentos da esquerda latino-americana iniciaram um processo de transformação conceitual, política e estratégica no que tange às suas concepções e relações propriamente práticas com a democracia política. De início, como oposição aos regimes ditatoriais e, em seguida, como partícipes dos processos de redemocratização que dariam legitimidade à nova ordem democrática instaurada, em sua maioria, no decorrer dos anos 1980. Parte fundamental dessa mudança encontra-se na atual interação com os sistemas políticos vigentes em vários países da região, onde tais partidos têm como grande meta a vitória nas eleições e, uma vez vitoriosos, a instituição de suas propostas programáticas, mediante alianças decorrentes da institucionalização do partido no sistema político nacional. Imersa nessa questão encontra-se a temática do livro A transformação da esquerda latino-americana: um estudo comparado do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil e do Partido Socialista (PSCh) no Chile, de Rodrigo Freire de Carvalho e Silva, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Seu principal objetivo é traçar “um estudo de um tipo específico da esquerda latino-americana contemporânea: a esquerda reformista social-democrática” (p. 15). O autor, apesar de destacar em sua Introdução, a título de exemplo, outras experiências latino-americanas, como as correntes frentistas de Uruguai e El Salvador, concentrará sua pesquisa nos casos de PT e PSCh, por serem “conceitualmente caracterizados como partidos políticos”, a partir das caracterizações empreendidas por autores como Moisei Ostrogorski, Max Weber e Robert Michels (p. 16). Leia Mais

Direita para o social e esquerda para o capital: intelectuais da nova pedagogia da hegemonia no Brasil – NEVES (ES)

NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org). Direita para o social e esquerda para o capital: intelectuais da nova pedagogia da hegemonia no Brasil. São Paulo: Xamã, 2010. Resenha de: SOUZA, Silvana Aparecida de. Direita para o social, esquerda para o capital. Educação & Sociedade, Campinas, v.32 no.117 out./dez. 2011.

Lançado em outubro de 2010, na 32ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), pela editora Xamã, com cuidadoso prefácio de Roberto Leher e apresentação de Eurelino Coelho, Direita para o social e esquerda para o capital: intelectuais da nova pedagogia da hegemonia no Brasil é organizado por Lúcia Maria Wanderley Neves, professora aposentada da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV-FIOCRUZ) e coordenadora do Coletivo de Estudos de Política Educacional ligado àquela instituição. Com larga experiência e apoiada no referencial teórico marxista/gramsciano – a partir do qual tem desenvolvido um continuum de estudos e pesquisas em políticas e educação no Brasil, em suas relações com o processo permanente de reestruturação do modo de produção capitalista -, Lúcia Neves é autora, coautora e organizadora de diversos outros livros na área educacional.

Os demais autores do livro – André Silva Martins, Daniela Mot a de Oliveira, Ialê Falleiros, Marcela Alejandra Pronko, Marcelo Paula de Melo, Marco Antonio Carvalho Santos, Maria Teresa Cavalcanti de Oliveira e Vanja da Rocha Monteiro – integram o Coletivo de Estudos de Política Educacional coordenado por Lúcia Neves.

Tendo como recorte as relações superestruturais que produzem e reproduzem a alienação na sociedade capitalista, o título do livro per si já é bastante provocador e, por isso, um convite instigante à leitura.

Escrito de forma coletiva, seus autores, em uma demonstração de domínio do pensamento do italiano Antonio Gramsci, tratam do processo de formação e de atuação instrumental dos intelectuais orgânicos ou tradicionais, individuais ou coletivos1 na sociedade, sobretudo no momento histórico atual.

Para além do alto domínio conceitual e teórico, os autores demonstram, do ponto de vista histórico, a constituição e os determinantes do processo de propagação das ideias que fundamentam “a nova pedagogia da hegemonia”;, mais especificamente na sociedade capitalista contemporânea. Tratam do contexto da Guerra Fria, apontando um conjunto de ações desenvolvidas na época de ouro do capitalismo para efetivar uma verdadeira campanha cultural, cujo objetivo era difundir na intelectualidade ocidental não só a aceitação como a exaltação do “americanismo”; como modo de vida. O objetivo de tal campanha era fazer com que o poder de formação de opinião das massas que a intelectualidade detém se voltasse a favor do American way of life.

