Crisis/transformaciones productivas y políticas públicas: la provincia del Chaco en la segunda mitad del siglo XX | E. C Schaller

En los últimos años, los estudios que toman a la economía como ciencia social parten de la premisa que frente a las fallas del mercado, el Estado puede mejorar las condiciones de la sociedad. Esta teoría social económica se reflejan en la obra “Crisis, transformaciones productivas y políticas públicas: la provincia del Chaco en la segunda mitad del siglo XX”. A lo largo de sus capítulos se expone las múltiples vías por las cuales las políticas públicas han cumplido un rol clave en apoyo al sector agrario, en sus despliegues, reconversiones y crisis de ciclos. Asimismo, examinan cómo las intervenciones del Estado han reorganizado el territorio mediante la regulación de las tierras, la administración de expansión de las fronteras, la promoción de empresas y capitales extranjeros y la asistencia a los grupos desplazados. Finalmente, describen las instituciones que se crearon para promover el desarrollo económico del territorio chaqueño. Leia Mais

Construir Mendoza. Obras y políticas públicas en el el territorio (1932-1943) | Cecilia Beatriz Raffa

Este libro reùne el trabajo de 15 años de investigaciòn en torno de las polìticas pùblicas (en particular referida a la producciòn de arquitectura) en el ciclo conservador-demòcrata en Mendoza (1932-1943). Si bien hay consenso en la historiografìa por reconocer la marca del fraude polìtico en el perìodo, la contribuciòn de la autora refresca estas apreciaciones, a partir de una mirada renovada que incorpora otras perspectivas: se aferra principalmente al derrotero de las polìticas pùblicas, cruzado por las visiones de los dirigentes y sumado a los aportes de agentes tècnicos inmersos en las reparticiones provinciales. Todo ello, desde el àngulo de una provincia como Mendoza, donde la territorialidad està condicionada por el clima àrido y seco, y con una multiplicidad de paisajes y realidades geogràficas diferentes a las de los grandes centros poblados, como Buenos Aires y Còrdoba, sobre los que, tradicionalmente, se ha construido la historia de la arquitectura de nuestro paìs. Justamente allì subyace uno de los aportes de este trabajo. Leia Mais

Patrimônio Cultural: relações entre História, Políticas Públicas, Turismo e Sustentabilidade | Historiae | 2021

Canoa Quebrada1 Patrimônio Cultural
Símbolo inscrito em falésia da Praia de Canoa Quebrada, CE | Foto: Ministério do Turismo / Plano Nacional do Turismo

Na contemporaneidade, o campo do patrimônio cultural tem se mostrado multidisciplinar e voltado a uma polifonia de sentidos. Contudo, talvez oaspecto que mais chame a atenção, seja o dele ter se tornado um campo de disputas, não só de representatividade mas, principalmente, de questões ligadas à história e à memória.

Com este horizonte em vista, o presente dossiê traz à tona as relações e as interfaces entre patrimônio cultural, história e educação patrimonial, evidenciando não somente práticas de acautelamento mas, também, atividades desenvolvidas em espaços educativos formais e não formais. Além disso, também oportuniza uma ampla discussão sobre as articulações entre a preservação do patrimônio e as políticas estruturadas na área do turismo cultural no Brasil e no mundo, enfocando ainda as políticas relacionadas à sustentabilidade dos bens culturais tangíveis e intangíveis, bem como os limites da gestão do turismo na salvaguarda do patrimônio. Leia Mais

“Manter sadia a criança sã”: as políticas públicas de saúde materno-infantil no Piauí de 1930 a 1945b| Joseanne Zingleara Soares Marinho

Joseanne Zingleara Soares Marinho é uma das mais notáveis historiadoras da historiografia piauiense recente. Realiza pesquisas em História da Saúde, das Doenças e das Ciências, Políticas Públicas, Gênero, História das Mulheres, Ensino de História e História da Educação. É professora Adjunta do Departamento de História da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) – Campus Poeta Torquato Neto, em Teresina – Piauí. É Professora Permanente do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) UESPI/UFRJ. É uma das líderes do Grupo de Pesquisa em História das Ciências e da Saúde no Piauí (SANA), vinculado à Universidade Estadual do Piauí – UESPI e à Universidade Federal do Piauí – UFPI, cujas ações têm contribuído para o desenvolvimento de pesquisas e para a sistematização da História da Saúde e das Doenças no Piauí. Dentre uma vasta produção de pesquisas da autora, uma obra que ganha muita projeção é “Manter sadia a criança sã”: as políticas públicas de saúde materno-infantil no Piauí de 1930 a 1945. O livro foi publicado no ano de 2018 pela Paco Editorial, trata-se do resultado da sua tese de Doutorado, realizado no Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal do Paraná – UFPR. A relevância da obra e a sua importância podem ser notadas pela produção do Prefácio, da Apresentação, da orelha do livro e da contracapa, todos produzidos por historiadores renomados como Ana Paula Vosne Martins, Maria Martha de Luna Freire, Pedro Pio Fontineles Filho e Antônia Valtéria Melo Alvarenga. Leia Mais

Na lei e na guerra: políticas indígenas e indigenistas no Ceará (1798-1845) | João Paulo Peixoto Costa

O minado campo de disputas envolvendo o protagonismo da escrita e, consequentemente, as escolhas assumidas ao longo do percurso acadêmico, continua a colocar em “prova de fogo” a relevância histórica de diversas obras produzidas sobre os povos indígenas no Brasil, e, essencialmente, na Região Nordeste. O exotismo buscado por vários pesquisadores coloca em questão a legitimidade das mobilizações em busca de direitos, amparadas em legislações e vultosos eventos militares ocorridos entre os séculos XVIII e XIX, definidores do Estado nacional brasileiro.

Não faria sentido, pois, escrever uma história indígena ou tratar os índios na História, desvencilhando-a do presente, mesmo sendo remetida aos últimos dois séculos, diante da ausência de imparcialidade na escrita, em grande medida, utilizada como instrumento de denúncia às injustiças sociais ocorridas com os “silenciados” e “soterrados” pelas narrativas hegemônicas. A partir de “novas lentes”, o texto ora resenhado, procurou evidenciar a participação dos indígenas como protagonistas da/na história, através de um fecundo e frondoso caminho fragmentado, micro-histórico. Leia Mais

Amamentação e políticas para a infância no Brasil: a atuação de Fernandes Figueira, 1902-1928 / Gisele Sanglard

A desnaturalização da infância como uma idade da vida que requer cuidados muito específicos e da maternidade e amamentação como essências feminina têm sido temas recorrentes nas pesquisas históricas, uma vez que estes processos são vistos como construções e tiveram diversos sentidos ao longo do tempo. O desenvolvimento da medicina e de suas especialidades, dentre outros fatores, interliga-se a estes processos de criações de sentido, (res)significando aspectos como a alimentação e os cuidados materno-infantis à higiene, à puericultura e aos conhecimentos científicos. No Brasil, a temática da infância surgiu no debate público como assunto ligado à civilidade e à cidadania, no contexto do final do século XIX, mas também foi fruto de disputas em que muitos projetos entraram em choque e cujos resultados eram incertos para os contemporâneos. As práticas de assistência à infância ao longo do século XX foram ressignificadas como políticas públicas e envolveu diferentes agentes como médicos, educadores, filantropos, mulheres ligadas a obras de caridade e a correntes feministas maternalistas, religiosos, profissionais liberais e agentes públicos que exerceram funções políticas e administrativas nos órgãos estatais voltados para política de cuidados.

Pensando neste campo de discussões, o livro Amamentação e políticas para a infância no Brasil: a atuação de Fernandes Figueira, 1902-1928, organizado pela professora Gisele Sanglard2, contribui ao pensar as relações muito próximas entre medicina, filantropia, políticas públicas e infância. As trajetórias dos médicos filantropos, tendo como fio condutor as ações iniciais do médico Fernandes Figueira, incluindo seus espaços de atuação como congressos, revistas e instituições científicas, coincidem por atravessar ações em prol da criança, seja no âmbito da filantropia como na organização de políticas públicas. Ao mesmo tempo, este percurso permite pensar os processos de legitimação da pediatria e da puericultura como especialidades médicas, buscando normatizar práticas relativas ao cuidado diário e à alimentação dos infantes, aspectos até então tratados como esferas privada e feminina.

A obra constitui-se como um desdobramento de áreas de interesse de pesquisa da professora Sanglard, atualmente coordenadora do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde – Casa de Oswaldo Cruz Fiocruz e presidente da Sociedade Brasileira de História das Ciências, destacando-se o Rio de Janeiro, a assistência, a filantropia, a primeira república e a saúde pública.

Em cinco capítulos, a obra defende o argumento de que as propostas do médico Fernandes Figueira a respeito do aleitamento materno e as políticas para a infância repercutiram em ações de médicos, filantropos, intelectuais e jornalistas, não apenas no Rio de Janeiro, mas em outras realidades brasileiras, destacando a atuação baiana. Para Figueira, era mediante esse consórcio entre benemerência, ciência, inteligência e perspicácia que se conseguiria vencer o problema da mortalidade infantil no Brasil da primeira república3.

Além dos artigos, o livro possui uma seção de imagens das atividades desenvolvidas na Policlínica das Crianças e Instituto de Proteção e Assistência à Infância, instituições pioneiras no atendimento materno-infantil nas primeiras décadas do século XX no Rio de Janeiro. Ademais, a obra traz um fac-símile da segunda edição do Livro das mães: consultas práticas de higiene infantil, publicado em 1920 pelo médico Fernandes Figueira.Por essa multiplicidade de abordagens, o livro foi premiado em 2017 pela Associação Brasileira de Editoras Universitárias (ABEU), na seção Ciências da Vida.

Na apresentação, a organizadora remete o leitor à trajetória de Antônio Fernandes Figueira, médico que fez parte, juntamente com Moncorvo Filho e Luiz Barbosa, da primeira geração de pediatras brasileiros. O lugar-social experienciado por Figueira ao longo da carreira – escritor em revistas e livros, ocupou cargos em instituições hospitalares e no IHGB e fundou a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) – permitiu consolidar a sua imagem não apenas em torno da ciência, mas da puericultura, aquele preocupado com a primeira infância. Ambas reúnem, em uma só figura, a ciência e a infância [4].

