Modernity in Black and White, art and image, race and identity in Brazil, 1890–1945 | Rafael Cardoso

Pensar modernidade nos grandes centros urbanos nas primeiras décadas do século XX é, principalmente quando se leva em consideração a perspectiva dos trabalhadores nacionais de origem afrodescendente, acompanhar o processo de reorganização do espaço urbano de forma a reproduzir os padrões europeus em detrimentos de influências culturais negras. As principais cidades do Brasil foram buscar inspiração, principalmente, nas referências francesas e mobilizaram os recursos possíveis para controlar as manifestações de origem africanas ou indígenas. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, em nome da modernidade, as populações empobrecidas foram empurradas para os locais mais distantes e sem estruturas, iniciando um processo histórico de marginalização nos principais centros urbanos.
Os pesquisadores do campo da História Social, a partir de diferentes olhares e fontes, observaram o entusiasmo de estadistas com a construção de grandes avenidas, o empenho de sanitaristas com o combate às epidemias que assolavam a população, além de práticas do cotidiano que possibilitaram a contenção de indivíduos não brancos em espaços que representariam o progresso da nação brasileira1. Entre os temas debatidos também destacaram o impacto dos imigrantes europeus nas dinâmicas sociais daquele período, que convergiam para a construção de um Brasil moderno embranquecido. A partir de ideias concebidas no pensamento raciológico europeu, parte da classe política e da intelectualidade brasileira passou a condicionar o lugar do país na modernidade à constituição de uma nação branca nos trópicos em um período de longo prazo. Leia Mais

Mulheres, raça e classe | Angela Davis

Angela Davis é umas das mais importantes feministas contemporâneas. Sua potente história de luta política encarnou uma geração de reivindicações por humanidade, igualdade e liberdade não só para o povo negro, mas para todas as parcelas oprimidas da sociedade. O sentido de suas reflexões aliaram, como ninguém, teoria e prática, em uma leitura da história, da sociedade e da política, que estiveram e ainda estão fundamentalmente conectadas com um novo devir, uma transformação profunda da realidade e, portanto, seu pensamento entra no rol das teorias críticas, do pensamento produzido desde a subalternidade e de profundo valor para um outro mundo possível.

Em 2016, a obra “Mulheres, raça e classe”, escrita por Davis em 1981, ganhou uma edição brasileira, lançada pela Editora Boitempo. Ainda que nesse espaço de trinta e cinco anos, feministas brasileiras se esforçaram para se apropriar dessa e de outras obras de Davis, organizando estudos e traduções livres, o lançamento da obra no Brasil, nesse momento, tem um significado importante. De fato, o reencontro das brasileiras e brasileiros com Davis é requerido, mais do que nunca, em um momento que, de um lado, exige novas reflexões e apropriações críticas para enfrentamento do recrudescimento das forças conservadoras e seu sentido privatista, racista e patriarcal e, de outro lado, acompanha um processo importante de fortalecimento da luta feminista e, especialmente, da revalorização e mobilização das leituras e práticas das mulheres negras para o feminismo. Leia Mais

Linguagens da identidade e da diferença no mundo ibero-americano (1750-1890) – NEVES et. al (LH)

NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MELO FERREIRA, Fátima Sá; NEVES, Guilherme Pereira das (org). Linguagens da identidade e da diferença no mundo ibero-americano (1750-1890). Jundiaí: Paco Editorial, 2018, 322 pp. Resenha de: ARAÚJO, Ana Cristina. Ler História, v. 75, p. 284-288, 2019.

1 Este livro resulta do projeto internacional “Linguagens da identidade e da diferença no mundo ibero-americano : classes, corporações, castas e raças, 1750-1870”, coordenado atualmente por Fátima Sá e Melo Ferreira e por Lúcia Bastos. Procura identificar, na linguagem e nos conceitos dos personagens históricos, traços constantes que vinculam ideias, expectativas, convenções, práticas e representações comuns, ou seja, expressões coletivas e atuantes de modos de ser, pensar e dizer a realidade no mundo ibero-americano, no período compreendido entre 1750 e 1890. A cronologia de longa duração evidencia permanências estruturais e diferentes fenómenos de contágio político que encontram eco em linguagens e conceitos partilhados. Os marcadores de identidade e alteridade de que nos falam os organizadores do livro são precisamente os conceitos e as linguagens usados, nos planos territorial, étnico, político e social, para exprimir laços de pertença e desatar nós diferenciadores de formas de nomeação coletiva, como sejam, “brasileiros” versus “portugueses”, “pueblos orientales” versus “cisplatinos”, no processo de independência e união da região do Rio da Prata, “bascos” e “espanhóis”, na revista Euskal-Erria de San Sebastián (1880-1918).

2 Nos campos em que se buscam agregações convergentes ou divergentes de sentido – território, raça, formações nacionais ou transnacionais – os conceitos são encarados não como entidades estáticas ou atemporais mas como ferramentas de temporalização histórica. Daqui advém o potencial hermenêutico da linguagem para nomear o social. Existe, todavia, uma brecha entre os acontecimentos históricos e a linguagem utilizada para os dizer ou representar. A consciência da historicidade do intérprete, neste caso, do historiador, afasta a compreensão do passado do tradicional objetivismo factualista, centrado na pretensa evidência do facto. Por outro lado, na relação com as linguagens do passado, a noção de historicidade previne um outro perigo, o das extrapolações conceptuais fundadas na atualidade, fonte de anacronismos e de todo o tipo de “presentismos” deformantes e esvaziadores da memória histórica. Neste contexto, é aconselhável aliar a História analítica à História conceptual para responder às questões centrais colocadas por Reinhart Koselleck e pela tradição da Begriffsgeschichte.

3 Para simplificar, talvez se possam formular assim algumas das questões levantadas neste livro : qual é a natureza da relação temporal entre os chamados conceitos históricos e as situações ou circunstâncias que ditaram a sua utilização ? Os conceitos e especialmente os conceitos estruturantes, a que Koselleck chama “conceitos históricos fundamentais” (como, por exemplo, o moderno conceito de revolução), permaneceram na semântica histórica para lá do tempo em que foram formulados ? Será que cada conceito fundamental contém vários estratos profundos, ou várias camadas de significados passados unidos por um mesmo “horizonte de expectativa” ? Na resposta a estas questões, Koselleck assinala, no processo de construção da semântica histórica da modernidade, quatro exigências básicas de novo vocabulário, social, político e histórico : a temporalização, a ideologização, a politização e a democratização. Porém, como bem sublinham os organizadores deste livro, nem sempre são sincronamente documentáveis estas quatro condições nos processos analisados na era das revoluções no mundo ibero-americano.

4 A mudança conceptual no campo da história intelectual e das ideias é também valorizada tendo em atenção o contributo de Quentin Skinner que aponta para uma linha mais analítica e contextualista nos usos da linguagem, partindo da fixação lexicográfica consagrada nos dicionários. Ao estudar as técnicas, os motivos e o impacto das mudanças conceptuais valoriza também a utensilagem retórica, aquilo a que chama rethorical redescription, que consiste em usar relatos diferentes para descrever uma mesma situação, recorrendo a certas palavras e a certos conceitos que, pelo seu impacto social, instauram novas interpretações e se impõem como guias de compreensão de outros discursos. A ideia de um léxico cultural de base conceptual ilumina, numa outra perspetiva, o horizonte compreensivo da história intelectual, dado que os usos da linguagem não são desligados da intencionalidade dos autores e dos efeitos que os seus discursos produzem.

5 Neste livro, as questões relacionadas com a classificação e a nomeação preenchem a primeira parte da obra. Os três ensaios, da autoria, respetivamente, de Fátima Sá e Melo, Guilherme Pereira das Neves e Javier Fernández Sebastián, revestem-se de um carácter problematizador e sinalizam bem a abrangência do conceito mutável de identidade que, como explica Fátima Sá e Melo, começa por conotar, no século XVIII, aquilo que é similar, por exclusão do que é diferente, para, cem anos mais tarde, e segundo o Dicionário de Moraes Silva (1881), traduzir uma forma de autorrepresentação. A este respeito, Fátima Sá e Melo salienta que esta definição de identidade começa por ser fixada primeiro num dicionário espanhol de 1855, acabando por ser consagrada pela lexicografia portuguesa em 1881. Logo a seguir, coloca o problema da formulação do conceito de identidade na primeira pessoa e na terceira pessoa.