A partir daí, os autores listam uma série de instituições de natureza pública e/ou privada, criadas na América Latina e no Brasil, com o objetivo de orientar as políticas públicas, a tomada de decisão dos governos e constituir um quadro de servidores públicos de carreira formados a partir de uma concepção desenvolvimentista, mas, antes de tudo, anticomunista.2

Na década de 1970 teve início um processo de crise no interior do capitalismo que levou ao fortalecimento da doutrina neoliberal e que propiciou, em pouco tempo, a “mundialização do capital, com seus exorbitantes ganhos financeiros e suas desastrosas consequências no aprofundamento das desigualdades sociais”; (Neves, 2010, p. 66).

Data desse período a origem da Terceira Via, que se apresentou como alternativa indispensável para “suprimir o potencial de conflito dos primeiros regimes de direita radical (Thatcher e Reagan), eliminando a oposição ainda existente à hegemonia neoliberal”; (idem, ibid., p. 70), quando passou a ocorrer a formação de uma nova subjetividade coletiva que resultou em uma nova sociabilidade, que tem se traduzido em uma prática política da direita para o social e da esquerda para o capital.

Nesse contexto, o grupo, que é profícuo em cunhar expressões – condição que acaba por caracterizar sua forma bem humorada de produzir explicações que retratem sofisticadamente o real -, utilizando-se metaforicamente de um fenômeno da natureza, chama de “pororoca do novo mundo”; o encontro de correntes políticas distintas, à direita para o social e à esquerda para o capital, que atualmente se traduz na chamada Terceira Via.

A partir de então, os autores se propõem a explicitar os fundamentos teóricos que dão sustentação ao projeto neoliberal da Terceira Via no Brasil e, para tanto, realizam a análise dos princípios da “pedagogia da hegemonia”;. Para esta tarefa, selecionaram obras clássicas de vários teóricos, de diferentes áreas, que sustentam, com alguma diferença entre eles, que a atual fase do capitalismo se configura como um mundo novo. Isso está de acordo com a teoria do fim das classes e de que o trabalho não é mais categoria central para explicação da realidade e sim o conhecimento, a linguagem, a informação ou a cultura. Os teóricos analisados são: Alain Touraine, Adam Schaff, Robert Putnam, Peter Drucker, Boaventura de Souza Santos, Manuel Castells, Edgar Morin, Zygmunt Bauman, Michel Hardt e Antonio Negri.

Na última parte do livro os autores se ocupam da análise da influência dos “intelectuais coletivos”; com atuação na formação política e escolar da sociedade brasileira contemporânea, tendo escolhido para o estudo de caso a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), ambos pelo papel formador dos quadros intelectuais brasileiros, tanto para a área pública quanto para a privada.

No que diz respeito à FGV, que, desde sua criação em 1944, forma gestores para o setor público e para o campo empresarial privado, sua influência é extensa na definição de políticas públicas no país, pois muitos de seus professores e pesquisadores ocuparam e ocupam cargos importantes no governo federal; a Fundação, por intermédio de seus vários institutos, tem prestado permanentemente consultoria e assessoria econômica a governos brasileiros; possui vasta e diversificada linha editorial de revistas científicas, entre as mais conceituadas do país na área de Administração e Economia; organiza e realiza uma diversidade enorme de eventos, congressos e seminários nacionais e internacionais; nos últimos anos, cresceu sobremaneira sua atuação na prestação de serviços de consultoria para o setor privado, assim como na oferta de serviços educacionais (cursos de curta duração, de graduação e pós-graduação, nas modalidades presencial e a distância), formando gestores agora também para a chamada economia social, solidária ou ligada ao Terceiro Setor.

Já o IBASE foi inicialmente administrado por exilados e políticos cassados pela ditadura militar, que retornaram ao país com a anistia política de 1979, e tinha por principal objetivo prestar assessoria aos movimentos sociais comprometidos com a democratização do Brasil. No entanto, com o passar do tempo, seus objetivos foram mudando e hoje o Instituto atua, sobretudo, junto às organizações não governamentais (ONG) voltadas à prestação de serviços sociais para segmentos populacionais considerados “excluídos”.

Assim, a pesquisa demonstra que tanto a FGV quanto o IBASE, na condição de organizações da sociedade civil, atuam, cada uma a seu modo, como intelectuais coletivos na legitimação da nova pedagogia da hegemonia, de acordo com os preceitos da Terceira Via.