No primeiro capítulo, “Alimentação na primeira infância: médicos, imprensa e aleitamento no fim do século XIX”, Karoline Carula aborda o contexto de defesa do aleitamento materno, relacionando a uma mudança que se pretendia para própria ordem familiar. Buscava-se forjar a família fundamentada em uma sociedade burguesa liberal. O discurso médico, neste contexto, por meio de argumentos higienistas, buscava delinear os novos parâmetros a serem adotados pelas famílias. O aleitamento materno mereceu destaque, visto que era considerado a melhor forma de alimentação do bebê [5]. Desta forma, as análises da autora estão concentradas em matérias veiculadas pelo jornal A Mãi de Familia, que circulou na capital imperial entre 1879 e 1888, e em teses defendidas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no mesmo período, nas quais se dissertou sobre diferentes modos de aleitamento na primeira infância. Uma das estratégias recorrentes era a associação aleitamento materno e natureza, ressaltando o instinto materno. Os médicos foram unânimes em considerar o aleitamento materno como a melhor maneira de alimentar o bebê. As mulheres que não amamentavam seus filhos, entregando-os às amas de leite, foram duramente condenadas e consideradas desnaturadas. O aleitamento mercenário, por sua vez, foi profundamente associado pelos médicos à escravidão, e muitos dos argumentos a que recorreram para desqualificar o método se fundamentaram no fato de a maioria das amas de leite ser cativa.

No segundo capítulo, “Fernandes Figueira e a política de assistência à infância: Estado, filantropia e aleitamento materno”, Gisele Sanglard afirma que a necessidade de organizar a assistência no Brasil da Primeira República (1889-1929) está diretamente relacionada à emergência da chamada “questão social”. Nesse cenário, as mulheres, as crianças e a família em geral se tornam objeto da atenção de médicos, de filantropos e do Estado. O texto enfoca a ação de Fernandes Figueira em prol do aleitamento materno a partir da criação de consultórios de lactantes, onde seria realizada a educação das jovens mães, espaços de baixo custo de manutenção e por isso se multiplicaria pela cidade, auxiliados por beneméritos. A importância do trabalho dos consultórios de lactantes estava no acompanhamento médico. Portanto, dirigia esforços para abertura de ligas voltadas para primeira infância, de associações maternas ou de creches [6]. A filantropia é considerada uma das facetas da sociedade da belle époque e o seu investimento social, político e financeiro culminou na criação de instituições voltadas para assistência materno-infantil, como o Instituto de Proteção e Assistência à Infância/ IPAI (1899); a Policlínica de Botafogo (1899); a Policlínica das Crianças (1909), vinculada às ações da Misericórdia carioca; e o Hospital São Zaccharias (1914), também da Misericórdia carioca e vinculado à cátedra de clínica pediátrica da FMRJ. Na década de 1920 seria inaugurado o primeiro hospital público voltado para a infância, vinculado à Inspetoria de Higiene Infantil do Departamento Nacional de Saúde Pública [7]. Figueira era favorável à “parceria” estabelecida entre o poder público e a sociedade civil, pois, segundo ele, o Estado não conseguiria amparar todas as mães pobres, ficando a seu cargo as tarefas de fiscalização, orientação e assistência.

No terceiro capítulo, “Salvando o esteio da nação: Moncorvo Filho e o Instituto de Proteção à Assistência à Infância no Rio de Janeiro”, Maria Martha de Luna Freire apresenta uma outra possibilidade de assistência à infância, pois as ações do pediatra Moncorvo Filho incorporavam a questão da alimentação infantil de forma abrangente e inclusiva, num aparente esforço em se adequar às estratégias que já vinham sendo adotadas pelas mulheres, apoiando-as, corrigindo-as quando julgasse necessário e conferindo-lhes um selo de cientificidade. Se por um lado incentivava a adoção de nutrizes – desde que vigiadas pela família e examinadas e supervisionadas pelos médicos –, de outro, tolerava e orientava o aleitamento misto e o artificial [8]. Conforme este princípio, adotou no IPAI o modelo francês das Gotas de Leite de fornecimento de leite esterilizado simultaneamente à oferta de assistência e orientação técnica a mães e filhos [9]. Moncorvo aparentemente tentava proporcionar às mulheres alternativas alimentares mais seguras para seus filhos e reduzir os riscos de distúrbios do aparelho digestivo e, consequentemente, de adoecimento e morte infantis.

Em “Entre a assistência e a higiene: saúde pública e infância no Rio de Janeiro e na Bahia – 1921-1933”, Luiz Otavio Ferreira e Lidiane Monteiro Ribeiro analisam o modo como os órgãos públicos atuaram para pôr em prática a política oficial de higiene infantil, promovida após a reforma sanitária da década de 1920, em contraposição ao papel desempenhado pelas entidades privadas filantrópicas na política de Estado para a infância pobre. Para tanto, os autores descrevem as ações de duas agências públicas de higiene infantil: a Inspetoria de Higiene Infantil (IHI), sediada na capital federal (Rio de Janeiro), comandada pelo médico Fernandes Figueira, e o Serviço de Higiene Infantil (SHI), sediado em Salvador, dirigido pelo pediatra Martagão Gesteira. Os órgãos eram repartições do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) e seriam responsáveis não apenas pela assistência, desenvolvidas pela filantropia, mas pela higiene infantil propriamente dita, incluindo atendimento hospitalar, oferta de remédios no caso de diagnóstico de doenças, postos de higiene, inquéritos sanitários e visitas domiciliares realizadas por enfermeiras visitadoras [10] . Apesar de as diretrizes oficiais do IHI preconizarem que os serviços públicos e privados de assistência atuassem de forma independente, na prática, no caso da Bahia, os serviços misturavam-se às atividades desenvolvidas pela Liga Baiana Contra Mortalidade Infantil, entidade filantrópica também dirigida pelo pediatra Martagão Gesteira. Nos jornais locais era constante o apelo para que as elites baianas apoiassem os consultórios de lactantes ou higiene infantil e as creches mantidos pela Liga com a orientação técnica do SHI.

No quinto capítulo, “Embaixadores da academia: puericultura, congressos da criança e a repercussão multinacional da medicina brasileira”, Okezi T. Otovo argumenta que os médicos brasileiros engajaram-se completamente em diálogos multinacionais sobre puericultura e assistência, especialmente via Conferências Pan-Americanas, ocorridas após 1916, incorporando ideias criadas no exterior e contribuindo com conceitos inspirados na realidade nacional. Perceber as similaridades de muitas nações latino-americanas possibilitou a distinção da França, de onde veio a teoria inicial da puericultura, e dos EUA, pela relevância global pós-guerra. Porém, é válido ressaltar que o pan-americanismo não foi a única influência nas políticas brasileiras de saúde infantil, especialmente quando se analisa os contextos dos anos 1930-40, e a eugenia e puericultura se tornaram aspectos explícitos do programa nacional da família [11].

Completa o elenco de textos do livro o fac-símile Livro das mães: consultas práticas de higiene infantil, cuja intenção era tornar mais “acessível” os saberes científicos na medida em que se propunha a escrever diretamente para as mães e comentar dúvidas, ditas cotidianas, a respeito das práticas de maternagem e os cuidados com o bebê. Nos capítulos, as mais de 100 dúvidas respondidas pelo médico, tais como “Que alimento convém a um recém-nascido?”, “o umbigo do meu filhinho, que vae completar onze dias, dessora, e às vezes até sanguíneo ou purulento […]”, “qual a melhor alimentação da criança?”, “como e quando operar o desmame?”, “qual a melhor mamadeira?”, “Porque chora a criança?”, perpassam pelo cotidiano das mulheres que se tornam mães até mesmo nos dias atuais. No entanto, é significativo o fato de que os questionamentos deveriam ser sanados não pelas mães, avós, comadres, vizinhas, etc., como era a prática mais habitual no universo feminino, mas pelo médico pediatra, detentor do conhecimento científico e, portanto, apto a aconselhar da forma mais correta.

Em verdade, o livro permite compreender as tentativas de legitimação do saber e do ofício de médicos, na gestão do corpo feminino, da maternidade e da infância. Outras possibilidades de pesquisas surgem a partir de então. As mulheres/mães seguiam as indicações apontadas pelo médico? Na prática, outros saberes relacionados ao cuidado, à higiene, à alimentação da infância permaneciam? As mulheres foram aliadas dos médicos? O que podemos afirmar é que somente quando elas passam a compartilhar a maneira de pensar dos médicos sobre como criar os filhos e adotam as práticas preconizadas, a pediatria se estabelece. No entanto, as práticas de maternagem constituem-se na esfera da multiplicidade e da incerteza e, no que se refere à saúde, não raro, ainda podemos encontrar aquela mãe que mesmo levando o bebê frequentemente ao pediatra utiliza-se ainda de chás e rezas, ou aquela que introduz uma mamadeira de fórmula de leite por considerar que “seu leite é fraco”.

Na historiografia brasileira, temas como o corpo, as práticas populares e médicas sobre saúde e doenças, bem como a crescente intervenção médica nas práticas maternas desde finais do século XIX têm aproximado campos de produção relacionado à história das mulheres e das relações de gênero e história da saúde [12]. As primeiras pesquisas que tratam, mesmo que de forma tangencial, das práticas relacionadas à maternidade surgem por volta dos anos 1990 [13] e atualmente têm abordado os saberes e as práticas sociais relativas ao parto, à maternidade, às profissões das parteiras e enfermeiras, bem como o maternalismo no Brasil [14].

Esta última possibilidade incorpora estudos mais recentes que problematizam temas como políticas públicas materno-infantis; práticas e instituições benemerentes e os discursos e práticas de assistência médica à maternidade e à infância [15].

O livro Amamentação e políticas para a infância no Brasil: a atuação de Fernandes Figueira, 1902-1928 é reflexo da abertura de diálogos e certamente abre novos caminhos de compreensão e desnaturalização não apenas da infância, mas das práticas de maternagem, bem como permite uma outra chave de leitura para compreensão da complexidade do processo de higienização da sociedade brasileira nas primeiras décadas do século XX, sendo, por isso, uma leitura necessária.