6 Na ausência de uma perspetiva individualista, fundada no autorreconhecimento do poder e vontade dos indivíduos, valiam as categorias jurídicas do Antigo Regime que fixavam, numa base particularista e corporativa, a visão do todo social (A. M. Hespanha). Nos umbrais das revoluções liberais o nós identitário forjado no mundo ibero-americano não se desfaz de um dia para o outro dos traços orgânicos e particularistas do passado colonial. Estes traços são bem evidentes no estudo de Ana Frega sobre a revolução artiguista de 1810-1820 e no ensaio de Lúcia Bastos Pereira das Neves que analisa “antigas aversões” reconstruídas no decurso do processo de independência entre ser português e ser brasileiro ou ter direito a ser brasileiro, por lei de 1823. A autora sublinha que apesar das persistências sociais e culturais, o discurso político da independência e em defesa da Constituição contribuiu para reconfigurar a sociedade brasileira pós-independência apontando para uma vaga identidade, forjada na variedade de povos e raças que compunham a população brasileira. Estes traços de autorreconhecimento foram objeto da retórica antibrasileira do jornal baiano Espreitador Constitucional, favorável à causa portuguesa, que lamentava, em 1822, que “os netos de Portugal – estabelecidos no Brasil – abandonassem os sobrenomes dos seus antepassados para adotarem orgulhosos os de Caramurus, Tupinambás, Congo, Angola, Assuá e outros” (p. 139).

7 Sobre a questão da adequação das classificações e marcas de linguagens pretéritas às classificações e conceitos do historiador, Javier Fernández Sebastián assina um esclarecedor capítulo, de cunho teórico. Segundo este historiador, o problema das classificações conceptuais reside em saber se é razoável usar retrospetivamente conceitos e categorias atuais que não existiam numa determinada época para classificar e dar sentido às linguagens do passado. Considera que o conceito de identidade forma com outros conceitos uma espécie de galáxia significante. O seu campo semântico convoca distinções jurídicas, étnicas, políticas, socioeconómicas e ideológicas. Assim, e apreciando cada contexto histórico focado neste livro, é razoável o uso do conceito de identidade associado a classes, etnias e territórios. Dois estudos documentam este ponto de vista. O primeiro remete para o enfrentamento da escravatura negra e da emigração branca em Cuba ao longo do século XIX. Como explica Naranjo Orovio, o ideal de cubanidade condensa elementos culturais e étnicos patentes nas linguagens de identidade insular, nas quais o estigma negativo e o medo do negro se combinam com a atração pelo discurso civilizacional dos reformistas criollos (1830-1860).

8 O binómio civilização versus barbárie aparece também associado à forma como são percecionados os afrodescendentes em Buenos Aires até 1853-1860. Segundo Magdalena Candioti, num primeiro momento, as diferenças físicas, morais e culturais atribuídas aos afrodescendentes limitam a sua participação política. Os negros e pardos são definidos como os “outros” do novo corpo soberano e excluídos da cidadania instaurada pela nova república, porque a abstração requerida pelo conceito de cidadania igualitária ou tendencialmente igualitária colidia com as marcas impressas pela natureza e pela cultura herdadas da colonização espanhola. Formalmente, a partir dos anos 20 do século XIX, os textos legais não estabelecem reservas especiais ao sufrágio dos negros libertos, contudo persistem as representações estigmatizadas sobre a negritude, impedindo, na prática, a consagração plena da cidadania política. Este tipo de exclusão viria a ser ideologicamente suportado pelas linguagens cientificistas da segunda metade do século XIX, inspiradas no positivismo e no darwinismo social. A visão evolucionista da sociedade, assente na constituição física, na hierarquia das raças e, consequentemente, na superioridade do homem branco, acabou por complementar, com outros argumentos, o binómio civilização/barbárie constitutivo das identidades em construção na Ibero-América. A mesma visão antinómica caracteriza as distinções gentílicas da nova entidade política e cultural nascida com a revolução Bolivariana, ajudando a forjar o mito da nação mista criolla na Venezuela, conforme salienta Roraima Estaba Amaiz.

9 A uma escala transnacional – e este é também um dado a destacar neste livro –, o desenvolvimento do conceito de raça no mundo latino-americano associa-se ao aparecimento do pan-hispanismo, que, de certo modo, retomou, numa perspetiva expansionista, a autoperceção etnocêntrica e neocolonial dos países de matriz hispânica da América do Sul, conforme detalha David Marcilhacy. Este tópico tem ressonâncias fortes e remete, a cada passo, para a porosidade entre discursos, ideologias e linguagens vulgares ou de uso corrente. Como sublinha Ana Maria Pina, o conceito de raça, entendido em termos biológicos, é tardio. Antes do século XIX andava associado à pecuária e era também usado para identificar linhagens, nações ou povos. No século XIX ganha uma conotação biologista e essencialista, porque se aplica à classificação de tipos humanos, distinguidos pela sua origem, cor de pele e características físicas. Para esta mutação muito contribuíram as teses racistas e poligenistas de Gobineau, bastante divulgadas na época, os tratados de Darwin e também as teses antropométricas de Paul Broca, fundador da Sociedade Antropológica de Paris.

10 O eco destas influências em Portugal é percetível em autores como Teófilo Braga, Júlio Vilhena e outros nomes menos conhecidos. Subtilmente, insinua-se na linguagem artística e na literatura, nomeadamente em Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. E se, antes deles, Almeida Garrett e Alexandre Herculano haviam sinalizado as idiossincrasias da raça portuguesa, foi, porém, Oliveira Martins quem melhor exprimiu a ideia da miscigenação de raças na raiz do ser português. Oliveira Martins estava genuinamente interessado em compreender a originalidade dos povos ibéricos e a originalidade da civilização que se desenvolveu, ao longo de séculos, na Península Ibérica, conforme assinala Sérgio Campos Matos. A História da Civilização Ibérica, título de uma obra de Oliveira Martins, engloba, num “nós transnacional”, portugueses, espanhóis e outros povos de descendência hispânica. Temos assim um conceito totalizante que fixa uma conceção de história, uma visão antropológica territorializada e uma unidade de experiência com sentido político, social, económico, cultural e moral para ele, Oliveira Martins, e para os seus contemporâneos portugueses e espanhóis.

11 O capítulo final de Sérgio Campos Matos convoca a atenção do leitor para a reflexão em torno da “história como instrumento de identidade”, tema também tratado por Guilherme Pereira das Neves. Este autor realça a ideia de que a história funcionou, desde o século XIX, no Brasil, como instância compensadora e conservadora de aspirações sociais e políticas das elites brasileiras, referindo a formação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o contributo da metanarrativa de Varnhagen. Questiona não só a ideia de história mas também o lugar do historiador, dos curricula liceais e das universidades brasileiras, desde os anos 30 do século XX em diante. Refere que com os governos de Getúlio Vargas se assiste à criação da Universidade de São Paulo, em 1934, e se institucionaliza a formação estadual de professores diplomados em história. Por fim, salienta que os maiores sucessos editoriais no campo da história no Brasil pouco devem à historiografia académica. Entre a ação e o discurso, entre a história que se faz e a linguagem que dela se apropria para uso público parece haver espaço para uma espécie de imaginário alternativo, fantasiado, é certo, envolvendo numa trama insignificante episódios históricos narrados livremente mas não totalmente desprovidos de marcas de identidade.

12 Em síntese, a leitura desta obra é fundamental pelo enfoque transnacional dos seus capítulos e pela perspetiva de história conceptual comparada que preside à reavaliação dos processos e linguagens de identidade e alteridade forjados no espaço ibero-americano, especialmente no decurso do século XIX. Sendo tributário dos caminhos de pesquisa abertos pelo Diccionario político y social del mundo ibero-americano, dirigido por Javier Fernández Sebastián, este livro concita também outros estudos, quiçá diferentes, mas igualmente indispensáveis para a compreensão das ideias e dos nexos sociais e culturais que presidiram à constituição e à renovação política dos territórios independentes ibero-americanos.

Ana Cristina Araújo – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal. E-mail: [email protected].

Consultar publicação original

A Poverty of Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro – FISCHER (RBH)

FISCHER, Brodwyn. A Poverty of Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro. Stanford, California: Stanford University Press, 2008. 488p. Resenha de: OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.33, n.66, jul./dez. 2013.

O livro A Poverty of Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro é o resultado da tese defendida por Brodwyn Fischer, em 1999, na Universidade Harvard. A autora analisa o processo de formação dos direitos na organização do Estado e da sociedade brasileira e os conflitos de classe, raça e gênero que permearam a constituição do espaço urbano carioca.