É com esta análise da influência dos intelectuais coletivos que os autores optam por terminar o livro sem tecer as conhecidas “considerações finais”, ou mesmo uma síntese, presente no encerramento da maioria de estudos dessa natureza. Porém, considerando que Direita para o social… constitui uma sequência articulada às discussões realizadas em trabalho anterior (A nova pedagogia da hegemonia), arriscaria dizer que a forma como o livro termina sugere que teremos uma espécie de trilogia, pois é sabido que o Coletivo de Estudos de Política Educacional continua cada vez mais bem articulado e está com nova pesquisa em andamento, que, norteada pelo mesmo referencial teórico, agora contempla a análise do chão da realidade escolar pública brasileira.

Enfim, o livro coordenado por Lúcia Neves se apresenta como uma referência importante para o debate da esquerda educacional brasileira, por sua relevância teórica, pela pertinência das relações que estabelece, mas, sobretudo, por não perder a perspectiva da ruptura com a lógica destrutiva do capital.

Notas

1. Antonio Gramsci entendia por intelectuais indivíduos ou organizações formadoras, organizadoras e/ou propagadoras, em diferentes linguagens, da cultura e das ideias que fundamentam uma determinada concepção de mundo e de classe. Portanto, em acordo com a conceituação gramsciana, um partido, um sindicato, a Igreja ou qualquer outra organização podem assumir, em qualquer momento, a condição de intelectual coletivo.

2. Observe-se que, de acordo com a teoria gramsciana, a sociedade civil pode dar certa direção às políticas públicas, por meio de organizações que se convertem em intelectuais coletivos, o que, em sua teoria de Estado, denomina-se “aparelhos privados de hegemonia”. No entanto o autor esclarece que a classe dominante tem melhores condições de fazer isso do que a classe que luta no plano contra-hegemônico (Gramsci, 2000).

Referências

GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. v. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.         [ Links ]

NEVES, L.M.W. (Org.). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005.         [ Links ]

NEVES, L.M.W. (Org.). Direita para o social e esquerda para o capital: intelectuais da nova pedagogia da hegemonia no Brasil. São Paulo: Xamã, 2010.         [ Links ]

Silvana Aparecida de Souza – Doutora em Educação e professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

El Nuevo Topo. Los caminos de la izquierda latinoamericana | Emir Sader

El Nuevo Topo. Los caminos de la izquierda latinoamericana, publicado por primera vez en el año 2009, constituye el último trabajo de Emir Sader, uno de los sociólogos más brillantes entre los intelectuales de la izquierda latinoamericana. Con este nuevo estudio, el autor se propone recorrer las estrategias de poder que la izquierda latinoamericana ha adoptado durante el siglo XX. Nos invita a una comprensión íntegra del surgimiento del neoliberalismo y nos sumerge en la problemática de la construcción de un orden alternativo. A través de una correcta reconstrucción del contexto histórico de América Latina, filtrado por un tamiz crítico, Sader se plantea comprender y reinterpretar, cual alquimista en tiempos modernos, que “no estamos hoy ante una época de cambios, sino ante un cambio de época”, como proclamara hace algunos años el presidente de Ecuador, Rafael Correa.

Retomando un concepto marxiano, consagrado en El 18 Brumario de Luis Bonaparte, afirma que el viejo topo no ha muerto. Este sale a la superficie en épocas de conflicto y luego regresa bajo tierra, no para hibernar pasivamente, sino para cavar sus túneles, perforar y avanzar, de forma tal que cuando el tiempo sea el adecuado saldrá nuevamente a la superficie. Pues bien, para Emir Sader, ese momento está próximo a llegar y su libro intenta, en ese sentido, investir de voz al topo, pues “sólo él puede retomar el hilo de la historia a partir de las formas concretas asumidas por la lucha anticapitalista contemporánea”. 2 Leia Mais

Izquierdas y derechas en la mundialización – RUBIO (AN)

RUBIO, Enrique. Izquierdas y derechas en la mundialización. Montevideo: Banda Oriental, 2006. 142p. Resenha de: CABRAL, José Pedro Cabrera. Anos 90, Porto Alegre, v.15, n.27, p.407-410, jul. 2008.

Sob o título Izquierdas y Derechas en la Mundialización, o historiador e político uruguaio Enrique Rubio apresenta um ensaio que centra sua temática nas novas esquerdas ou as esquerdas progressistas que, a partir dos anos 2000, irromperam em vários governos nacionais do Cone Sul. O livro foca os desafios para essas esquerdas perante o processo de globalização e a necessidade de alternativas para enfrentar o modelo neoliberal representado pelas direitas na América Latina. Com esse objetivo, a obra se divide em seis capítulos.