Notas

  1. SANGLARD, Gisele (org.). Amamentação e políticas para a infância no Brasil: a atuação de Fernandes Figueira, 1902-1928. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2016. 324 p.
  2. Ibid., p. 16.
  3. Ibid., p. 26.
  4. Ibid., p. 33.
  5. Ibid., p. 59.
  6. Ibid., p. 60.
  7. Ibid., p. 90-93.
  8. Ibid., p. 94-97.
  9. Ibid., p. 104-108.
  10. Ibid., p. 128.
  11. MARTINS, A. P. V.; FREIRE, M. M. L. História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança. In: PIMENTA, T. S.; HOCHMAN, G. História da saúde no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2018. p. 182- 224.
  12. DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: a condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: Edunb, 1993.
  13. MARTINS, A. P. V. Gênero e assistência: considerações histórico-conceituais sobre práticas e políticas assistenciais. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 18, p. 15-34, dez. 2011; MARTINS, A. V. O Estado, as mães e os filhos: políticas de proteção à maternidade e à infância no Brasil na primeira metade do século XX. Humanitas, Belém, v. 21, p. 7-31, 2006; MARTINS, A. P. V. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004; MOTT, M. Maternalismo, políticas públicas e benemerência no Brasil (1930-1945). Cadernos Pagu, Rio de Janeiro, n. 16, p. 199-234, 2001; MOTT, M. L.; BYINGTON, M. E. B; ALVES, O. S. F. O gesto que salva: Pérola Byington e a Cruzada Pró-Infância. São Paulo: Grifo Projetos Históricos e Editoriais, 2005; ROHDEN, F. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ, 2001.
  14. FREIRE, M. M. L. Mulheres, mães e médicos: discurso maternalista no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.

Lívia Suelen Sousa Moraes Meneses – Mestre em História do Brasil – UFPI. E-mail: [email protected].


SANGLARD, Gisele (Org.). Amamentação e políticas para a infância no Brasil: a atuação de Fernandes Figueira, 1902-1928. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2016. 324 p. Resenha de: MENESES, Lívia Suelen Sousa Moraes. Desnaturalizando a amamentação e os cuidados com a infância: a atuação da Medicina, da filantropia e das políticas públicas na assistência à infância nas primeiras décadas do século XX. Outros Tempos, São Luís, v.17, n.29, p.389-395, 2020. Acessar publicação original. [IF].

Alagoas Contemporânea: Economia e Políticas Públicas em Perspectiva | FAPEAL

Os últimos anos do século passado, e as primeiras décadas do presente, viram um recrudescimento dos estudos regionais, em especial do Nordeste brasileiro. Tais estudos intentaram retomar a problemática do desenvolvimento e da superação de barreiras formadas ao longo da história da região, fossem essas provenientes de razões econômicas, sociais, políticas ou mesmo uma junção de todas. Portanto, o assunto do livro assinado pela FAPEAL, agência que teria como seu propósito fomentar a pesquisa em Alagoas a partir do dinheiro do contribuinte, pode ser considerado de significância, por visar expor os elementos da economia do Estado que mostram-se hoje como permanentes, para além de mudanças conjunturais. Alagoas é um dos estados mais subdesenvolvidos do país, em que aspectos como a posse concentrada de terra, ou do poder público por oligarquias que vem se perpetuando desde o tempo das capitanias hereditárias mostram sua olorosidade mais acre. Um livro – ainda que fosse mais um – deveria ser mais do que bem vindo pela comunidade científica interessada no problema do subdesenvolvimento e sua superação. Ainda mais quando assinada por estudiosos do Estado, os quais deveriam estar comprometidos com o problema. Leia Mais

Para que(m) se avalia? Livros Didáticos e Avaliações (Brasil, Chile, Espanha, Japão, México e Portugal) – OLIVEIRA; COSTA (RHH)

O livro didático é um instrumento importante na “transposição didática” dos saberes de referência, tornando-se um dos principais recursos utilizados por professores e alunos nas salas de aula. Inúmeros pesquisadores têm se debruçado sobre esse objeto cultural, reconhecendo a sua centralidade no processo de ensino-aprendizagem. Nas últimas décadas, com a renovação do Ensino de História ampliaram-se as perspectivas da análise do livro didático. As pesquisas mais recentes, ainda que se dediquem à análise dos conteúdos, buscam investigar os múltiplos agentes que interferem no processo de produção dos livros didáticos; as políticas públicas; a relação entre historiografia e a historiografia didática; a conexão entre textos e imagens; o papel das atividades; os usos e apropriações que alunos e professores fazem dos livros no seu cotidiano (Rocha, 2009; Caimi, 2009; Miranda; Luca, 2004).

O livro Para que(m) se avalia? Livros Didáticos e Avaliações (Brasil, Chile, Espanha, Japão, México e Portugal) organizado por Margarida Maria Dias de Oliveira e Aryana Costa, insere-se nesse lugar de renovação das pesquisas sobre o livro didático. A obra composta por seis capítulos é dedicada às políticas de avaliação dos livros didáticos em diferentes países. Um dos méritos do livro é a possibilidade de conhecermos outros processos de avaliação e, por comparação, observar as semelhanças e diferenças entre as políticas públicas brasileiras e as dos demais países, favorecendo a visualização da qualidade e complexidade do nosso modelo avaliativo. Leia Mais

Federalismo e políticas públicas no Brasil – HOCHMAN; FARIA (HSC-M)

HOCHMAN, Gilberto; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Federalismo e políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012. Resenha de: LOTTA, Gabriela Spanghero. Federalismo e políticas públicas: abrangências e convergências temáticas desse campo de estudos no Brasil. História Ciência Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 22 n.3 Rio de Janeiro July/Sept. 2015.

Nos últimos anos, a área de políticas públicas no Brasil tem tido um grande crescimento, tanto em termos de cursos de formação (graduação e pós-graduação) como na produção científica (livros, artigos, congressos). Esse crescimento responde, em grande medida, à expansão da importância que o Estado tem ocupado na produção de políticas públicas pós-Constituição Federal de 1988. No entanto, como já aponta a literatura, até recentemente sabíamos muito pouco a respeito do Estado brasileiro – sua estrutura e funcionamento (Hochman, Arretche, Marques, 2007Souza, 2006). O desenvolvimento recente da literatura tem se aprimorado em apresentar e analisar a complexidade de elementos que constituem e estão relacionados ao Estado brasileiro, considerando suas particularidades em termos históricos, institucionais e de atores envolvidos, bem como suas relações com o sistema político e com a sociedade.

Um dos temas relevantes ressaltados pela literatura nestes últimos anos é o do federalismo, que tem apresentado como variável importante para explicar o funcionamento do Estado e a produção de políticas públicas, especialmente após as inovações que a Constituição Federal de 1988 propôs ao desenho federativo brasileiro.

Ao longo das últimas duas décadas, o federalismo se tornou um tema caro tanto aos cientistas políticos mais tradicionais – buscando compreender aspectos político-partidários – como para os analistas de políticas públicas – observando como as dinâmicas e resultados das politicas são condicionados pelo desenho e funcionamento do federalismo. Nos últimos anos, por exemplo, essa literatura já produziu autores consagrados e correntes analíticas em diversas discussões concernentes ao tema do federalismo, como, por exemplo, processos de centralização e descentralização, relações federativas, competências federativas, influência dos partidos nas dinâmicas federativas, entre outros.

Essa mesma literatura tem cada vez mais apontado a interferência do federalismo nas políticas públicas, observando como o desenho e a dinâmica específicas do federalismo brasileiro são relevantes para compreender os resultados dessas políticas. No entanto, embora a literatura reconheça a relação entre federalismo e políticas públicas, esse é um campo que ainda merece bastante aprofundamento, seja em termos de estudos setoriais, seja na análise de casos específicos ou na identificação de padrões processuais que se vêm constituindo no recente período pós-1988.

É na contribuição a esse campo que se situa a recente publicação de Federalismo e políticas públicas no Brasil (organizado por Gilberto Hochman e Carlos Aurélio Pimenta de Faria). O livro busca “divulgar estudos que têm o potencial de redirecionar as pesquisas na área, contribuir para o seu fortalecimento no campo de análise de políticas públicas no Brasil” (p.11). Os 12 trabalhos que o compõem foram selecionados, em parte, de artigos integrantes do Grupo de Trabalho de Políticas Públicas da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), coordenado pelos organizadores do livro entre 2007 e 2009, e, em parte, encomendados a reconhecidos especialistas na discussão de federalismo que, ou escreveram textos originais, ou revisaram e atualizaram artigos já publicados. E, como afirmam os organizadores na apresentação, “reunidos em livro, esses artigos ganharam novos sentidos e promovem inovadores e originais diálogos com a produção intelectual em políticas públicas” (p.11).

A obra é organizada em quatro partes, cada uma com três capítulos de diferentes autores e que guardam em comum, em grande medida, apenas os grandes temas abordados, visto que o recorte do objeto, a seleção de variáveis e metodologias variam internamente às partes.

A primeira delas busca compreender o processo de constituição e reforma do federalismo brasileiro. Nesse sentido, o federalismo se torna o objeto a ser explicado, compreendido por meio de análise comparativa das suas instituições (Rocha), por meio das regras que alteram a dinâmica do processo decisório (Arretche) ou por meio da produção de regras que alteram o próprio desenho do federalismo (Souza).

A segunda parte busca compreender as interfaces entre federalismo, competição eleitoral e políticas públicas. Para tanto, os artigos se valem de análise das regras do federalismo e do sistema político para compreender o desenho das políticas públicas (Borges), da análise do impacto das regras do federalismo e da dinâmica partidária e suas consequências para a dinâmica das políticas públicas (Ribeiro) e da análise do modo como as regras do federalismo, entre outras variáveis, impacta o processo de difusão de políticas públicas (Coelho).

A terceira parte é voltada para o tema da cooperação intergovernamental, buscando compreender como o desenho federativo brasileiro incentiva ou constrange ações de coordenação (Faria e Machado; Machado) e, por outro lado, como incentivos e punições podem e são estabelecidos para induzir mais coordenação e cooperação entre as partes (Sano e Abrucio; Machado).

A quarta e última parte analisa aspectos específicos de políticas setoriais, com ênfase em saúde, assistência social e educação. Os textos buscam analisar as relações entre políticas e federalismo, compreendidas como processos que se desenvolvem no tempo e no espaço (Hochman) e que são influenciadas por desenhos, mecanismos institucionais e comportamentos específicos que impactam a coordenação e descentralização (Costa e Palotti, Franzese e Abrucio).

Embora o federalismo seja o objeto comum que une todos os capítulos, o livro é marcado por uma grande diversidade – o que, por si só, já é uma das riquezas para os leitores que buscam adentrar o campo das discussões sobre federalismo. É, podemos dizer, quase um “mapa da mina” a respeito do que se tem produzido no Brasil sobre o tema nos últimos anos. Isso porque, como já se ressalta no objetivo acima apontado, o livro apresenta múltiplas perspectivas analíticas sobre o federalismo. Nesse sentido, além de conhecer múltiplas formas de se olhar para esse objeto, o leitor será apresentado a diferentes metodologias (qualitativas e quantitativas, e com técnicas variadas); diferentes enfoques analíticos (análise de instituições, análise histórica, análise de atores); distintos casos (análise de municípios, regiões metropolitanas, governos estaduais e federal, e análise comparada de diferentes governos federais); distintos setores (educação, saúde, assistência social, transferência de renda) e, especialmente, diferentes conclusões sobre a relação entre políticas públicas e federalismo.