Por eleger como cerne de sua análise os embates estruturados no cotidiano dos pobres do Rio de Janeiro, A Poverty of Rights é uma contribuição original à história social da pobreza urbana. O trabalho relaciona-se à renovação da historiografia em tempos recentes, dando destaque ao tema das favelas. Como observou Brum,

se a história urbana e, em especial, a história da cidade do Rio de Janeiro se consolidaram como campo de pesquisa institucionalizado de historiadores a partir da década de 1980, será apenas na primeira do século XXI que começou a tomar corpo uma produção dos programas de pós-graduação em história em que a favela é tomada como objeto de estudos históricos. (Brum, 2012, p.121)

Junto aos livros Um século de Favela (2001), organizado por Alba Zaluar e Marcos Alvito, Favelas Cariocas (2005), de Maria Lais Pereira da Silva, A invenção da favela (2005), de Lícia do Prado Valladares, e Favelas cariocas: ontem e hoje (2012), organizado por Marco Antônio da Silva Mello, Luiz Antônio Machado da Silva, Letícia de Luna Freire e Soraya Silveira Simões, a obra de Fischer inscreve-se na renovação dos estudos históricos sobre a cidade do Rio de Janeiro, tendo como eixo a problematização das práticas e representações da pobreza e do espaço urbano.

O diferencial da pesquisa de Fischer é o recorte temporal, o escopo de fontes que utiliza e a maneira como enfoca o tema da cidadania. Ao enfrentar uma questão de ampla tradição na História e nas Ciências Sociais que tratam do Brasil e da América Latina – a relação entre desigualdade, direito e espaço urbano –, Fischer desenvolve um argumento centrado em processos que transcorreram entre a década de 1920 e o início da década de 1960. Esse foi o período de rápida urbanização, industrialização e expansão dos subúrbios, favelas e outras formas urbanas. O corte temporal também se justifica em vista da estrutura de poder que presidiu o campo político carioca. Desde a primeira Constituição republicana (1891) até 1960, o Rio de Janeiro tinha um prefeito indicado pelo presidente e aprovado pelo Senado, elegia vereadores para o legislativo municipal e deputados e senadores para o legislativo federal. Sendo a capital da República, as reformas no sistema político encontravam ampla repercussão e expressão na vida política e cultural da cidade. Além disso, o governo de Lacerda (1961-1965) foi um marco para os estudos sobre a pobreza urbana no Rio de Janeiro: ao iniciar uma política de remoção que culminaria no despejo parcial ou completo de cinquenta a sessenta favelas (atingindo cerca de 100 mil pessoas), alterou profundamente a rotina e a conformação do espaço urbano carioca.

Além do recorte temporal, a autora usa diversos tipos de documentos para desenvolver o seu argumento. Uma vez que as classes subalternas não deixam arquivos organizados que informem sobre suas práticas, justifica-se o uso de sambas, jornais, fotografias, discursos políticos, relatórios de agências do poder público, projetos de lei, legislação, cartas e processos de justiça, entre outros documentos, para compreender as estratégias dos pobres na conquista da cidadania. O material acumulado pela autora é eclético, encontra-se disperso numa miríade de lugares e instituições, e estabelece vários filtros culturais para representar a pobreza urbana. Somente com a leitura de um caleidoscópio de registros, somada à análise da bibliografia específica sobre a relação entre direito e cidadania, consegue-se colocar em pauta problemas relevantes na análise da sociabilidade e das práticas dos grupos subalternos.

Para analisar o corpus documental heterogêneo que acumulou, a autora organizou a análise em quatro partes que possuem certa autonomia, cada uma das quais é constituída por dois capítulos. Na primeira parte, intitulada “Direitos na Cidade Maravilhosa”, analisa o processo de formação do espaço urbano do Rio de Janeiro e a classificação das formas de habitar da população pobre. Interessa à autora salientar como a construção do status de ilegalidade para as formas de habitar e viver na cidade, a restrição do espaço político dominado pela interferência do governo federal e as legislações restritivas ao crescimento das favelas contribuíram para a reprodução de uma incorporação clientelista dos pobres na política urbana. Na segunda parte, intitulada “Trabalho, Direito e Justiça Social no Rio de Vargas”, Fischer tem como principal material de análise as cartas enviadas para o presidente Getúlio Vargas. A promulgação da legislação trabalhista, o discurso varguista incorporando o trabalhador na comunidade política nacional, e as estratégias dos grupos populares para conquistar direitos sociais são o eixo de sua análise. Na terceira parte, intitulada “Direito dos pobres na Justiça Criminal”, a autora analisa a forma como o crime era definido por critérios do sistema jurídico e de uma moralidade popular, e como esse jogo de força foi alterado pela reforma do Código Penal na década de 1940, com o surgimento da noção de ‘vida pregressa’. Na última parte, intitulada “Donos da Cidade Ilegal”, Fischer analisa os conflitos pela terra e pelo direito à moradia travados na zona rural e nas favelas do Rio de Janeiro.

A “Era Vargas” (1930-1945) foi um período de grandes transformações no que toca o direito da classe trabalhadora. Esse fato político e social já foi analisado por diferentes autores, constituindo-se em uma questão clássica para a historiografia brasileira. Fischer consegue trazer uma novidade para o tema, pois não restringe a análise ao direito social e político, mas aborda como as reformas penal e urbanística do Rio de Janeiro também afetaram a cidadania dos grupos populares. Destarte, a política de massa e o Código Eleitoral de 1932, o direito à cidade e o Código de Obras de 1937 do Rio de Janeiro, o direito civil e o Código Penal de 1940, e o direito social e a Consolidação das Leis Trabalhistas (1943) são os eixos de sua análise, como fica evidenciado na divisão das partes do livro.

A autora mostra que a conquista de direitos para os ‘pobres’, para os trabalhadores informais e parcela significativa da população brasileira sem registro civil delineou-se em situações de grande ambiguidade. Longe de desenvolver uma narrativa linear da evolução do Estado e da sociedade na sedimentação dos direitos, como na análise clássica de T. H. Marshall em Cidadania, classe social e status, ou de incorporar o discurso das ideologias políticas que transformaram Vargas em um mito, a autora apresenta a contingência das situações vivenciadas pelos ‘pobres’. Preocupa-se com a forma pela qual as pessoas com baixa educação formal e com pouco poder econômico e político construíram várias estratégias para lutar por direitos, sempre marcadas pela contingência de suas vidas e experiências sociais.

Ao sublinhar o processo de formação dos direitos e da cidadania, Fischer enfatiza que os pobres “formam a maioria numérica em várias cidades brasileiras, e eles compartilham experiências de poucas conquistas, exclusão política, discriminação social e segregação residencial”, conformando “uma identidade e em alguns momentos uma agenda comum” (Fischer, 2008, p.4). Ela compreende que esse grupo não tem sido pesquisado de forma verticalizada, visto que a história social do período posterior à década de 1930 tem privilegiado a análise da consciência da classe trabalhadora, dos afrodescendentes, dos imigrantes estrangeiros e das mulheres. Segundo a autora,

a verdade é que no Rio – como em outros lugares, da Cidade do México a Caracas, a Lima ou Salvador – nem raça, nem gênero, nem classe trabalhadora foram identidades generalizadas e poderosas o suficiente para definir a relação entre a população urbana pobre e sua sociedade circundante, durante a maior parte do século XX. Muito poucas pessoas realmente pertenciam à classe trabalhadora organizada; muitas identidades raciais e regionais competiram umas com as outras em muitos planos; muitos laços culturais, econômicos e pessoais vinculavam os mais pobres aos clientes, empregadores e protetores de outras categorias sociais; também muitos migrantes foram para a cidade para alimentar suas esperanças. O povo pobre no Rio compreendeu a si mesmo, em parte, como mulheres e homens, em parte como brancos e negros, nativos ou estrangeiros, classe trabalhadora ou não. Mas eles também se entenderam como um segmento específico, simplesmente como pessoas pobres tentando sobreviver na cidade. (Fischer, 2008, p.3, tradução nossa)

Nesse sentido, Fischer também enfatiza que a experiência da pobreza urbana não pode ser reduzida à definição de classe trabalhadora no sentido clássico do marxismo. Ao reduzir a experiência da pobreza urbana a uma situação de classe, corre-se o risco de perder as dimensões étnicas, raciais e de gênero que moldam as identidades e as relações tecidas com as variadas instâncias sociopolíticas. A desigualdade social foi tomada no livro como uma condição que atravessa diversos tipos de situações e que perpassa transversalmente as relações tecidas na sociedade e no Estado brasileiros.