No primeiro capítulo, Rubio analisa as implicações que a globalização apresenta para a esquerda latino-americana. O que se propõe, essencialmente, é discutir uma alternativa democrática ao processo de globalização. Para tal, parte do pressuposto de que a globalização é irreversível e, portanto, as estratégias de enfrentamento devem passar necessariamente pelo fortalecimento da democracia. Utiliza-se do conceito de altermundismo, de forma a identificar um movimento antiglobalização que, na sua concepção, implica um avanço, visto que esse conceito ultrapassa a mera oposição pelas vias da inovação em todos os terrenos.

Rubio aponta para a necessidade de se pensar uma nova ordem econômica mundial, que implicaria a transformação das instituições. nacionais e supranacionais, procurando seu pleno desenvolvimento, fortalecimento e uma efetiva democratização (isto tomaria mais envergadura nos organismos internacionais). A proposta tem como base a formação de uma articulação progressista internacional, que encontraria seu ponto de apoio no desenvolvimento de macrorregiões, como seria o caso do Mercosul. Dessa forma, segundo o autor, se articulariam iniciativas em redes que poderiam ter um alcance mundial.

No segundo capítulo, intitulado Estado de guerra y guerras culturales, o autor aborda a temática desencadeada (ou atualizada) a partir dos acontecimentos do 11 de setembro, no qual o Estado de Guerra contra o terrorismo trouxe, dos elementos fundantes da política exterior norte-americana, por um lado, a substituição do inimigo ideológico: do comunismo pelo terrorismo, associado ao islamismo, como a principal ameaça para a paz mundial. E, por outro lado, a justificativa dos inúmeros ataques e invasões aos países islâmicos.

Assim, o fundamentalismo, principalmente de base religiosa, tornou-se o alvo das atenções, legitimando a teoria do choque de civilizações. Rubio salienta que o fundamentalismo de cunho religioso é um dos grandes desafios para a esquerda progressista, na medida em que dificulta os processos de afirmação e consolidação da democracia.

Na terceira parte do livro, o autor analisa as crises ideológicas das esquerdas no mundo, com principal foco na América Latina. Rubio observa a vigência de uma nova agenda para a esquerda, que incorporou temáticas emergentes como as questões relacionadas ao multiculturalismo, ao multilateralismo, aos processos de integração regional, às guerras e às lutas pela paz, aos problemas críticos em matéria ambiental e ao enfraquecimento dos Estados nacionais, entre outros.

Essa nova agenda teria como base incontestável e central a questão democrática, entendida como a necessidade de aprofundamento da democracia em todas as relações sociais, como construção social ampla, como legitimação de direitos individuais e coletivos, e como aspiração de normas de convivência social eqüitativas e libertadoras.

Assim, o autor caracteriza o que, em sua opinião, se reflete no pensamento progressista: a democracia pela via da socialização do poder.

Dessa forma, o progressismo seria a única. opção política dentro da esquerda para efetivar essas aspirações democráticas, e também a única que pode combater a direita neoliberal no mundo globalizado.

Na quarta parte da obra, discute-se a questão do patrimônio comum, aludindo, assim, à parte substancial dos novos paradigmas da esquerda. Em primeiro lugar, a questão dos recursos naturais, seguida do conhecimento e das comunicações. Estes associados, por sua vez, como condições sine qua non para o aprofundamento da democracia. O que o autor parece esquecer é que precisamente esses em diversas formas e momentos . foram fatores determinantes de dominação e de dependência para os países latino-americanos.

Rubio considera que, a partir dos governos progressistas, se poderão democratizar essas problemáticas em favor das desigualdades sociais e econômicas.

Como quinto capítulo do livro, Rubio traz a temática da sociedade do conhecimento e pontua os novos desafios que essa apresenta para a esquerda. A mudança de paradigma é inquestionável, e o autor assinala, como a principal força produtiva, a questão do conhecimento. Conjuntamente com o conhecimento, a informação, a educação e a inovação passaram a ser as chaves para o desenvolvimento dos países do terceiro mundo. Esses temas tomaram um lugar privilegiado na nova agenda da esquerda latino-americana e, particularmente, na uruguaia, de onde Rubio fala, ocupando uma posição de destaque nas plataformas programáticas progressistas.