Além disso, há diversidade inclusive na maneira como se busca analisar o federalismo: embora, na maioria dos capítulos, ele apareça como uma variável explicativa para os resultados ou dinâmicas das políticas públicas, em alguns textos o próprio federalismo é apresentado como a variável dependente, explicada por outros condicionantes históricos ou institucionais. Desse trabalho se conclui o quanto o desenho federativo brasileiro é único e diferenciado, ao contrário do que a literatura internacional sugeria como resultados esperados a partir de seu desenho.

Em seu conjunto, são basicamente três as questões que todos os capítulos buscam responder, embora com enfoques e graus distintos: (1) quais as características específicas do federalismo brasileiro – não apenas em termos de regras formais, mas também de atores que o compõem e dinâmicas que lhe dão vida; (2) que fatores explicam as origens e alterações desse desenho específico de federalismo brasileiro; (3) quais as consequências dessas características para as dinâmicas e os resultados das políticas públicas.

E é nas distintas formas de responder a essas questões que Federalismo… prima por apresentar ao leitor um profundo e variado panorama dos estudos sobre o tema no Brasil. Ao final do livro, o leitor poderá chegar a interessantes conclusões tanto a respeito do desenho e funcionamento do federalismo brasileiro como da literatura nacional – questões essas que sinalizam relevantes pontos para uma agenda futura de pesquisas.

Com relação ao federalismo brasileiro, o leitor terá como conclusão – e essa é uma das maiores contribuições do livro – que a compreensão dos resultados das políticas públicas prescinde de uma análise do desenho e da dinâmica do federalismo brasileiro (tanto elementos mais gerais como setoriais). A segunda grande conclusão é de que o oposto também é verdadeiro, ou seja, se não dá para entender os resultados das políticas sem olhar para o desenho federativo, também não dá para entender o desenho e o funcionamento do federalismo brasileiro sem compreender a natureza e a história das políticas públicas.

Nesse sentido, conclui-se, de forma geral, a partir do livro, que o “federalismo brasileiro” não é uma categoria estanque: ela se concretiza de diferentes formas, considerando-se as especificidades de cada setor, política ou momento histórico. E isso pode ser observado analisando-se as regras diversas, a história, a dinâmica dos atores e a dinâmica do sistema político eleitoral. Essas múltiplas possibilidades analíticas são, inclusive, parte importante das conclusões da obra.

Com relação às contribuições que o livro traz para a literatura, em primeiro lugar, ficará clara ao leitor a importância da construção de uma literatura nacional a respeito do federalismo, que analise suas características específicas e diferenciadas de outros modelos existentes no mundo. Como apontam alguns dos capítulos, embora a literatura internacional sobre o funcionamento dos sistemas federativos já tenha avançado em traçar comparações amplas e derivar as consequências das especificidades, há algumas características presentes no desenho e na dinâmica federativa brasileira que devem ser vistas cuidadosa e especificamente. Dessa conclusão se deriva uma agenda de pesquisas a ser ainda complementada no Brasil: a análise de mais setores, casos e enfoques específicos, que, em seu olhar de conjunto, permita à literatura nacional extrair retratos mais abrangentes e aprendizados gerais a respeito das especificidades brasileiras, em comparação a casos e à literatura internacional.

Em segundo lugar, o livro permite perceber que o campo de estudos sobre federalismo é amplo e vasto, mas ainda tem potencial para desenvolvimento de estudos originais. Isso porque, como se demonstra pela somatória de capítulos, as abordagens ainda são muito distintas entre si, permitindo que se explorem as interconexões entre elas e, ao mesmo tempo, especificidades de campos e setores que ainda foram pouco analisados pela literatura. Se, por um lado, alguns capítulos primam por realizar análises abrangentes e tirar conclusões mais gerais sobre o desenho e funcionamento do federalismo brasileiro, por outro lado, há capítulos que mostram que a análise das especificidades setoriais ou em relação a entes federativos é imprescindível para uma compreensão mais acurada do campo. Essa percepção é também mais uma contribuição à construção da agenda nacional de estudos do federalismo: o aprofundamento e complementação de estudos específicos e sua convergência em análises mais gerais.

Em terceiro lugar, percebe-se que há um potencial analítico ainda a ser aprofundado por estudos que analisem o federalismo numa perspectiva histórica mais ampla. Embora a Constituição Federal de 1988 seja um marco central para compreensão do desenho e funcionamento atual do federalismo, alguns dos trabalhos presentes no livro demonstram que a compreensão do momento atual só pode ser explicada olhando-se para períodos anteriores à Constituição. Trazer essa visão histórica mais abrangente é um ponto fundamental à literatura nacional, especialmente aos estudos ainda voltados para analisar casos específicos olhando apenas para o período pós-1988.

Em quarto lugar, fica evidente que a análise das instituições é um ponto fundamental para os avanços de estudos sobre o federalismo na literatura nacional. No entanto, como alguns dos capítulos demonstram, também é evidente a importância de integrar outros elementos e fatores à análise do federalismo – como fatores simbólicos, fatores político-eleitorais, análise de atores etc. – elementos que se tornam centrais para o aprimoramento da agenda nacional de estudos sobre o tema.

Como se pode perceber a partir da leitura do livro e de uma análise dos trabalhos sobre federalismo no Brasil, embora esse campo já tenha um importante e reconhecido acúmulo de estudos, há ainda um grande potencial a ser desenvolvido, fruto da própria complexidade do objeto analisado – o federalismo – e das múltiplas facetas nas quais ele se concretiza nas políticas públicas brasileiras. A diversidade contida no livro apenas reflete a diversidade analítica desse objeto e seu potencial para ser explorado nas mais diversas abrangências, perspectivas e metodologias. Assim, ao mesmo tempo em que o federalismo se apresenta como um profícuo objeto, com elementos ainda a explorar, tem sua importância reforçada, dada sua capacidade já reconhecida de interferir e explicar resultados de políticas públicas.

Referências

HOCHMAN, Gilberto, ARRETCHE, Marta; MARQUES, Eduardo (Org.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. 2007. [ Links ]

SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, n.16, p.20-45. jul.-dez. 2006. [ Links ]

Gabriela Spanghero Lotta – Professora, Bacharelado em Políticas Públicas, Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas/Universidade Federal do ABC. [email protected]

Políticas e cuidado em saúde mental: contribuições para a prática profissional – JORGE; CARVALHO (TES)

JORGE, Marco Aurélio Soares; CARVALHO, Maria Cecilia de Araujo; SILVA, Paulo Roberto Fagundes da (Org.). Políticas e cuidado em saúde mental: contribuições para a prática profissional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2014. 296 p.p. Resenha de: CAVALCANTI, Maria Tavares. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.13, n.2, maio/ago. 2015.

Na contracapa do livro Políticas e cuidado em saúde mental: contribuições para a prática profissional, organizado por Marco Aurélio Soares Jorge, Maria Cecília de Araújo Carvalho e Paulo Roberto Fagundes da Silva, Nilson do Rosário Costa aponta para a importância da educação profissional na capacitação dos jovens e na renovação das atribuições funcionais de adultos e afirma que a articulação entre a educação profissional e a reforma psiquiátrica é uma decisão estratégica necessária e urgente. Este é um dos motivos que torna o livro aqui comentado tão importante. Ele vem preencher uma lacuna de textos reflexivos e práticos para todos os profissionais que atuam nos diferentes cenários da reforma psiquiátrica brasileira, incluindo os profissionais de nível médio.

De nada adiantaria a implantação de um parque fantástico de serviços de saúde mental por todo o Brasil, se o que se passa no dia a dia desses serviços reproduz uma lógica onde o usuário dos serviços de saúde mental é visto apenas como o portador de uma doença mental que tem que ser silenciada, normatizada, curada. É evidente que a minoração do sofrimento e uma vida mais plena para os sujeitos que sofrem de algum transtorno mental está na pauta de qualquer profissional que atue neste campo, mas sem a adoção de alguns requisitos básicos, que invertem de certa forma a lógica da prática em saúde mental, a reforma ficaria como letra morta.

Que requisitos seriam esses?

Refletindo sobre o que uma prática renovada e ampliada tem nos ensinado, nós diríamos que são elementos fundamentais:

  • O fato de que os usuários nos mostram o caminho, sempre;
  • Ouvir nunca é demais;
  • Ter calma. Evitar soluções apressadas;
  • Nunca desistir. Apostar e acreditar sempre;
  • Colocar em duvida, suspender nossas certezas;
  • Estar presente;
  • Sempre recomeçar.

Este livro nos fala desses requisitos e nos fornece uma base para que eles se tornem possíveis. Sua origem e elaboração deve-se em parte ao Curso de Especialização Técnica de Nível Médio em Saúde Mental oferecido pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz. Este curso tem como compromisso a qualificação dos trabalhadores para atuarem no Sistema Único de Saúde (SUS) em uma perspectiva que conjuga a incorporação dos novos conhecimentos científicos a uma formação integral voltada para a diversidade conceitual e temática do campo da atenção psicossocial.

O livro é dividido em 12 capítulos que vão de uma abordagem mais geral sobre o SUS e as políticas de saúde mental no Brasil até orientações para o dia a dia da prática dos trabalhadores em saúde mental nas diversas situações encontradas, seja na atenção básica, nas crises, com crianças e adolescentes, com usuários de álcool e outras drogas, com idosos e em estratégias mais diretamente ligadas à reabilitação, tais como trabalho, lazer, moradia, empoderamento dos usuários e familiares. Há ainda um capítulo sobre a psicopatologia e os transtornos mentais e um outro sobre psicoterapia e a psicofarmacoterapia. Sempre na ótica do que é mais útil para o trabalhador da ponta, aquele que está diretamente em contato com os usuários dos serviços de saúde mental dando vida com sua prática a estes serviços e a própria reforma psiquiátrica.