Por tudo isso, A Poverty of Rights constitui um importante trabalho para a renovação dos estudos sobre a cidadania no período posterior à década de 1930 e da história social da pobreza urbana no Rio de Janeiro.

Referências

ALVITO, M.; ZALUAR, A. (Org.) Um século de favela. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.         [ Links ]

BRUM, Mario Sergio Ignácio. Cidade Alta: história, memórias e estigma de favela num conjunto habitacional do Rio de Janeiro. (Prefácio de Paulo Knauss). Rio de Janeiro: Ponteio, 2012.         [ Links ]

MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.         [ Links ]

MELLO, M. A. da Silva; MACHADO DA SILVA, L. A.; FREIRE, L. L.; SIMÕES, S. S. (Org.) Favelas cariocas: ontem e hoje. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.         [ Links ]

SILVA, Maria Lais Pereira da. Favelas Ccariocas (1930-1964). Rio de Janeiro: Contratempo, 2005.         [ Links ]

VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005.         [ Links ]

Samuel Silva Rodrigues de Oliveira – Doutorando, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC-FGV). Bolsista Faperj. E-mail: [email protected].

Acessar publicação original

[IF]

Política, cultura e classe na Revolução Francesa | Lynn Hunt

Outros olhares acerca da Revolução Francesa [1]

A Revolução Francesa foi abordada, e ainda o é, por diversos trabalhos significativos na historiografia mundial. Lynn Hunt, entretanto, em seu livro Política, cultura e classe na Revolução Francesa nos traz uma nova maneira de abordá-la. A autora se encaixa em uma corrente historiográfica denominada como Nova História Cultural. Esta perspectiva propõe uma maneira diferente de compreendermos as relações entre os significados simbólicos e o mundo social (tanto comportamentos individuais como coletivos) a partir de suas representações, práticas e linguagens. É a partir desta perspectiva, portanto, que Hunt analisa o tema: busca compreender a cultura política da Revolução, isto é, as práticas e representações simbólicas daqueles indivíduos que levaram a uma reconstituição de novas relações sociais e políticas.

A pesquisa acerca do tema iniciou-se na década de 1970 e resultou na publicação do livro em 1984. Inicialmente, a autora buscava demonstrar a validade da interpretação marxista: a Revolução fora liderada pela burguesia capitalista, representada pelos comerciantes e manufatores. Os críticos desta abordagem, entretanto, afirmavam que tais líderes foram os advogados e altos funcionários públicos. Focando-se nestes aspectos, após um levantamento de dados feito a partir da pesquisa documental, Hunt percebeu que os locais mais industrializados, com maiores influências de comerciantes e manufatureiros, não foram, necessariamente, os mais revolucionários. Outros fatores deveriam então ser levados em consideração para explicar tal tendência revolucionária, não somente o da posição social dos revolucionários. Sendo assim, Hunt procurou evitar tal abordagem marxista, que coloca a estrutura econômica como base para as estruturas políticas e culturais. Desta maneira, a partir de uma mudança de olhar, tomou como objeto de estudo a cultura política da Revolução, que segundo a autora, propõe “uma análise dos padrões sociais e suposições culturais que moldaram a política revolucionária” (HUNT, 2007, p.11). Para ela, a cultura, a política e o social devem ser investigados em conjunto, e não um subordinado ou separado do outro.

Tais questões surgidas em sua pesquisa estão dentro de um contexto da década de 1980, quando os historiadores culturais procuravam demonstrar que a sociedade só poderia ser compreendida através de suas representações e práticas culturais. Na introdução de seu livro, a autora nos apresenta três influências principais: François Furet, que entendia a Revolução Francesa como uma luta pelo controle da linguagem e dos símbolos culturais e não somente como um conflito de classes sociais; Maurice Agulhon e Mona Ozouf, que demonstraram em seus estudos que as manifestações culturais moldaram a política revolucionária. Suas fontes foram documentos oficiais, como jornais, relatórios policiais, discursos parlamentares, declarações ficais, entre outros; contudo, a sua abordagem não poderia ignorar outras fontes como relatos biográficos, calendários, imagens, panfletos e estampas, que são produtos de manifestações e linguagens culturais da época.

Partindo de três vertentes interpretativas, a autora procura justificar a proposta de sua análise. Critica as abordagens marxista, revisionista e de Tocqueville por entenderem a Revolução centrando-se em suas origens e resultados, desconsiderando as práticas e intenções dos agentes revolucionários. Para Hunt,

A cultura política revolucionária não pode ser deduzida das estruturas sociais, dos conflitos sociais ou da identidade social dos revolucionários. As práticas políticas não foram simplesmente a expressão de interesses econômicos e sociais “subjacentes”. Por meio de sua linguagem, imagens e atividades políticas diárias, os revolucionários trabalharam para reconstituir a sociedade e as relações sociais. Procuraram conscientemente romper com o passado francês e estabelecer a base para uma nova comunidade nacional. (Ibid, p.33)

Mais do que uma luta de classes, uma mudança de poder ou uma modernização do Estado, Hunt enxerga como a principal realização da Revolução Francesa a instituição de uma nova relação do pensamento social com a ação política, uma vez que tal relação era uma problemática percebida pelos revolucionários e já posta por Rousseau no Contrato Social.

A partir de tais considerações, Hunt estruturou seu texto em dois capítulos: no primeiro, A poética do poder, a autora analisa como a ação política se manifestou simbolicamente, através de imagens e gestos; no segundo, A sociologia da política, apresenta o contexto social da Revolução e as possíveis divergências presentes nas experiências revolucionárias. Em todo o texto, a autora nos traz um debate historiográfico acerca de termos, conceitos e concepções das três perspectivas anteriormente citadas.

Hunt destaca a importância da linguagem na Revolução. A linguagem política passou a carregar significado emocional, uma vez que os revolucionários precisavam encontrar algo que substituísse o carisma simbólico do rei. A linguagem tornou-se, portanto, um instrumento de mudança política e social. Através da retórica, os revolucionários expressavam seus interesses e ideologias em nome do povo: “a linguagem do ritual e a linguagem ritualizada tinham a função de integrar a nação” (Ibid, p.46). Contudo, este instrumento deveria inovar nas palavras e atribuir diferentes significados a elas, já que se buscava romper com o passado de dominação aristocrática. Não é a toa que a denominação Ancien Régime foi inventada nesta época.

Nesta tentativa de se quebrar com um governo anterior dito tradicional foi que as imagens do radicalismo jacobino ficaram mais evidentes, afirma Hunt. O ato de representar-se através de uma ritualística foi questionado, descentralizando assim a figura do monarca e a base em que ele estava firmemente assentado: a ordem hierárquica católica. A imagem do rei sumiu do selo oficial do Estado; nele agora estava presente uma figura feminina que representava a Liberdade. Os símbolos da monarquia foram destruídos: o cetro, a coroa. Por fim, em 1793, os revolucionários eliminaram o maior símbolo da monarquia: Luís XVI foi guilhotinado.

Há outro aspecto da linguagem evidenciado pela autora: a comunicação entre os cidadãos. Influenciados por Rousseau, os revolucionários acreditavam que uma sociedade ideal era aquela na qual o indivíduo deixaria de lado os seus interesses particulares pelo geral. Entretanto, para que isto fosse possível, era necessário uma “transparência” entre os cidadãos, isto é uma livre comunicação, na qual todos pudessem deliberar publicamente sobre a política. A partir deste pensamento e da necessidade de se romper com as simbologias, rituais e linguagens do Ancien Régime, os revolucionários precisavam educar e, de certa maneira, colocar o povo em um molde republicano. Houve, portanto, uma “politização do dia-a-dia” (Ibid, p.81), no qual as práticas políticas dos revolucionários deveriam ser didáticas, com a finalidade de educar o povo. O âmbito político expandiu-se, portanto, para o cotidiano e, segundo a autora, multiplicaram-se as estratégias e formas de se exercer o poder. E o exercício deste poder demandava práticas e rituais simbólicos: a maneira de se vestir, cerimônias, festivais, debates, o uso de alegorias e, principalmente, uma reformulação dos hábitos cotidianos.