O último capítulo, intitulado La cuestión política, discorre sobre o papel do progressismo (como partido político de massas) como articulador. com a sociedade civil. Apresenta-se, por um lado, como a única. opção democrática conflitante com o neoliberalismo, induzindo a uma nova bipolaridade no cenário político uruguaio: a direita, representante das oligarquias e do neoliberalismo, e o progressismo, representante da democracia, da esquerda e dos setores democráticos e progressistas. Por outro lado, a articulação com a sociedade civil se produziria no âmbito dos movimentos sociais, os quais, independentemente de suas características próprias (gênero, etnia etc.), confluiriam com o progressismo na ampliação da democracia, fundamentalmente a partir da criação, implementação e colocação em prática de políticas públicas de inclusão social. Portanto, o papel dos novos movimentos sociais estaria atrelado à defesa dos paradigmas da nova esquerda: os paradigmas da liberdade, da eqüidade, da solidariedade e dos direitos cidadãos.

A obra de Rubio tem seu foco no progressismo uruguaio em particular, que o autor generaliza para o âmbito da América Latina.

As particularidades do continente fogem à obra, e ficaram postergadas na análise de Rubio, deixando uma lacuna a respeito do que o título do livro apresenta. Sua contribuição oferece uma visão do que essa nova esquerda progressista. uruguaia entende por desafios e também uma definida postura ideológica que diz respeito a essa nova realidade política do país. O progressismo uruguaio (e, da mesma forma Rubio) elabora um discurso híbrido que possibilita a interlocução dos atores sociais e políticos, confluindo permanentemente com o progressismo., tentando, assim, legitimar a agenda da nova esquerda.

José Pedro Cabrera Cabral – Doutor em História. Docente do Departamento de História da Universidade Federal do Tocantins. O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq. E-mail: [email protected].

Acessar publicação original

[IF]

 

Forjando a democracia – a história da esquerda na Europa. 1850-2000 – ELEY (AN)

ELEY, Geoff. Forjando a democracia – a história da esquerda na Europa. 1850-2000. São Paulo: Editora da Fundação Perseu Abramo, 2005. Resenha de: AGGIO, Alberto. Anos 90, Porto Alegre, v.13, n.23/24, p.353-360, 2006.

Embora não integralmente identificáveis, os vínculos entre esquerda e socialismo são historicamente incontestáveis. O socialismo foi um programa de mudança social e um movimento político que mobilizou milhões de pessoas na Europa durante os séculos XIX e XX. Ele marcou profundamente a história da esquerda européia e é praticamente impossível referir-se a ela sem levá-lo em consideração. O socialismo foi, pelo menos até a década de 1990, a referência central da esquerda européia e os partidos socialistas e comunistas a hegemonizaram de maneira integral.

Pode-se argumentar que aquilo que se entende por socialismo também variou desde o século XIX e hoje o seu significado é, sem dúvida, bastante diferente daquele que se postulava no passado.

Nos últimos 20 anos, a hegemonia de comunistas e socialistas também se desvaneceu e hoje a esquerda européia vem buscando novos caminhos. Assim, narrar, analisar e refletir a respeito da história da esquerda e do socialismo europeu – uma tarefa cada vez mais monumental para qualquer investigador – implica mobilizar e estabelecer um domínio suficientemente claro tanto dessa dinâmica de largo prazo quanto das muitas outras referências que permeiam as históricas relações entre socialismo e esquerda na Europa.

É essa a trilha que segue Geoff Eley no seu livro Forjando a democracia, cujo propósito é o de explicar a potência, as virtudes, os caminhos e descaminhos, as vicissitudes e os desafios históricos e atuais que marcam a esquerda européia. Ainda hoje a palavra “socialismo” continua a ser empregada para se fazer referência ao conjunto de partidos políticos oriundos historicamente do movimento operário europeu que emergiu e ganhou força na segunda metade do século XIX, mesmo que se reconheça que esse conjunto seja formado mais por diferenciações de seus componentes do que por uma homogeneidade clara. Como Geoff Eley afirma logo no início do seu livro, o socialismo é antes de tudo um referente histórico da esquerda européia, na verdade, o “núcleo da esquerda européia”, ainda que esta tenha sido “sempre maior do que o socialismo” (p. 28-29).