Na introdução, Pilar Belmonte faz um breve histórico do movimento da reforma psiquiátrica brasileira, apontando que o processo de redemocratização da sociedade brasileira no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 forneceu um terreno fértil para o projeto de reforma sanitária e de reforma psiquiátrica, e que esta última passou por alguns períodos, desde a humanização dos hospitais e o desenvolvimento de uma rede ambulatorial até a proposta do fim dos manicômios e a construção de uma rede comunitária de assistência à saúde mental, na qual os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) têm um lugar estratégico. O marco legal foi também fundamental, com a aprovação da lei n. 10.216/2001, bem como as estratégias de inversão do financiamento dos hospitais psiquiátricos para a atenção comunitária.

A importância do profissional de nível médio neste processo está no fato de que este profissional pode vir a ser um elemento fundamental para uma inserção maior dos serviços diretamente no território onde vive o usuário, sua família, onde está seu local de estudo, trabalho ou lazer, suas relações etc. Para isso o profissional precisa ser empoderado em sua função, articulando o saber (estudo) e o fazer (prática). É importante, por exemplo, que o profissional de nível médio conheça muito bem o SUS e as políticas de saúde no Brasil, tema abordado no primeiro capitulo (Machado, Fonseca e Borges). Neste capítulo, além do panorama histórico da evolução das políticas públicas de saúde no Brasil, há uma ênfase na importância da atenção primária e na estratégia de saúde da família como fundamentais para a organização do SUS. Este capítulo é complementado pelo seguinte que discute a Organização da Política de Saúde Mental (Schechtman e Alves), reforçando o direcionamento para uma assistência cada vez mas comunitária e menos hospitalar, e pelo terceiro capítulo, que aborda a Saúde Mental na Atenção Básica (Carvalho). A atenção básica é por vocação comunitária e cada vez mais fortalece-se como a porta de entrada no sistema de saúde. Como então integrar a saúde mental na atenção básica? A proposta do Ministério da Saúde é a criação de Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) com a presença de profissionais de saúde mental que ‘matriciam’ os profissionais da Estratégia Saúde da Família em relação aos casos de saúde mental, inclusive com atendimentos e visitas domiciliares conjuntas.

Em seguida, o livro debruça-se sobre as Estratégias de Intervenção em Saúde Mental (Leal e Muñoz) discutindo a construção do projeto terapêutico do usuário, a importância do estabelecimento de uma relação de confiança, a identificação da rede e do território de cada pessoa, o acolhimento, a experiência do adoecimento, o cuidado com as famílias. Este capítulo é fundamental para ajudar o profissional de nível médio ou outro a elaborar a sua prática, o que realmente é importante ao atuar com um usuário de saúde mental.

Seguem-se os dois capítulos mais tradicionais, mas igualmente importantes, sobre a psicopatologia e os transtornos mentais e as terapêuticas em saúde mental (psicoterapias e psicofarmacoterapias) (Jorge). Estes são conhecimentos fundamentais para qualquer pessoa que se aventure no campo da saúde mental, mas devem ser lidos e estudados dentro da ótica de todo o livro, muito bem explicitada no capítulo que aborda as Estratégias em Saúde Mental e também no capítulo “Crise, Rede e Hospitalidade: uma abordagem para a reforma psiquiátrica” (Campos).

No capítulo sobre reabilitação psicossocial (Fagundes da Silva), ficamos conhecendo um pouco mais sobre os Dispositivos Residenciais no Brasil e as políticas de geração de renda para usuários de Serviços de Saúde Mental, bem como a importância do lazer e os centros de convivência, que se situam na interface entre saúde, assistência, cultura, educação etc.

Os capítulos específicos sobre álcool e drogas (Alarcon), saúde mental na infância e adolescência (Lima) e envelhecimento (Groisman) são excelentes introduções aos temas. E por fim há uma discussão sobre empoderamento e sua importância para o movimento da reforma psiquiátrica (Soalheiro).

Portanto, o livro Políticas e cuidado em saúde mental cumpre com excelência o que seu subtítulo antecipa – ‘contribuições para a prática profissional’. Trata-se de um livro que seguramente auxiliará enormemente a todos os profissionais do campo da saúde mental, sem exceção, pois embora dirija-se prioritariamente ao profissional de nível médio, traz uma discussão atualizada e profunda, que contempla com folgas o que qualquer profissional do campo gostaria e precisaria saber.

Maria Tavares Cavalcanti – Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]>

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Crecer y multiplicarse: la política sanitaria materno-infantil argentina, 1900-1960 – BIERNAT; RAMACCIOTTI (HCS-M)

BIERNAT, Carolina; RAMACCIOTTI, Karina. Crecer y multiplicarse: la política sanitaria materno-infantil argentina, 1900-1960. Buenos Aires: Biblos, 2013. 165p. Resenha de: SOUZA, Luciana Maria Borges da Matta. Multiplicar para crescer. História Ciência Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 22 n.2 Rio de Janeiro Apr./June 2015.

As políticas públicas voltadas para a infância desenvolvidas a partir do século XIX, inicialmente na Europa e EUA, sempre tiveram como objetivo básico a preservação das crianças, para garantia do crescimento populacional e constituição de mão de obra, necessária ao desenvolvimento econômico de uma nação. Crecer y multiplicarse: la política sanitária materno-infantil argentina, 1900-1960, obra organizada pelas historiadoras Carolina Biernat e Karina Ramacciotti, doutoras em história e ciências sociais, respectivamente, traz um conjunto de indagações sobre o processo de construção das políticas públicas de saúde argentinas, voltadas para o segmento materno-infantil, ocorrido na primeira metade do século XX. Por que nesse período? O recorte de análise privilegiou um momento sociopolítico-econô-mico no qual as certezas do crescimento populacional baseadas no aporte imigratório são postas em questão por um grupo que defendia o desenvolvimento da população a partir da preservação da vida e da saúde das mulheres argentinas e de seus filhos, o que foi, à época, deno- minado fator endógeno. A obra examina aspectos históricos dos debates e conflitos de interesses que ocorreram quando da criação dessas políticas, dissecando seus propósitos, seus sucessos, seus fracassos e seus limites ao serem colocadas em prática. Traz também reflexão sobre os bastidores políticos e econômicos que formavam o pano de fundo para o processo decisório não só na Argentina, mas também em outros países da América Latina, da construção da proteção social de mulheres e seus filhos.

O livro, além da introdução, foi estruturado em mais três capítulos, que trabalham diferentes aspectos do objeto de estudo: população e desenvolvimento econômico – a questão da crise demográfica; legislação de apoio à maternidade e as políticas de apoio à mulher-mãe e a seus filhos. De acordo com as autoras, o livro originou-se do desafio de converter a tarefa solitária do historiador em um projeto coletivo, momento em que abriram mão do seu ego e aprenderam a escutar e encarar o outro, nas diversas entrevistas e grupos que realizaram e que resultaram em críticas e sugestões ao material que foi, portanto, escrito a diversas mãos.

A introdução aborda os efeitos da política neoliberal dos anos 1990 e a crise de 2001, que trouxeram para a agenda política argentina um antigo problema, que se imaginava ter sido equacionado – a alta mortalidade materna e infantil. Partindo dessa situação, discorre-se sobre os programas desenvolvidos contemporaneamente para responder a essa questão, como o Seguro de Saúde Materno-infantil (2002), o Plano Nascer (2004) e a Assinatura Universal por Filho (2009) que, embora em conjunto tenham reduzido a alta mortalidade materna e infantil, não o fizeram de forma a causar grande impacto. Isso sugere, segundo as autoras, que o problema é mais complexo do que simplesmente garantir um pré-natal de qualidade, um parto seguro e recursos financeiros para famílias em situação de desemprego, estratégia largamente utilizada em países latino-americanos na atualidade. Surge no texto uma discussão, com fina ironia, sobre a criação de programas “inovadores” que têm a intenção de resolver problemas de longa data – há mais de um século a Argentina desenvolve estratégias para a redução da mortalidade infantil que, supostamente, deveria ter sido controlada por programas sociais preexistentes, apagados da memória do país por interesses políticos e ideológicos.

O texto traz como pressuposto a ideia de que as políticas sanitárias materno-infantis foram construídas em torno de duas preocupações essenciais: a alta mortalidade infantil e os baixos índices de natalidade, estes decorrentes de mudanças culturais que a sociedade argentina veio sofrendo ao longo do século, devido à urbanização e industrialização. Em certo momento o discurso estatal começa a ter um conteúdo moralizante, culpabilizando a mulher (como de costume!) por descuidar de seus filhos para se dedicar ao mercado de trabalho e por adotar um estilo de vida que estimulava a postergação do casamento, da primeira gravidez e consequentemente do número de filhos. O surgimento de um Estado com postura interventora nessas décadas inaugura um debate sobre a legitimidade da intervenção oficial em aspectos antes considerados de domínio privado.

No primeiro capítulo, intitulado “Muitos, porém sãos”, é discutido o lugar central das ideias eugenistas da primeira metade do século XX, período caracterizado por pessimismo acerca do futuro demográfico da “raça branca”, num contexto em que predominavam a alta mortalidade infantil, a baixa natalidade e a diminuição do fluxo imigratório (Bunge, 1984). Esse cenário traz um superdimensionamento do impacto da ideologia dominante nas decisões no setor público, numa lógica normalizadora e controladora, que entrelaçou propósitos econômicos, demográficos e sociais e acabou por construir o arcabouço da política social argentina (Biernat, Ramaciotti, 2008)

A política sanitária materno-infantil da Argentina nesse período é direcionada para a garantia do crescimento populacional (e sua necessidade premente!) – através de políticas de imigração e do aumento da fecundidade e da resolução da “questão social”, constituída pelos efeitos perniciosos do processo de modernização que ocorre após as crises mundiais, caracterizada pelo risco de aumento da pobreza, marginalidade, criminalidade, insalubridade, problemas habitacionais e conflitos trabalhistas (Biernat, 2005). Tudo isso para assegurar a existência de um grande número de cidadãos e soldados saudáveis e compatíveis com a pretendida homogeneidade racial e integração social, defendida à época. Em conclusão, o objetivo desse capítulo é analisar as distintas tramas discursivas que influenciaram essa ideologia, a fim de conhecer o pensamento, os atores e as instituições que participaram da construção da política materno-infantil da Argentina nesse período.