No livro Origens Culturais da Revolução Francesa, Roger Chartier busca compreender algumas práticas que contribuíram para a emergência da Revolução Francesa. Apesar do que sugere o título, o autor não está preocupado em estabelecer uma história linear e teleológica do século XVIII partindo de uma origem específica e fechada; mas em entender as dinâmicas de sociabilidade, de comunicação, de processos educacionais e de práticas de leitura que contribuíram para um universo mental, político e cultural dos franceses naquele período. Dentre os vários capítulos de sua obra, trago aqui algumas ideias principais do capítulo Será que livros fazem revoluções? para complementar a perspectiva de Hunt, visto que os dois autores bebem de uma mesma perspectiva.

Assim como Hunt, Chartier também desenvolve em sua introdução um debate historiográfico com os escritos de Tocqueville, Taine e Mornet. No capítulo especifico citado anteriormente, Chartier afirma que estes três autores entenderam a França pré-revolucionária como um processo de internalização das propostas dos textos filosóficos que estavam sendo impressos no momento: “carregadas pela palavra impressa, as novas ideias conquistavam as mentes das pessoas, moldando sua forma de ser e propiciando questionamentos. Se os franceses do final do século XVIII moldaram a revolução foi porque haviam sido, por sua vez, moldados pelos livros” (CHARTIER, 2009, p.115). Contudo, Chartier vai além: propõe que o que moldou o pensamento dos franceses não foi o conteúdo de tais livros filosóficos, mas novas práticas de leituras, um novo modo de ler que desenvolveu uma atitude crítica em relação às representações de ordem política e religiosa estabelecidas no momento. Como foi demonstrado por Hunt, novos significados e conceitos foram reapropriados pela linguagem e retórica revolucionária. Neste sentido, Chartier propõe uma reflexão: talvez tenha sido a Revolução que “fez” os livros, uma vez que ela deu determinado significado a algumas obras.

“Assim, a prática da Revolução somente poderia consistir em libertar a vontade do povo dos grilhões da opressão passada” (HUNT, 2007, p.98). Todavia, seríamos ingênuos de pensar que estes revolucionários almejavam uma igualdade social e política sem hierarquias, na qual todos estivessem em contato pleno com o poder. Focault afirma que o poder não está centralizado, ele constitui-se a partir de uma rede de forças que se relacionam entre si: o poder perpassa por tudo e por todos. Contudo, admite que há assimetrias no exercício e nas apropriações do poder (FOUCAULT, 2006). E neste contexto revolucionário não poderia ser diferente: os republicanos, através de seus discursos, buscaram disciplinar o povo de acordo com seus interesses.

Devemos relembrar que o próprio conceito de política foi ampliado. Neste sentido, Hunt afirma que as eleições estiveram entre as principais práticas simbólicas: “ofereciam participação imediata na nova nação por meio do cumprimento de um dever cívico” (Ibid, p.155). Como consequência disto, expandiu-se a noção do que significava a divisão política e a partir de então diversas denominações surgiram: democratas, republicanos, patriotas, exclusivos, jacobinos, monarquistas, entre vários outros. Mais significante ainda foi a divisão da Assembleia Nacional em “direita” e “esquerda”; termos que perduram até hoje.

Durante este processo surgiu uma nova classe política revolucionária, conforme a autora. Contudo, não devemos pensar esta classe como completamente homogênea: ela é composta por interesses e intenções individuais, mas define-se por oportunidades comuns e papéis compartilhados em um contexto social. “Nessa concepção, os revolucionários foram modernizadores que transmitiram os valores racionalistas e cosmopolitas de uma sociedade cada vez mais influenciada pela urbanização, alfabetização e diferenciação de funções” (Ibid, p.237).

O conteúdo simbólico foi se modificando e se moldando conforme as aspirações revolucionárias durante a década que sucedeu a Revolução. Mas a autora questiona-se como tais transformações foram percebidas e recebidas nas diferentes regiões da França e de que maneira os diversos grupos lidaram com elas. Seria equivocado pensarmos que a cultura política revolucionária foi homogênea em todos os lugares, até porque tal política estava sendo construída no momento. Sendo assim, Hunt também procura contextualizar socialmente a Revolução. Ela nos propõe uma análise da sua geografia política, considerando que “a identidade social fornece importantes indicadores sobre o processo de inventar e estabelecer novas práticas políticas” (Ibid, p.153). Neste sentido, o contexto social da ação política se deu conforme as condições sociais e econômicas; laços, experiências e valores culturais de cada local.

“A Revolução foi, em um sentido muito especial fundamentalmente ‘política’” (Ibid, p.246). O estudo de Hunt nos mostra como as novas formas simbólicas da prática política transformaram as noções contemporâneas sobre o tema. Talvez este tenha sido o principal legado da Revolução Francesa e talvez ela ainda nos fascine porque gestou muitas características fundamentais da política moderna. Ela conclui, portanto, que houve uma revolução na cultura política. Mais do que enxergarmos as origens e resultados da Revolução, é fundamental compreendermos como ela foi pensada pelos revolucionários e de que maneira estes sujeitos históricos se modificaram a si próprios e a própria Revolução.

Nota

1. Resenha produzida para a disciplina de História Moderna II, ministrada pela professora Dra. Silvia Liebel, do curso de Bacharelado e Licenciatura de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Referências

CHARTIER, Roger. Origens Culturais da Revolução Francesa. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

FOUCAULT, Michel. Estratégia, Poder-Saber. 2ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

HUNT, Lynn. Política, cultura e classe na Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Carolina Corbellini Rovaris –  Graduanda do curso de Bacharelado e Licenciatura de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). E-mail: [email protected]


HUNT, Lynn. Política, cultura e classe na Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Resenha de: ROVARIS, Carolina Corbellini. Outros olhares acerca da Revolução Francesa. Aedos. Porto Alegre, v.5, n.12, p.284-288, jan. / jul., 2013. Acessar publicação original [DR]

Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo – BICUDO (EH)

BICUDO, Virgínia Leone. Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. Introdução e edição de Marcos Chor Maio. São Paulo: Editora Sociologia e Política, 2010. Resenha de: DIÉGUEZ, Carla Regina Mota Alonso. “Negro é negro”: a contribuição da obra de Virginia Leone Bicudo aos estudos de relações raciais. Estudos Históricos, v.24 n.47 Rio de Janeiro Jan./June 2011.

A questão racial é tema de pesquisa das Ciências Sociais brasileiras desde sua institucionalização. Na década de 1940, um grupo de pesquisadores, orientados pelo Prof. Dr. Donald Pierson, empreendeu pesquisas sobre o tema e desenvolveu teses de mestrado e doutorado na recém-criada Divisão de Estudos Pós-Graduados da Escola Livre de Sociologia e Política. Entre eles estava Virgínia Leone Bicudo.

Mas, quem foi e o que fez Virgínia Leone Bicudo? Esta resposta está no livro Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. Publicado pela Editora Sociologia e Política em 2010, ano em que Virgínia completaria 100 anos, e organizado por Marcos Chor Maio, o livro apresenta a figura ímpar de Virgínia Leone Bicudo e sua tese de mestrado defendida em 1945 na Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP).

O prefácio, escrito por Élide Rugai Bastos, localiza a tese de Virgínia no contexto teórico e metodológico da época, permitindo-nos conhecer mais sobre a influência norte-americana nos estudos da nascente Ciência Social brasileira, especialmente o interacionismo simbólico, que já apontava na obra de Virgínia e apareceu, de forma mais contundente, nos trabalhos de Oracy Nogueira (1998, 2009), companheiro de Virginia na primeira turma de mestrado da ELSP. Como é sabido, a ELSP, em seus anos de formação, contou com a presença de professores norte-americanos, com destaque para Horace Davis, Samuel Lowrie e Donald Pierson, este último o responsável pela criação da Divisão de Estudos Pós-Graduados da ELSP e pelo desenvolvimento das pesquisas conhecidas por estudos de comunidade.

Ao usar Ciência Social, evidenciamos a intersecção entre a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia Social, presente nas pesquisas realizadas na ELSP, explícita na tese de Virgínia e ressaltada por Maio na introdução do livro. Esta era a forma que Pierson concebia a ciência desenvolvida e praticada na ELSP, que extrapolava as divisões disciplinares e buscava a comunhão entre teoria e empiria

É esta, também, a impressão que o leitor possui ao mergulhar na obra de Virginia. A autora mostra que não é preciso desfiar teorias para realizar um trabalho expressivo, reflexivo e crítico, mas sim saber usá-las. Baseada nos trabalhos de Donald Pierson, Negroes in Brazil, e de Everett Stonequist, The Marginal Man, ela busca construir hipóteses sobre as atitudes sociais de pretos1 e mulatos quanto às questões raciais. Entretanto, mais do que hipóteses, consideramos que Virgínia chega a conclusões sobre como pretos e mulatos veem as relações raciais.