Mas há uma referência maior em toda essa história e que Geoff Eley assume como central em seu trabalho. Procurando sintetizar o argumento nuclear do livro se poderia dizer que a democracia européia – e não um regime de tipo socialista – representa a grande construção histórica do socialismo e da esquerda naquele continente. A partir desse argumento central – que se expressa inclusive no título do livro –, Eley procura compreender o socialismo não como uma doutrina abstrata ou metafísica e sim como um movimento histórico que buscou permanentemente construir a democracia, tornando-a cada vez mais social e, portanto, ampliando seguidamente o seu escopo. Essa mesma perspectiva o faz analisar o papel da esquerda na luta e na construção de consensos democráticos nas diversas conjunturas que marcaram dramaticamente a história européia, especialmente no desenrolar do século XX. Eley evidencia uma visão precisa da situação histórica da democracia na Europa: ela não é uma “dádiva” e nem está “assegurada”. No passado e no presente, a democracia “exige conflito, a saber, o desafio corajoso da autoridade, a assunção de riscos e atos de coragem temerária, o testemunho ético, confrontações violentas e crises gerais em que se rompe a ordem políticosocial dada” (p. 24). Na Europa, o seu advento não representou, portanto, um fato natural nem derivou da prosperidade econômica, não sendo tampouco um “subproduto inevitável do individualismo ou do mercado”. Para Eley, a democracia estabeleceu-se e se consolidou “porque uma grande quantidade de pessoas se organizou coletivamente para reivindicá-la” (p. 24). Somente depois de 1945 é que a democracia na Europa conseguiu se sustentar com base em um consenso amplo e profundo capaz de garantir uma lealdade popular à ordem instituída no pós-guerra.

Forjando a democracia insere-se, portanto, na linha historiográfica que procura analisar as práticas e a cultura política do socialismo europeu a partir dos seus significados concretos, assumidos no embate político de cada momento. Essa linha historiográfica tem gerado contribuições significativas para a história do socialismo e da esquerda, sempre a partir de questionamentos que antes eram desprezados ou sequer levantados.

Forjando a democracia expressa, assim, uma espécie de visão reformista da história da esquerda, extremamente valorizadora da trajetória de conflitos e de lutas do socialismo europeu.

Nesse sentido, seria importante refletir brevemente aqui a partir do fato de que, na sua construção política, o socialismo não nasce como um ato teórico iluminado e sim como um movimento sociopolítico e cultural que assimilou concepções e valores de outros movimentos e concepções de mundo, além de ter desenvolvido uma concepção própria. O socialismo havia nascido com o capitalismo industrial e teve suas origens nos estratos mais profundos da sociedade européia. Compartilhou com liberais, radicais e cristãos conservadores a visão de que o proletariado industrial era o setor social mais prejudicado pelo capitalismo e que este lhe roubava a possibilidade de viver o que havia de positivo na existência humana. Como uma faceta já reconhecida por inúmeros historiadores, o socialismo obtém sua força motora espiritual tanto na razão do Iluminismo quanto na paixão do Romantismo.

Se este engendrava visões revolucionárias nascidas de um mundo cheio de energia, sentimento e liberdade, aquele trazia ao socialismo, além das idéias, dois exemplos concretos de revolução: a Revolução de Independência norte-americana e a Revolução Francesa de 1789. Desta última, os socialistas consideravamse os herdeiros mais legitimados por defenderem intransigentemente a consigna Liberdade, Igualdade e Fraternidade, não apenas do ponto de vista coletivo e público como também do ponto de vista privado e cotidiano.

Como se sabe, o socialismo combinou uma concepção de liberdade nascida do Iluminismo com as demandas da igualdade nascidas do mundo do trabalhador pobre do século XIX, que pode ser traduzida pela idéia de emancipação presente tanto no seu discurso quanto nos seus movimentos sociais. Marx havia registrado, com imensa agudeza de raciocínio, que a Revolução Francesa havia criado um novo ser histórico expresso na figura do citoyen, e que caberia ao movimento operário a tarefa histórica de criar um novo homem. Esse viria a ser um desafio crítico ao socialismo. A Revolução Francesa havia estabelecido a luta frontal contra a loi civil vigente, tanto no plano de uma loi politique que dava base ao Antigo Regime absolutista quanto no de uma loi de famille que o sustentava no plano privado, perpetuando o domínio patriarcal. A enquanto a dimensão privada da família trazia à tona a questão da fraternidade entre os homens. No século XIX, essas duas dimensões distanciaram-se e se desencontraram. O socialismo do século XIX, de acordo com um outro autor (Doménech, 2004), não soube avançar pela trilha da fraternidade e isso acabou tolhendo a ampliação da sua perspectiva emancipadora. A avaliação de que entre a consigna da Revolução Francesa e o socialismo não existe apenas continuidade e desdobramentos evolutivos, mas também uma certa descontinuidade introduz um elemento crítico na análise que demandaria dos estudiosos uma “revisão republicana da tradição socialista”, para usarmos aqui uma expressão de Doménech. O que devemos registrar como altamente interessante é que, num certo sentido, há um reconhecimento implícito de Eley a respeito dessa ponderação no momento em que ele enfatiza que, no século XX, a fixação dos socialistas no terreno da “política de classes” parece ter mantido o problema nos mesmos termos, afastando parcelas importantes da população, especialmente as mulheres, da área de influência do socialismo (p. 29). Em outras palavras, o socialismo perdia sua integridade no sentido de um programa radicalmente moderno em troca de uma ação cada vez mais concentrada nos interesses do mundo do trabalho que encontravam ressonância especialmente na noção de igualdade social.