O segundo capítulo, “Para mais filhos, melhores mães”, é focado na análise do processo de construção das políticas de proteção das mulheres trabalhadoras em sua qualidade de mãe ou futura mãe. Apesar de os movimentos trabalhistas terem demandas para reconhecimento de outros direitos da mulheres, foi esse o único olhar dado pelo Estado à condição da mulher que trabalha, em consonância com a ideologia da época, já discutida. Propõe-se a revisar a distância entre as expectativas de uma sociedade a ser protegida em determinados aspectos e as capacidades efetivas de se pôr em funcionamento essa proteção social. Traz uma discussão sobre a preocupação do Estado argentino com relação à saúde das mulheres, mais especificamente em relação a sua capacidade reprodutiva, que se mostra presente desde as últimas décadas do século XIX (Coni, 1892). As políticas de proteção às mães, sejam as concretizadas, sejam as propostas, tinham propósitos fundamentalmente populacionistas e eugenistas, no sentido de diminuir os altos índices de mortalidade infantil, de prevenir a “degeneração da raça” ou de dar uma resposta à queda da natalidade, numa tentativa de “biologização da maternidade” (Nari, 2004). Eram conjugadas com as políticas de reordenamento social, melhora das condições de vida dos setores populares e moraliza-ção da população.

Para dar conta disso, existiam dois cenários privilegiados para essa intervenção estatal: o trabalho feminino e o processo de gestação, parto e criação dos filhos. O primeiro era considerado uma ameaça para a capacidade física reprodutiva das mulheres, por atrapalhar seu desenvolvimento corporal, deformar seu organismo e diminuir a possibilidade de surgimento da gravidez e de sua conclusão a contento. Além disso, o fato de a mulher trabalhar impediria a amamentação e criaria um obstáculo à constituição da figura materna. Apesar de todos esses obstáculos, a crescente e inevitável incorporação das mulheres ao mercado de trabalho gerava consenso em relação à necessidade da criação de legislação específica para regulamentar o trabalho assalariado, no sentido de compatibilizar duas funções da mulher: a de trabalhadora e a de mãe. O texto discorre sobre a relação do Estado com os sindicatos, que nem sempre se deu de forma pacífica. Enquanto o primeiro começa a pensar na proteção da mãe trabalhadora, o outro trabalha no sentido de apoiar a mulher trabalhadora que pode mãe não só para promover a redução da mortalidade infantil, mas também para reduzir os altos índices de mortalidade materna (Nari, 2004).

As autoras discorrem sobre os momentos distintos vivenciados na Argentina e nos países europeus em relação às políticas de proteção das trabalhadoras na sua qualidade de mães ou de futuras mães, capítulo importante na construção das intervenções sociais dos Estados contemporâneos. Enquanto a Argentina organiza políticas sociais em torno de um modelo pró-maternidade, a Itália, a França e a Espanha estabelecem leis pró-natalistas, nas quais surgem iniciativas de penalização do aborto e dos métodos contraceptivos, censura na educação sexual, imposto especial para pessoas solteiras e políticas de estímulo, como prêmios para nupcialidade e natalidade, além de empréstimos e isenções tributárias para famílias numerosas (Bock, Thane, 1991). Na Argentina, o aborto e os métodos contraceptivos não são penalizados energicamente, nem são incorporadas à legislação medidas de estímulo à natalidade, apesar de ser esse o discurso. Em seu lugar, nos anos 1920 e 1930 foram criadas várias estratégias que tendem a proteger a família e a desvincular a mulher do mercado de trabalho.

Nesse momento, partindo de diferentes pressupostos, socialistas e católicos são apresentados diversos projetos legislativos que se propõem a reforçar as “condições de reprodução” consideradas o “pilar fundamental da sociedade”. Mulheres com o papel exclusivo de reprodutoras… Isso direciona a uma política de constituição de um salário para o homem que seja suficiente para o sustento de sua mulher e seus filhos, reforçando a estrutura patriarcal, fenômeno que se vê ainda presente nos dias de hoje, quando constatamos que, em muitos cargos, o salário dos homens se mostra maior do que o das mulheres e as mesmas são preteridas quando concorrem com os homens. Por outro lado, no sentido de proteger as mulheres e seus filhos, promove-se a organização de um sistema nacional de assistência sanitária e social materno-infantil, criação de inúmeras instituições para controlar a saúde dos cônjuges através de exames pré-nupciais, estímulo ao aleitamento materno, amparo às mães solteiras e crianças órfãs e impulsiona-se a educação de mulheres na “arte de ser mãe” (Marpons, abr. 1935). Essa não é uma prerrogativa da Argentina, visto que observamos movimentos semelhantes na base da organização de programas materno-infantis em diversas partes do mundo, seja por uma preocupação de aperfeiçoamento da raça ou para garantir a eficiência econômica do fator humano (como ocorreu na Alemanha, no Reino Unido ou nos EUA), seja pelo processo de diminuição dos índices de natalidade (ocorrido na França) ou por todos esses motivos somados (como ocorreu em alguns países latino-americanos, como no Chile – vanguarda em matéria de seguro social –, no Uruguai e no Brasil).

No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, estabeleceu a impossibilidade de demissão de mulheres grávidas; proibiu seu trabalho seis semanas antes e seis semanas após o parto, com permanência de salário integral; regulamentou descansos para a amamentação e estimulou a criação de ambientes de lactação/amamentação dentro das fábricas, proposta malsucedida até os dias de hoje (Freire, 2009). O que fica claro é que as políticas sociais e sanitárias para mães e seus filhos na Argentina são fruto de uma conflituosa relação entre o Estado e as demandas provenientes de diversos grupos políticos, sociais e acadêmicos.

O capítulo também discute a criação da Caixa de Maternidade, em 1934, modelo de política de saúde que se propôs oferecer às trabalhadoras licença remunerada a partir das últimas quatro semanas de gestação até seis semanas após o parto, medida que encontrou dificuldades de concretização política, visto que se restringiu à cidade de Buenos Aires e arredores. Interessante notar que na atual legislação argentina pouca coisa foi modificada desde então, só tendo ocorrido uma pequena ampliação da licença para duas semanas antes do término da gestação e o direito de intervalo para amamentação (Castel, 2008). Também é discutido o seguro social de saúde advogado nos primeiros anos do peronismo. Para o modelo de Estado peronista “rende mais à sociedade uma mulher cuidando de sua casa e tendo filhos do que os valores econômicos que possa produzir num emprego” (Rodriguez, 1947, p.3). Esses conjuntos de medidas transformam a maternidade em veículo por meio do qual as mulheres são incorporadas à ordem política, em um momento carregado de tensões sociais, mas que permite a ampliação dos seus direitos sociais e políticos e culmina na obtenção de sua capacidade civil plena.

O terceiro e último capítulo, intitulado “Mães e filhos na órbita estatal”, tem como objetivo estudar a mudança de dois aspectos centrais das políticas assistenciais da Argentina na primeira metade do século XX: o deslocamento do olhar para o sujeito a ser protegido, que deixa de ser a criança para ser o binômio mãe-filho; e a mudança do ator principal na organização dessa assistência, que deixa de ser o setor privado e o poder municipal para ser centralizado pelo poder estatal, ultrapassando as políticas inicialmente criadas para a cidade de Buenos Aires, por meio de um processo lento e conflituoso no período do peronismo clássico. Isso representa uma mudança na forma de pensar as estratégias para resolução das preocupações demográficas e sociais, assegurando, entre outras medidas, modificações socioambientais através de políticas de higiene, sociais e educacionais. As autoras apresentam os diversos dispositivos públicos e privados criados ao longo do período, como, por exemplo, o Patronato da Infância (entidade filantrópica) e a Diretoria da Primeira Infância, vinculada ao Departamento Nacional de Higiene, com seus dispensários de lactantes, institutos de puericultura e centros sanitários de internação, oriundos do poder estatal, inicialmente em Buenos Aires. O sucesso obtido na capital federal na redução da mortalidade infantil é atribuído ao Estado, que passa a reclamar para si a organização da tutela de mães e filhos, mediante a regulação do trabalho feminino, seus processos de gestação, parturição e criação de seus filhos. Não devemos ignorar que a intenção de solucionar a “crise populacional” enfrentada pela Argentina foi o gancho para um projeto político muito mais ambicioso: dotar o Estado de uma organização centralizada e racional de assistência sanitária e social (Guy, 1998Scarzanella, 2003). Ao longo de todo o capítulo é apresentada de forma bastante detalhada uma série de leis, portarias e documentos que tentam organizar a rede de apoio social e à saúde da mulher e seu filho em território argentino, caracterizada por superposição de tarefas e jurisdições e por escassez de recursos financeiros e humanos.

Em suma, a relevância desse texto é iluminar um momento de configuração da história argentina, apagado pela “revolução libertadora”. Iniciado com o golpe de Estado em 1955, esse movimento tenta anular todos os vestígios do período peronista e se propõe a obscurecer todas as discussões técnicas e políticas da primeira metade do século XX. Inaugura uma política materno-infantil argentina ainda preocupada com questões demográficas e sociais, mas baseada em acordos e recomendações internacionais, como a Ata de Bogotá e a Carta de Punta del Leste, tornando invisível toda a complexa política materno-infantil articulada até aquele momento. Isso nos faz pensar que não somente os argentinos, mas muitos povos são vítimas dessa perda de memória, que não nos permite ver as semelhanças e diferenças do passado e do presente e nos faz viver progressos e retrocessos ao longo da história.

Referências

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GUY, Donna. The Pan American Child Congress, 1916-1942: Pan Americanism, Child Reform, and the Welfare State in Latin America. Journal of Family History, v.23, n.3, p.272-291. 1998. [ Links ]

MARPONS, Josefina. Protección a la maternidad. Vida Femenina. p.8-9. abr. 1935. [ Links ]

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Luciana Maria Borges da Matta Souza – Professora, Departamento de Pediatria/Universidade Estadual do Rio de Janeiro e do Curso de Medicina/Universidade Estácio de Sá (Unesa); coordenadora adjunta, Mestrado em Saúde da Família/Unesa. [email protected]

Uma Agenda para o Rio de Janeiro: estratégias e políticas públicas para o desenvolvimento socioeconômico | Mauro Osório, Luiz Martins de Melo, Maria Helena Versiani e Maria Lúcia Werneck

No nº 20 da Revista do IHGRJ (2013) resenhei dois livros sob o título “Rio de Janeiro: os olhares no passado e no presente”. O clássico de Maurício de Almeida Abreu “Geografia Histórica do Rio de Janeiro –1502-1700” e a coletânea do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) organizada por Armando Castelar e Fernando Veloso: “Rio de Janeiro: um Estado em transição”. A resenha fez uma comparação entre as questões econômicas do início da ocupação do atual Estado do Rio de Janeiro (séculos XVI – XVII) e do período da primeira metade do século XXI.