Virgínia realizou sua pesquisa entre os anos de 1941 e 1944, ao longo dos quais entrevistou 31 pessoas, divididas segundo os fenótipos (termo utilizado pela autora) de pretos e mulatos e a classe social, inferiores e intermediárias. Ela buscava, dessa forma, estabelecer uma relação entre seu trabalho e o de seu orientador, Donald Pierson, o qual anunciou a existência de um preconceito de classe que se sobrepunha ao preconceito de cor (Pierson, 1945). Virgínia, porém, acabou distanciando-se da análise de Pierson, dado que suas hipóteses caminharam para a afirmação da existência de um preconceito de cor, autônomo do preconceito de classe. Nesse caminho também seguiu Oracy Nogueira, que viria a cunhar, posteriormente, um termo para este tipo de preconceito, o de preconceito de marca (Nogueira, 1998).

Virgínia também entrevistou membros da Associação de Negros Brasileiros, nome fictício dado por ela para a Frente Negra Brasileira (FNB), e utilizou passagens do jornal mensal da FNB, Voz da Raça, chamado na tese de “Os Descendentes de Palmares”.

Com base nesses dados, ela expõe os casos, as opiniões e atitudes dos entrevistados. Ela os apresenta conforme a divisão metodológica – pretos de classe inferior, pretos de classe intermediária, mulatos de classe inferior e mulatos de classe intermediária. Após a exposição de cada parte, são feitas reflexões sobre as atitudes apresentadas, depreendendo algumas hipóteses, as quais são reunidas na conclusão do trabalho.

Alguns depoentes têm suas entrevistas transcritas quase integralmente. O que poderia ser maçante torna o trabalho riquíssimo, demonstrando a importância dada por Virginia ao discurso do nativo, no sentido de compreender os aspectos objetivos e subjetivos que o levam a determinadas atitudes raciais. Também transforma a obra em excelente fonte documental, possibilitando a outros pesquisadores, nos dias atuais, fazerem uso desse material e compreenderem, a partir de dados primários, como as relações raciais desenvolviam-se na década de 1940.

Os dados sobre a FNB também são de extrema importância, pois mostram como essa associação procurou agremiar pretos e mulatos no sentido de transpor as barreiras da cor e construir uma sociedade mais justa e igualitária no que concerne às relações raciais. Tanto as entrevistas com membros da FNB quanto as passagens extraídas do mensário e expostas no trabalho apresentam essa preocupação.

Ao final da tese, Virgínia elenca sete hipóteses. No que concerne à relação entre raça e classe, afirma que a ascensão do preto ou do mulato é feita pela ocupação e a educação, mas que isso não diminui a distância social em termos de cor. Os mulatos integram-se mais facilmente ao grupo dominante, talvez, como aponta a autora, pela sua condição de híbrido, o que a leva a hipótese final. Para Virgínia, trata-se “de discriminação baseada na cor, visto perder significação desde que o indivíduo apresente características do grupo dominante e na medida em que sua pele vai ‘branqueando’, não sendo, portanto, levada em conta sua origem” (Bicudo, 2010: 163)

Com orelha assinada por Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti e depoimentos na quarta capa de Antonio Sergio Alfredo Guimarães, Peter Fry, Mariza Correa, Joel Rufino dos Santos, Maria Angela Moretzsohn e Maria Helena Teperman, a tese de Virginia Leone Bicudo – visitadora sanitária, socióloga e psicanalista, publicada pela primeira vez na íntegra –2 é uma excelente fonte para compreendermos não só o desenvolvimento das Ciências Sociais no Brasil, mas principalmente, para entendermos as relações raciais na primeira metade do século XX.

Referências

BICUDO, Virgínia Leone. Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. Sociologia, São Paulo, Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, v.9, n.3, p. 196-219, 1947.         [ Links ]

______. Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. Introdução e edição de Marcos Chor Maior. São Paulo: Editora Sociologia e Política, 2010.         [ Links ]

NOGUEIRA, Oracy. Preconceito de marca. As relações raciais em Itapetininga. Apresentação e edição de Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti. São Paulo, Edusp, 1998.         [ Links ]

______. Vozes de Campos de Jordão: experiências sociais e psíquicas de turbeculoso pulmonar no estado de São Paulo. 2. ed. organizada por Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.         [ Links ]

PIERSON, Donald. Brancos e Pretos na Bahia: estudo de contato racial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945        [ Links ]

Notas

1 Usarei aqui os termos utilizados pela autora.

2 Parte da tese foi publicada em artigo pela revista Sociologia (Bicudo, 1947).

Carla Regina Mota Alonso Diéguez – Doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas e professora e pesquisadora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, Brasil ([email protected]).

A hidra de muitas cabeças: marinheiros, escravos, plebeus e a história oculta do Atlântico revolucionário – LINEBAUGH; REDIKER (A)

LINEBAUGH, Peter; REDIKER, Marcus. A hidra de muitas cabeças: marinheiros, escravos, plebeus e a história oculta do Atlântico revolucionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Resenha de: GONZÁLEZ, Martín P. Antítese, v. 3, n. 6, jul./dez. 2010.

Si bien tanto Peter Linebaugh como Markus Rediker realizaron otras publicaciones antes y después de La Hidra de la Revolución, 1 nunca lograron alcanzar el reconocimiento que les valió este libro. En la presente reseña crítica nos proponemos, entonces, recuperar las diversas dimensiones que hacen del presente trabajo una innovación dentro de un escenario historiográfico un tanto hostil a los nuevos abordajes y las propuestas analíticas novedosas. Para facilitar la lectura, estructuraremos nuestro análisis en seis apartados diferenciados, para así dar cuenta de la riqueza y los matices que posee el libro. El primero estará centrado en analizar los debates historiográficos, metodológicos y teóricos en los cuales La Hidra se posiciona, buscando así establecer vínculos y relaciones con otros autores. Los siguientes cuatro apartados se centrarán en comentar el libro a partir de su propia estructura, buscando ir más allá de una mera enumeración de capítulos, indagando en las aristas problemáticas que pueda presentar el abordaje de los autores. Finalmente, el último apartado presentará una conclusión crítica. Existe también una publicación en español La Hidra de la Revolución. Marineros, esclavos y campesinos en la historia oculta del Atlántico, publicada por Crítica en Barcelona durante 2005.