Não se tratou objetivamente de um “erro teórico”, mas sim de limites de uma prática contingente, de uma opção na ação que redundaria mais direta e facilmente em apoios para o movimento e eventualmente para os partidos do socialismo.

Este é apenas um dos planos que aqui lançamos mão para expressar que, além do livro de Eley, existe um conjunto de investigações que assume e justifica plenamente uma releitura crítica da história do socialismo, uma vez que os limites, as restrições e as exclusões conformavam-se como a outra face das opções estratégicas adotadas pelo socialismo europeu. Em outras palavras, a voltado para fins de poder e de transformação. Como afirma Eley, “se as transformações contemporâneas expuseram as fraquezas do socialismo no presente, especialmente as conseqüências excludentes de concentrar a estratégia democrática na ação progressista da classe operária, então essas idéias têm muito a nos ensinar sobre as limitações do socialismo também em épocas anteriores” (p. 28).

Contudo, a política não foi apenas negativa e ensinou algo de positivo aos socialistas. Eley confirma que estes, desde os primórdios, evitaram levar uma política de isolacionismo no interior das sociedades onde atuaram e encontraram, especialmente nos liberais e nos radicais de outros segmentos sociais, aliados para suas ações. Os socialistas sempre precisaram de aliados e nunca alcançaram seus objetivos por si mesmos quer fosse para difundir suas idéias publicamente, fazerem suas agitações, quer para se afirmarem institucionalmente, organizando greves, concorrendo às eleições ou mesmo formando governos. Em sua trajetória de afirmação política, o socialismo possibilitou às massas uma integração ao sistema da ordem que, após a grande guerra civil européia de 1914 a 1945, acabaria por produzir aquilo que certa vez J. Habermas chegou a qualificar como a grande construção da modernidade ocidental: o Estado de Bem-Estar social.

Muito já se escreveu sobre o Estado de Bem-Estar social e as críticas a este parecem respeitáveis. Contudo, é importante levar em conta que, apesar de não ter elaborado um projeto de emancipação coerente, o Estado de Bem-Estar social produziu, de fato, os cidadãos autônomos e críticos que o socialismo pretendia gerar.

Mais do que isso, foi a partir da sua construção que o socialismo vinculou-se direta e profundamente à democracia oferecendo à sociedade européia um sentido de futuro. Somente a partir desse momento, afirma Eley, “a democracia iria se tornar genuinamente universal, porque finalmente as mulheres teriam o direito de votar” (p. 560).

Entretanto, o tempo não passou em vão. As três últimas décadas do século XX produziram mudanças de tal ordem na estrutura do mundo que as bases de referência do socialismo ruíram integralmente: a estrutura produtiva foi alterada de maneira drástica, reduzindo muito a necessidade de mão-de-obra; um cenário pós-fordista foi se estabelecendo, ao mesmo tempo em que diminuíam a auto-organização coletiva, a vida associativa e diversas dimensões que davam sustentação ética à cultura política do socialismo.

Essas mudanças, de acordo com Eley, proporcionariam a destruição do “entorno que a tradição socialista havia necessitado para crescer” (p. 560) e talvez tenham sido mais profundas e decisivas, assim como seus efeitos mais desmoralizantes, do que o colapso final do comunismo (p. 549).

O resultado foi o estabelecimento de uma situação crítica para o socialismo e para a esquerda, o que acabou por colocar em questionamento profundo alguns aspectos da sua tradição, dentre estes a própria concepção que os socialistas construíram da história.