O livro a ser resenhado agora se parece com a coletânea do IBRE, porém seus autores não são pesquisadores do IBRE e sim professores e pesquisadores das universidades cariocas e fluminenses e do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Enquanto o livro do IBRE separou o conjunto de temas em três grupos: Economia, Instituições Políticas e Gestão Fiscal e Aspectos Sociais, a coletânea “Uma Agenda para o Rio de Janeiro” lista um conjunto geral de onze temas: infraestrutura da periferia da Região Metropolitana do RJ, o setor petrolífero, a infraestrutura da construção naval, estrutura e gestão dos sistemas de saúde, processos de inovação no sistema industrial, potencialidades e obstáculos ao setor turismo, esporte e lazer, finanças públicas, infraestrutura logística, mobilidade urbana e violência e aparato policial. Leia Mais

Políticas Públicas e Administrativas de Territórios Federais do Brasil / Luiz A. S. Freitas

A transformação dos territórios federais a categoria de estados da federação, percorreu longa trajetória, uma vez que diferentes interesses econômicos, políticos e estratégicos de ocupação socio-espacial no Brasil explicam as forças horizontais e verticais de mudança para a revisão da organização político-administrativa do país nas regiões Norte e Centro Oeste, com destaque à faixa de fronteira.

Tomando como referência o século XX, como pano de fundo nesta discussão, o livro Políticas Públicas e Administrativas de Territórios Federais do Brasil, escrito como dissertação de mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV), pelo hoje doutor Luiz Aimberê Soares de Freitas, trata-se de um livro clássico em função do vanguardismo e interdisciplinaridade apresentados.

Não obstante a relevância de apresentar os debates conjunturais de curta duração sobre a formação dos territórios federais no governo do presidente Getúlio Vargas ou da transformação em estados, o livro traz um importante resgate sobre o desenvolvimento das políticas públicas como uma força profunda de longa duração desde o período da colonização portuguesa.

As políticas públicas surgem no Brasil colonial, como uma forma de equacionar problemas econômicos e sociais, segundo um padrão incremental, horizontal e descentralizado, o qual perdura até o primeiro quartil do século XX, quando passam a ser planejadas centralizadas verticalmente pelo governo federal até o período da redemocratização no Brasil, no último quartil do século XX.

De um lado, com a era do planejamento governamental no século XX, surgiram políticas verticalizadas pela União, as quais nortearam o desenvolvimento regional com base em três linhas de raciocínio: a) a ocupação espacial via territórios federais, b) o desenvolvimento, e, c) a integração do país.

De outro lado, com a redemocratização do país, no final do século XX, a dinâmica de planejamento perde seu motor de verticalização exclusiva, e, passa a ser desenvolvido, também, com o estímulo para o plano das horizontalidades, justamente, por meio de políticas públicas descentralizadas e pela conformação dos territórios federais em estados.

Fruto de uma audaciosa discussão, prefaciada pelo atual Vice Presidente da República, Michel Temer, a qual apresenta rigor e profundidade analítica em apenas 114 páginas, por meio de uma estrutura de 4 capítulos, o livro Políticas Públicas e Administrativas de Territórios Federais do Brasil, trata-se de um referencial clássico no estado de Roraima e em outros ex-territórios, recomendado para acadêmicos, pesquisadores e policymakers.

No primeiro capítulo, “Ocupação espacial, a República e os Territórios Federais, o autor descreve o processo de ocupação espacial do território brasileiro como acidental e precário ao longo do tempo, motivo pelo qual até o início do século XX, havia um padrão descentralizado de desenvolvimento das políticas públicas, mesmo após a experiência da independência com a Monarquia e a República.

Durante o período colonial, os territórios interioranos, mais precisamente, as atuais regiões da Amazônia e do Centro-Oeste foram áreas intencionalmente ocupadas por meio de Entradas e Bandeiras, a fim de se descobrir metais preciosos, haja vista que no litoral não foram descobertas riquezas minerais, o que repercutiu na implementação de uma exploração produtiva de Pau-Brasil e Cana de Açúcar no início.

Em 1534, Portugal aproveitou sua experiência colonizadora nas ilhas de Madeira e Açores pelo sistema cartorial de capitanias hereditárias, de maneira que o litoral se tornou policiado, esporadicamente, apenas para afastar invasores europeus que rondavam a costa brasileira e para distribuir degredados pela Santa Inquisição, transformados, futuramente, nos primeiros germes da vida municipal no Brasil nas chamadas Feitorias.

Destarte, no período colonial havia uma alta descentralização das políticas públicas, a qual era caracterizada pelo histórico coronelista das Feitorias, as quais tiveram, quase sempre, caráter militar, vigilância e combate a possíveis invasores, conservando em suas organizações os mesmos princípios: autocracia dos capitães-vigia, obediência irrestrita dos subordinados, determinação militar defensiva contra invasores além-mar e, cooptação e coerção de indígenas rebeldes que não aceitavam a submissão.

No segundo capítulo, Planejamento Nacional e os Territórios Federais”, o texto aborda o planejamento nacional e os territórios federais, partindo do pressuposto que 1939 é um marco no planejamento brasileiro, em a sua conformação verticalizada, já que até então, as políticas e planos governamentais tratavam apenas de dois assuntos: a) penetrar no interior do país para conhecê-lo e explorá-lo; e, b) integrar o litoral, sempre mais conhecido, ao interior misterioso e, portanto, mais propício ao desenvolvimento.

As regiões ricas do país não manifestavam interesse em conquistar, o interior e desprender-se da tradição de viver a beira-mar. Medidas foram adotadas para estimular a colonização, trazendo, para a região Amazônica e Centro-Oeste, nordestinos fugidos da seca para atuarem como “soldados da borracha” e na construção de Brasília e da Transamazônica.

As inúmeras tentativas por parte do governo federal em direcionar a migração para o interior, dessa vez para a Amazônia, foram bastante discutidas, motivo pelo qual a criação dos territórios federais, como fator de integração, teve como objetivo principal levar vida à solidão dessas regiões, atendendo, ao mesmo tempo, às exigências de ocupação da terra, de povoamento, de valorização e de segurança de pontos estratégicos.

No terceiro capítulo, “Território Federais no Contexto Amazônico”, há uma relevante observação sobre a ausência de políticas públicas específicas voltadas para os territórios federais recém-criados no período do governo Getúlio Vargas, demonstrando que eles, embora, fossem administrados diretamente pala união, com base em um governo forte, não foram beneficiados com diretrizes suficientemente capazes de lhes assegurar prioridade, como era de se esperar.

Movidos pelo paradigma técnico-burocrático-militar, os planejadores, embora desejassem, não avançaram em termos de políticas de desenvolvimento para a Amazônia, pois a região era vista apenas como área de segurança nacional e refúgio insustentável para migrantes de outras regiões. A modernização, fruto das rodovias, aeroportos e comunicação foram insuficientes para atender as necessidades sociais e o desenvolvimento regional.

Planos imediatistas foram instaurados nos territórios federais, novamente, sem sucesso, pois seus objetivos, curto-prazistas, de fomentar a auto-sustentação e a formação de um mercado nacional integrado, foram insuficientes na promoção do desenvolvimento regional, haja vista as especificidades trazidas pelos diferentes biomas e formações socio-históricas amazônica e do Centro-Oeste.

No quarto capítulo, o livro discorre sobre as condições para a transformação dos territórios federais em estados, com o advento da Constituição de 1988, por meio da análise comparativa do contexto apriorístico, com uma rarefeita agenda de políticas públicas voltadas para os territórios federais vis-à-vis ao contexto a posteriori, quando surge uma série de políticas verticalizadas, e, a própria abertura orçamentária para novas políticas descentralizadas, as quais viriam contribuir para a autonomia política dos novos estados.

No plano das verticalidades, observa-se que a agenda de políticas públicas, a qual não estava aberta na época dos territórios federais, se torna uma constante, com positivo desenvolvimento, a partir da consolidação dos novos estados, novos municípios e da respectiva consolidação de transferências orçamentárias da União, gerando uma economia regional dependente do contra-cheque.

No plano das horizontalidades, o aproveitamento de incentivos fiscais, alianças tecnoburocráticas com órgãos regionais de desenvolvimento e a troca de favores se tornaram responsáveis pelo processo desenvolvimentista centralizador de renda e depredador de recursos naturais, com aumento de conflitos fundiários e de falta de integração econômica.

Com a transformação dos territórios federais em estados, o livro corrobora para a compreensão de que se faz necessário o desenvolvimento de políticas públicas, cada vez mais horizontalizadas e voltadas para a peculiaridade de cada local, com a participação ativa de seus residentes, novas lideranças políticas, e com matrizes tecnológicas de sustentação ecológica e econômica, uma vez que vários reflexos negativos já se manifestam, sem necessariamente ter diminuído a dependência federal.

Conclui-se, diante da exposição sintética do livro, que os territórios federais foram implantados no Norte e Centro Oeste, do Brasil, como projetos de ocupação espacial, primeiramente, com o intuito de ocupar militarmente as regiões de fronteira, e, somente, tardiamente, no século XX, por meio de um sentimento integracionista e desenvolvimentista, o que cristaliza na recente história dos novos estados uma herança estrutural de dilemas diacrônicos que são ampliados com as novas questões sociais, políticas, econômicas e ambientais de curta duração.

Luciana Mara Araújo – Contadora, professora da Faculdade Estácio/Atual, pós-graduada lato sensu, com especialização em Fiscal e Tributária, e, pós-graduanda stricto sensu, no Mestrado em Sociedade e Fronteira da Universidade Federal de Roraima. Email para contato: [email protected].

Elói Martins Senhoras – Professor da Universidade Federal de Roraima em cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu.Economista e cientista político, especialista, mestre,doutore pos-doutorando em ciências jurídicas. E-mail para contato: [email protected].


FREITAS, Luiz Aimberê Soares de. Políticas Públicas e Administrativas de Territórios Federais do Brasil. 2ed. Brasil: Corprint Gráfica e Editora Ltda, 1997, 114 p. Resenha de: ARAÚJO, Luciana Mara; SENHORAS, Elói Martins. Examãpaku Revista Eletrônica de Ciências Sociais, História e Relações Internacionais, Roraima, v.5, n.2, 2012. Acessar publicação original. [IF]

Sertão do Rio Doce | Haruf Salmen Espíndola

Haruf Salmen Espindola possui graduação em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (1981), Mestrado em História pela Universidade de Brasília (1988) e Doutorado em História Econômica pela Universidade de São Paulo (2000). Atualmente é professor titular da Universidade Vale do Rio Doce.