Galardonado con el “International Labor History Association Book Prize”, el presente trabajo de Linebaugh y Rediker generó grandes controversias en los círculos académicos, a partir no sólo de su novedosa interpretación de la historia atlántica entre los siglos XVII y XIX, sino también de la forma en que utilizan ciertas categorías de la tradición analítica propia de la historiografía marxista inglesa, estableciendo diálogos con la teoría antropológica y sociológica. Así, si bien el libro está claramente orientado hacia problemáticas analizadas por historiadores de la talla de Rodney Hilton, Edward Palmer Thompson o Christopher Hill2 –como por ejemplo las resistencias campesinas y esclavas, las ideologías radicales de las multitudes sin voz, los conflictos y resistencias en el proceso de trabajo, o la constitución de clases sociales a partir de la experiencia de los sujetos–, podemos notar en el análisis de Linebaugh y Rediker la intención de trascender los límites nacionales –específicamente ingleses– de esos procesos. En este sentido, La Hidra retoma algunas de las hipótesis que guiaron los trabajos tempranos de George Rudé y Eric Hobsbawm,3 quienes buscaron traspasar las barreras de la historia inglesa, analizando ideologías y movimientos populares más allá de los límites geográficos de los Estados nacionales. Nos encontramos entonces con una propuesta temática y un recorte espacial, cronológico y temático más amplio: el espacio del Atlántico, cuyas corrientes y mareas determinaron una serie de experiencias comunes a un proletariado atlántico compuesto de marineros, labradores, criminales, mujeres, radicales religiosos y esclavos africanos, desde el comienzo de la expansión colonial inglesa en el siglo XVII hasta la industrialización metropolitana de inicios del XIX. En este sentido, “los gobernadores recurrieron al mito de Hércules y la hidra para simbolizar la dificultad de imponer orden en unos sistemas laborales cada vez más globales” (p. 16): es precisamente sobre el origen, características, accionar y devenir de las múltiples cabezas de esa hidra, que está centrado el análisis de Linebaugh y Rediker. Entonces, en lugar de centrarse en analizar la constitución de una clase obrera industrial, las características de los piratas, el tráfico esclavista o las ideologías religiosas radicales como elementos independientes, los autores buscan rescatar –a partir de una mirada “desde abajo”- esta multiplicidad de experiencias de opresión, violencia y dominación en función de un abordaje holístico que recupere las conexiones existentes entre estos fenómenos aparentemente dispersos. Así, si bien estos conflictos tendrán diversos escenarios (principalmente los terrenos comunales, la plantación, el barco y la fábrica), el eje de análisis pasa por las relaciones, los quiebres, y las continuidades entre esta diversidad de espacios. Como los procedimientos de análisis de los autores presentan variaciones de capítulo en capítulo, consideramos oportuno abordar a continuación una descripción de los mismos, en función del recorte temático-temporal que realizan, estructurado en cuatro momentos en el desarrollo de este conflicto entre la globalización capitalista hercúlea y las resistencias planteadas por esa compleja hidra policéfala. Los dos primeros capítulos del libro se ocupan de la primera fase de este proceso de dominación hercúleo, que ocurre en los años de 1600 a 1640, signado por el crecimiento y desarrollo del capitalismo comercial inglés y la colonización del espacio atlántico. Estos años de expropiación serían fundamentales, entonces, para la conformación de una estructura económica de exclusión y transformación de las relaciones sociales existentes hasta el momento. El primer capítulo, “El naufragio del Sea-Venture”, sienta las bases de la metodología analítica de los autores. La misma parte de reconstruir casos concretos –como en este caso, el del naufragio de un barco inglés– para indagar en cuestiones estructurales de la época. Así, a partir de este suceso, se abordan cuestiones esenciales del naciente capitalismo atlántico de principios del siglo XVII: la expropiación –mediante la reconstrucción del contexto de competencia imperialista y desarrollo capitalista del cuál la Virginia Company fue uno de sus motores esenciales, a partir de las estrategias de colonización de tierras americanas trasladando poblaciones campesinas–, la lucha por crear modos de vida alternativos a esa expropiación –retomando así la tradición de uso de terrenos comunales, que llegó al territorio americano de la mano de los marineros–, las formas de cooperación y resistencia –fundamentalmente entre los mismos marineros, que, ante los peligros de altamar, iban más allá de sus condiciones de artesanos, proscriptos, campesinos pauperizados, o peones, uniéndose en pos de lograr objetivos comunes– y la imposición de una disciplina clasista –a partir de la respuesta que los funcionarios de la Virginia Company tuvieron frente a esas resistencias, imponiendo el terror de la horca y una disciplina laboral estricta. Este primer capítulo es también representativo en términos de los procedimientos de análisis que los autores realizan de los documentos. En este punto podemos observar un claro interés por hacer dialogar la teoría marxista – especialmente La ideología alemana y el capítulo veinticuatro (sobre la acumulación originaria) de El Capital de Marx–, con la historiografía inglesa – si bien el interlocutor privilegiado lo constituye el marxismo británico de Hill y Thompson, también se cuestionan otras interpretaciones, como podría ser la Hugh Trevor Ropper– y un extenso y detallado corpus documental del período, compuesto principalmente por relatos de viajes, documentos administrativos de la Virginia Company y obras literarias como La Tempestad de Shakespeare. Así, en el segundo capítulo, “Leñadores y aguadores”, los autores retoman los argumentos de algunos de los principales intelectuales de la primer parte del siglo XVII inglés, como Francis Bacon o Walter Raleigh, y cómo caracterizaban a los enemigos de ese Hércules explorador, colonizador y comerciante, a partir de la monstruosidad de esas multitudes variopintas. Centrándose entonces en los leñadores y aguadores, que desempeñaron funciones esenciales para el avance de este proceso globalizante –a saber, realizaron las tareas de expropiación mediante la tala de bosques y destrucción del hábitat de los terrenos comunales, construían los puertos y barcos, y desarrollaban las actividades domésticas cotidianas–, los autores reconstruyen el proceso de constitución de la “infraestructura” necesaria para la expansión del capitalismo comercial, así como la consolidación de un aparato represivo orientado a controlar estas poblaciones: el terror, la prisión, los correccionales, la horca, las campañas militares y los trabajos forzados en ultramar. Sin embargo, a partir de los vínculos de solidaridad y resistencia, estos grupos de “leñadores y aguadores” comenzaron a formar iglesias, regimientos politizados al interior del ejército y comunas rurales y urbanas. “La hidra, formada por marineros, obreros, aguadores, aprendices, es decir, las clases humildes y más bajas –o, por decirlo de otra manera, el proletariado urbano revolucionario– estaba emprendiendo acciones de un modo independiente” (p. 87). Estas cuestiones constituyen el transfondo de la segunda fase de este proceso. Los siguientes dos capítulos están centrados en la segunda fase de este proceso, que iría de 1640 a 1680, y que estaría signada por los levantamientos de esas múltiples cabezas de la hidra, mediante la revolución en la metrópolis y los levantamientos en las colonias. El interlocutor privilegiado de estos capítulos es Christopher Hill, ya que el contenido de los mismos está orientado hacia los mismos problemas y tópicos teóricos tratados por él, aunque con ciertas variaciones que enriquecen el análisis. El tercer capítulo, “Una ‘morita negra’ llamada Francis” constituye acaso la forma más acabada de aplicación de la metodología de estos autores. Como decíamos más arriba, Linebaugh y Rediker parten de casos concretos para reflexionar sobre la totalidad de un proceso, explotando los documentos al máximo e indagando en las condiciones estructurales a partir de coyunturas específicas. Pues bien, en este caso los autores analizan un único documento, un informe de Edward Terrill, dirigente eclesiástico de la Iglesia de Broadmead, en Bristol, sobre “una criada morita y negra llamada Francis”. Lo interesante es cómo, a partir de esta somera descripción de una carilla, los autores analizan la confluencia entre dinámicas sociales como la raza, la clase y el género en el contexto de la revolución puritana inglesa. Así, la reconstrucción de la posible trayectoria de Francis, lejos de centrarse en un abordaje biográfico, da cuenta de las diversas problemáticas del período. “La bifurcación de los debates de Putney”, el cuarto capítulo, está centrado específicamente en las ramificaciones que dichas polémicas tuvieron. Durante el otoño de 1647 tuvieron lugar, en el pequeño pueblo de Putney, una serie de debates de radical importancia para el futuro de Inglaterra –y del capitalismo.

Notas

1 Entre los numerosos trabajos realizados pos los autores, vale la pena resaltar: Marcus Rediker. Between the devil and the deep blue sea: merchant seamen, pirates, and the AngloAmerican maritime world, 1670-1750. Cambridge: Cambridge University Press, 1993; Peter Linebaugh. The London Hanged: Crime and Civil Society in the Eighteenth-Century. Cambridge: Cambridge University Press, 1992; y Douglas Hay, Peter Linebaugh, John G. Rule, Edward P. Thompson y Cal (eds.) Albion’s Fatal Tree. Crime and Society in Eighteenth-Century England. London: Penguin Books, 1988. Martín P. González Peter Linebaugh e Marcus Rediker.

2 Entre la numerosísima bibliografía de estos autores, resaltamos: Christopher Hill. Antichrist in Seventeenth-century England. Londres: Verso, 1990; El mundo trastornado. El ideario popular extremista en la Revolución inglesa del siglo XVII. Madrid: Siglo XXI España, 1983; y Los orígenes intelectuales de la revolución inglesa, Crítica, Madrid, 1996; de Edgard P. Thompson. Costumbres en común. Barcelona: Crítica, 1984 y Tradición, revuelta y consciencia de clase. Estudios de la crisis de la sociedad industrial. Barcelona: Crítica, 1984; y Rodney Hilton. (ed.) La transición del feudalismo al capitalismo. Barcelona: Crítica, 1982; y Hilton, Rodney. Siervos liberados. Madrid: Siglo XXI, 1978.

3 Hacemos referencia, principalmente, a trabajos como: George Rudé. La multitud en la historia. Madrid: Siglo XXI, 1971; y Eric Hobsbawm. Revolución industrial y revuelta agraria. El capitán Swing. Madrid: Siglo XXI, 1978; y Rebeldes primitivos. Estudio sobre las formas arcaicas de los movimientos sociales en los siglos XIX y XX. Madrid: Crítica, 2001.