Como um dileto filho do Ocidente – que levou ao paroxismo a busca de uma sociedade diferente que funcionasse com base no planejamento –, o socialismo se pensou como uma utopia. Hoje, resta muito pouca coisa a propósito da noção de que o socialismo poderia ser concebido como uma sociedade cujos fundamentos estariam assentados na direção que tomava o avanço progressista da história bem como na crença de que se poderia não apenas conhecer como controlar o mecanismo e a dinâmica dessa história.

Se, como afirma Eley, “o socialismo começou com a ambição de abolir o capitalismo, de construir uma democracia igualitária a partir da riqueza que o capitalismo oferecia”, no final do século XX, “o socialismo havia se transformado num ideal ainda mais difuso, numa ética política abstrata baseada na justiça social” (p.

549). Eley não considera o seu livro um epitáfio à esquerda e ao ponto crítico: “se o socialismo foi essencial para as melhores conquistas da democracia, insisto, o fato é que as possibilidades da democracia sempre superaram o alcance do socialismo” (p. 571- 2).

O capítulo conclusivo de Forjando a democracia tem como epígrafe um fragmento de um texto de Stuart Hall, de 1989, que vale a pena ser aqui reproduzido: “Gramsci disse: ‘volte violentamente o rosto na direção das coisas que existem hoje’. Não como você gostaria que elas fossem, nem como você imagina que elas eram dez anos atrás, não como são descritas nos textos sagrados, mas como realmente são: o terreno contraditório e pedregoso da conjuntura atual” (p. 559).

É cristalino o fato de que hoje o socialismo não se configura mais como um programa de ação revolucionária tal como pretendeu ser ou, de fato, foi nos séculos XIX e XX. Não se sustenta tampouco como uma tradição. Ao socialismo não parece haver futuro a ser buscado no passado. Resta a ele encontrar a melhor maneira de colher os frutos de uma necessária e real contaminação cultural que poderá lhe dar um novo sentido histórico. Ler criticamente o livro de Eley ajuda a refletir nessa direção.

Referências

DOMÉNECH, Antoni. El eclipse de la fraternidad. Barcelona: Crítica, 2004.

Alberto Aggio – Professor Livre docente de História da UNESP/Franca.

Acessar publicação original

[IF]

 

Rebeldes, reformistas y revolucionarios. Una historia oral de la izquierda chilena en la epoca de la Unidad Popular | José del Pozo

El mundo científico, sofocado dentro del marco de tradicional ascetismo positivista, busca nuevos caminos con el fin de enriquecer su conocimiento. Se hace necesario expandir la mirada histórica más allá del dato documental escrito. Se ha comenzado a interrogar desde los márgenes de la historiografía tradicional, con el objetivo de cubrir una información indiferenciada, tomada desde los propios actores sociales. Se aprecia un desplazamiento del enfoque desde los grandes hitos a la «pequeña historia» que recoge el inconsciente colectivo. Cambian los temas y las metodologías. Un rescate de la memoria y de la subjetividad del sujeto como actor histórico, nos permite abrir espacios para sistematizar conductas e inercias sociales en períodos pletóricos de eventualidad. Aparece la historia oral concentrándose en las experiencias directas de la vida de los individuos, participando en un esfuerzo conjunto con el recopilador. Naciendo como una técnica disponible para una amplia gama de disciplinas, no se define como propia de ninguna en particular y quienes la practican muestran la misma diversidad y hasta irregularidad en cuanto a su valoración como un método histórico relevante.

En Chile se expandió con fuerza durante el régimen militar y actualmente se proyecta en dos tipos de producciones. El primero intenta rescatar testimonios, vivencias, reflexiones y dolores de quienes sufrieron en diversos grados la represión, el exilio o la marginación. El segundo corresponde a conjuntos de testimonios seleccionados y ordenados que, en estricto rigor, no constituyen investigaciones históricas aun cuando comúnmente aparecen bajo el rótulo de historias populares, de poblaciones, de jóvenes, de mujeres trabajadoras, que son resultado del esfuerzo de aprendices y, por ende, las más de las veces, adolecen de profundidad explicativa, por cuanto la técnica de la entrevista por sí sola no da cuenta de los necesarios marcos teóricos, modelos de análisis y apoyo complementario en fuentes escritas que conforman aspectos importantes del método histórico. Leia Mais