O livro é resultante de sua tese de doutorado em história econômica pela Universidade de São Paulo que tem por título original O Sertão do Rio Doce. Navegação Fluvial e incorporação do território de Floresta tropical por Minas Gerais 1800-1845, obtida em 2000, orientada pelo professor Dr. José Eduardo Marques Mauro e aborda a guerra de conquista empreendida pela Coroa Portuguesa e depois pelo Império do Brasil, buscando transformar o Rio Doce num canal de ligação com um porto marítimo e, assim, integrar a economia de Minas Gerais ao mercado mundial. Leia Mais

NADA sobre nós sem nós. Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas Culturais para Inclusão de Pessoas com Deficiência: relatório final 16 a 18 de outubro de 2008 –

NADA sobre nós sem nós. Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas Culturais para Inclusão de Pessoas com Deficiência: relatório final 16 a 18 de outubro de 2008. Rio de Janeiro: ENSP/FIOCRUZ, 2009. Resenha de: CASTRO, Fátima Campos Daltro de. Revista FACED, Salvador, n.16, p.133-138, jul./dez. 2009.

Esse livro trata dos trabalhos finais em torno de propostas e diretrizes que buscam nortear as políticas públicas de inclusão cultural dos diversos grupos historicamente excluídos, ação essa iniciada em 2007 com a oficina – Loucos pela Diversidade – da diversidade da Loucura a Identidade da Cultura, promovida pelo SIND/MINC e a Fiocruz. Considerando o potencial das atividades culturais produzidas por pessoas com deficiências, a SID e a Fiocruz deram continuidade à parceria, realizaram em outubro de 2008, na cidade do Rio de Janeiro, a Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas Culturais para Inclusão de Pessoas com Deficiência, com apoio da CEF. Lançado pela Fundação Osvaldo Cruz/LAPS, propõe desafios para as políticas públicas no sentido de ampliar sua visão sobre deficiência, a urgência da cultura se inserir nesse processo com maior afinco em busca de soluções que atendam as necessidades emergentes em torno do assunto, subsidiando-os e instrumentalizando-os profissionalmente e culturalmente para a real acessibilidade.

Almejando maior diálogo entre o governo e a sociedade civil, o livro trata de proposições que a Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SID/MINC) vem promovendo através de encontros, seminários e oficinas.

As atividades e discussões desenvolvidas nas oficinas lançam uma proposta de trabalho para indicar diretrizes e ações, no sentido de contribuir para a construção de políticas culturais de patrimônio, difusão, fomento e acessibilidade para pessoas com deficiências, focalizando a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, para juntos discutir e encontrar estratégias que possam por em prática em editais relacionados à arte e à cultura, à legislação nacional já existente sobre acessibilidade e ao que dispõe a convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência (ONU).

Nos depoimentos propostos no encontro, por meios de oficinas coletivas e a participação conjunta de diversos segmentos, estabelece-se um “novo jeito de olhar” para o assunto, adotando processos participativos com a colaboração de diversos grupos e profissionais que estudam e desenvolvem trabalhos com pessoas com e sem deficiência nos campos artísticos, culturais e políticos.

Apresenta um trabalho de fôlego que busca interligar a prática social da pessoa com deficiência, entendendo-o como um complexo de possibilidades (apto a construir conhecimentos) e não dissociado do seu modo de viver e estar no mundo.

Já nas primeiras páginas da obra coletiva, Nada sobre Nós sem Nós, já se define as questões que encaminharam a construção do trabalho expondo sua metodologia, objetivo, mesas de debates, painel, grupos de trabalho, plenária final e material produzido.

As diretrizes e ações aprovadas em consenso nos Grupos de Trabalho (GT) contemplam o patrimônio, criando e estabelecendo instrumentos para a efetiva produção cultural dessas pessoas para que sejam reconhecidos nos campos artístico, ético, estético, social, político e cultural, apontando para a circulação e uso social do patrimônio. É percebido nas ações propostas por esse segmento, o interesse em promover um intercâmbio eficaz entre artistas, bem como ampliar os espaços de diálogos entre as diversas esferas dos órgãos federais, estaduais e municipais, mobilizando, articulando espaços de diálogos com gestores de cultura nos três níveis do governo, a iniciativa privada, o legislativo, os conselhos de direitos e o Ministério Público.

O livro está dividido em tópicos cujas temáticas discutem conteúdos em torno de cultura e deficiência, trajetória e perspectivas, coordenadas por Ricardo Lima, e com a participação dos debatedores Andréia Chiesorin, João de Jesus Paes Loureiro, Isabel Maior. A temática Nada sobre Nós sem Nós, coordenado por Paulo Amarante, contou com a participação de Rogério Andriolli, Angel Vianna, Arnaldo Godoy. Por ultimo, a mesa de debates, Patrimônio, Difusão, Fomento e Acessibilidade, coordenada, por patrícia Dornelles, compartilhando das discussões junto aos debatedores Jorge Marcio Andrade, Cláudia Werneck, Frederico Maia. O objetivo é, construir propostas de diretrizes e ações subsidiar e elaboração de políticas públicas do Ministério da Cultura (MINC) para pessoas com deficiências e em situação de risco social.

Na programação do livro segue uma descrição da Metodologia da Oficina, Objetivos, Mesa de Debates, Painel Temático, Grupos de Trabalho, Plenária de Final, Material Produzido, seguindo com uma tabela que constava as Diretrizes e Ações Aprovadas em torno de Patrimônio, Difusão, Fomento, Acessibilidade, por fim, a Carta do Rio de Janeiro – Políticas Públicas Culturais para a Inclusão de Pessoas com Deficiências.

O conteúdo da carta contempla e expressa a necessidade de insistir na necessidade de que as políticas, ações e comportamentos devem pautar-se pela compreensão e acolhimento das pessoas em suas identidades múltiplas e diversificadas, contemplando sempre a sua condição humana e cidadã e nunca a deficiência. Apoia-se em diversos documentos legais, por exemplo, a Declaração de Salamanca (1994), Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa com Deficiência (Convenção da Guatemala no Brasil, Lei nº 3.956/01), entre outras de igual importância, para dar cabo ao exercício comum e hegemônico inclusão/exclusão que envolve essas pessoas.

As comunicações oriundas das personalidades participantes do evento e transcritos nessa obra propõem a necessidade da reflexão em torno do assunto e trazem em seu bojo um panorama histórico das diversas ações que já foram concretizadas, bem como dificuldades reais frente à ideia de um processo de construção onde as trocas de informações precisam ser compartilhadas, negociadas com cada setor. Compreende que, se ações e elaborações podem ser entendidos por esse viés, estamos caminhando num processo que respeita as necessidades individuais/singularidades e suas diferenças.

O depoimento de Ricardo Lima, Subsecretário do SIND/MINC, pontua que essa é a premissa e norte que está direcionando a construção do Ministério, e a construção da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural para tratar das questões da diversidade com base nas questões da diferença. Estratégias e ações de emergências são relatadas por pessoas engajadas nesse processo e que estão vinculadas ao governo. A urgência em disponibilizar os meios educacionais possíveis para que haja a troca de informações efetivas entre os diversos campos e setores, é ponto de interesse.

Um pensamento recorrente em todas as falas são as dificuldades encontradas para ajudar a criar os espaços de cidadania nos locais menos favorecidos. Além disso, desenvolver mecanismos e diálogos que possam criar nesses setores sociais, geralmente invisíveis ou marginalizados, a oportunidade de solucionar problemas do cotidiano, é enfatizado. O exercício da autonomia é outro assunto bastante discutido durante o encontro.

Questões históricas relatadas pela professora Isabel Menor – Secretaria Especial dos Direitos Humanos, traz para o espaço das discussões os 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos – Art.

1, da declaração, que expressa a ideia de que todos nós nascemos livres e iguais e que devemos ter, uns para com os outros, espírito de fraternidade. A professora lança uma pergunta: será que nós somos livres e iguais? Fala da importância que a nova convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, que foi promulgada pela Assembleia das Nações Unidades (dezembro de 2001), e recentemente ratificada pelo Brasil, é uma convenção de não discriminação, que finaliza e cristaliza os modelos anteriores e afirma o modelo de inclusão.

Explica sua intencionalidade e abrangência ao ultrapassar eminentemente ideias anteriores, quando é aberto um espaço para que as pessoas com deficiência possam se expressar sem um interlocutor mediando sua voz. Enfatiza que foi a primeira constituição a ser inserida no status constitucional, passando a legislação da pessoa com deficiência a ser uma situação do Supremo Tribunal Federal. Para ela, essa é uma possibilidade rica e de abrangência ampliada no processo legislativo que, a partir desse status, podem fazer determinações, e não apenas indicações.

Além disso, explica o Protocolo Facultativo, aquele que dá o direto ao cidadão brasileiro apelar ao Comitê Internacional de Direitos Humanos, se houver violação dos Direitos Humanos no nosso país que não seja resolvida em todas as instâncias. Tudo o que cerca a pessoa com deficiência, sua prática social no cotidiano, suas relações estreitas com a comunicação, informação, acessibilidade, ou qualquer barreira que demonstre descriminação de qualquer ordem à pessoa humana é entendido como violação da lei. Questionar e analisar as ações do cotidiano torna-se uma prática um guia para a nova ação/transformação da sociedade, a construção do pensamento crítico sobre o que ocorre a seu redor é ponto de interesse das discussões.

Fátima Campos Daltro de Castro – Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: [email protected]

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O espírito da dádiva | Jacques Godbout

O espírito da dádiva, obra do sociólogo canadense Jacques T. Godbout, veio esquentar ainda mais o caloroso debate acerca de questões vitais às ciências sociais. Ao seguir uma linha lévi-straussiana, em que a dádiva não encontra existência concreta, mas tão-somente efeitos disseminados na sociedade, o autor desenvolve convincentes argumentos sobre problemas modernos relacionados ao egoísmo, ao altruísmo, à violência, ao totalitarismo, à democracia e, sobretudo, às políticas públicas.

Godbout não só segue a trilha deixada por Marcel Mauss em Ensaio sobre a dádiva como também a renova, sugere uma nova interpretação. O ponto de partida de ambos os autores é justamente a premissa antro-pológica de que a vida social necessita e é constituída por mecanismos de troca. Em Mauss, essas trocas ocorrem em sintonia com uma natureza distinta das sociedades modernas, embora reconheça que determinados traços “primitivos” sobrevivam nas atuais sociedades industriais. Em Godbout, a experiência da troca se universaliza. Há, em certo sentido, uma radicalização do argumento central de seu antecessor. Leia Mais