Martín P. González – Professor da Universidad de Buenos Aires (UBA) / Argentina.

Política, cultura e classe na Revolução Francesa | Lynn Hunt

Originalmente lançado em 1984, mas publicado no Brasil apenas em 2007, o estudo da historiadora norte-americana Lynn Hunt intitulado Política, cultura e classe na Revolução Francesa oferece não apenas pertinentes contribuições ao exame de um dos eventos mais estudados da história mundial, como também apresenta uma original abordagem da política, vista de maneira indissociável das práticas culturais e sociais.

Quando Hunt começou a pesquisa que daria origem ao livro, esperava demonstrar a validade da interpretação marxista, ou seja, de que a Revolução Francesa teria sido liderada pela burguesia (comerciantes e manufatores). Os críticos dessa visão (chamados de “revisionistas”), afirmavam, ao contrário, que a Revolução havia sido liderada por advogados e altos funcionários públicos. Procedendo a um minucioso levantamento de dados sobre a composição social dos revolucionários e suas regiões de origem, Hunt esperava encontrar maior apoio à Revolução nas regiões francesas mais industrializadas. Contudo, ela constatou que as regiões que mais industrializavam não foram consistentemente revolucionárias, e havendo de ser buscados outros fatores para tais comportamentos como os conflitos políticos locais, as redes sociais locais e as influências dos intermediários de poder regionais. “Em suma, as identidades políticas não dependeram apenas da posição social; tiveram componentes culturais importantes” (HUNT, 2007:10). Leia Mais

Contesting Canadian Citizenship: Historical Readings – ADAMOSKI et al (CSS)

ADAMOSKI, Robert; CHUNN, Dorothy E.; MENZIES, Robert (eds). Contesting Canadian Citizenship: Historical Readings. Peterborough, ON: Broadview Press, 2002. 429p. Resenha de: MITCHELL, Tom. Canadian Social Studies, v.39, n.1, p., 2004.

Citizenship lies at the heart of the liberal state and forms of political modernity. Defined variously as a relational practice, a set of personal rights and obligations, or as a cultural idiom unique to particular societies, citizenship is to a greater or lesser degree always fluid, plastic, and internally contested (Brubaker, 1992, p. 13; on citizenship see also T. H. Marshall T. Bottomore, (1992). Its analysis offers an opening to modern approaches to power and social control, to forms of modern nations and nationalities; conceptually, idioms of citizenship are deeply implicated in most debates of public policy in the liberal state. And, as Contesting Canadian Citizenship discloses, such has been the case since the beginning of modern Canadian history.

The various and diverse chapters contained in Contesting Canadian Citizenship tell us about how modernist discourses of class, gender, race and discursive idioms of human pathology have shaped how Canadians have imagined each other. Such discourse furnished the theory upon which forms of unequal citizenship have been cast, institutional life has been ordered, and relations of power and vulnerability have been forged. For some citizenship promised power and opportunity, full citizenship within the liberal state; for others liberal discourse on citizenship led to non-citizenship, shame, subordination, incarceration, even sterilization.

The readings open with a nicely tailored introduction to the contemporary debate and varied usages of citizenship as a practical – and almost always contested – political and social idiom. Here the Canadian debate is effectively placed within the context of a broader international literature. Janine Brodie’s contribution to the introduction Three Stories of Canadian Citizenship focuses on three approaches to the development of citizenship in Canada: the legal, rights based and governance approaches. Under these headings Brodie moves from an account of the juridical nature of Canadian citizenship, to a discussion of the evolution of Canadian citizenship within a critical appraised account of T.H. Marshall’s seminal theorization of citizenship, to a historical survey of citizenship under the general rubric of governance.

Beyond the introduction, Contesting Canadian Citizenship has five sections. Constituting the Canadian Citizen contains essays by Veronica Strong-Boag on the debate around citizenship central to the Canadian Franchise Act of 1885. Gender, race, and class are illuminated as central features of the construction of citizenship within the Canadian liberal state. Ronald Rubin tackles citizenship in the evolving cultural politics of Quebec sovereignty, while Claude Denis provides a thoughtful and provocative account of the Hobson’s choice at the heart of the history of indigenous citizenship in Canada.

Under the heading Domesticity, Industry and Nationhood Sean Purdy relates a fascinating story of the implication of idioms of citizenship within debates over housing policy, while Jennifer Stephen considers industrial citizenship within the context of an account of employment, industrial relations and the creation of an efficient labour force during the era of crisis and reconstruction from 1916-1921. Deyse Baillargeon employs data from interviews with Francophone women in Montreal to provide a contextually specific glimpse into how women in Quebec, who possessed only a partial juridical citizenship, nevertheless made an important contribution to the maintenance of social stability during the Great Depression. Finally, Shirley Tillotson takes up the question of citizenship and leisure rights in mid-twentieth century Canada. In a nicely theorized account of the development of leisure rights sensitive to the implications of class, gender, race and rurality, Tillotson makes the argument that the imperatives of a moral economy of democratic citizenship in which the right to the prerequisites of health and culture led the liberal state to provide all Canadians not just the elite with access to leisure in the form of statutory and paid holidays and recreational programs.

Education has always been central to the Canadian debate on citizenship. This theme is treated at length under the heading Pedagogies of Belonging and Exclusion. Lorna R. McLean links the literature of class and masculinity with emerging forms of Canadian citizenship through an account of the adult education program of Frontier College. Katherine Arnup provides an illuminating account of the links between modernist discourses implicating motherhood with the manufacture of citizens. Here experts in child development typically, members of the medical profession cast a shaft of enlightenment on the benighted mothers especially those of non-Anglo-Canadian stock of future citizens of the country. Mary Louise Adams relates how the construction of citizenship was and remains implicated in the definition and policing of sexual identity and an orthodox sexuality. Bernice Moreau provides an account of the junction of race and citizenship in Nova Scotia. Here the shameful story of how Black Nova Scotians struggled to gain educational rights and civic equality against a state and civil society that denied them full citizenship is related.

Finally, four chapters address the theme of Boundaries of Citizenship. Here, Robert Adamoski relates the passage of children as wards of the state to productive citizenship. Adamoski argues that the philanthropic and child rescue movements that emerged in the late nineteenth century dealt with their charges within the class, gender and racial expectations of the time. Working class girls and boys would become solid working class citizens; only through assimilation could Aboriginal children enter the ranks of citizenship. Joan Sangster discusses the rescue of delinquents for the liberal state. In a chapter that considers developments from 1920-1965, Sangster provides illustrations and analysis of the changing and unchanging strategies used by the state and social experts to re-create model citizens. Dorothy E. Chunn deals with race, sex and citizenship through an examination how the criminal law in British Columbia was employed normatively to disseminate and sustain dominant conceptions of appropriate and inappropriate sexual and social relations. Her account illustrates how law worked to reinforce hierarchical social relations within the new settler society of British Columbia. Robert Menzies relates the story of mental hygiene and citizenship in British Columbia during the formative 1920s, an era in which the long shadow of eugenics discourse threatened dire consequences for those who for any number of reasons were deemed unworthy of citizenship. He develops a useful historical context for his account: relating how developments elsewhere from Ontario to Britain, Alberta to California shaped the course of the debate in British Columbia, and contributed to the shaping of social policy for some of Canada’s most vulnerable citizens.

This is a very useful publication. It brings together a diverse body of literature that speaks to the complex and evolving ideological core of the Canadian liberal state: citizenship and prose rendered with a minimum of jargon. Of course, each reader of this book will find some chapters more literate, interesting and useful than others. Such is to be expected in a volume containing seventeen chapters and almost as many authors.

References

Brubaker, R. (1992). Citizenship and Nationhood in France and Germany, London: Harvard University Press.

Marshall, T.H. Bottomore, T. (1992). Citizenship and Social Class. London: Pluto Press.

Tom Mitchell – Brandon University. Brandon, Manitoba.

Acessar publicação original

[IF]

Um mulato no reino de Jambom (As classes sociais na obra de Lima Barreto) – CURY (PH)

CURY, M. Zilda Ferreira. Um mulato no reino de Jambom (As classes sociais na obra de Lima Barreto). São Paulo: Cortez, 1981. Resenha de: MARRACY, Sônia A. Projeto História, São Paulo, v.2, 1982.

Sônia A. Marracy

Acesso apenas pelo link original

[IF]